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Odontologia Clínico-Científica (Online)

versão On-line ISSN 1677-3888

Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.10 no.4 Recife Out./Dez. 2011

 

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

 

Percepção dos Cirurgiões-Dentistas em Relação ao Sistema Único de Saúde/Programa de Saúde da Família (SUS/PSF) no Município de Nossa Senhora do Socorro - SE

 

Perception of Dentists in Relation to the Single Health System/Family Health (SUS/PSF) Program in the City of Nossa Senhora do Socorro-SE

 

 

Luciana Andrade Gama da Silva I; Marta Rabello Piva I; Marlos César Bonfim Cabral I; Aline Carvalho Peixoto I; Thiago de Santana Santos II; Maria José Oliveira Santos I

 

I Departamento de Odontologia da Universidade Federal de Sergipe (DOD/UFS), Aracaju, Sergipe, Brasil
II Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (FORP/USP), Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil

 

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo objetivou conhecer a percepção dos cirurgiões-dentistas em relação ao Sistema Único de Saúde e ao Programa Saúde da Família no município de Nossa Senhora do Socorro, Sergipe. Foram aplicados 41 questionários contendo perguntas objetivas e subjetivas, com análise dos resultados desenvolvida por meio da abordagem qualiquantitativa. Os resultados demonstraram que a maioria dos cirurgiões-dentistas enfatiza a importância da capacitação de recursos humanos como forma de integração e efetividade da Equipe de Saúde Bucal no Sistema Único de Saúde e no Programa Saúde da Família. Concluiu-se que os profissionais, os gestores e as entidades públicas devem buscar promover a interação entre avanço do conhecimento, progresso tecnológico, mercado de trabalho, estrutura de serviços, políticas públicas, agenda social e perfil das demandas, contribuindo, dessa maneira, na resolução do paradoxo entre formação profissional, com ênfase no domínio cognitivo/instrumental e mudanças nas tendências atuais das políticas de saúde.

Descritores: Odontologia em Saúde Pública; Percepção; Sistema Único de Saúde; Programa Saúde da Família; Formação de Recursos Humanos; Epidemiologia.


ABSTRACT

This study examines perceptions of dentists in relation to the Health System and the Family Health Program in the city of Nossa Senhora do Socorro, Sergipe. Questionnaires containing 41 questions with objective and subjective questions were utilized and the analysis of the results were developed through the qualitativequantitative approach. The results showed that most dentists emphasizes the importance of training human resources as a means of integration and effectiveness of the Oral Health Team in the National Health System and the Family Health Program. It was concluded that professionals, managers and public authorities should seek to promote the interaction between scientific knowledge, technological progress, labor market structure, services, public policy, social agenda and profile of demand, contributing, in this way, with the resolution of paradox between training with emphasis on the cognitive / instrumental and changes in current trends of health policies.

Keywords: Public Health Dentistry; Perception; Single Health System; Family Health Program; Human Resources Formation; Epidemiology.


 

 

INTRODUÇÃO

A Odontologia, na sociedade moderna, está ampliando seu campo de atuação, assumindo, cada vez mais, uma característica coletiva, social e associando essa nova visão em prática de saúde ao modelo curativo, com a premissa de execução do papel educacional na relação profissional/paciente, promovendo laços de co-responsabilidade focados na promoção de saúde.

A implementação da área odontológica no Programa Saúde da Família (PSF) surge como forma de incentivo à reorganização da atenção a saúde bucal, visando ao acesso coletivo às ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde e consequente melhoria dos indicadores epidemiológicos1.

Devido à Odontologia não compor inicialmente o programa, possivelmente acarretou prejuízos na integração dos profissionais co-relacionados, contribuindo para a indeterminação do papel do cirurgião-dentista (CD) na Equipe de Saúde da Família (ESF), dificultando a transitoriedade e, consequentemente, não disponibilizando as devidas condições para que a Equipe de Saúde Bucal (ESB) seja capaz de estabelecer conexões entre os conhecimentos específicos da profissão e os aspectos estruturais e funcionais do Programa de Saúde da Família (PSF), a fim de compor novas práticas de saúde2.

Observou-se também que, com a implantação do PSF e o fortalecimento dos princípios de descentralização e municipalização da saúde, ocorreu uma ampla abertura do mercado de trabalho. Esses acontecimentos acarretaram na necessidade de profissionais na área de saúde capacitados para atuarem na atenção básica, exigindo um novo norteamento na formação profissional como também de polos de capacitação muito bem estruturados para a inserção desses profissionais nesse novo contexto.

O Programa de Saúde da Família está se confrontando com a tendência à superespecialização dos profissionais; à distribuição geográfica; ao distanciamento entre as políticas de formação e a política de saúde (com destaque para as dificuldades de definir o perfil profissional ao término da graduação); à produção de inovações no âmbito das instituições de ensino traduzidas em reformas curriculares mais efetivas (limitações referentes aos docentes nas quais se observa que, na grande maioria das vezes, eles reproduzem, no ensino, suas condições de trabalho e não, as dos serviços existentes e necessários ao mercado, como a saúde da família, por exemplo) e à reorganização de serviços, em especial, os da atenção básica, fato observado com a expansão da Saúde da Família3-5.

A formação e a capacitação dos profissionais de saúde que atuam no campo da saúde pública devem promover o desenvolvimento de competências que construam uma instrumentalização técnica e política, articulada com a ética, tendo o ser humano e a coletividade como seu foco central.

Essa necessidade de modificação nos planos de ação curricular das escolas de nível superior em saúde no Brasil, que anteriormente se baseavam na formação acadêmica voltada para a atuação profissional curativa, deve ser moldada, direcionando disciplinas com temáticas em saúde pública, focalizando princípios doutrinários e organizativos do SUS e as bases operacionais do PSF, objetivando o preparo desses profissionais no aspecto histórico-administrativo e na atenção básica assistencial.

As necessárias mudanças devem começar na formação profissional e na visão de mundo reproduzida dentro das academias, pois certamente nesses espaços também se inicia a formação das possibilidades para a empregabilidade futura do cirurgião-dentista e de sua relevância social6.

As Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de Graduação em Odontologia destacam a humanização da educação como um dos aspectos fundamentais para a concretização de novas bases para a educação superior, para a formação profissional e para a cidadania contextualizada com os reais problemas brasileiros7.

É imprescindível que, nos processos – modelo de atenção e recursos humanos –, sejam equiparados em importância à discussão em torno da formação de recursos humanos para o SUS e melhores alternativas para enfrentar a situação dos profissionais já inseridos no sistema8. Procura-se, dessa forma, minimizar os efeitos da formação inadequada dos profissionais e garantir meios para que suas práticas atendam aos desafios que estão sendo colocados para a implementação do sistema, em especial no âmbito dos municípios.

Partindo do exposto, o presente estudo propõe avaliar o conhecimento dos cirurgiões-dentistas inseridos no Programa de Saúde da Família em relação ao SUS/PSF no município de Nossa Senhora do Socorro, com enfoque no nivelamento dessas informações teórico-práticas para melhor adequação às tendências da política de saúde pública no país.

 

MATERIAL E MÉTODOS

O presente estudo consta de uma pesquisa exploratória, de natureza descritiva, que se utilizou dos recursos técnicos da abordagem qualiquantitativa.

O espaço geográfico da pesquisa foi o município de Nossa Senhora do Socorro – SE que faz parte da Grande Aracaju, localizando-se na região leste de Sergipe, distante da capital 15 Km9.

De acordo com o SIAB (Sistema de Informação da Atenção Básica), estão implantadas 62 Equipes de Saúde da Família (compostas por médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, agentes comunitários de saúde) e 47 Equipes de Saúde Bucal (compostas por cirurgiões-dentistas e atendentes de consultório dentário). A escolha desse município para a realização da pesquisa se baseou na inexistência de estudos envolvendo essa temática nesse local, por ter sido realizado recentemente concurso público, havendo inclusão de novos profissionais no PSF e pela possibilidade que os resultados possam oferecer subsídios para a sensibilização dos gestores e odontólogos em relação à importância da capacitação de recursos humanos para atuarem no Programa Saúde da Família.

Foram pesquisados 41 cirurgiões-dentistas que corresponderam a 87,23% da totalidade desses profissionais que estão inseridos no Programa Saúde da Família do município de Nossa Senhora do Socorro, nos meses de março e abril de 2009. Foi utilizado como instrumento de coleta de dados um questionário elaborado exclusivamente para a pesquisa, contendo perguntas objetivas e subjetivas relativas ao conhecimento dos cirurgiões-dentistas acerca do Sistema Único de Saúde/PSF e das fontes de informação dos CD sobre esse sistema de saúde e o Programa Saúde da Família.

Nessa pesquisa, os cirurgiões-dentistas responderam aos questionários na própria residência ou na Unidade de Saúde onde estavam alocados. Inicialmente, esses profissionais foram esclarecidos sobre os objetivos e a metodologia da pesquisa e, após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, o questionário foi aplicado.

A análise da pesquisa foi realizada com base na organização dos dados coletados, relacionando-os com os referenciais teóricos da pesquisa, procurando responder às questões de acordo com os objetivos propostos. Dessa forma, uma análise qualiquantitativa dos dados e das informações coletados foi empregada. A análise quantitativa foi apresentada em forma de tabelas com valores percentuais e absolutos e processados por meio do programa Microsoft Excel 2007; na qualitativa, porém, os resultados foram trabalhados com base na técnica de análise de conteúdo, sistematizada por Minayo10, com a categorização temática dos dados provenientes dos questionários.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe sob o protocolo nº 041/2006.

 

RESULTADOS

Caracterização da amostra

Dentre os 47 cirurgiões-dentistas que compõem as 62 Equipes de Saúde da Família no município de Nossa Senhora do Socorro, observamos que 41 responderam o questionário, representando 87,23% da totalidade da amostra. Algumas características foram apresentadas para se conhecer o grupo estudado (Tabela 1).

Analisando-se o tempo em que está inserido no SUS e no PSF como cirurgião-dentista, nota-se que, no SUS, a maioria dos entrevistados (18) possui até um ano de trabalho no SUS, 7, entre 1 e 3 anos de trabalho; entre 3 e 6 anos, temos 11 cirurgiões-dentistas, e com mais de 6 anos, apenas um dos entrevistados. No PSF, observou-se que 23 dos profissionais estavam inseridos no programa há apenas um ano, 7, entre 1 e 3 anos, e 11 dos CD trabalhavam no PSF há mais de 3 anos (Tabela 1).

 

 

 

Formação Profissional

No que concerne à formação profissional (Tabela 2), os resultados mostraram que 68,29% dos profissionais pesquisados tiveram alguma disciplina durante a graduação que abordasse assuntos referentes à saúde pública. Em relação a disciplinas que abordassem o PSF, a maioria dos cirurgiões-dentistas (70,73%) respondeu que esse programa não foi contemplado no período da graduação.

Em relação às fontes de aquisição de conhecimento sobre SUS/PSF, os cursos de capacitação/treinamentos representaram 36,58%. 24,39% indicaram que o conhecimento foi proveniente da graduação, 17,07%, de cursos de pós-graduação, e 21,95% indicaram aquisição de conhecimento nessa área proveniente de experiência profissional no SUS e do estudo para concursos públicos.

 

 

 

Percepção sobre SUS/PSF

Utilizando-se do método hermenêutico-dialético, identificamos as seguintes temáticas centrais relacionadas à percepção dos cirurgiões-dentistas em relação ao Sistema Único de Saúde e ao Programa Saúde da Família: conceito de SUS, diferenças entre SUS e PSF, conhecimento sobre SUS/PSF, atuação no SUS e facilidades e dificuldades para atuação no SUS/ PSF (Tabela 3).

 

 

 

DISCUSSÃO

Dos cirurgiões-dentistas participantes do estudo, 28 destes são do gênero feminino, e 13, do masculino. Em relação à faixa etária, 20 deles encontravam-se na faixa etária de 20 aos 30 anos; entre 31 e 40 anos, são 14 cirurgiões-dentistas pertencentes à equipe de saúde da família, na faixa de 41 a 50 anos, foram entrevistados 6, e apenas 1 CD tinha mais de 50 anos. Os dados encontrados na tabela 1, em que predomina a faixa etária abaixo dos 30 anos, representando 48,78%, estão de acordo com os estudos de Escorel11 e Gil8, caracterizando a população estudada como de adultos jovens.

Os resultados da tabela 2 enfatizam a necessidade de capacitação de recursos humanos para atuarem no SUS e, como observado no estudo de Quintana12, com referência ao o impacto das reformas do setor de saúde sobre os recursos humanos e gestão, a superação do modelo tecnicista é necessária para a construção de uma nova prática de gestão em recursos humanos, baseada na ideia de sujeitos históricos imersos em processos sociais e institucionais completos, que comprometem tanto a dimensão técnica como as relações sociais, econômicas, políticas e culturais.

Observa-se também que, de acordo com a Resolução CNE/CES 3°, de 2002, que institui as Diretrizes Curriculares do Curso de Graduação em Odontologia, a formação do cirurgião- dentista tem por objetivo dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o exercício das seguintes competências e habilidades gerais: atenção à saúde, aptos a desenvolver ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde tanto em nível individual quanto coletivo; tomada de decisões, para avaliar sistematizar e decidir as condutas mais adequadas, baseadas em evidências científicas; comunicação, sendo acessíveis e mantendo a confidencialidade das informações; liderança, sempre tendo em vista o bem-estar da comunidade; administração e gerenciamento e educação permanente, capazes de aprender continuamente tanto na sua formação quanto na sua prática13. Dessa forma, mudanças no eixo de formação profissional podem vir a contribuir para o nivelamento entre ensino e prática no paradigma atual desses profissionais no Sistema Único de Saúde, ampliando as possibilidades de atuação educativa humanizada, contextualizada à aprendizagem na realidade de inserção social.

Quando questionados se houve preparo durante a graduação para o trabalho no SUS/PSF, apenas 34,14% dos cirurgiões-dentistas afirmaram dispor de prática para atuarem no Programa Saúde da Família. Esse resultado assemelha-se a outro estudo 2, no qual todos os participantes afirmaram não ter preparo para atuação no PSF, identificado na fala de um dos entrevistados ao referir que o curso de Odontologia como um todo foi voltado ao atendimento ambulatorial. A incipiente participação da Odontologia no SUS no Brasil somada à paradoxal transição da Odontologia de mercado, de natureza liberal e privada, para uma Odontologia sujeita às oscilações de oferta de emprego e renda contribuem para os descaminhos do ensino superior e enfatizam a necessidade de profundas mudanças sociopolíticas, conceituais, pedagógicas e práticas como exigência da tônica moderna14.

Políticas claras do SUS, pautadas em suas diretrizes, devem indicar ações orientadas para mudanças na formação dos profissionais de saúde15. Uma política para a mudança tem, necessariamente, que ser capaz de ir além das declarações de intenção e da existência formal de propostas, instâncias ou estruturas. Tem de ser capaz de evocar o pensamento crítico e o compromisso de todos os atores (docentes, estudantes, gestores de saúde e de educação, conselheiros de saúde e movimentos sociais), além de oferecer possibilidades de interferência real no processo de formação profissional. Para tanto, a articulação entre ensino superior e saúde é fundamental, e, no âmbito do PSF, têm-se os polos de Capacitação, Formação e Educação Permanente de pessoal para a Saúde da Família como um importante espaço16.

Os problemas existentes na formação e no exercício dos profissionais na área de saúde devem estar situados no contexto político-econômico e social, exigindo, entre outras, mudanças curriculares, organizacionais, reestruturantes de nossas práticas bem como o engajamento nas lutas por condições mais favoráveis de trabalho17.

Observou-se que sobre a frequência de oferta de cursos de capacitação sobre SUS/PSF para esses profissionais, 16 deles responderam ter frequentemente cursos de capacitação, e a maioria dos cirurgiões-dentistas (60,97%) declaram que não. Esses resultados demonstram a dificuldade de promover a adequação necessária aos programas de desenvolvimento dos profissionais inseridos nas equipes de saúde da família, comprometendo o fortalecimento da articulação ensino-serviço em torno, principalmente, das necessidades de capacitação dos profissionais de saúde inseridos nas equipes8.

Em relação ao significado de Sistema Único de Saúde, a maioria dos profissionais associou seu conceito com a oferta de condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde a toda a população, ao referir que "O SUS representa um conjunto de ações e serviços de saúde oferecidos a todos os indivíduos como um direito assegurado pela constituição", "Proporciona aos cidadãos o direito à saúde baseado nos princípios de equidade, universalidade e integralidade", apesar de alguns dos cirurgiões-dentistas o relacionarem apenas aos serviços públicos "Sistema público de saúde implantado desde a constituição de 88", ou a estratégias: "Estratégia de governo, que pretende organizar ações básicas de promoção de saúde assim como ações de média e alta complexidade", ou a modelos de assistência: "Modelo de assistência com comando único em cada esfera de governo". De acordo com a lei 8080/90, o Sistema Único de Saúde é um conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações oferecidas pelo Poder Público18.

Observou-se ainda de acordo com a tabela 3 que na questão referente à existência ou não de diferenças entre SUS e PSF, 82,92% dos cirurgiões-dentistas afirmam se tratar de conceitos diferentes, e apenas 17,07% dizem não haver diferença. Na questão aberta relativa à diferença existente, os depoimentos remetem a inclusão do PSF como estratégia do SUS: "O PSF é um programa de saúde que visa reorganizar a atenção básica da família com base nos princípios do SUS", "O SUS é um sistema mais abrangente, comportando serviços, e o PSF está inserido no Sistema Único de Saúde, obedecendo e submetendo-se às suas diretrizes". A estratégia do PSF propõe uma nova estruturação dos serviços de saúde, sua relação com a comunidade e entre os diversos níveis de complexidade assistencial. Assume o compromisso de prestar assistência universal, integral, equânime, contínua e, acima de tudo, resolutiva à população na unidade de saúde e no município19.

Embora rotulado como programa, o PSF, por suas especificidades, foge à concepção usual dos demais programas concebidos no MS, já que não é uma intervenção vertical e paralela às atividades dos serviços de saúde. Ao contrário, caracteriza-se como uma estratégia que possibilita a integração e promove a organização das atividades em um território definido, com o objetivo de proporcionar o enfrentamento e a resolução dos problemas identificados20.

Na questão referente ao conhecimento sobre SUS/PSF, 48,78% dos profissionais afirmam possuir conhecimento suficiente, e 51,21%, insuficiente. Em relação à necessidade de maior capacitação dos cirurgiões-dentistas do PSF para atuação no SUS, 92,68% afirmam essa necessidade, e apenas 7,31% declaram que não. Por outro lado, quando questionados em relação a se considerarem ou não capacitados a atuarem no SUS, a maioria, 85,36% dos profissionais entrevistados declarou- se capacitado. Esses resultados demonstram que a maioria dos cirurgiões-dentistas, mesmo se caracterizando como não recebendo preparo durante a graduação para atuarem no SUS/PSF, como descrito "A graduação não prepara o cirurgião-dentista para atuar em saúde pública", "Grande parcela dos dentistas... atuando sem compromisso com as pretensões do MS e sem critérios e preparo...", "Nem todos estão preparados... A maior necessidade para quem trabalha no SUS é entender as deficiências e limitações do público-alvo..., considerando raras as capacitações oferecidas para os profissionais do PSF, referindo serem insuficientes as disciplinas durante a graduação que abordassem assuntos condizentes ao SUS/PSF e afirmarem a necessidade de maior capacitação dos odontólogos para atuação no programa, se consideram capacitados para atuarem no sistema de saúde.

As dificuldades encontradas pelos profisionais para atuação no SUS/PSF foram: precariedade de salário, infraestrutura e recursos humanos, sistema de referência e contrarreferência fraco, sobrecarga de trabalho (2 ESF para 1 ESB), dificuldade de atuação interdisciplinar, descompromisso por parte da gestão, aceitação da comunidade (odontologia preventiva), falta de segurança. Esses resultados condizem outro estudo2, que identificou também como dificuldades: o acesso ao gestor, a realização de visitas domiciliares e educação da comunidade para odontologia preventiva. Ainda, o fenômeno de flexibilidade das relações de trabalho verificadas no Programa Saúde da Família compromete a continuidade do programa, principalmente na relação com a comunidade no que se refere, por exemplo, a sua credibilidade e à da Secretaria Municipal de Saúde que o adota21. O vínculo precário dos profissionais do PSF, o excesso de trabalho, a falta de recursos humanos, materiais e medicamentos, a dificuldade de acesso às áreas de trabalho, a baixa remuneração, o deficiente sistema de referência e contrarreferência são assinalados como as principais causas de desgaste no exercício profissional22.

As facilidades referidas foram: trabalhar com a comunidade, atuação na promoção de saúde, vínculo trabalhista por meio de concurso público. Borba et al.2 acrescentam ainda o cumprimento do cronograma mensal, a categorização dos pacientes de acordo com as complexidades das necessidades odontológicas, assistência prestada pelos atendentes de consultório dentário e o bom relacionamento com a equipe.

Os dados encontrados neste estudo revelam que a maioria dos cirurgiões-dentistas está de acordo com a necessidade de capacitação de recursos humanos como forma de integração e efetividade da Equipe de Saúde Bucal no Sistema Único de Saúde e no Programa Saúde da Família.

Os profissionais, os gestores e as entidades públicas devem buscar promover a interação entre avanço do conhecimento, progresso tecnológico, mercado de trabalho, estrutura de serviços, políticas públicas e agenda social e perfil das demandas, contribuindo, dessa maneira, na resolução do paradoxo entre formação profissional, com ênfase no domínio cognitivo e instrumental e mudanças nas tendências atuais das políticas de saúde.

A construção de práticas pedagógicas estruturadas com base nas Diretrizes Nacionais do Curso de Graduação em Odontologia aponta para uma formação profissional humanista, crítica e reflexiva, com atuação em todos os níveis de atenção à saúde. Esse delineamento de novos projetos pedagógicos leva a uma cidadania contextualizada, mas não define propostas para a capacitação dos profissionais já inseridos no sistema. Os polos de capacitação destinam-se a promover ações de capacitação, formação e educação permanente, sempre buscando reforçar a articulação entre as instituições de ensino superior e médio e os serviços estaduais e municipais de saúde, desta forma, estaria se comprometendo com o desenvolvimento de recursos humanos para a saúde da família e também para a atenção básica do SUS.

Porém, outros fatores contribuem para que a capacitação não seja resolutiva, porque os descaminhos da Odontologia mostram profissionais desmotivados, gestores sem compromisso e pacientes desacreditados, corroborando uma prática desvinculada dos ideais do SUS.

 

CONCLUSÃO

Torna-se imprescindível que ocorra uma associação entre os fatores representativos desse processo, para que se estabeleça um vínculo entre a relevância social do perfil profissional e a tônica moderna da incipiente participação da Odontologia no Sistema de Saúde no Brasil, problematizando o conhecimento e a realidade.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Marta Rabello Piva
Departamento de Odontologia da Universidade Federal de Sergipe (DOD/UFS)
Rua Cláudio Batista, s/n - Sanatório
Aracaju/SE CEP: 49060-100
E-mail: thiago.ctbmf@yahoo.com.br

 

Recebido para publicação: 25/04/11
Aceito para publicação: 22/06/11