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Odontologia Clínico-Científica (Online)

versão On-line ISSN 1677-3888

Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.10 no.4 Recife Out./Dez. 2011

 

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

 

Alterações gengivais em área de restaurações classe II com excesso de material restaurador

 

Gingival alterations in areas adjacent to overhanging Class II restorations

 

 

Gessana Maria Lobo I; Daniele Meira Conde II; Rogério Vera Cruz Ferro Marques III; Ana Emília Figueirêdo Oliveira IV; Fernanda Ferreira Lopes IV; Adriana de Fátima Vasconcelos Pereira IV; Cláudia Maria Coêlho Alves IV

 

I Cirurgiã-dentista pela Universidade Federal do Maranhão
II Especialista em Dentística pela ABO-DF, Programa de Pós-graduação em Odontologia pela Universidade Federal do Maranhão
III Especialista em Implantodontia pela ABCD - PI. Programa de Pós-graduação em Odontologia pela Universidade Federal do Maranhão
IV Professora do Programa de Pós-graduação em Odontologia pela Universidade Federal do Maranhão

 

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Introdução: As restaurações proximais ainda representam um desafio na prática da Odontologia Restauradora. Margens com excesso de material são frequentemente observadas, favorecendo o acúmulo de placa na região e interferindo na manutenção de uma gengiva saudável. Objetivo: O objetivo deste trabalho foi verificar as alterações gengivais em áreas de restaurações classe II com excesso de material restaurador bem como detectar a prevalência de restaurações classe II com excessos de material restaurador em duas Clínicas do Curso de Odontologia da Universidade Federal do Maranhão. Materiais e Métodos: Foram selecionados 20 pacientes por meio de exame clínico e radiográfico, nos quais foram analisados excessos de material restaurador, profundidade clínica de sondagem e sangramento gengival nas áreas adjacentes às restaurações proximais. Resultados: Foram encontradas 55 superfícies proximais restauradas com amálgama ou resina composta, as quais demonstraram um número relativamente alto de superfícies com excessos (50,9%), aumento da profundidade clínica de sondagem e presença de sangramento gengival nas áreas adjacentes a essas restaurações. Conclusões: Os autores concluíram que os excessos de material restaurador representam danos aos tecidos gengivais, estando diretamente relacionados ao aumento da profundidade de sondagem e sangramento gengival.

Descritores: Periodontia; Gengivite; Falha de Restauração Dentária.


ABSTRACT

Introduction: The proximal restorations still represent a challenge in the practice of restorative dentistry. Overhanging restorations are frequently observed, favoring the accumulation of plaque in the region and may interfere in the maintenance of healthy gums. Objective:The aim of this study was to detect the prevalence of overhanging class II restorations and the relationship with gingival alterations in two Dental Clinics at the School of Dentistry of Federal University of Maranhão. Materials and Methods: Twenty patients were assessed by clinical and radiographic examination in order to observe overhanging restorations, probing pocket depth and gingival bleeding in the areas adjacent to the proximal restorations. Results: There were found 55 proximal surfaces restored with amalgam or composite resin which showed a relatively high number of overhanging surfaces (50,9%), increased probing pocket depth and presence of gingival bleeding in the adjacent areas to the restorations. Conclusions: Authors had concluded that overhanging restorative material represents damage to gingival tissues, being directly related to increased periodontal pocket depth and gingival bleeding.

Keywords: Periodontics; Gingivitis; Dental Restoration Failure.


 

 

INTRODUÇÃO

A gengiva é a parte da mucosa mastigatória que recobre o processo alveolar dos maxilares e da mandíbula, circundando o colo dos dentes. Assume sua forma definitiva (meia lua ou col) com a erupção completa dos dentes, sendo sua superfície, quando sadia, firme e resiliente, em íntimo contato com a superfície do esmalte, com coloração variando de rosa pálido ao roxo azulado1.

A doença periodontal é caracterizada, clinicamente, pela gengiva de cor avermelhada, textura flácida e brilhante, com sangramento ao toque e perda óssea alveolar, que pode ser constatada radiograficamente, levando posteriormente à recessão gengival e à mobilidade dental2. Quando há inflamação superficial da gengiva, porém sem perda de inserção, a doença periodontal é definida como gengivite. Porém, quando há inflamação com destruição do periodonto, causada pela progressão das alterações patológicas da gengivite, tem-se periodontite3.

A saúde periodontal está diretamente relacionada com a prática restauradora bem executada. A perfeita execução de restaurações classe II depende do correto uso de matriz, porta matriz e cunha de madeira, a fim de obter formas e contatos proximais mais adequados. Essa etapa do procedimento restaurador, quando negligenciada, pode acarretar em defeitos na restauração definitiva, tais como excesso ou falta de material, trazendo como consequências danos ao periodonto4. Estudos epidemiológicos e clínicos têm demonstrado a estreita associação entre esses fatores iatrogênicos e fatores locais na patogênese da lesão periodontal5-12.

A detecção precoce dos excessos das restaurações é uma parte importante do tratamento odontológico preventivo e pode ser realizada pela exploração clínica com um instrumento sensível tátil, usado em conjunto com radiografias periapicais e interproximais8,10. Tomadas radiográficas devem ser feitas rotineiramente, após procedimentos restauradores amplos que envolvam extensões gengivais profundas, a fim de que se evitem restaurações com bordas insatisfatórias5.

Entretanto, não é propriamente o excesso de restauração nem a irritação química ou mecânica do material restaurador que causam ou mantêm a inflamação gengival, mas o grande acúmulo de placa, de tal forma que os excessos devem ser removidos para facilitar a remoção de placa pelo próprio paciente11.

Conhecendo a importância de restaurações proximais com bordas bem delimitadas e sem excessos para a saúde periodontal do paciente e, ainda, que esse é um procedimento de difícil execução por muitos, esta pesquisa visou detectar a prevalência de restaurações classe II com excessos de material restaurador (resina e amálgama) em duas disciplinas da Clínica da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Maranhão - UFMA e relacionar a presença dos excessos com o estado periodontal dos tecidos frente à agressão sofrida.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Questões Éticas

Para atender às exigências éticas e científicas fundamentais da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão sob o protocolo no.116/2005. Todos os pacientes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, podendo desistir de participar da pesquisa a qualquer momento. Ao final da pesquisa, os pacientes que apresentaram excessos de material restaurador foram encaminhados à Clínica Restauradora I para desgaste e polimento das restaurações. Aqueles que apresentaram inflamação gengival ou comprometimento ósseo também foram encaminhados à Clínica de Periodontia da Universidade Federal do Maranhão.

Seleção da amostra

O presente estudo foi realizado em pacientes que frequentaram as Clínicas Integrada Adulto e Dentística Restauradora I do curso de Odontologia da Universidade Federal do Maranhão e realizaram tratamento restaurador em cavidades classe II em amálgama ou resina, no período de junho/2002 a dezembro/2003. Foram selecionados 20 pacientes das disciplinas Clínica Integrada Adulto e Dentística Restauradora I, totalizando 45 dentes com 55 superfícies restauradas. Os exames clínico e radiográfico foram realizados por um examinador devidamente calibrado.

Exame clínico

O exame clínico foi realizado com o auxílio de sonda exploradora nº 5, sonda periodontal milimetrada Hu-Friedy (Hu-Friedy, Chicago, IL, USA) e espelho bucal. Consistiu da verificação de excessos de material, aferição da profundidade clínica de sondagem (PCS) e da avaliação do sangramento nas áreas adjacentes às restaurações proximais.

O excesso de material restaurador foi verificado por meio do teste tátil, deslizando-se a sonda exploradora sobre a superfície proximal da restauração, no sentido gengivo-oclusal. Para verificar a presença de bolsa periodontal, a profundidade de sondagem foi medida com o auxílio de sonda periodontal milimetrada em três pontos da face vestibular (mésio-vestibular, médio e disto-vestibular) e três pontos da face palatina/lingual (mésio-palatino/lingual, médio e disto-palatino/lingual) dos dentes em questão, atribuindo-se, para a face proximal, o valor do ponto mais profundo. A presença de sangramento espontâneo e/ou à sondagem também foi verificada.

Exame Radiográfico

Foram realizadas 23 tomadas radiográficas interproximais, sendo uma tomada para cada região restaurada, com tempo de exposição de 0,5 segundo, utilizando-se de filmes periapicais Insight (Kodak Co., Rochester, NY, USA). Para efeito de padronização, foram utilizados suportes posicionadores de filme intrabucal (Rinn corporation, Elgin, IL, USA). O processamento radiográfico foi efetuado pelo método tempo-temperatura, empregando-se revelador (Kodak Co., Rochester, NY, USA) e fixador (Kodak Co., Rochester, NY, USA).

As radiografias foram avaliadas com o auxílio de negatoscópio, lupa com lente de 3x de aumento e uma máscara feita com papel-cartão preto, com um orifício do tamanho da película radiográfica, objetivando melhorar a nitidez da imagem radiográfica, visto que a luz provoca dilatação da pupila e diminui o campo de visão do operador. Radiografias com sobreposição de contatos proximais foram descartadas.

Com o auxílio de um compasso de ponta seca, as extensões de material restaurador das 55 superfícies restauradas foram medidas. Utilizou-se como referência a distância da projeção da face mesial ou distal do dente no tocante à questão sobre a projeção da borda externa da restauração. Foi considerada como excesso marginal uma extensão igual ou maior que 0,5 mm de material restaurador, parâmetro utilizado por alguns autores na literatura7-13. Foram contadas como superfícies com excesso de material restaurador aquelas que apresentaram excessos nos dois exames, clínico e radiográfico.

Análise Estatística

As variáveis qualitativas e quantitativas foram analisadas por meio do programa Epi Info 2002, versão 6.02 (Center for Diseases Control, EUA) com vistas à realização da análise descritiva dos dados.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Apesar dos recentes avanços na Odontologia restauradora, restaurações com margens com excesso de material ainda são frequentes. Essa condição, muitas vezes, não é detectada e pode ser um fator importante na etiologia da doença periodontal5,8, promovendo o acúmulo de placa e a alteração da flora subgengival de não-destrutiva para destrutiva14. Planejamento inadequado, técnicas restauradoras insatisfatórias e uso indevido de matriz são as principais causas de restaurações com bordas insatisfatórias5.

Entretanto, quando essas projeções são removidas, o controle da placa pode ser realizado de forma eficaz, resultando no desaparecimento da inflamação gengival e no aumento do suporte ósseo alveolar15. A terapia periodontal associada à remoção de excessos restauradores mostrou um efeito benéfico sobre os parâmetros clínicos e a diminuição de microorganismos em pacientes com restaurações de amálgama com sobrecontorno16.

Vários estudos têm mostrado que os excessos de material restaurador são extremamente comuns10,13,17,18,19. Em um estudo realizado em adultos jovens que possuíam restaurações de amálgama, 57% dos pacientes tinham, pelo menos, uma restauração com excesso, e 27%, três ou mais saliências visíveis nas radiografias20.

No presente estudo, foram avaliados 20 pacientes, dos quais 13 possuíam, pelo menos, uma restauração classe II com excesso de material, representando 65% de toda a amostra. Das 55 superfícies examinadas, 28 possuíam excesso de restauração, correspondendo a 50,9% do total de superfícies. A maioria dos excessos foi encontrada na face distal (65,4%), podendo tal fato ser explicado pelo difícil acesso tanto para a confecção das restaurações quanto para o ajuste e polimento destas.

Setenta e cinco por cento dos pacientes apresentaram PCS maior que 3mm. A média encontrada nas regiões adjacentes às restaurações classe II sem excesso foi de 2,83mm (2,0- 5,5), valor significativamente menor que a das restaurações com presença de excessos marginais, de 3,52mm (2,6-5,5). Esses resultados estão em concordância com diversos trabalhos7,8,10,17,19,21, em que as profundidades clínicas de sondagem foram maiores que 3mm nas regiões adjacentes a excessos. Isso pode ser explicado porque quanto maiores os excessos, maior a chance de se ter aumento na profundidade clínica de sondagem18.

Todas as superfícies que tiveram excessos restauradores também apresentavam sangramento. Estudos relatam uma maior inflamação gengival e sangramento em tecidos adjacentes a restaurações com margens defeituosas do que em dentes sem excessos de material restaurador6,7,14,20,22-25.

 

CONCLUSÕES

Diante do exposto, pode-se concluir que a prevalência de restaurações defeituosas é relativamente alta e que restaurações proximais com excessos são fatores que podem causar danos ao tecido gengival, havendo influência significante dos excessos restauradores nos valores de profundidade clínica de sondagem e sangramento gengival.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Cláudia Maria Coêlho Alves
Rua Sírius, 86 – Portal dos Vinhais
São Luís - Maranhão CEP: 65.078-340

 

Recebido para publicação: 01/07/11
Aceito para publicação: 11/10/11