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Odontologia Clínico-Científica (Online)

versão On-line ISSN 1677-3888

Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.11 no.2 Recife Abr./Jun. 2012

 

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

 

Sentir o sorriso: uma experiência de promoção de saúde bucal com um grupo de deficientes visuais em Recife

 

Feel the smile: an experience of promotion of oral health with a visually impaired group in Recife

 

 

Jaciel Benedito OliveiraI; Thais Carine da SilvaI; Daene Patrícia Tenório Salvador da CostaII; Cláudio Heliomar Vicente da SilvaIII

IGraduado em Odontologia pela Universidade Federal de Pernambuco
IIMestre em Odontologia; Aluna do Doutorado em Odontologia da Universidade Federal de Pernambuco
IIIDoutor em Odontologia; Professor Adjunto da Universidade Federal de Pernambuco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Objetivos: Este artigo objetiva relatar a experiência inclusiva do projeto de extensão Sentir o sorriso, vivenciada por uma equipe do Curso de Graduação em Odontologia da Universidade Federal de Pernambuco, objetivando oportunizar aos deficientes visuais de uma ONG da cidade do Recife/PE a conhecerem a sua saúde bucal, a anatomia e as principais patologias que acometem a cavidade oral (cárie dentária, doença periodontal, maloclusão e câncer de boca). Materiais e Métodos: Foram realizadas ações de promoção de saúde bucal por meio de práticas preventivas e educativas com modelos texturizados, confeccionados para a exploração da capacidade sensorial tátil desses indivíduos. Resultados: Capacitaram-se os deficientes visuais para o controle de sua saúde bucal. Conclusões: As oficinas e palestras permitiram a percepção e o conhecimento das estruturas anatômicas e das principais patologias bucais por parte dos deficientes visuais, além de propiciar aos estudantes de Odontologia participantes a adequação para o ensinamento de técnicas de higiene bucal e autoexame da boca para esse grupo de indivíduos.

DESCRITORES: Pessoas com deficiência visual; Saúde bucal; Assistência Odontológica para Pessoas com Deficiências.


ABSTRACT

Objectives: This article aims to report the inclusive experience of the extension project Feeling the Smile, performed by a group of students of the graduation in Dentistry, of the Federal University of Pernambuco, which had the intention to create opportunities for visually impaired people from an ONG in Recife-PE to understand their oral health, anatomy and major pathologies that affect the oral cavity (dental caries, periodontal disease, malocclusion and oral cancer). Methods: Were carried out actions to promote oral health through preventive and educational practices with textured models, which were made to explore the tactile sensory ability of these individuals. Results: Enabled if the visually impaired for control of your oral health. Conclusions: Thus, the workshops and lectures led to the perception and knowledge of anatomical structures and major oral pathologies by the visually impaired, besides giving the participating dental students suitability for the teaching of oral hygiene techniques and self-examination of the mouth for this group of individuals.

Keywords: Visually Impaired Persons; Oral health; Dental Care for Disabled.


 

 

INTRODUÇÃO

Na Odontologia, o conceito de Pacientes com Necessidades Especiais (PNEs) é amplo e abrange, dentre os diversos casos que requerem atenção diferenciada, as pessoas com deficiência visual, auditiva, física ou múltipla (conforme definidas nos Decretos 3296/99 e 5296/04) que eventualmente precisam ser submetidas à atenção odontológica especial1.

A deficiência visual acarreta necessidades especiais e compreende indivíduos com cegueira (perda total da visão) e baixa de visão (alteração da capacidade funcional da visão), que podem ser decorrentes de inúmeros fatores isolados ou associados2,3.

O Censo 2000, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, relatou que, no Brasil, existem aproximadamente 16.573.937 deficientes visuais4, o que justifica a necessidade de mudanças dos paradigmas educacionais com relação às práticas odontológicas na promoção da saúde desse grupo de pacientes.

Esses pacientes apresentam pouca habilidade motora para realizarem uma higiene bucal satisfatória, o que leva ao acúmulo do biofilme dentário, resultando em processo inflamatório gengival e/ou instalação da doença cárie5. Além disso, a condição de saúde bucal desses indivíduos costuma ser negligenciada, seja pelo acesso restrito aos profissionais ou por limitações inerentes à deficiência6,7,8.

Faz-se necessário enfatizar a importância de cuidados bucais para esses indivíduos, fornecendo orientações para a eliminação e/ou redução do biofi lme dentário e sobre a funcionalidade e a necessidade de conservação dos elementos dentários e estética, embora esta não seja uma grande prioridade para esses indivíduos3.

Os métodos de educação em saúde bucal devem ser variados e adequados para cada grupo diferente de pessoas.É igualmente importante a dinâmica e a forma de apresentação do material a ser utilizado para esse meio educativo. Nesse contexto, é necessário incluir os pacientes defi cientes visuais, que, em sua maioria, ouvem, falam e raciocinam normalmente9.

Brown (2008)10 sugere que a base para se promover saúde bucal é a instrução de higiene e recomenda técnicas adaptadas para deficientes visuais, ressaltando que o indivíduo cego pode apresentar difi culdades, entretanto, com orientações educacionais adequadas e atenção especial, a perda da visão não afetará na formação de patologias bucais.

Devido à escassez de informações de projetos inclusivos para pacientes defi cientes visuais e ao grande número populacional destes, julgou-se oportuna a realização de uma experiência de Promoção de Saúde Bucal com um Grupo de Deficientes Visuais na cidade do Recife.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Foram realizadas ações educativas de promoção de saúde bucal junto aos defi cientes visuais assistidos pela Associação Benefi cente dos Cegos do Recife – ONG (ASSOBECER) por meio do projeto de extensão da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) "Sentir o Sorriso". Para tal, a equipe técnica desse projeto, composta de 11 acadêmicos do Curso de Graduação em Odontologia da UFPE e do professor orientador do projeto, foi treinada /sensibilizada pelos membros da Associação para lidarem com o defi ciente visual (Figura 01).

 

 

 

Nessa oficina de sensibilização, membros da ONG relataram a origem e a história da ASSOBECER, o cotidiano de uma pessoa com deficiência visual, as noções básicas de Braille, o andar de bengala, a informática voltada para portadores de deficiência visual, a vida profissional, a legislação, a acessibilidade, dentre outras.

Após esse treinamento, foram confeccionados, pelos acadêmicos, materiais didáticos para a realização das oficinas educativas junto aos deficientes visuais (modelos texturizados). Os macromodelos reproduziram, em tamanhos normais e ampliados, a anatomia normal da boca (dentes, lábios, língua, bochechas) assim como as alterações orais patológicas (nódulos, cáries, periodontites, maloclusões) (Figura 02).

 

 

 

Foi realizada análise qualitativa dos dados obtidos por meio de relatos e depoimentos colhidos dos participantes.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Palestras foram ministradas a 25 portadores de deficiência visual, ligados à ASSOBECER (todos maiores de 21 anos e com graus diferentes de escolaridade e renda). Foi utilizada uma linguagem verbal simples e clara, segundo a idade e o grau de instrução desses indivíduos, explicando a anatomia bucal normal, a textura, o tamanho e a cor das estruturas pertencentes à cavidade oral, a anatomia dental externa (formato dos dentes, grupos de dentes) e interna (polpa, dentina e esmalte) bem como a origem e o desenvolvimento das patologias orais mais comuns (cárie, gengivite, periodontite, pulpite, abscessos periodontais, placa bacteriana e cálculos dentários).

Indivíduos com deficiência visual têm a sua saúde bucal prejudicada, pois as patologias orais são exacerbadas a partir do momento em que os pacientes não estão aptos a reconhecer e detectar, de forma precoce, as doenças que afetam a sua boca, a menos que sejam informados da situação8. A partir disso, durante o ciclo de palestras, foram ensinados a técnica correta de higiene oral (utilização do fio dental e a escovação dos dentes) e autoexame preventivo de câncer oral, adaptado aos portadores de deficiência visual. Ao final desse ciclo, foram distribuídos kits de higiene oral.

Durante as ações de educação, os portadores de deficiência visual mostraram-se surpresos com os formatos e as texturas das estruturas orais (Figura 03). Muitos sabiam as causas etiológicas da cárie e de algumas manifestações clínicas da cárie e da periodontite, concordando com os estudos de Goulart e Vargas (1998)9. Os deficientes visuais também relataram a importância dos dentes para o sorriso, refletindo a preocupação desses com a estética. Ou seja, os pacientes demonstraram perceber tanto a importância da boca e dos dentes como a sua preocupação com a aparência.

 

 

 

Em seus relatos, quanto ao seu sentimento de aprendizagem com o projeto, os deficientes visuais fizeram relatos, como: "Já fui ao dentista, mas nunca tinha ouvido falar de autoexame para câncer de boca" e "Aprender o autoexame representa inclusão para o deficiente visual".

A necessidade da urgência de programas de promoção de saúde para deficientes visuais também é enfatizada por Cericato e Fernandes (2008)11, pois esses programas assumem grande importância, quando buscam utilizar metodologias de educação como parte do processo de capacitação dessa população, auxiliando, assim, no processo de inclusão.

Os métodos de educação em saúde bucal devem ser variados e adequados para cada grupo diferente de pessoas9. Houve boa aceitação dos modelos texturizados e da metodologia aplicada por parte dos deficientes visuais, como se pode observar no seguinte relato "participar deste projeto valeu muito a pena... Vou cuidar melhor da minha boca".

A sistemática de avaliação do projeto foi realizada mediante não só a lista de presença dos participantes e de seus relatos quanto ao seu sentimento de aprendizagem com o projeto mas também o relato dos dirigentes da Associação em tela.

 

CONCLUSÃO

A realização das oficinas e palestras permitiu a percepção e o conhecimento das estruturas anatômicas e patologias mais frequentes na boca por parte dos deficientes visuais, capacitando-os para o controle e a manutenção de sua saúde por meio da utilização de modelos que exploram a capacidade sensorial tátil desses indivíduos. Propiciou, ainda, aos estudantes de Odontologia participantes a adequação para o ensinamento de técnicas de higiene bucal e o autoexame da boca para os pacientes com deficiência visual.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Associação Beneficente dos Cegos do Recife (ASSOBECER) pela anuência e pelo apoio ao projeto Sentir o Sorriso. Ainda são gratos à Pró-Reitoria de Extensão da UFPE (PROEXT) pelo apoio ao projeto e aos participantes da pesquisa pela presteza na realização deste trabalho.

 

REFERÊNCIAS

1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Cadernos de atenção básica, n. 17. Departamento de Atenção Básica. Saúde Bucal. Brasília: Ministério da Saúde, 2008.

2. Maciel MAS, Cordeiro PM, D'ávila S, Godoy GP, Alves RD, Lins RDAU. Assessing the oral condition of visually impaired individuals attending the Paraíba Institute of the Blind. Rev Odonto Ciênc. 2009; 24(4):354-60.         [ Links ]

3. Batista CG, Turrini CC, Moraes ABA, Rolim GS. A odontologia e as pessoas com deficiência visual. J Bras Odonto-Psicol Odontol Pacientes Espec. 2003; 1(2):170-4.         [ Links ]

4. Brasil. Ministério do Planejamento. Orçamento e Gestão. Censo 2000. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2000. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 30 nov. 2010.         [ Links ]

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6. Carvalho ML, Silva FML, Barbosa FQ, Duarte FB, Barbosa KB, Figueiredo V, Borges TF. Deficiente? Quem? Cirurgiões-dentistas ou pacientes com Necessidades especiais. Revista em Extensão. 2004; 4(1). Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/emextensao/article/view/1651>. Acesso em: 20 dez. 2010.         [ Links ]

7. Costa FS, Neves LB, Bonow MLM, Schardosim LR. Efetividade de uma estratégia educacional em saúde bucal aplicada a crianças deficientes visuais. XIX CIC, XII ENPOS, II Mostra Científica,
2010.

8. Trejo RCM, Molares PL. Propuestas didácticas en el manejo odontológico de pacientes pediátricos con discapacidad visual. Revista ADM. 2006; LXIII(5):195-63(5):9.         [ Links ]

9. Goulart AC, Vargas AM. A percepção dos deficientes visuais quanto à saúde bucal. Arq Cent Estud Curso Odontol Univ Fed Minas Gerais. 1998; 34:107-19.         [ Links ]

10. Brown D. An observational study of oral hygiene care for visually impaired children [Tese]. [Glasgow]: University of Glasgow; 2008. 22 p.         [ Links ]

11. Cericato GO, Fernandes APS. Implicações da deficiência visual na capacidade de controle de placa bacteriana e na perda dental. RFO. 2008; 13(2): 17-21.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Cláudio Heliomar Vicente da Silva
Av. Prof. Moraes Rego, 1235
Cidade Universitária – Recife – PE
CEP 50670-901
e-mail: claudio_rec@hotmail.com

 

Recebido para publicação: 10/11/11
Encaminhamento para reformulação: 23/04/12
Aceito para publicação: 17/05/12