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Odontologia Clínico-Científica (Online)

versão On-line ISSN 1677-3888

Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.11 no.2 Recife Abr./Jun. 2012

 

RELATO DE CASO / CASE REPORT

 

Displasia dentinária do tipo I: diferentes aspectos da mesma condição

 

Dentinal Dysplasia Type I – different aspects of the same condition

 

 

Cíntia Vasconcelos MachadoI; Maria Celina Barreto Siquara da RochaII; Iandira PastorIII; Paloma Dias da Silva TellesIII

IDoutoranda em Imunologia pela Universidade Federal da Bahia
IIProfessora Adjunta de Odontopediatria da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública
IIIProfessora Adjunta de Odontopediatria da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A displasia dentinária do tipo I (DD1) é um distúrbio hereditário raro caracterizado pela presença de dentes com esmalte normal e uma dentina atípica. Clinicamente, os dentes apresentam características morfológicas normais, ao passo que, radiograficamente, podem ser observadas raízes curtas e mal formadas. O presente estudo apresenta o caso de duas crianças, ambas com sete anos de idade, onde a DD1 foi diagnosticada, porém, com aspectos clínicos e radiográficos diferentes. O objetivo deste estudo foi apresentar aspectos distintos da mesma condição patológica, tendo em vista que a DD1 pode apresentar uma variabilidade considerável não só de paciente para paciente, mas também de dente para dente em um mesmo indivíduo. No primeiro caso, a queixa principal da paciente era a esfoliação prematura dos dentes, tanto espontaneamente como por trauma menor. Radiograficamente, as raízes apresentavam-se curtas e com um aspecto bastante atípico. Já no segundo caso, verificou-se uma retenção dos dentes permanentes, onde só os primeiros molares estavam presentes na cavidade bucal. Ao exame radiográfico, os dentes não irrompidos apresentavam-se praticamente sem raízes e a polpa dentária bastante obliterada. Os primeiros molares apresentavam taurodontismo. Em ambos os casos, após terem sido realizados os procedimentos preventivos e/ou curativos, um tratamento reabilitador foi planejado.

DESCRITORES: displasia da dentina; dentina; odontopediatria; radiografia panorâmica; radiografia dentária


ABSTRACT

Dentinal dysplasia type I (DD1) is a rare inherited dentin abnormalitie caractherized by the presence of normal enamel and atypical dentin. Clinically, the teeth have normal morphological caractheristics and radiographically the teeth display defective root formation. This report describes two 7-year-old children that showed characteristic dental features of DD1 with clinical and radiographic differences.

Keywords: Dentin dysplasia; Dentin; Pediatric Devtistry; Radiography; Panoramic; Radiography; Dental


 

 

INTRODUÇÃO

A displasia dentinária é uma condição rara (1:100.000), caracterizada por um defeito na formação da dentina. É transmitida geneticamente, de forma autossômica dominante, podendo ou não estar associada a doenças sistêmicas.1

De acordo com Shafer et al., a displasia dentinária pode ser subdividida em tipos I e II. No tipo I, o aspecto clínico dos dentes, tanto na dentição decídua como na permanente, é normal. Entretanto, radiograficamente pode-se observar uma formação radicular deficiente, com a presença de raízes curtas e mal-formadas, ou até mesmo, a ausência de raiz. Por esse motivo, a displasia dentinária do tipo I (DD1) tambémé conhecida como "dentes sem raízes". A esfoliação prematura dos dentes decíduos ou a perda dos dentes permanentes, sem causa aparente ou ao menor trauma, podem ser os primeiros sinais da DD1 devido à forma precária das raízes.1,2 Em ambas as dentições, decídua e permanente, é relatada a obliteração total ou parcial das câmaras pulpares, formando, na maioria dos casos, uma imagem radiográfica de linhas ascendentes paralelas à junção cemento-esmalte.3,4 A ocorrência de taurodontismo também foi observada, além da formação de áreas radiolúcidas periapicais associadas a dentes livres de cáries.4

Histologicamente, o esmalte e a dentina imediatamente adjacente apresentam-se com aspecto de normalidade.1,2 Entretanto, existe uma abrupta transição para uma dentina displásica. Esse tecido alterado caracteriza-se por um aspecto de glóbulos e espirais de dentina displásica. Os túbulos dentinários são bloqueados e direcionados aleatoriamente.5

Existe uma grande variação na formação radicular empacientes acometidos pela DD1, visto que a desorganização dentinária pode ocorrer em diferentes estágios do desenvolvimento dentário. Portanto, quanto mais cedo ocorrer a desorganização dentinária, mais precária e deficiente será a formação radicular. Ao contrário, quanto mais adiantado se encontrar o dente em seu desenvolvimento, no momento em que a dentina perde a sua organização, mais brandos serão os defeitos radiculares. O mecanismo por meio do qual ocorre a formação de uma dentina deficiente ainda não está esclarecido.6,7

Neste estudo, são apresentados aspectos distintos da mesma condição patológica, por meio de dois casos clínicos, tendo em vista que a DD1 pode apresentar uma variabilidade considerável não só de paciente para paciente mas também de dente para dente em um mesmo indivíduo.

 

RELATO DE CASO

O presente estudo apresenta os casos de duas crianças, uma do gênero feminino (caso 1) e outra do masculino (caso 2), ambas com sete anos de idade, encaminhadas à Disciplina de Odontopediatria da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia, Salvador-Bahia, para avaliar o seu estado de saúde bucal. Os pacientes eram portadores da DD1, porém com aspectos clínicos e radiográficos distintos.

Caso 1

No primeiro caso, a queixa principal da paciente era a esfoliação precoce dos dentes decíduos assim como a perda dos dentes permanentes sem causa aparente.

Ao exame extraoral, a paciente apresentava uma face harmônica, com uma boa simetria. Entretanto, no exame clínico intraoral, pôde-se observar a ausência de vários dentes permanentes (Unidades 11, 12, 21, 22, 41, 42 e 31) (Figura 1) assim como mobilidade severa de outros dentes permanentes e decíduos. A paciente encontrava-se em fase de dentição mista, apresentando graves problemas de oclusão devido à perda dos dentes permanentes assim como à erupção ectópica de algumas unidades.

 

 

 

Foi observado um padrão de erupção bastante precoce tanto dos dentes decíduos como permanentes. De acordo com a responsável pela paciente, os primeiros dentes decíduos irromperam na cavidade bucal quando ela tinha apenas um mês de idade, tendo todos os incisivos decíduos (superiores e inferiores) esfoliados antes dos 12 meses de idade. Em relação à dentição permanente, constatou-se a presença dos segundos molares permanentes em boca no momento do exame. Uma vez que a média de idade para a erupção de tais dentesé somente aos 11-12 anos, foi confirmado esse padrão de erupção precoce.

A paciente apresentava lesões de cárie em algumas unidades assim como gengivite em algumas regiões, principalmente naquelas onde os dentes apresentavam maior mobilidade. A higiene bucal da paciente apresentava-se regular. Nenhum detalhe significativo em relação a sua história médica foi relatado.

Radiograficamente, foi observada a presença de raízes curtas e mal-formadas tanto dos dentes decíduos como dos permanentes. Na unidade 32, a qual apresentava sintomatologia dolorosa e mobilidade exagerada, foi constatada a presença de lesão radiolúcida periapical. Em alguns dentes, a obliteração pulpar era evidente. Da mesma forma, em outros, observou-se a presença de taurodontismo. Na radiografia panorâmica, os dentes 15 e 25 apresentavam-se em posição bastante desfavorável à erupção (Figura 2).

 

 

 

Em relação à história familiar, o pai da paciente apresentava uma história de perda dos dentes permanentes ainda bastante jovem. Segundo ele, essa perda ocorreu devido ao menor trauma durante a prática esportiva. Embora não possamos confirmar devido à falta de dados radiográficos e histopatológicos, suspeita-se de DD1. Tanto a mãe quanto o irmão da paciente não foram afetados pela DD1.

Caso 2

Diferentemente do anterior, a queixa principal do paciente, nesse caso, foi a não erupção dos dentes permanentes.

O paciente apresentava um aspecto "envelhecido" da face devido à perda da dimensão vertical. No exame clínico intraoral, os únicos dentes presentes em boca eram os primeiros molares permanentes, os quais se apresentavam livres de placa bacteriana e cáries (Figuras 3 e 4). Por causa de referência pela ausência de dentes, a mandíbula estava em uma posição mais anterior em relação à maxila assim como a língua era interposta entre a maxila e a mandíbula.

No exame radiográfico, observou-se a localização intraóssea dos dentes permanentes não erupcionados (Figura 5). Os dentes apresentavam uma raiz rudimentar ou ausência completa de formação radicular. Os primeiros molares mostravam taurodontismo. Alguns dos dentes retidos, além de ausência de raiz e câmara pulpar, apresentavam-se mal posicionados. Detectou-se a presença de dois dentes supranumerários na região anterior da mandíbula. Os segundos molares permanentes encontravam-se em posição favorável à erupção, podendo se observar os germes dos terceiros molares.

 

 

 

 

 

 

 

Da mesma forma que, no caso anterior, a erupção precoce dos dentes permanentes foi detectada. Após seis meses de acompanhamento, observou-se a erupção dos segundos molares permanentes do paciente, tendo este, à época, oito anos de idade. Nenhum antecedente familiar de DD1 foi relatado nesse caso assim como a história médica do paciente era irrelevante em relação à desordem dentária.

 

DISCUSSÃO

Existe uma grande variabilidade na formação radicular de indivíduos portadores da DD1, sendo esta mais pronunciada nos dentes permanentes. De acordo com o autor, a forma e o tamanho das raízes variam bastante não só de paciente para paciente mas também de dente para dente em um mesmo paciente.1

A mobilidade exagerada assim como a perda precoce dos dentes permanentes sem causa aparente, como pôde ser observado no primeiro caso apresentado neste estudo, estão bem documentadas na literatura1,2,8,9,10,11. Entretanto, no segundo caso, os dentes permanentes encontravam-se retidos, constatando-se uma total ausência de formação radicular na maioria das unidades. Devido ao fato de a formação radicular ser essencial à erupção dentária, não seria uma surpresa a ocorrência de um atraso na erupção de dentes em que não pôde ser observada a presença de raiz.9 Da mesma forma, Scola2 relatou a presença de dentes permanentes não erupcionados, os quais se apresentavam sem raízes e mal posicionados dentro do osso maxilar. Sendo assim, pode-se sugerir que os pacientes avaliados encontravam-se em diferentes estágios da mesma condição patológica. Provavelmente, os dentes do paciente do segundo caso estavam num estágio bastante precoce do seu desenvolvimento, quando foram acometidos pela desorganização da dentina, ao serem comparados aos dentes da paciente do primeiro caso, visto que não existia, na maioria das unidades dentárias retidas, nenhuma formação radicular. Com a ausência das raízes, as unidades permaneceram no osso, sem força para erupcionar. Em ambos os casos, foi observado taurodontismo em alguns dentes, confirmando dados encontrados por outros autores na literatura.5,7,10,11

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A displasia dentinária do tipo I é um distúrbio hereditário raro, que leva à perda precoce de dentes. Para o seu diagnóstico, é necessário detalhado exame radiográfico, pois não há sinais clínicos capazes de levar ao diagnóstico presuntivo da doença.

O cirurgião-dentista tem um papel fundamental no diagnóstico precoce da alteração, devendo prestar os esclarecimentos à família e tomar as medidas necessárias para que as unidades dentárias sejam preservadas na cavidade bucal por um maior período de tempo possível.

 

REFERÊNCIAS

1- Shafer, W G, Hine M, Levy B N. Distúrbios do desenvolvimento das estruturas bucais e parabucais. In: Tratado de patologia bucal, Rio de Janeiro: Interamericana; 1982. p. 2-79.         [ Links ]

2- Scola SM, Watts PG. Dentinal dysplasia type I. A subclassification. Br J Orthod 1987; 14:175-9.         [ Links ]

3- O' Carrol MK, Duncan WK, Perkins TM. Dentin dysplasia: review of the literature and a proposed subclassification based on radiographic findings. Oral Surg Oral Med Oral Pathol 1991; 72:119-25.         [ Links ]

4- Seow WK, Shusterman S. Spectrum of dentin dysplasia in a family: case report and literature review. Ped Dent 1994; 16:437-42.         [ Links ]

5- Pereira ACF, Mota PS, Jesus CM, Melo NS. Displasia dentinária tipo I - relato de um caso. Rev ABO Nac 2002; 10:309-12.         [ Links ]

6- Kalk WWI, batenburg RHK, Vissink A. Dentin dysplasia type I. Oral Surg Oral Med Oral Pathol 1998; 86:175-8.         [ Links ]

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8- Hamdan M, Sawair F, Rajab L, Jarbawi M, Abueid R. Dentinal Dysplasia type I: review of literature and report of 2 cases in one family. Cairo Dental Journal 2003; 19: 199-205.         [ Links ]

9- Vieira A, Modesto A, Cabral M. Dentinal dysplasia type I: report of a atypical case in the primary dentition; J Dent Child 1998; 17: 141-4.         [ Links ]

10- Logan J, Becks H, Silverman Jr S. Dentinal dysplasia. Oral Surg, 1962; 15:317-33.         [ Links ]

11- Elzay R, Robienson C. Dentinal dysplasia, report of a case. Oral Surg, 1967; 23: 338-42.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Paloma Dias da Silva Telles
Faculdade de Odontologia - Departamento de Odontologia Social e Pediátrica
Rua Araújo Pinho, 62 - Canela
Salvador/Bahia CEP 40110-150
e-mail: p-telles@uol.com.br

 

Recebido para publicação: 13/08/10
Aceito para publicação: 18/08/10