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Odontologia Clínico-Científica (Online)

versão On-line ISSN 1677-3888

Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.12 no.1 Recife Jan./Mar. 2013

 

RELATO DE CASO / CASE REPORT

 

Sialolito de grandes proporções localizado no ducto da glândula submandibular: diagnóstico e tratamento cirúrgico

 

Extensive sialolit located at submandible gland ducts: diagnosis and surgical treatment

 

 

Marcelo Rodrigues AzenhaI; Luis Guilherme BrenteganiI; Adriana de Mattos da SilvaI; Fátima Aparecida RizoliI; Suzie Aparecida de LacerdaI; Osvaldo Magro FilhoII

I Centro de Atendimento Especializado em Diagnóstico Oral (CAEDO-FORP-USP)
II Faculdade de Odontologia de Araçatuba, UNESP, São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A sialolitíase é caracterizada pela formação de cálculos (sialolitos) no sistema de ductos das glândulas salivares, provocando estase salivar e podendo acarretar a subseqüente dilatação da glândula salivar envolvida. Os sialolitos são formados por substâncias orgânicas e inorgânicas e sua patogênese permanece desconhecida, sendo duas hipóteses propostas. A primeira baseia-se na existência de microcálculos intracelulares que se acumulam com o passar do tempo e obstruem o ducto salivar. A segunda sugere que restos alimentares e bactérias presentes na cavidade oral migrariam para dentro dos ductos salivares causando a obliteração dos mesmos. Atualmente, existem várias formas de diagnóstico e tratamento dos episódios de sialolitíase, incluindo a excisão cirúrgica e a sialoendoscopia intervencional. O objetivo deste trabalho é apresentar a excisão cirúrgica de um cálculo de grandes proporções localizado no ducto da glândula submandibular em um paciente com queixa de dores constantes na região mandibular direita, elevação do assoalho bucal, diminuição da secreção de saliva e discreto desvio da língua. O procedimento cirúrgico foi o tratamento de escolha com total excisão do cálculo e posterior reconstrução do ducto. O pós-operatório de 18 meses mostrou fluxo salivar normal e ausência de recidiva.

DESCRITORES: Sialolitíase; cirurgia; glândula submandibular.


ABSTRACT

Sialolithiasis is characterized by the formation of calculi (sialoliths) inside salivary glands duct system resulting in salivary ectasia and subsequent salivary gland dilation. Calculi are composed of organic and inorganic substances with its pathogenesis remaining unknown. Two main hypotheses are proposed: one consists of accumulation of pre existence intracellular micro calculi that accumulates in the course of time. The second theory suggests that aliments and bacteria presents inside the oral cavity migrate into the salivary ducts cause its obstruction. After clinical and/or radiographic sialolithiasis diagnosis different treatment modalities may be performed to treat this condition including surgical excision followed by ductal reconstruction or interventional sialendoscopy. The aim of this presentation is to demonstrate surgical excision of a large submandibular duct calculus in a patient complaining of constant pain at right mandible region, mouth floor elevation, diminish of salivary secretion, and slight tongue deviation. Surgical excision was conduct with totally calculi extirpation and submandibular duct reconstruction. Normal submandibular salivary flow was observed after 18 months of follow-up with no recurrence episodies.

KEYWORDS: Sialolithiasis; surgery; submandibular gland.


 

 

Introdução

A sialolitíase é uma condição caracterizada pela formação de cálculos (sialolitos) no sistema de ductos das glândulas salivare. A obstrução desses ductos provoca estase salivar e pode acarretar a subseqüente dilatação da glândula salivar envolvida1,2. Os sialolitos são formados por uma porção orgânica, constituída por glicoproteínas, mucopolissacarídeos e debris celulares e uma porção inorgânica, formada, basicamente, por carbonato de cálcio, fosfato de cálcio e outros minerais, sendo a apatita o componente mais prevalente. Geralmente, o centro do sialolito é orgânico e sua periferia é inorgânica. Se houver infecção, o quadro pode evoluir para uma sialadenite crônica2-5,6.

Apesar da etiologia da sialolitíase permanecer desconhecida, duas hipóteses têm sido proposta. A primeira hipótese baseia-se na existência de micro-cálculos intracelulares, que se transformariam em nichos para futura calcificação, quando excretados na luz do ducto. A segunda hipótese sugere que restos alimentares, substâncias e bactérias migrariam para luz do ducto, formando um nicho com as mesmas funções do descrito anteriormente. Ambas as hipóteses pressupõe a formação inicial de um nicho orgânico, que se desenvolve progressivamente pela deposição de camadas de substâncias orgânicas e inorgânicas1,4-11.

A incidência de cálculos salivares sintomáticos é de 59 casos por milhão por ano, sendo mais comum entre os pacientes do sexo masculino com picos de incidência entre 30 e 60 anos de idade7,3,12. Em cerca de 90% dos casos a sialolitíase acomete o ducto de Wharton, da glândula submandibular, e apenas 10% dos casos são observados no ducto de Stensen, da glândula parótida. A incidência de sialolitíase na glândula sublingual e em outras glândulas salivares menores é rara, ocorrendo em torno de 0-5% dos casos. Atualmente, existem várias formas de diagnóstico e tratamento para sialolitíase, os quais vão da excisão cirúrgica à sialoendoscopia intervencional5,12-14. Neste trabalho os autores apresentam um caso de sialolito localizado no ducto da glândula submandibular, sendo realizada a excisão cirúrgica do cálculo e posterior reconstrução do ducto.

 

Caso Clínico

Paciente de 29 anos, masculino, fazendo uso de medicação antidepressiva e ansiolítica, compareceu à clínica particular com queixa de dores constantes na região da base mandibular direita, elevação do assoalho bucal direito, discreta diminuição na produção de saliva e exacerbação dolorosa durante refeições. À palpação extra-oral notava-se aumento de volume e endurecimento da região submandibular direita, ausência de linfadenopatia ou trismo. Ao exame físico intra-oral foi observado tecido gengival moderadamente inflamado, depósito de cálculos entre os dentes anteriores inferiores, com ausência de ulcerações ou neoplasia. Após exame radiográfico oclusal e panorâmica foi observada massa radiopaca nas proximidades do ducto da glândula submandibular, com diagnóstico inicial de sialolito localizado no interior do ducto de Warthon (Figuras 1 e 2). Devido à impossibilidade de remoção do cálculo pela manobra de ordenha da glândula submandibular o procedimento cirúrgico de exérese do sialolito foi o de escolha.

 

 

 

 

 

Sob anestesia local, após medicação antimicrobiana profilática (2 g de Amoxicilina) realizada uma hora antes da cirurgia, uma incisão linear intra-bucal foi realizada sobre o sialolito, que rapidamente foi exteriorizado através da manobra de ordenha no duto de Warthon (Figuras 3 e 4). Ao término da remoção do sialolito, o ducto foi dissecado e suturado com fio absorvível 6-0 e a incisão do soalho bucal suturada com fi o absorvível 4-0. Medicação analgésica foi prescrita durante o período pós-operatório, durante o qual não foram observados sinais de infecção. O fluxo salivar foi considerado normal após 18 meses, não sendo observados episódios de recidiva.

 

 

 

 

 

Discussão e Conclusões

Os episódios de sialolitíase da glândula submandibular são mais freqüentes devida à composição da saliva excretada através do ducto de Wharton ser mais alcalina, apresentar uma maior viscosidade e serem encontradas maiores concentrações de cálcio e fosfato, além do curso de tal ducto ser mais sinuoso do que o das glândulas parótida e sublingual 1,15. O gênero masculino apresenta as maiores incidências de tais achados, sendo mais freqüente entre 30 e 60 anos de idade3,7.

Diferentes teorias têm sido propostas para a formação de cálculos no interior do ducto das glândulas salivares, sendo as mais aceitas a existência de micro-cálculos intracelulares, que se transformam em nichos e calcifi cam quando excretados na luz do ducto, além de restos alimentares e bactérias que migram para a luz do ducto e formam nichos calcificados5,11. O que se observa é que em ambas as hipóteses há a formação de nichos calcifi cados que impedem a excreção salivar normal pela deposição de material orgânico e inorgânico na luz ou no interior dos ductos. Acreditamos que o aumento da viscosidade salivar induzida pelo uso de diferentes medicações visando o controle das alterações sistêmicas, associada à diminuição do fluxo salivar provocada pelas medicações em uso, além do depósito de bactérias e restos alimentares na luz do ducto sejam as causas mais prováveis e comuns para a formação de cálculos salivares.

O paciente deste estudo apresentava quadros de depressão e de ansiedade exacerbada, fazendo uso de diferentes medicações para controle de tais alterações, sendo observado quadro de xerostomia e ardência bucal constante. Apresentava ainda idade semelhante à de maior incidência, bem como a formação de sialolito no ducto mais comumente acometido.

Estudos recentes preconizam a utilização de novos métodos de diagnóstico e tratamento para os casos de sialolitíase, os quais têm sido baseados em diversos recursos de imagem, como tomografia computadorizada, ultra-sonografia, sialografia e sialoendoscopia. Quando comparados à excisão cirúrgica tradicional, esses novos métodos são menos traumáticos, porém exigem que o profissional disponha de equipamentos e treinamento específicos, tornando o tratamento mais caro1,3,12,14.

Levando em consideração estas condições, realizou-se o procedimento cirúrgico em nível ambulatorial, sob anestesia local. O pós-operatório de 18 meses transcorreu de forma adequada, mostrando-se bastante satisfatório. Houve resolução dos sinais e sintomas clínicos, não sendo observado nenhum episódio de infecção ou de recidiva.Com base em estudos prévios e nos achados deste relato, pode-se concluir que a excisão cirúrgica tradicional e a posterior reconstrução do ducto glandular envolvido continuam sendo uma alternativa viável e eficaz para o tratamento da sialolitíase.

 

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Endereço para correspondência:
Prof. Dr. Marcelo Rodrigues Azenha
R. Lafaiete 1616 Apto 602 Centro
Ribeirão Preto, SP, Brasil CEP: 14015-080
e-mail:
marceloazenha@usp.br

 

Recebido para publicação: 20/09/12
Aceito para publicação: 28/01/13