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Odontologia Clínico-Científica (Online)

versão On-line ISSN 1677-3888

Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.14 no.1 Recife Jan./Mar. 2015

 

Artigo de Revisão / Review Article

 

FLUORETAÇÃO DAS ÁGUAS DE ABASTECIMENTO PÚBLICO NO ESTADO DE PERNAMBUCO: UM RESGATE HISTÓRICO

 

Fluoridation of public water supplies in the state of Pernambuco: a historical background

 

 

Gilbert Angel Silva dos Anjos I; Grasiele Fretta Fernandes II

I Estudante de graduação do curso de Odontologia da Faculdade ASCES, Caruaru - PE/Brasil
II Doutoranda em Saúde Pública pela Fiocruz/PE, mestre em Saúde Pública pela USP, professora do curso de Odontologia da Faculdade ASCES, Caruaru-PE/ Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A fluoretação das águas é uma medida efetiva para reduzir a cárie dentária, e o uso do flúor no abastecimento público é considerado o principal fator para a obtenção de redução na prevalência da doença. Apesar de a fluoretação das águas ser obrigatória no Brasil desde 1974, várias grandes cidades brasileiras não fluoretam suas águas, e, no caso de Pernambuco atualmente, sua totalidade age dessa forma. A decisão de não fluoretar, na maioria das vezes, é determinada pela falta de vontade política, alegando falta de recursos financeiros e dificuldades técnicas para executar a ação. Porém, tendo em vista a alta eficiência, o baixo custo relativo e o grande benefício social dessa política, tais decisões não se justificam. Os objetivos deste estudo foram identificar a cobertura da fluoretação no estado de Pernambuco, resgatando seus aspectos históricos assim como suas interrupções, e realizar uma revisão da literatura sobre os benefícios da medida no período compreendido entre os anos de 1974 a 2013. Trata-se de pesquisa bibliográfica de caráter exploratório, desenvolvida por meio de pesquisa bibliográfica e análise documental. O estudo mostrou que, atualmente, não existem argumentos, sejam eles técnicos, políticos ou, orçamentários, os quais justifiquem a não fluoretação de águas no estado de Pernambuco.

DESCRITORES: Fluoretação; Abastecimento de água; Qualidade da água.


ABSTRACT

Water fluoridation is an effective measure to reduce tooth decay and the use of fluoride in public water supply is considered to be the main deciding factor to obtain a reduction in the prevalence of the disorder. Despite that water fluoridation is mandatory in Brazil since 1974, several large cities do not fluoride its waters, and in the case of the state of Pernambuco, its totality. The decision not to fluoridate, in most cases, is determined by the lack of political will, claiming lack of financial resources to perform the action. However, in view of high efficiency, low relative cost and great social benefits of this policy, such decisions are not justified. The objectives of this study are to identify the coverage of fluoridation in Pernambuco, to rescue historical aspects of fluoridation of public water supplies in the state and perform a literature review about the benefits of the measure, in the period between the years 1974 and 2013. This is exploratory research literature developed through literature review and document analysis. The study showed that currently there are no arguments, being they technical, political or budgetary, which justify not to fluoridate public water supply in the state of Pernambuco.

Keywords: Fluoridation; Water supply; Water quality.


 

 

INTRODUÇÃO

A cárie dentária representa, no escopo da saúde bucal, um dos principais agravos em saúde pública no Brasil, atingindo, ainda que de modo desigual, indivíduos de todas as faixas etárias e diferentes níveis socioeconômicos1.

Desde meados do século XX, mantendo-se como tendência na primeira década do século XXI, estudos de base epidemiológica registram declínios da prevalência de cárie nos países industrializados e em alguns países em desenvolvimento2. O uso do flúor, sob a forma de fluoreto, é considerado o principal fator de proteção, sendo decisivo para a obtenção dessa expressiva redução na prevalência da doença. De uma maneira geral, os principais meios utilizados nas estratégias populacionais de uso de fluoretos para prevenir a cárie são o creme dental e a água de abastecimento público.

A fluoretação dos sistemas públicos de abastecimento é considerada a medida de saúde mais eficaz na prevenção da doença, por apresentar grande alcance populacional, ser considerada segura, benéfica à saúde bucal, isenta de efeito colateral e não exigir esforço dos indivíduos2.

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos admite que o poder preventivo da água fluoretada é de 40% a 70% em crianças, dependendo do índice de prevalência de cárie, reduzindo, também, a perda dos dentes em adultos entre 4% a 60%2, sendo considerada uma das dez realizações de saúde pública do século XX3.

Além do CDC, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece e indica a fluoretação como medida de saúde pública4, porém para que a população se beneficie dos efeitos dessa importante medida, faz-se necessário que os teores adicionados à água estejam dentro dos níveis recomendados2.

É descrita, portanto, como uma medida de atenção primária em saúde bucal, que, utilizada como um procedimento profilático-preventivo de controle da cárie, pode propiciar a inibição e o tratamento de estágios iniciais da doença quando houver contínua exposição de fluoretos na cavidade bucal, o que sugere que o efeito da substância adicionada à água não é apenas sistêmico mas também localmente no esmalte dentário3,5.

No Brasil, a fluoretação das águas é obrigatória desde 1974, regulamentada pela Lei Federal nº 6050, entretanto a cobertura da fluoretação nos municípios tem sido pouco documentada, tornando obscuro o conhecimento sobre o acesso ao benefício nas diversas localidades do território brasileiro, mesmo sendo a ampliação desse acesso uma das prioridades da Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB)1,6. Dados do levantamento de saúde bucal realizado no Brasil em 2003 revelam que 115 (46%) dos 250 municípios avaliados proporcionavam acesso à água fluoretada. As regiões Sudeste e Sul eram as que estavam em melhor situação quanto à cobertura, com 66% e 88%, respectivamente7,8.

Em 2003, a fluoretação das águas de abastecimento público atingia uma população de aproximadamente 70 milhões de brasileiros8. Informações do Ministério da Saúde (MS) apontam que, até o mês de junho de 2005, foram implantados 121 novos sistemas de fluoretação de águas, abrangendo seis estados e beneficiando cerca de 500 mil pessoas. Ainda segundo o MS, outros 430 projetos técnicos foram submetidos a análises, o que beneficiaria cerca de seis milhões de brasileiros. A viabilização desses projetos está sendo concretizada por meio de ação conjunta entre a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) e convênios com as Secretarias Estaduais de Saúde8.

O estado de Pernambuco, que permanece atualmente sem uma política de fluoretação de águas, apesar de alguns municípios terem fluoretado suas águas em diferentes momentos históricos9, foi um dos estados que submeteram um projeto a fim de viabilizar tal política pública, sendo este aprovado pela câmara técnica do MS. Sendo assim, a Secretaria Estadual de Saúde (SES) está em processo de implantação de um sistema de fluoretação, com previsão de início para o ano de 20149,10.

Enormes são as expectativas no sentido de que esse processo consiga impactar positivamente a condição de saúde bucal de toda a população pernambucana, pois, até o presente momento, poucos municípios do estado tiveram suas águas fluoretadas, conforme preconiza a legislação nacional.

Com a implantação do sistema de fluoretação das águas no estado de Pernambuco, faz-se necessário, dentre outras medidas, o conhecimento prévio da realidade encontrada por meio de um resgate histórico na literatura científica e em documentos públicos, a fim de contribuir para a instrumentalização das instâncias de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) com dados indispensáveis à definição de estratégias.

Dessa forma, este estudo busca abordar a problemática do acesso à água fluoretada no âmbito do estado de Pernambuco, com vistas a identificar a cobertura da fluoretação no estado, resgatando aspectos históricos desse sistema assim como suas interrupções, e realizar uma revisão da literatura sobre os benefícios da medida no período compreendido entre os anos de 1974 a 2013.

 

METODOLOGIA

Trata-se de pesquisa bibliográfica de caráter exploratório. O estudo se desenvolveu em dois momentos principais: primeiramente foi realizada uma pesquisa bibliográfica acerca da fluoretação das águas de abastecimento público no estado de Pernambuco e dos benefícios de tal política pública. Foram utilizados dados secundários provenientes de publicação científica por meio de buscas sistemáticas a duas bases de dados de periódicos científicos, Bireme, disponibilizada no portal da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), e Academic One File, disponibilizada no site da Associação Caruaruense de Ensino Superior (ASCES). Além das bases de dados, foram consultadas monografias, teses e dissertações na Biblioteca Digital de teses e dissertações da Universidade Federal de Pernambuco (BDTD/UFPE).

O objetivo da revisão foi conhecer o que vem sendo produzido no meio científico a respeito da fluoretação de águas no estado assim como os benefícios da medida, no período compreendido entre os anos de 1974 a 2013. Esse recorte temporal foi proposto, pois compreende o período inicial da obrigatoriedade da fluoretação por meio de lei federal (Lei no 6050/1974) e, igualmente, contempla nove anos da PNSB, que traz, como uma de suas diretrizes, a garantia do acesso à água fluoretada.

A pesquisa bibliográfica foi realizada de junho a setembro de 2014, considerando-se os seguintes critérios de exclusão: artigos não disponibilizados nas bases de dados pré-definidas; textos disponibilizados parcialmente; artigos fora do recorte temporal proposto e artigos que não tratavam diretamente do assunto fluoretação de águas de abastecimento público, na perspectiva da vigilância sanitária.

Além da pesquisa bibliográfica, foi realizada pesquisa documental. Analisaram-se documentos históricos, relatórios técnicos e documentos políticos de acesso público dos municípios do Recife, Camaragibe e Jaboatão dos Guararapes, municípios do estado que tiveram suas águas fluoretadas no período compreendido entre 1979 e 1990, período esse que serviu de referência para a pesquisa documental.

O USO DO FLÚOR NA ÁGUA DE ABASTECIMENTO PÚBLICO

O flúor é o 13º elemento mais abundante na natureza. É, também, o mais eletronegativo dos halogênicos, grupo que inclui ainda o cloro, o bromo e o iodo. Com grande capacidade de reagir com outros elementos químicos e formar compostos orgânicos e inorgânicos, o flúor está presente no ar, no solo e nas águas11,12. Em geral, os principais meios utilizados nas estratégias populacionais de uso de fluoretos para prevenir a cárie são o creme dental e a água de abastecimento público13.

Programas de fluoretação da água têm sido implementados em aproximadamente 39 países, atingindo mais de 200 milhões de pessoas. Acrescenta-se a isso um adicional estimado de outras 40 milhões de pessoas que ingerem água natural fluoretada14,15.

Estudos científicos observaram sua ação na diminuição da prevalência da cárie dentária de 40 a 60%, quando comparada com as regiões não fluoretadas15. Autores15-16 relataram que comunidades que consomem água fluoretada em níveis ideais, sem interrupções, têm conseguido reduzir os níveis de cárie em 50 a 60%.

Em 1945, começaram os primeiros estudos de fluoretação artificial da água, e a primeira cidade a ter suas águas de abastecimento fluoretadas foi Grand Rapids, nos EUA, adicionando 1ppm de flúor na água17. A primeira cidade brasileira, que estudou oficialmente a adição de compostos fluoretados na água de sistema de abastecimento público, foi Porto Alegre – RS, a qual iniciou suas pesquisas em 1944. Entretanto baixo Guandu – ES, em 1953, foi o primeiro município brasileiro a implantar o método de fluoretação da água em sistema de abastecimento público18.

Contudo, somente em outubro de 1975, o governo brasileiro promulgou, através do Decreto Federal 79367, a competência ao MS para elaborar normas e verificar o padrão de potabilidade de água para consumo humano. Assim, com base nesse decreto, elaborou-se e aprovou-se uma série de legislações referentes à água para consumo humano, normas e padrão sobre a fluoretação, aprovada pela Portaria 635, de 26/12/1975, conforme estabelecido na Lei n.º 6050, de 24/05/1974 (que dispõe sobre a fluoretação da água em sistemas de abastecimento, quando existir Estação de Tratamento de Água - ETA)18.

Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico do IBGE, em 2000, somente 37% dos distritos brasileiros adicionavam fluoreto à água de abastecimento público. A oferta desse serviço apresenta evidentes desigualdades, quando a avaliação é feita por regiões. Nas regiões Sul e Sudeste, 70% dos distritos possuem a fluoretação, no Centro-Oeste 41,5%, no Nordeste 16,7% e na região Norte apenas 7,8%19,20.

O flúor veiculado através da água torna-se a medida governamental de prevenção de comprovada eficácia em populações sob exposição contínua desde o nascimento e por um período de aproximadamente 10 anos de dose ótima. É um processo econômico, seguro e adequado. Seguro, porque não causa efeitos colaterais aplicados na proporção de 0,7 a 1,2 mg de íon fluoreto por litro de água, e o seu valor ótimo depende da variação média de temperatura da localidade. Os níveis de flúor mais baixos são para as regiões de temperatura mais elevadas, enquanto os níveis de flúor mais elevados são para as localidades de temperaturas mais baixas2,13,20.

Cabe à empresa concessionária de distribuição de água controlar o teor de flúor como parte das suas operações de tratamento da água. Esse controle, denominado operacional, deve ser feito por meio de análises periódicas, diárias, de amostras dessas águas, com a finalidade de prevenir ou corrigir alterações nos teores de flúor, que devem estar situados entre os valores máximos e mínimos aceitos pela localidade20,21.

No Brasil, o controle da qualidade da água consumida pela população é atribuição do Programa Nacional de Vigilância em Saúde Ambiental relacionada à qualidade da água para consumo humano (VIGIAGUA), coordenado pela Secretaria de Vigilância em Saúde do MS. Esse programa consiste no conjunto de ações adotadas continuamente pelas autoridades de saúde pública, para garantir que a água consumida pela população seja segura, segundo padrão e normas estabelecidas na legislação vigente6,20.

O VIGIAGUA tem o monitoramento dos teores de fluoreto na água de abastecimento como parte de suas atribuições. O Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (SISAGUA) foi desenvolvido pelo VIGIAGUA com o objetivo de produzir, analisar e disseminar dados sobre a qualidade da água para consumo humano, de acordo com os padrões de potabilidade, criando condições para a prática da vigilância da qualidade da água por parte das secretarias municipais e estaduais de saúde6.

Essa segurança tem sido cuidadosamente documentada em estudos científicos com água fluoretada. As correntes contrárias à fluoretação não possuem evidências científicas válidas que comprovem efeitos danosos da medida. Após várias gerações terem consumido água fluoretada, não se tem observado nenhuma alteração na saúde em geral11,13,15.

Todos os aspectos positivos da fluoretação da água de abastecimento são dependentes da sua manutenção e estabilidade dos teores de flúor dentro dos níveis adequados4,21. Alguns estudos12,17 têm mostrado a importância da manutenção de pequenas quantidades de flúor na cavidade bucal para o efetivo controle da cárie dentária. Esse conceito da dinâmica de redução da cárie é baseado em pesquisas sobre o efeito do flúor durante a ocorrência da desmineralização. As elevações frequentes nos níveis de flúor na boca reduzem a perda mineral e, em consequência, a progressão da lesão de cárie12.

HISTÓRICO DO USO DA FLUORETAÇÃO EM PERNAMBUCO

O estado de Pernambuco, localizado no Nordeste brasileiro, tem como capital a cidade do Recife, possui 185 municípios e, em 2013, teve sua população estimada em 8.796.448 habitantes.

Do ponto de vista econômico, Pernambuco cresce a taxas elevadas em relação ao crescimento do Brasil, gerando empregos e renda para quantidades elevadas da população e atraindo investimentos de grande relevância. Analistas econômicos asseguram que, a médio prazo, a tendência é de Pernambuco se firmar como a maior economia do Nordeste. Contudo, crescimento não é sinônimo de desenvolvimento, o que requer considerar também os aspectos sociais e ambientais22. Um dos setores em que precisam ser ampliados os investimentos e melhorar a qualidade dos serviços oferecidos à população é o saneamento, sobretudo o tratamento e a distribuição de água de abastecimento público.

A cidade do Recife, capital do Estado de Pernambuco, e algumas cidades da Região Metropolitana, como Camaragibe e Jaboatão dos Guararapes, tiveram suas águas de abastecimento público fluoretadas durante dois períodos históricos: entre 1979 e 1982 e 1986 e 199023,24. A interrupção da medida em 1982 foi justificada pela ocorrência de problemas técnicos na manutenção dos equipamentos utilizados24.

A retomada do processo de fluoretação ocorreu em 1987, beneficiando um total de 1.191.080 habitantes e sendo financiada pelo Governo de Pernambuco e pelo FINSOCIAL23-24. Nesse período, a proposta de fluoretação estava articulada a uma política de saúde bucal mais ampla decorrente do Plano de Reorientação da Assistência à Saúde no âmbito da Previdência Social, conhecido por Plano do CONASP - Conselho Consultivo de Administração de Saúde Previdenciária23,25.

Esse segundo período histórico de fluoretação caracterizou-se por intensa mobilização de várias instituições em torno da questão, como MS, Delegacia Federal de Saúde – Recife, Banco Nacional de Habitação (BNH), Companhia Pernambucana de Saneamento - COMPESA, Sociedade dos Cirurgiões-Dentistas de PE, Prefeitura do Recife, Faculdade de Odontologia da UFPE, Secretaria Estadual de Saúde/FUSAM, INAMPS, Conselho Regional de Odontologia, Sindicato dos Odontologistas de Pernambuco e Fundação Serviço Especial de Saúde Pública - SESP. Apesar de toda essa mobilização, em 1990, ocorre a segunda interrupção da fluoretação das águas. De acordo com a SES de Pernambuco, a paralisação ocorreu devido a deficiências de infraestrutura e falta de recursos humanos9,23,24.

A fluoretação das águas de abastecimento público em Pernambuco é de responsabilidade da COMPESA, que atualmente não disponibiliza fluoretação em seus sistemas municipais de abastecimento, deixando o estado em desvantagem na proteção da população à doença de maior incidência na cavidade bucal, que é a cárie dentária9.

Em alguns períodos, Pernambuco chegou a ter 7 municípios da região da Mata Sul com sua água fluoretada pela extinta Fundação SESP. Entretanto, depois das enchentes que assolaram aquela região no ano de 2011 e destruíram os equipamentos, o benefício da fluoretação não foi mantido. Atualmente, somente o município de Palmares, localizado na Zona da Mata Sul, conta com o benefício da fluoretação subsidiado pela FUNASA9,10.

A SES de Pernambuco anunciou, em 2012, que, em outubro daquele mesmo ano, teria início o processo de fluoretação nos grandes mananciais de Pernambuco, porém, apenas em 2014, por meio de convênio com o MS, o processo começou a ser viabilizado. A previsão é de atingir 85% dos pernambucanos custando, em média, R$ 0,60 por habitante. A expectativa é começar o serviço pelos sistemas de distribuição de água de Pirapama, Tapacurá, Botafogo/ Gurjaú e Alto do Céu26.

POR QUE FLUORETAR?

A fluoretação da água de abastecimento público representa umas das principais e mais importantes medidas de saúde pública, podendo ser considerada como o método de controle de cárie dentária mais efetivo, quando considerada sua abrangência coletiva13,27. Dentre os principais benefícios apontados pelos defensores da fluoretação das águas, pode-se destacar o baixo custo per capita, a segurança devido à baixa proporção de íon/ fluoreto/l de água e ao longo período de estudos acerca da sua utilização, além do grau de abrangência da medida que beneficia indiscriminadamente a população servida com água tratada7,8,27.

Uma vez que os efeitos preventivos do flúor, amplamente reconhecidos em ações de saúde pública, são maiores quando a água é empregada como veículo e, considerando a sua efetividade, custo e frequência de consumo, a fluoretação das águas de abastecimento tem sido apontada como o melhor método de exposição ao flúor7.

O efeito favorável da fluoretação da água pôde ser identificado na redução da prevalência de cárie dentária, conforme se constata por meio de levantamentos epidemiológicos de saúde bucal de amplitude nacional. Após meados dos anos 1980, houve um expressivo declínio dos indicadores de cárie, e o índice CPO-D, que expressa o número de dentes com experiência de cárie, reduziu de 6,7 em 1986 para 2,8 em 2003, dentre crianças de 12 anos de idade7,8,28.

A "força preventiva" da fluoretação das águas, quando atua isoladamente, não é pequena. Mesmo quando outras medidas preventivas agem simultaneamente, reconhece-se que, apesar disso, é a fluoretação da água o método de maior abrangência7,15,27. Ademais, estudos recentes comprovam que a fluoretação das águas de abastecimento é uma medida que beneficia mais, proporcionalmente, aqueles que mais precisam dela, pois seu impacto preventivo é maior quanto maior for a desigualdade social, tanto em dentes decíduos quanto em dentes permanentes27.

Embora seja compreensível que a fluoretação tenha ocorrido primeiro nos municípios de maior porte populacional, com mais recursos para a gestão dos interesses públicos, o fato de sua expansão ser tão demorada, em pleno século XXI, mais da metade dos municípios brasileiros ainda não ter adotado a medida, demanda ajustes na gestão dessa política pública. Esses ajustes são necessários e emergentes, sobretudo porque interromper a fluoretação, ou não realizá-la onde deve ser feita, constitui-se, segundo Antunes e Narvai 2010, em "ato juridicamente ilegal, cientificamente insustentável e socialmente injusto"7.

Considerando as evidências científicas discutidas anteriormente, este estudo reitera e corrobora a literatura sobre a importância e a necessidade da fluoretação das águas de abastecimento público no estado de Pernambuco, apresentando, de maneira sintética, nos parágrafos a seguir, as razões para adoção dessa medida de promoção da saúde bucal no estado.

Levando em conta a renda média domiciliar per capita da população do estado de Pernambuco (R$508,82)19, não se pode afirmar e garantir que essa população tenha amplo acesso a dentifrícios e a outros produtos fluoretados, podendo se beneficiar bastante da água de abastecimento público fluoretada.

O acesso à assistência odontológica, principalmente das classes sociais D e E, ainda é precário. Mesmo com a inserção e ampliação de cobertura das Equipes de Saúde Bucal (ESB) à Estratégia Saúde da Família (ESF), apenas 52% da população do estado estão cobertas pelas ESB, ou seja, aproximadamente metade da população SUS dependente ainda não tem acesso à assistência odontológica no estado28.

Do ponto de vista técnico, o abastecimento de água de Pernambuco, de responsabilidade da COMPESA, alcança quase 100% da população, sendo seu sistema perfeitamente compatível com a tecnologia nacional disponível para fluoretação9,10.

O estado já foi contemplado pela linha de financiamento do MS e FUNASA para a implantação da fluoretação das águas e capacitação técnica dos operadores do sistema. Além disso, em Pernambuco, seria possível empregar técnicas de controle da qualidade da fluoretação, similares às utilizadas pelos órgãos de vigilância sanitária de estados onde há mais experiência nesse setor9,10. Isso permitiria controlar a concentração do flúor que chegaria às torneiras. Não há qualquer dificuldade quanto a isso, podendo-se afirmar, com segurança, que a fluoretação da água é plenamente exequível em Pernambuco9,10.

Deve-se assinalar, ainda, que sua realização contribui também para melhorar os processos de tratamento da água, aprimorando-o e, assim, a medida contribui, indiretamente, para a redução da ocorrência de doenças de transmissão hídrica que, como se sabe, ainda assolam parte de nossa população22.

Diante do histórico da fluoretação das águas em Pernambuco, recomenda-se um amplo debate entre as instituições envolvidas para que haja um compromisso efetivo com os recursos destinados à implantação e à manutenção da medida.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história descrita pela saúde bucal coletiva nos mostra que o século XX foi marcado, de forma determinante, pela descoberta das possibilidades preventivas do flúor. Seu uso em diversas formas e em larga escala tornou possível beneficiar milhões de pessoas, diminuindo consideravelmente os índices de cárie dentária no mundo. O flúor se mostrou um aliado fundamental na luta contra a doença cárie e a mutilação dentária.

A fluoretação da água de abastecimento público é claramente uma estratégia de intervenção sobre os determinantes populacionais da cárie. Porém, quando se analisa a universalidade da política, nós nos deparamos com uma realidade: sua implantação ainda é um desafio, embora sejam claros todos os benefícios, epidemiológicos e sociais, mesmo após mais de cinco décadas de progressiva expansão nacional.

Apesar de a fluoretação das águas ser obrigatória no Brasil, várias grandes cidades brasileiras não fluoretam suas águas, e, no caso do estado de Pernambuco, sua totalidade age assim. Isso demonstra que, mesmo existindo legislação e ações concretas, há um longo caminho a percorrer para efetivação total dessa política.

Porém, atualmente, não existem mais argumentos, sejam eles técnicos, políticos ou, orçamentários, que justifiquem a não fluoretação de águas no estado de Pernambuco. Além disso, a SES possui infraestrutura necessária, em parceria com os municípios, para realizar o monitoramento da concentração de flúor na água, garantindo seu benefício no que diz respeito à cárie dentária. Logo, a decisão de não fluoretar, além de ilegal e socialmente injusta, promove, ainda mais, iniquidades na saúde.

 

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Endereço para correspondência:
Grasiele Fretta Fernandes
Rua dos Navegantes, 2563/601B – Boa Viagem
Recife, PE/Brasil
CEP: 51020-011
e-mail:
grafretta@gmail.com

 

Recebido para publicação: 17/11/2014
Aceito para publicação: 29/06/2015