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    Odontologia Clínico-Científica (Online)

      ISSN 1677-3888

    Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.14 no.1 Recife ene./mar. 2015

     

    Artigos Originais / Original Articles

     

    SEGUNDOS MOLARES DECÍDUOS: REABSORÇÃO FISIOLÓGICA E PATOLÓGICA

     

    Second deciduous molars: physiological and pathological resorption

     

     

    Sara Grinfeld I; Mário Filipe Verçosa de Melo Silva II; Renato de Mariz Florentino III; Fernanda Araujo Donida IV; Carlos Menezes Aguiar V; Andréa Cruz Câmara VI

    I Professora Associado de Odontopediatria da Universidade Federal de Pernambuco
    II Aluno de Graduação do Curso de Odontologia da Universidade Federal de Pernambuco
    III Aluno de Graduação do Curso de Odontologia da Universidade Federal de Pernambuco
    IV Aluna de Mestrado em Clínica Integrada da Universidade Federal de Pernambuco
    V Professor Associado de Endodontia da Universidade Federal de Pernambuco
    VI Professora Adjunto de Endodontia da Universidade Federal de Pernambuco

    Endereço para correspondência

     

     


    RESUMO

    Objetivo: Este estudo retrospectivo avaliou a perda dos segundos molares decíduos, por rizólise fisiológica ou patológica, em pacientes atendidos nas Clínicas de Odontopediatria I e II da Universidade Federal de Pernambuco. Foram examinados 112 prontuários, sendo os dados registrados em fichas individuais. Método: Foram analisadas as seguintes variáveis: gênero, faixa etária, tipo de tratamento (invasivo ou não invasivo), tipo de reabsorção dentária (patológica ou fisiológica) e arco dentário. Resultados: A reabsorção fisiológica foi mais frequente que a reabsorção patológica em ambos os arcos. Foi observado que existe associação estatisticamente significante entre a faixa etária de 2 a 4 anos e a reabsorção dentária (p<0,001). A média de idade dos pacientes para reabsorção fisiológica foi de 6,65 e 4,49 anos para a reabsorção patológica dos segundos molares decíduos. Conclusão: Houve perda precoce de segundos molares decíduos. Há grandes possibilidades de comprometimento da oclusão funcional do indivíduo.

    Palavras-chaves: Reabsorção de Dente; Reabsorção Radicular; Dentição Primária.


    ABSTRACT

    Aim: This retrospective study evaluated the loss of the second deciduous molars either by physiological or pathological root resorption in patients enrolled at the Pediatric Dentistry Clinic I and II at the Federal University of Pernambuco. Methods: A review of 112 patient records were assessed and registered in a form. The following variables were analyzed: gender, age, type of treatment (invasive or no invasive), type of resorption (physiological or pathological) and region (maxillary or mandibular). Results: The physiological resorption was more observed than the pathological resorption in both arches. It was noted that there was a statistically significant association between the age group of 2-4 years old and the resorption (p<0.001). The mean age of patients for physiological resorption was 6.65 and 4.49 years old for pathological resorption of the second deciduous molars. Conclusion: It can be concluded that there was an early deciduous second molars loss. There are great possibilities of impaired functional occlusion of the individual.

    Keywords: Tooth Resorption; Root Resorption; deciduous tooth.


     

     

    INTRODUÇÃO

    Sabe-se que a importância dos dentes decíduos é fundamental como eixo do desenvolvimento dento-ósseomuscular da face. Para o padrão de normalidade, esta tríade é um instrumento de previsões da dentição permanente. Na fase da dentadura mista, há um período de acomodação e surtos de crescimento da maxila e mandíbula, sedimentando a dentição permanente1.

    Na dentição decídua, a erupção dos quatro primeiros molares determina um ganho em altura (primeiro ganho de dimensão vertical ou primeiro levantamento de mordida), que refere-se a oclusão funcional dos primeiros molares decíduos. Posteriormente, estabilizada através da erupção e oclusão funcional dos segundos molares decíduos superiores e inferiores. Esse grupo de molares tem sua importância até a oclusão funcional dos primeiros molares permanentes que serão os próximos pilares. Portanto, todas as fases são somatórias e importantes2.

    A erupção dentária é o processo migratório que conduz os dentes, tanto decíduos como permanentes, desde seu local de desenvolvimento intra-ósseo, penetrando na mucosa gengival, até alcançarem e manterem sua posição funcional no arco dental3,4.

    A própria natureza oferece o período e sequência de erupção dos dentes, cada um com o seu valor, temporal para a dentição decídua e determinante para a engrenagem dos dentes permanentes2.

    Lunt e Law5 realizaram estudos e concluíram que os achados em relação à sequência e cronologia da erupção decídua deveriam ser modificados seguindo a ordem: incisivo central inferior (aos 8 meses), incisivo central superior (aos 10 meses), incisivo lateral superior (aos 11 meses), incisivo lateral inferior (aos 13 meses), primeiro molar superior (aos 16 meses), primeiro molar inferior (aos 16 meses), canino superior (aos 19 meses), canino inferior (aos 20 meses), segundo molar inferior (aos 27 meses), segundo molar superior (aos 29 meses).

    Após a completa formação dos dentes decíduos, iniciase o processo de reabsorção radicular fisiológica, também denominado de rizólise, que resulta em gradativa redução do comprimento das raízes e perda das estruturas de suporte6,7.

    A reabsorção radicular patológica inflamatória é uma condição caracterizada pela reabsorção de tecidos duros da raiz (cemento e dentina) e mantida por uma reação inflamatória local8.

    É bastante frequente tanto em dentes decíduos como em permanentes, em virtude de processos cariosos não tratados, e resulta, em muitos casos, em perda dentária, já que, enquanto o estímulo inflamatório persiste, a reabsorção patológica não cessa. Outras causas de reabsorções radiculares inflamatórias são traumatismos dentários e forças ortodônticas e oclusais excessivas9.

    A cárie dentária é um dos fatores influenciadores da rizólise prematura decídua. A doença cárie em crianças préescolares pode ocorrer em todas as superfícies de todos os dentes. Entretanto, estudos têm descrito uma hierarquia nos dentes e superfícies atingidos, que pode variar de acordo com a idade, a cronologia de erupção dentária, padrão de sucção e práticas alimentares10,11.

    Nos casos de perda prematura do segundo molar decíduo, frequentemente ocorrerá migração e deslocamento mesial do primeiro molar permanente, mesmo antes de sua erupção resultando em bloqueio do canino permanente que irromperá pela vestibular12.

    Diante do exposto, o presente trabalho objetivou avaliar a perda dos segundos molares decíduos, por rizólise fisiológica ou patológica, em pacientes atendidos nas Clínicas de Odontopediatria I e II da Universidade Federal de Pernambuco.

     

    MATERIAIS E MÉTODOS

    A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco, sob parecer n0 433.055/2013.

    O estudo foi do tipo observacional, retrospectivo e descritivo analítico. Foram coletados dados dos prontuários de 112 pacientes com idades entre 2 e 12 anos, de ambos os gêneros atendidas nas Clínicas de Odontopediatria I e II do Departamento de Clínica e Odontologia Preventiva do Curso de Graduação em Odontologia do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco, no período de Janeiro de 2012 a Julho de 2013. Foram analisadas as seguintes variáveis: gênero, faixa etária, tipo de tratamento (invasivo ou não invasivo), tipo de reabsorção dentária (patológica ou fisiológica) e arco dentário.

    O instrumento de coleta consistiu de fichas individuais, onde foram obtidos os registros de sugestão de reabsorções dentárias fisiológicas ou patológicas em segundos molares decíduos, obtidas por exame de imagem.

    Como critério de inclusão, só poderiam fazer parte do estudo os prontuários que possuíssem todos os dados necessários a referente pesquisa, devidamente preenchidos com clareza, a fim de que pudessem ser avaliados de forma perene e que nos mesmos prontuários fossem encontradas as radiografias com definição aceitável, sem distorções ou áreas desfocadas e com adequada nitidez e clareza da imagem do estado e estágios das raízes dentárias, através da técnica radiográfica interproximal.

    Como critério de exclusão, 23 prontuários foram descartados. Destes 10 prontuários foram descartados por encaminhamento dos pacientes e 13 prontuários não foram utilizados devido ao paciente não retornar após a triagem.

    A análise dos dados foi realizada através da estatística descritiva. Para verificar a associação entre a faixa etária e a reabsorção dentária foi utilizado o teste qui-quadrado de Pearson. Para a comparação dos valores entre as idades entre os grupos de reabsorção dentária foi usado o teste de Mann- Whitney. Para visualização da distribuição das variáveis da diferença de Idade em anos por grupo de reabsorção foi utilizado o gráfico Boxplot. O nível de significância utilizado foi de 5%.

     

    RESULTADOS

    O universo constou de 112 prontuários, tendo como amostra 89 pacientes e 356 segundos molares decíduos, obedecendo-se os critérios de inclusão.

    A tabela 1 indica a distribuição das variáveis: faixa etária e gênero. Em relação ao gênero, 50,5% dos pacientes pertenciam ao sexo masculino e 49,5% ao sexo feminino. 8,98% estavam na faixa etária de 2 a 4 anos, 23,6% na faixa de 4 a 5 anos, 29,24% na faixa de 5 a 6 anos e 38,18% na faixa etária de 7 a 12 anos.

     

     

     

    Observou-se clinicamente que a reabsorção fisiológica foi mais frequente que a reabsorção patológica em ambos os arcos (Tabela 2):

     

     

     

    Na Tabela 3 podemos observar que existe uma associação estatisticamente significante entre a faixa etária e a reabsorção dentária:

     

     

     

    A tabela 4 indica a média de idade dos pacientes para reabsorção fisiológica e patológica dos segundos molares decíduos.

     

     

     

    Na tabela 5 podemos observar a indicação de tratamento invasivo e não invasivo para cada elemento dentário.

     

     

     

    O gráfico 1 associa o procedimento clínico indicado e elementos hígidos a idade dos pacientes.

    De acordo com o gráfico 2, pode-se verificar a distribuição de idade entre os grupos de reabsorção dentária.

     

     

     

    DISCUSSÃO

    É importante considerar que as reabsorções radiculares patológicas são algumas vezes subestimadas ou mesmo, subdiagnosticadas nos dentes decíduos. Talvez este fato deva se ao desconhecimento das características das imagens radiográficas das reabsorções patológicas, considerando-as como reabsorções fisiológicas13.

    A perda de um dente decíduo para ser considerada prematura deve acontecer um ano ou mais antes da erupção do dente permanente e, radiograficamente o grau de rizogênese do sucessor permanente deve ser inferior a metade de seu comprimento total (entre o estádio 7 e 8 de Nolla, que correspondem respectivamente a 1/3 da raiz dentária completa e a 2/3 da raiz dentária completa)11.

    Em relação à distribuição da variável faixa etária constatou-se que houve um aumento gradual no número de pacientes de acordo com as faixas etárias mais avançadas. Possivelmente isto se deve ao aspecto cultural em que há uma subestimação da necessidade de manutenção da dentição decídua saudável em relação a dentição mista e permanente, que pode ser constatada através da menor procura por tratamento odontológico em crianças na idade pré-escolar.

    Dados mais recentes no Brasil, indicam que menos da metade das crianças conseguirá atingir os 5 anos de idade sem passar pela experiências da doença cárie. Além disso, destaca-se a polarização da doença, com algumas crianças concentrando um número alto de lesões, e desigualdades marcantes, considerando que regiões de pior nível socioeconômico concentram maior prevalência e severidade10. Em média, uma criança brasileira com até 3 anos de idade já possui, no mínimo, um dente com experiência de cárie, aos 5 anos, esse valor aumenta para quase três dentes14.

    Quanto ao gênero houve um equilíbrio na amostra estando em concordância com os estudos de Alsheneifi e Hughes15, Cardoso13, Batista16, Cavalcanti et al.,17. A reabsorção patológica foi mais prevalente em ambos os arcos assim como os achados de Batista16. Esses resultados são clinicamente preocupantes em detrimento dos segundos molares decíduos terem sua importância na oclusão futura além de possibilitar uma porta de entrada de infecções, assim como todos os elementos dentários.

    É importante que se avalie a influência da perda precoce dos molares decíduos na época de erupção de seus sucessores. A erupção dos pré-molares será retardada em crianças que perderam seu molares decíduos aos 4 ou 5 anos de idade, ou antes. Se os molares decíduos forem extraídos após os 5 anos, o atraso na erupção dos prémolares será menor; aos 8, 9 e 10 anos de idade, a erupção dos pré-molares é muito acelerada, em consequência da esfoliação dos dentes decíduos12.

    Foi constatado que o segundo molar decíduo foi o principal elemento dentário decíduo perdido prematuramente conforme a maioria dos autores consultados13,15,17.

    Possivelmente, esse dado se deve à sequência do ataque de cárie na dentição decídua que segue um padrão específico: molares inferiores, molares superiores e dentes anteriores superiores. Mais resistentes são os dentes anteriores inferiores ou as faces vestibular ou lingual dos dentes decíduos envolvidos, exceto nos casos de cárie rampante10,12.

    Os primeiros molares decíduos são tanto no arco superior como no inferior, muito menos susceptíveis a cárie nas superfícies oclusais que os segundos molares decíduos, apesar de os primeiros molares erupcionarem primeiro. Esta diferença na susceptibilidade a cárie é devida as diferenças na morfologia da superfície oclusal. Usualmente, o segundo molar decíduo tem fossas e fissuras mais profundas, menos completamente coalescidas12.

    De acordo a distribuição dos segundos molares decíduos, a maioria apresentava-se hígida, demonstrando um bom percentual de saúde desses dentes, porém não se pode afirmar o mesmo em relação à saúde bucal geral dos pacientes. Justificando que a maior frequência de elementos dentários hígidos foi observada dos 7 aos 12 anos corroborando com Alsheneifi e Hughes15 e Cavalcanti et al.17, devido a faixa cronológica de erupção dos dentes permanentes configurando o início e término da dentição mista, e o início da dentição permanente.

    O tratamento endodôntico foi mais constatado aos 5 e 6 anos, este dado deve ser considerado devido a tendência de os dentes decíduos, que apresentam pulpotomias ou pulpectomias bem sucedidas, de permanecer retidos além do tempo adequado. Esta situação pode interferir na erupção normal dos dentes permanentes e afetar negativamente no desenvolvimento da oclusão5.

    Contudo, o que mais se destacou é de grande contribuição clínica foi que as faixas etárias de 2-4 anos e 4-5 anos apresentam o maior percentual de rizólise patológica. Para as idades de 2, 4 e 6 anos a indicação do tratamento restaurador foi mais frequente devido à doença cárie, principal fator associado à perda prematura na dentição decídua de acordo com os autores Alsheneifi e Hughes15, Cardoso13 e Batista16.

     

    CONCLUSÃO

    De acordo com o que foi exposto, os resultados são clinicamente preocupantes devido as consequências da perda prematura do segundo molar decíduo. Pois as faces distais dos segundos molares decíduos e sua integridade tem um grande valor no que se refere a acomodação do primeiro molar permanente. Podendo acarretar migração e deslocamento mesial deste elemento dentário mesmo antes de sua erupção. Há grandes possibilidades de comprometimento da oclusão funcional do indivíduo.

     

    REFERÊNCIAS

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    Endereço para correspondência:
    Sara Grinfeld
    Av. Prof. Moraes Rego, s/n. Cidade Universitária | Recife - PE
    Departamento de Odontologia Preventiva
    CEP: 50670-901
    e-mail:
    sara.grinfeld@terra.com.br

     

    Recebido para publicação: 03/10/2015
    Aceito para publicação: 03/06/2015