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Odontologia Clínico-Científica (Online)

versão On-line ISSN 1677-3888

Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.14 no.3 Recife Jul./Set. 2015

 

Relato de Caso / Case Report

 

USO DO CORPO ADIPOSO DE BICHAT PARA FECHAMENTO DE COMUNICAÇÃO OROANTRAL

 

Use of Bichat's Fat Pad for closing oroantral communication

 

Manoel Itaguacy Leite Novais JuniorI; Manuella Santos Carneiro AlmeidaII; Camila Helena Machado da CostaIII; Luis Ferreira de Sousa FilhoIV; Onilson da Rocha Mendes JúniorV

 

I graduando do Curso de Odontologia da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Patos, Paraíba, PB, Brasil
II
Doutora em Odontologia; professora da Curso de Odontologia da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Patos, Paraíba, PB, Brasil
III
Doutora em Odontologia; professora da Curso de Odontologia da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Patos, Paraíba, PB, Brasil
IV
Médico Clínico Geral do Hospital Regional de Patos, Patos, Paraíba, Brasil
V
Cirurgião Buco-Maxilo-Facial do Hospital Regional de Patos, Patos, Paraíba, Brasil

Correspondência para:

 

 


 

RESUMO

A Comunicação bucosinusal é caracterizada como uma condição mórbida relativamente frequente na prática odontológica. Apesar de várias condições estarem relacionadas a este tipo de comunicação, a exodontia de dentes posteriores apresenta-se como o principal fator etiológico. A literatura relata que a técnica de utilização do Corpo Adiposo de Bichat é simples e apresenta aplicabilidade. O mesmo apresenta abundante vascularização, o que permitecicatrização e resultados favoráveis quando de sua utilização. O objetivo deste trabalho é relatar um caso clínico de tratamento de comunicação oroantral persistente utilizando o Corpo Adiposo de Bichat. O paciente se submeteu a exodontia do elemento 16 anteriormente, a qual resultou em uma comunicação oroantral. Essa afecção foi tratada primariamente utilizando-se a técnica do retalho vestibular, a qual demonstrou resultado negativo, em decorrência de necrose do retalho. O mesmo procurou atendimento odontológico num serviço privado de Cirurgia Bucomaxilofacial, relatando a passagem persistente de restos de alimentos e líquidos para a cavidade nasal. O paciente foi então submetido ao tratamento cirúrgico de enxerto do Corpo Adiposo de Bichat e acompanhado por seis meses, onde foi possível observar o sucesso da técnica. Esta técnica é indicada quando há necessidade da manutenção do fundo de sulco ou insucesso de outras técnicas.

Palavras chave: Fístula Bucossinusal, Seio Maxilar, Panorâmica.


 

ABSTRACT

The bucosinusal Communication is characterized as a relatively frequent morbid condition in dental practice. Despite several conditions are related to this type of communication, the extraction of posterior teeth is presented as the main etiological factor. The literature reports that the use of the technique Adipose Bichat body is simple and has applicability. The same features abundant vasculature, which allows healing and favorable results when in use. The objective of this study is to report a case of persistent communication oroantral treatment using Adipose Body of Bichat. The patient underwent extraction of the element 16 before, which resulted in an oroantral communication. This condition was treated primarily using the technique of vestibular flap, which showed negative results, due to flap necrosis. The same looked for dental care in a private service of Oral and Maxillofacial Surgery, reporting persistent passage of food waste and liquid into the nasal cavity. The patient then underwent surgical treatment of graft fat pad of Bichat and was followed for six months, when it was possible to observe the technique's success. This technique is indicated when it's need to maintain the gutter area or failure of other techniques.

Descriptors: Oroantral Fistula, MaxillarySinus, Panoramic.


 

INTRODUÇÃO

A comunicação oroantral (COA) é uma entidade patológica muitas vezes causada por iatrogenias ao realizar tratamentos dentários, tais como exodontias, a remoção de cistos e até mesmo curetagem prematura. A literatura cita também como possível causa as lesões patológicas do seio maxilar, bem como infecções periodontais e traumatismos.1-2 Após a formação da COA caso não seja tratada o tecido local inicia um processo de proliferação epitelial, definido como epitelização. Esse processo torna possível uma comunicação permanente entre a cavidade oral e o seio maxilar, definida como fístula.3

A principal causa para o desenvolvimento da COA é a exodontia de molares superiores, devido à íntima relação entre o assoalho do seio maxilar e os dentes posteriores, principalmente primeiros e segundos molares.2 Outrossim, quanto aos aspectos imaginológicos, quanto mais o assoalho do seio maxilar estiver projetado nas raízes dos dentes posteriores, maior a probabilidade de ocorrer a complicação do tipo COA durante o procedimento cirúrgico.4

O tratamento desta comunicação é importante para evitar o transporte de bactérias da cavidade bucal para o interior da cavidade sinusal.5 Por estas razões, prevenir sua ocorrência bem como fazer o diagnóstico e prescrever o tratamento adequado é muito importante a fim de evitar a formação de uma fístula oroantral e o acometimento subsequente do estado de saúde do paciente, envolvendo processos infecciosos.6

A decisão terapêutica apropriada para tratamento da COA deve levar em consideração a largura, a epitelização e presença ou ausência de infecções. Os defeitos de menos de 3 mm de largura e sem epitelização podem curar-se espontaneamente na ausência de infecções. A presença de quadros infecciosos no seio maxilar torna mandatório o tratamento terapêutico inicial desta condição, a partir de antibioticoterapia durante período de 14 a 21 dias.6 Comunicações mais largas que 5mm requerem o uso de rotação e retalhos para o selamento, bem como a utilização do Corpo Adiposo de Bichat (CAB).5,7

Nesse ínterim, o presente trabalho se propõe relatar um caso clínico de fechamento de fístula oroantral utilizando Corpo Adiposo de Bichat, enfatizando características clínicas e radiográficas, conduta terapêutica adequada, além de discutir as suas principais implicações.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 19 anos, feoderma, procurou atendimento odontológico no serviço privado de Cirurgia Bucomaxilofacial do município de Natal, Rio Grande do Norte, Brasil, para tratamento de uma fístula oroantral.

Na anamnese, a queixa principal referia a passagem de restos de alimentos e líquidos para a cavidade nasal. Á partir da historia clínica, foi constatado que essa fístula ocorreu em virtude de uma exodontia traumática do dente 16 e que o mesmo já havia se submetido a tratamento dessa comunicação utilizando a técnica do retalho vestibular para fechamento da mesma, com a qual não obteve sucesso em virtude de necrose do retalho.

Ao exame intraoral, observou-se a presença da fistula oroantral e ausência do dente 15 e 16. Como exame complementar, realizou-se uma radiografia panorâmica, na qual foi possível verificar a inexistência de corpo estranho no interior do seio maxilar direito, a ausência de processo infeccioso no mesmo e a descontinuidade do assoalho do seio maxilar na referida região, apresentando-se a comunicação (Figura 1).

No presente estudo para tratamento da fístula oroantral foi utilizada a técnica do Corpo Adiposo de Bichat, que tem como suas principais indicações: a manutenção do fundo de sulco vestibular e o insucesso prévio ao fechamento da fístula oroantral por outras técnicas.

O procedimento cirúrgico foi realizado, sob anestesia local, consistindo numa incisão elíptica para remoção do epitélio patologicamente formado. Em seguida, foi feita uma incisão tipo Newmann envolvendo as regiões do túber da maxila e os dentes 14, 15 e 16, com posterior descolamento do retalho. Foi então, realizada uma incisão no periósteo e a divulsão por planos para o tracionamento do Corpo Adiposo de Bichat. Este, por sua vez, foi colocado em posição e suturado ao retalho e a mucosa palatina (Figuras 2, 3 e 4 ). Foi utilizado antibiótico (Amoxicilina 500 mg 8/8) durante 7 dias e analgésico (Dipirona 500 mg 6/6) no período de 2 dias após a realização da cirurgia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

A frequência de complicação pós-operatória do tipo COA dada na literatura varia de 0,31% a 18,7%.8-9 A causa mais prevalente é a extração dentária, tendo como dente mais envolvido o primeiro molar superior.10Apesar de representar menor número de casos, as infecções dentárias, osteomielite, terapias de radiação também estão relacionadas ao desenvolvimento de COA.

O diagnóstico da COA necessita da realização de anamnese e exame físico intra-oral, auxiliados por exames imaginológicos específicos. Ressalta-se também a importância da realização da Manobra de Vasalva.11 Esta técnica consiste da compressão das narinas com os dedos, assoprando-o, com o objetivo de verificar se há ou não passagem de ar ou pus da cavidade sinusal para o alvéolo. Os exames radiográficos, como as radiografias panorâmicas e periapicais, contribuem para verificar a descontinuidade do assoalho do seio maxilar compatível com a COA.12 No caso clínico apresentado, o exame radiográfico solicitado foi a panorâmica.

A pneumatização do seio maxilar é um processo fisiológico que ocorre em todos os seios paranasais durante o período de crescimento.13 O desenvolvimento e expansão do seio maxilar inicia na décima semana de vida intrauterina e continua seu crescimento após o nascimento, com o desenvolvimento do rebordo alveolar e com os dentes entrando em oclusão. A pneumatização é finalizada após a erupção completa dos terceiros molares. A literatura relata que também há a possibilidade de ocorrência de expansão tardia do seio, que ocorre após procedimentos de exodontia de dentes posteriores.13 No caso clínico apresentado, o paciente apresentava 19 anos e o exame radiográfico panorâmico apresentou evidente pneumatização do seio maxilar direito para o processo alveolar, o que certamente facilitou o desenvolvimento da comunicação orosinusal após o procedimento cirúrgico.

Para o fechamento das comunicações oroantrais são descritas na literatura várias técnicas, entre elas podemos citar a sutura das bordas, retalhos bucais, retalhos palatinos, retalhos deslizantes, enxertos e utilização do CAB.3 Na ocorrência de COAs de pequeno tamanho a utilização do Corpo Adiposo de Bichat não é a técnica de escolha imediata. No entanto, quando a comunicação orosinusal apresenta maiores dimensões ou existe insucesso com outras técnicas cirúrgicas a utilização do enxerto pediculado do CAB é uma boa opção, e os resultados obtidos são excelentes.7,10 No presente caso clínico, a história clínica revelou insucesso na primeira tentativa de tratamento da COA, utilizando a técnica do retalho vestibular, o qual sofreu necrose. É consenso na literatura que a técnica do CAB é simples e oferece excelente vascularização, rápida epitelização e ótimos resultados.1,3

A utilização do Corpo Adiposo de Bichat se deu a partir dos resultados positivos quando de sua utilização. Antes de sua aplicação cirúrgica foram realizados vários estudos com o intuito de verificar sua anatomia. Em estudo realizado para avaliação do CAB em cadáveres frescos, observou-se que esse possuía condição constante, comparando-se lado direito e lado esquerdo, assim como não encontraram relação entre a quantidade de gordura corporal dos cadáveres estudados e o CAB, pois até mesmo espécimes caquéticos com pouca gordura subcutânea apresentaram corpos adiposos bucais com peso e volume dentro dos padrões normais.14 Tais aspectos apresentam-se como vantagens na utilização dessas estruturas em procedimentos cirúrgicos.

O Corpo Adiposo de Bichat consiste em um corpo principal com quatro extensões: bucal, pterigóide, temporal superficial e profundo. O suprimento sanguíneo para o CAB é originado de ramos temporais profundos da artéria maxilar, o ramo transversal da artéria temporal superficial, e ramos da artéria facial.2,14

Clinicamente a área enxertada finaliza o processo de cicatrização em um período entre duas e três semanas. Ao terceiro dia de aplicação do enxerto, a área apresenta coloração branco-amarelada, tornando-se avermelhada após uma semana de aplicação do CAB. O enxerto modifica-se durante a segunda semana, transformando-se em um tecido de granulação firme. O processo de cicatrização é finalizado após uma pequena contração da ferida durante a terceira semana.15

Apesar de ser uma técnica de simples aplicação e mínima incidência de falha após o procedimento cirúrgico, a utilização do CAB de maneira inadvertida pode proporcionar insucesso do método. A fim de evitar a necrose do tecido adiposo, a literatura sugere a realização de uma sutura livre de tensão.16 Observam-se também relatos de outras complicações, a partir da utilização do Corpo Adiposo de Bichat, como hematoma e injúrias ao nervo facial quando da imperícia no procedimento cirúrgico.17

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Comunicação bucosinusal é caracterizada como uma condição mórbida relativamente frequente na prática odontológica. Apesar de várias condições estarem relacionadas a este tipo de comunicação, a exodontia de dentes posteriores apresenta-se como o principal fator etiológico.

A literatura relata que quando a comunicação orosinusal apresenta maiores dimensões ou existe insucesso com outras técnicas cirúrgicas a utilização do Corpo Adiposo de Bichat mostra resultados excelentes. Essa estrutura apresenta abundante vascularização, o que permite epitelização e cicatrização eficientes da área afetada.

O sucesso da técnica de utilização do Corpo Adiposo de Bichat apresentado no presente caso clínico mostra sua aplicabilidade cirúrgica no tratamento de fístula oroantral, entidade patológica que merece maior cautela em casos de complicações e recidivas.

 

REFERÊNCIAS

1. Franco-Carro B, Barona-Dorado C, Martínez-González MJ, Rubio-Alonso LJ, Martínez-González JM. Meta-analytic study on the frequency and treatment of oral antral communications. Med Oral Patol Oral Cir Bucal 2011. p.682-7. Disponível em URL: http://www.medicinaoral.com/medoralfree01/v16i5/ medoralv16i5p682.pdf         [ Links ]

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3. Abuabara A, Cortez AL, Passeri LA, de Moraes M, Moreira RW. Evaluation of different treatments for oroantral/ oronasal communications: experience of 112 cases. Int J Oral MaxillofacSurg 2006; 35: 155-8.

4. Pourmand PP, Sigron GR., Mache B,Stadlinger B, Locher MC.The most common complications after wisdom-tooth removal. Part 2: A retrospective study of 1,562 cases in the maxilla. Swiss Dental Journal 2014; 124: 1047-51.

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6. Lopatin AS, Sysolyatin SP, Sysolyatin PG, Melnikov MN. Chronic Maxillary Sinusitis of Dental Origin: Is External Surgical Aproach Mandatory Laryngoscope 2002; 112: 1056-9

7. Abad-Gallegos M, Figueiredo R, Rodríguez-Baeza A, Gay- Escoda C. Use of Bichat's buccal fat pad for the sealing of orosinusal communications : A presentation of 8 cases. Med Oral Patol Oral Cir Bucal 2011. p.215-9. Disponível em URL: http://www.medicinaoral.com/medoralfree01/v16i2/ medoralv16i2p215.pdf

8. Punwutikorn J, Waikakul A, Pairuchvej V: Clinically significant oroantral communications. A study of incidence and site.Int J Oral MaxillofacSurg 1994; 23:19-21.

9. Rothamel D, Wahl G, D'hoedt B, Nentwig G H, Schwarz F, Becker J: Incidence and predictivefactors for perforation of the maxillary antrumin operations to remove upper wisdom teeth:prospective multicentre study. Br J Oral MaxillofacSurg 2007; 45: 387–391.

10. Hernando J, Gallego L, Junquera L, Villarreal P. Oroantralcommunications.A retrospective analysis. Med Oral Patol Oral Cir Bucal 2010.p.499-503. Disponível em URL:http://www.medicinaoral.com/medoralfree01/v15i3/ medoralv15i3p499pdf

11. Krause CF, Pruzzo CE, Fonseca AX. Manejo quirúrgico de la fístula oroantral. RevotorrinolaringoCircabezacuello 1999; 59(2): 101-7.

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13. Sharan A, Madjar D. Maxillary sinus pneumatization following extractions: A radiographic study. Int J Oral MaxillofacImplants 2008; 23: 48-56.

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15. Dolanmaz D, Tuz H, Bayraktar S, Metin M, Erdem E, Baykul T. Use of pedicledbuccal fat pad in the closure of oroantral communication: Analysis of 75 cases. QuintessenceInt 2004; 35: 241-6.

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17. Raldi FV, Sá-Lima JR, Moraes MB, Zanotti GG.Fechamento de Comunicações Buco-Sinusais. Utilização de Enxerto Pediculado do Corpo Adiposo Bucal. RGO 2006; 54(2): 178-81.

 

 

Correspondência para:
Manuella Santos Carneiro Almeida
Rua Ambrosina Soares dos Santos, nº 347
Bessa, João Pessoa– PB, CEP 58035-140

e-mail:
manuellacarneiro@hotmail.com

 

Recebido: 17/09/2015
Aceito: 27/03/2016