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Odontologia Clínico-Científica (Online)

versão On-line ISSN 1677-3888

Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.14 no.4 Recife Out./Dez. 2015

 

Artigos Originais / Original Articles

 

CONHECIMENTO DE ESTUDANTES DE ODONTOLOGIA SOBRE TRANTORNOS ALIMENTARES – UM ESTUDO PILOTO

 

Knowledge of students of dentistry on eating disorders - a pilot study

 

Daniela Salvador Marques de LimaI; Natália Costa SalgueiroII; Fernanda Cunha SoaresI; Sara GrinfeldIII; Viviane ColaresIV

 

I Doutoranda em Odontopediatria pela Faculdade de Odontologia da Universidade de Pernambuco (UPE), Camaragibe/PE, Brasil
II Graduação em Odontologia pela Faculdade de Odontologia da Universidade de Pernambuco (UPE), Camaragibe/PE, Brasil
III Professora Adjunta da Disciplina de Odontopediatria da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife/ PE, Brasil
IV Professora Adjunta da Disciplina de Odontopediatria da Faculdade de Odontologia da Universidade de Pernambuco (UPE), Camaragibe/PE, Brasil

Correspondência para:

 

 


 

RESUMO

Os transtornos alimentares caracterizam-se por severas perturbações no comportamento alimentar que podem apresentar além de várias alterações sistêmicas relacionadas ao comprometimento do estado nutricional, causar alterações na cavidade bucal. O objetivo deste estudo foi avaliar o conhecimento de estudantes do curso de graduação em odontologia, sobre o tema Transtornos alimentares, assim como validar o instrumento de coleta de dados. Inicialmente realizou-se a validação de face, que ocorreu em um pré-teste com 20 estudantes. Em seguida participaram do estudo 102 estudantes universitários do curso de Odontologia de duas faculdades do Estado de Pernambuco. O índice de reprodutibilidade foi realizado com uma amostra de 82 universitários. De acordo com os valores na interpretação dos escores de Kappa os resultados obtidos variaram de concordância moderada a grande concordância. Todos os estudantes apresentaram algum grau de conhecimento e interesse sobre o tema, predominando moderado, tanto o conhecimento como o interesse.

Palavras-chave: Transtornos da alimentação; Saúde oral; Dentista.


 

ABSTRACT

Eating disorders are characterized by severe disturbances in eating behavior that can present along with several systemic disorders related to impaired nutritional status, cause changes in the oral cavity. The objective of this study was to to evaluate the knowledge of students in dentistry, on the topic Eating Disorders, as well as validate the data collection instrument. Initially there was the face validity, which occurred in a pretest with 20 students. Then participated in the study 102 Dental students from two colleges in the State of Pernambuco. The reproducibility index was performed with a sample of 82 students. According to the values in the interpretation of the results of Kappa scores obtained from moderate to high concordance correlation. All students had some degree of knowledge and interest about the topic, predominantly moderate, both knowledge and interest.

Key-words: Eating disorders; Oral Health; Dentist.


 

INTRODUÇÃO

Os transtornos alimentares são quadros psiquiátricos que conduzem a severos danos psicológicos e sociais com aumento da morbidade e mortalidade principalmente entre adolescentes e adultos jovens. A etiologia das alterações do comportamento alimentar é multifatorial, envolvendo componentes genéticos, neuroquímicos, psicológicos, socioculturais e nutricionais1,2,3. Os transtornos alimentares além de várias alterações sistêmicas podem estar relacionados, principalmente, ao comprometimento do estado nutricional e a alterações na cavidade buca2,3.

O cirurgião-dentista pode ser o primeiro profissional da Saúde a suspeitar da anorexia e bulimia nervosas – duas das principais alterações alimentares4,5, devido aos sinais e sintomas de erosão dental resultantes de um ambiente bucal cronicamente ácido. Sendo assim, o dentista deve estar preparado para um manejo adequado do paciente em casos de suspeita através da observação de indicativos de transtornos alimentares6.

Dentre as atribuições do cirurgião- dentista a obtenção da confiança do paciente é de extrema importância, visto que gera um melhor resultado no tratamento odontológico e possibilita sua referência para serviços com abordagem multidisciplinar incluindo profissionais psicoterapeutas, médicos e nutricionistas, além do próprio cirurgião-dentista7.

Complicações no tratamento desses distúrbios podem ser minimizadas quando o diagnóstico é feito precocemente obtendo melhores resultados estéticos e funcionais. Em geral, na maioria dos casos, a detecção do transtorno alimentar acontece tardiamente e um dos fatores que contribuem para este fato é a falta de conhecimento sobre distúrbios alimentares por parte dos cirurgiões dentistas6.

Entende-se que o cirurgião-dentista pode desempenhar um papel fundamental no diagnóstico de transtornos alimentares devido à presença da erosão dental. Para isso, há a necessidade de o profissional estar familiarizado com os sinais das doenças e preparado para tratar e encaminhar os pacientes que apresentem indicativos, contribuindo para o tratamento do transtorno alimentar6.

Assim, este estudo teve como objetivo avaliar o conhecimento de estudantes do curso de graduação em odontologia, sobre o tema Transtornos alimentares, assim como validar o instrumento de coleta de dados.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Trata-se de um estudo piloto, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Pernambuco (protocolo CEP/UPE: 258/11. Registro CAAE: 0262.0.097.000-11). Os participantes do estudo foram esclarecidos sobre os objetivos, além de possíveis riscos e benefícios, por meio do termo de consentimento livre e esclarecido, sendo voluntária e anônima a participação no estudo e obrigatória a assinatura para participação na mesma.

Não sendo feito o dimensionamento amostral a priori, recorreu- se ao cálculo amostral a posteriori para verificar o poder das análises estatísticas (G*POWER 3.0.10). Para detectar correlações com effect size de 0,3, aceitando um erro de 5% nas análises com uma amostra de 82 universitários, o poder do estudo foi de aproximadamente 80%.

O instrumento utilizado neste estudo foi elaborado pelos pesquisadores com o objetivo de avaliar o conhecimento, interesse e as fontes de informação dos estudantes de odontologia a cerca do tema transtornos alimentares.

O estudo foi realizado em quatro etapas (figura 1). Inicialmente realizou-se a validação de face, que ocorreu em um pré-teste com 20 estudantes do primeiro semestre do curso de odontologia de uma faculdade do Estado de Pernambuco. Em seguida participaram do estudo 102 estudantes universitários matriculados nos 3o, 7o e 8o semestres do curso de Odontologia de duas faculdades do Estado de Pernambuco (teste – reteste). Os dados foram coletados por dois avaliadores, devidamente calibrados, no período de março a julho de 2012.

 

 

 

O questionário é composto por sete questões, cinco destas objetivam a investigação do conhecimento dos estudantes a respeito dos transtornos alimentares, e as demais avaliam o interesse e fontes de informações. O questionário apresenta duas questões abertas e cinco objetivas.

As cinco questões relacionadas ao conhecimento se referem ao conceito de transtornos alimentares, as lesões bucais mais freqüentemente associadas, grupo etário e gênero com maior prevalência de transtornos alimentares, assim como se o cirurgião-dentista seria um profissional com condições de identificar o paciente com transtornos alimentares.

Nas duas questões abertas que avaliaram o conhecimento sobre o tema transtornos alimentares, as respostas foram categorizadas em: correto, parcialmente correto e incorreto ou não respondeu, considerando as definições do Manual de Diagnóstico e Estatístico das Perturbações Mentais - Os transtornos alimentares se caracterizam por alterações psicológicas graves que conduzem alteração da conduta alimentar9. E nas questões objetivas, categorizou- se as respostas em correto, incorreto ou não respondeu.

A questão que avaliou o interesse pelo tema, ofereceu as seguintes possibilidades de resposta: "nenhum", "pouco interesse", "tenho interesse" ou "muito interesse".

Ao questionar sobre as fontes de informação, o estudante poderia marcar mais de uma resposta, tendo como opções: televisão, revistas e jornais não científicos, amigos, revistas científicas, aula na faculdade, palestra em congressos, livros didáticos, internet/ ou outros (com espaço para informar qual a outra fonte).

A aplicação do teste foi realizada de forma coletiva em sala de aula, conduzido com auto preenchimento padronizado. Esta técnica de investigação seguiu um roteiro previamente estabelecido, visando manter o mesmo rigor com todos os participantes. O questionário foi preenchido pelos estudantes, num mesmo momento, mediante a presença do pesquisador. A aplicação do questionário foi realizada em dois momentos (teste e reteste), com intervalo de quinze dias, para verificar a consistência das medidas. Este intervalo de tempo pode ser considerado, como sugere Picon et al. (2005)10, nem tão curto que permita o viés de aferição por lembrança das respostas do questionário e nem tão longo que leve a modificações nas respostas.

A reprodutibilidade da pontuação do questionário foi analisada através dos coeficientes de teste e reteste, empregando o teste Kappa. Em todas as análises foi considerado um nível de significância de 5% como critério para rejeição da hipótese nula.

A análise dos dados foi feita utilizando-se os pacotes estatísticos Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 11.0.

Os resultados do questionário são expostos em três sessões, sendo a primeira em relação ao nível de conhecimento apresentado pelo aluno; a segunda, o interesse do aluno pelo o tema e a terceira, as fontes de informações usadas para a obtenção do conhecimento.

Na análise do conhecimento, as respostas foram pontuadas, sendo 2 (correto), 1 (parcialmente correto) ou 0 (incorreto ou não respondeu) para as questões abertas e 1 (correto) ou 0 (incorreto) para aquelas objetivas. Desta forma o aluno poderia obter um valor de 0 a 7. Esse valor foi categorizado para então se obter o escore final (0 – nenhum conhecimento; 1,2,3 – pouco conhecimento; 4,5,6 –conhecimento moderado e 7- muito conhecimento).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na etapa de validação de face, os respondentes comentaram as questões da versão aplicada, apontando eventuais dificuldades. Não foram necessárias modificações, pois o instrumento foi bem compreendido pela população-alvo.

Assim a versão inicial do questionário foi utilizada na aplicação do teste, e reteste. Para a aplicação do teste foram entrevistados 102 estudantes, destes 20 faltaram na data da segunda aplicação ou não quiseram participar, apresentando o reteste uma perda de 19,60%, desta forma, o índice de reprodutibilidade foi realizado com uma amostra de 82 universitários, destes 52 do gênero feminino e 30 masculino.

Os escores de Kappa obtidos no questionário podem ser observados na Tabela 1.

 

 

 

De acordo com os valores na interpretação dos escores de Kappa os resultados obtidos variaram de concordância moderada a grande concordância. No entanto, considerando o caráter subjetivo das questões, sugere-se que a avaliação através do reteste é um método questionável para avaliar conhecimento11.

Todos os estudantes apresentaram algum grau de conhecimento sobre o tema (Tabela 2).

 

 

 

Em ambos os sexos, a maioria dos alunos de graduação de odontologia mostraram ter um bom conhecimento sobre transtornos alimentares. Quando analisada as idades dos alunos, percebe-se que a maior parte dos estudantes da faixa etária entre 18 a 20 anos e 21 a 23 anos apresentam um bom conhecimento sobre o tema, já os mais velhos entre 24 a 26 anos e maiores de 27 demonstraram pouco conhecimento sobre o assunto transtornos alimentares.

Entre as faculdades foi observado que grande parte dos alunos da faculdade estadual apresentou bom conhecimento a cerca do tema (66,7%), porém o mesmo não ocorreu com os estudantes da faculdade particular, onde a maioria dos alunos (62,5%) apresentaram pouco conhecimento sobre o tema.

A segunda sessão foi o interesse dos jovens pelo assunto, sendo verificadas as associações da tabela 3. Todos os estudantes apresentaram algum grau de interesse sobre o tema.

 

 

 

O sexo feminino em 59,6% mostrou-se ter interesse sobre transtornos alimentares, enquanto que a maioria dos alunos do sexo masculino relatou pouco interesse. Quando analisada as idades dos alunos, percebe-se que a maior parte dos estudantes apresentou interesse sobre o tema transtornos alimentar, independentemente de sua idade.

Entre as faculdades foi observado que grande parte dos alunos de uma faculdade particular apresentou pouco interesse a cerca do tema, porém o mesmo não ocorreu em uma faculdade estadual, onde a maioria dos alunos, 59,1% apresentou interesse sobre o tema

Na análise de como os alunos de graduação obtiveram informações sobre o tema transtornos alimentares foram obtidos os resultados da tabela 4.

 

 

 

Independentemente de sexo, idade, semestre acadêmico ou faculdade a maioria dos alunos relataram que o conhecimento adquirido a cerca de transtornos alimentares vieram de outras fontes como internet.

 

CONCLUSÃO

O instrumento apresentou-se reprodutível para avaliação do conhecimento dos estudantes sobre transtornos alimentares.

Em ambos os sexos, os estudantes de odontologia do estado de Pernambuco, mostram ter bom conhecimento sobre o tema Transtornos Alimentares, sendo maior o interesse na faixa etária de 18 a 23 anos. Estudantes do sexo feminino apresentam maior interesse pelo tema.

A principal fonte de informação referida pelos estudantes foi internet/ outros, seguida pela literatura científica, faculdade e congressos. O que indica uma necessidade de incluir informações a cerca dos Transtornos Alimentares nos cursos de graduação em odontologia.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Bay LB, Rausch HC, Kovalskys I, Berner E, Orellana L, Bergesio A. Alteraciones alimentarias en niños y adolescentes argentinos que concurren al consultorio del pediatra. Arch. argent. pediatr. 2005; 103(4): 305-316.         [ Links ]

2. Antunes KT, Amaral CF, Balbinot CEA. Anorexia e bulimia nervosa: complicações bucais e o papel do cirurgiãodentista frente a transtornos alimentares. Disc. Scientia. Série: Ciências da Saúde, Santa Maria. 2007; 8(1): 159-167.

3. Amoras DR, Messias DCF, Ribeiro RPP, Turssi CP, Serra MC. Caracterização dos transtornos alimentares e suas implicações na cavidade bucal. Rev. odontol. UNESP (Online). 2010; 39(4).

4. Burke FJT, Bell TJ, Ismail N, Hartley P. Bulimia: implications for the practicing dentist. Brit Dent J. 1996; 180(11): 421- 426.

5. Schmidt U, Treasure J. Eating disorders and the dental practitioner. Eur J Prosthodont Restor Dent. 1997; 5(4): 161-167.

6. Wiseman CV, Harris WA, Halmi KA. Eating disorders. Med Clin North Am. 1998; 82( 1): 145-157.

7. Hazelton LR, Faine MP. Diagnosis and dental management of eating disorder patients. Int J Prosthodont. 1996; 9(1): 65-73.

8. Traebert J, Moreira EAM. Transtornos alimentares de ordem comportamental e seus efeitos sobre a saúde bucal na adolescência. Pesqui Odontol Bras. 2001; 15(4): 359-363.

9. DSM-IV-TR – Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais; Rev. Porto Alegre: Artmed. 2002; 4.

10. Picon P, Gauer GJC, Hirakata VN, Haggsträm LM, Beidel DC, Turner SM, MANFRO GG. Reliability of the Social Phobia and Anxiety Inventory (SPAI) Portuguese version in a heterogeneous sample of Brazilian university students. Rev Bras Psiquiatr. 2005; 27(2):124-130.

11. Landis JR, Koch GG. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics 1977; 33: 159- 174.

 

 

Correspondência para:
Daniela Salvador Marques de Lima
Av. Fernando Simões Barbosa, 80/ 1203
Boa Viagem
CEP:51020-390
Recife – PE

 

Recebido: 03/09/2014
Aceito: 05/08/2016