SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.15 número1 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Odontologia Clínico-Científica (Online)

versão On-line ISSN 1677-3888

Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.15 no.1 Recife Jan./Mar. 2016

 

Relato de Caso / Case Report

 

ADENOCARCINOMA POLIMORFO DE BAIXO GRAU DE GRANDES PROPORÇÕES EM PACIENTE IDOSO: RELATO DE CASO NÃO USUAL

 

LARGE POLYMORPHOUS LOW-GRADE ADENOCARCINOMA IN ELDERLY PATIENT: UNUSUAL CASE REPORT

 

Lívia Natália Sales BritoI; Daliana Queiroga de Castro GomesII; Arella Cristina Muniz BritoIII; Pollianna Muniz AlvesII; Cassiano Francisco Weege NonakaIV; Gustavo Pina GodoyV

 

I Mestranda, Programa de Pós-Graduação em Odontologia, Universidade Estadual da Paraíba, UEPB
II
Professora Doutora, Programa de Pós-Graduação em Odontologia, Universidade Estadual da Paraíba, UEPB
III
Graduanda, Curso de Odontologia, Universidade Estadual da Paraíba, UEPB
IV
Professor Doutor, Programa de Pós-Graduação em Odontologia, Universidade Estadual da Paraíba, UEPB
V
Professor Doutor, Departamento de Patologia, Universidade Federal de Pernambuco, UFPE

 

Correspondência :

 


 

RESUMO

O adenocarcinoma polimorfo de baixo grau (APBG) é uma neoplasia maligna que ocorre predominantemente em glândulas salivares menores e exibe baixa tendência para o comportamento agressivo e a disseminação metastática. O presente trabalho objetiva relatar um caso de APBG em paciente idoso que se configurou como não usual, especialmente pela grande dimensão apresentada pela lesão. Adicionalmente, serão abordados os principais critérios para um correto diagnóstico diferencial com outras neoplasias de glândulas salivares. Paciente, 92 anos, sexo masculino, tabagista, apresentava um tumor assintomático na região esquerda do palato, recoberto por mucosa de coloração normal com áreas telangiectásicas, medindo aproximadamente 7,4 cm. Sob hipótese diagnóstica de carcinoma mucoepidermoide foi realizada uma biópsia do tipo incisional. Após análise histopatológica, os achados microscópicos foram compatíveis com APBG e o paciente foi encaminhado para o cirurgião de cabeça e pescoço. O APBG é uma neoplasia maligna de glândulas salivares que exibe baixa tendência para o comportamento agressivo e se apresenta, geralmente, como um nódulo indolor. No entanto, como o APBG pode alcançar grandes dimensões, os autores ressaltam a importância de um criterioso diagnóstico deste tumor, a fim de diferenciá-lo de outras neoplasias de comportamento biológico e prognóstico diferentes.

Palavras-Chave: Neoplasias, Glândulas Salivares, Palato, Adenocarcinoma.


 

ABSTRACT

Polymorphous low-grade adenocarcinoma (PLGA) is a malignant tumor which occurs predominantly in minor salivary glands and exhibits low tendency for aggressive behavior and metastatic spread. The aim of this paper is to report an unusual case of PLGA in an elderly patient, specially because of the large size of the lesion. Furthermore, the main criteria for differential diagnosis between PLGA and other salivary gland neoplasms will be discussed. A 92-year-old male patient, who was a smoker, presented with an asymptomatic tumor on the left portion of the palate, covered by normal mucosa with telangiectatic areas, measuring about 7.4 cm. The diagnostic hypothesis was mucoepidermoid carcinoma and incisional biopsy was done. Histopathologic features were compatible with PLGA and the patient was referred to the head and neck surgeon. PLGA is a malignant salivary gland neoplasm that exhibits low tendency for aggressive behavior and usually presents as a non-tender nodule. Nevertheless, since PLGA can reach a large size, the authors emphasize the importance of an accurate diagnosis of this tumor in order to differentiate it from other neoplasms with different biological behavior and prognosis.

Keywords: Neoplasms, Salivary Glands, Palate, Adenocarcinoma.


INTRODUÇÃO

O adenocarcinoma polimorfo de baixo grau (APBG) é uma neoplasia maligna incomum, a qual ocorre quase que exclusivamente nas glândulas salivares menores.1 É descrita como uma lesão de crescimento lento, assintomática e de baixa agressividade que, ocasionalmente, pode estar associada à dor e à ulceração. Apresenta baixo potencial para metástases, porém, há possibilidade de recidivas após períodos prolongados.1-2 Constata-se uma prevalência em indivíduos do sexo feminino, com faixa etária entre a sexta e a sétima décadas de vida,1-3 e o palato é a sua localização mais frequente.1-4 Histopatologicamente, o APBG é caracterizado por uma diversidade morfológica e uma uniformidade citológica, o que pode tornar seu diagnóstico difícil. O carcinoma adenoide cístico e o adenoma pleomórfico são as lesões que fazem diagnóstico diferencial mais frequentemente com esta neoplasia, e a distinção desta lesão para outras neoplasias é importante por seu prognóstico e conduta terapêutica serem diferentes.2,5 A terapia inicial deve consistir em excisão cirúrgica completa, com possibilidade de associação ao tratamento radioterápico, sendo seu prognóstico bastante favorável.1,4 O presente trabalho objetiva relatar um caso de APBG de grandes dimensões em paciente idoso, ressaltando a importância do diagnóstico diferencial desta com outras neoplasias de glândulas salivares que apresentam comportamento biológico e prognóstico distintos.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, não branco, 92 anos, tabagista, foi encaminhado para um serviço de saúde considerado referencial para o diagnóstico e tratamento de neoplasias. O prontuário médico mostrou o registro prévio de hiperplasia papilomatosa na região esquerda do palato e rebordo alveolar, a qual foi tratada há 16 anos, logo depois, foi realizada a anamnese. O exame físico extraoral mostrou-se dentro dos padrões de normalidade, mas ao exame intraoral, observou-se um tumor localizado na região esquerda do palato, estendendo-se para o rebordo alveolar, assintomático, o qual havia sido identificado pelo paciente há aproximadamente cinco anos. A lesão possuía coloração semelhante à da mucosa, porém com presença de áreas hiperemiadas e telangiectásicas (Figura 1). Apresentava um crescimento exofítico, implantação séssil, medindo aproximadamente 7,4 cm em seu maior diâmetro, consistência firme à palpação, e com histórico evolutivo de aproximadamente, cinco anos. Na radiografia panorâmica dos maxilares (Figura 2), observou-se uma área radiolúcida, de bordas irregulares, localizada próxima à região de túber e rebordo alveolar esquerdo. Baseado nos achados clínicos e radiográficos foi estabelecida a hipótese diagnóstica de carcinoma mucoepidermoide e, em seguida, realizada uma biópsia do tipo incisional mediante anestesia local, com o intuito de confirmar a hipótese diagnóstica, para então, conduzir a terapêutica adequada.

 

 

 

 

 

Ao exame microscópico, foram observadas áreas indicativas de neoplasia maligna glandular, caracterizadas pela proliferação de células epiteliais ovoides em diversos padrões, como cístico-papilar, sólido e tubular (Figura 3A). Individualmente, as células neoplásicas epiteliais, de citoplasma escasso, exibiam núcleos que variavam de esférico à fusiforme, sendo muitos deles palidamente corados. No interior de algumas das estruturas tubulares, era possível observar quantidade variável de material eosinofílico amorfo. Em permeio, observou-se um estroma constituído por tecido conjuntivo fibroso denso com áreas de hialinização, escasso infiltrado inflamatório crônico e discreta vascularização (Figura 3B). Com base nesses achados histopatológicos, foi estabelecido o diagnóstico de APBG. Sendo assim, o paciente foi encaminhado para o cirurgião de cabeça e pescoço, a fim de realizar a remoção cirúrgica completa da lesão e dar início ao tratamento de suporte. Todavia, o paciente recusou o tratamento, abandonando-o na sua fase inicial.

 

 

 

DISCUSSÃO

O APBG é uma neoplasia maligna de glândulas salivares, cujo pico de incidência encontra-se entre a sexta e sétima década de vida, com uma leve predisposição de acometimento em pacientes do sexo feminino,1-3,5-6 sendo a vasta maioria das lesões localizadas na região de palato.1-5,7 De Araújo et al.2 realizaram uma revisão sistematizada com 57 estudos publicados na literatura inglesa, no período de 20 anos e observaram que o APBG apresentou uma frequência de 0,0% a 44,3% de todos os tumores em glândulas salivares menores relatados. Para Araújo et al.,2 a ampla variação na frequência do APBG, encontrada entre os estudos, estaria relacionada a diferenças nas próprias populações avaliadas, bem como, a falta de uniformidade na aplicação de critérios histológicos e citológicos para o diagnóstico desta neoplasia. Sugestões similares foram realizadas por Chi e Neville.7 A apresentação típica para o APBG consiste em um nódulo elevado, firme e indolor, coberto por mucosa intacta,4-5,7 medindo entre 2,0 e 2,5.4-5 No presente caso, o diâmetro da lesão (7,4 cm) se revelou bastante superior ao comumente relatado na literatura para o APBG, o que pode estar relacionado à demora do paciente em procurar atendimento especializado, aliado à ausência de sintomatologia dolorosa. Microscopicamente, o tumor é composto por agregados de células epiteliais neoplásicas que se caracterizam por uma uniformidade citológica e núcleos que variam entre morfologia ovoide à poligonal. Estas células podem se arranjar de formas diversas, incluindo ninhos sólidos, cordões e formações cribriformes. Estruturas semelhantes à ductos, contendo material amorfo basofílico, podem estar presentes de forma ocasional. O estroma de tecido conjuntivo fibroso denso, por sua vez, pode mostrar áreas de hialinização.1,8,9 A malignidade deste tumor é evidenciada pela infiltração de células tumorais em tecidos moles, glândulas salivares adjacentes e fascículos nervosos.8 Os aspectos histopatológicos observados no presente caso são similares aos comumente descritos para o APBG.

Ao avaliar os achados clínico-patológicos em uma série de neoplasias de glândulas salivares, Chi e Neville7 observaram que a presença de uma superfície rugosa, histopatologicamente correspondente a uma hiperplasia epitelial papilar, foi associada ao diagnóstico de APBG, especialmente quando a lesão estava localizada no palato. Para estes autores,7 a hiperplasia epitelial papilar sobrejacente poderia ser um indício microscópico útil para a identificação do APBG em palato, cujos aspectos clínicos são semelhantes aos de outras neoplasias. As características histopatológicas do APBG o tornam um verdadeiro desafio diagnóstico,1,2,5 especialmente pela similaridade que esta lesão pode exibir, em alguns planos do espécime, com o carcinoma adenoide cístico e o adenoma pleomórfico, cujos tratamentos e prognósticos são marcadamente diferentes. 1,5,8 Neste sentido, os núcleos condensados hipercromáticos das células no carcinoma adenoide cístico contrastam com os núcleos palidamente corados das células do APBG.8 Além disso, a presença de um padrão cribiforme predominante sugere o diagnóstico de carcinoma adenoide cístico. Contrastando com adenoma pleomórfico, o APBG não demonstra evidência de diferenciação condromixoide. Por outro lado, no adenoma pleomórfico, não existe evidência de invasão dos tecidos circundantes ou de fascículos nervosos, nem o arranjo de células em monocamadas, assemelhando-se à "fila indiana", característica que é comumente observada na periferia do APBG. Em alguns casos, a análise cuidadosa da periferia do tumor em biópsias excisionais, procurando indícios de infiltração em glândula salivar e dos tecidos normais circunvizinhos, pode auxiliar no estabelecimento do diagnóstico correto do APBG.8 Para fins de diagnóstico, é essencial caracterizar a morfologia celular e a diversidade dos padrões histológicos das neoplasias de glândula salivar. Conforme ressaltam De Araújo et al.,2 a uniformidade citológica associada à diversidade de padrões histológicos são, usualmente, suficientes para o diagnóstico do APBG. Todavia, em alguns casos, o diagnóstico do APBG pode ser desafiador e, neste sentido, a imunoistoquímica tem sido sugerida como uma importante ferramenta auxiliar.2,5 De acordo com De Araújo et al.,2 uma imunopositividade uniforme das células neoplásicas para vimentina e citoqueratina7, com exceção dos raros ductos de dupla camada, seria suficiente para um diagnóstico final de APBG. No caso ora relatado, os aspectos histopatológicos foram suficientes para o diagnóstico do APBG. A importância de se distinguir o APBG de outras neoplasias das glândulas salivares, particularmente as malignas, é que esta parece seguir um curso menos agressivo, com um melhor prognóstico. 1,4,6 A terapia inicial deve consistir em excisão cirúrgica completa com margens negativas.1 Entretanto, dependendo da extensão da lesão e do envolvimento de estruturas nobres, pode-se indicar tanto a cirurgia associada à radioterapia, ou apenas a radioterapia.4 No caso relatado, o paciente foi encaminhado para o serviço de oncologia do hospital de referência para planejamento cirúrgico e tratamento de suporte, porém, o mesmo abandonou o tratamento na sua fase inicial. O desenvolvimento de metástases regionais ou à distância são raras para o APBG.6 Estas, geralmente, estão associadas a condições de pobre controle local no momento da intervenção cirúrgica inicial.1 Por isso, se justifica uma abordagem cirúrgica cuidadosa, a fim de alcançar a excisão completa da lesão.4 Embora raros, há relatos de recorrência do APBG após 15 anos do primeiro tratamento cirúrgico, indicando-se a proservação por longo período.1,5

 

CONCLUSÃO

O APBG é uma neoplasia maligna de glândulas salivares de baixa agressividade que se apresenta, geralmente, como um nódulo indolor. Tais características podem determinar a demora na busca de tratamento pelos pacientes acometidos, o que justificaria a extensa dimensão do APBG no caso ora reportado. O presente trabalho destaca, ainda, a importância de um criterioso diagnóstico do APBG, a fim de diferenciá-lo de outras neoplasias de comportamento biológico e prognóstico diferentes.

CONFLITO DE INTERESSE

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

FONTES DE FINANCIAMENTO

Os autores afirmaram que não houve fontes de financiamento ou suporte.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Fife TA, Smith B, Sullivan CA, Browne JD, Waltonen JD. Polymorphous low-grade adenocarcinoma: a 17 patient case series. Am J Otolaryngol. 2013;34:445-8.         [ Links ]

2. de Araujo VC, Passador-Santos F, Turssi C, Soares AB, de Araujo NS. Polymorphous low-grade adenocarcinoma: an analysis of epidemiological studies and hints for pathologists. Diagn Pathol. 2013;6:1-8.

3. Buchner A, Merrell PW, Carpenter WM. Relative frequency of intra-oral minor salivary gland tumors: a study of 380 cases from northern California and comparison to reports from other parts of the world. J Oral Pathol Med. 2007;36:207-14.

4. Seethala RR, Johnson JT, Barnes EL, Myers EN. Polymorphous low-grade adenocarcinoma: the University of Pittsburgh experience. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2010; 136:385-92.

5. Abu El-Naaj I, Leiser Y, Wolff A, Peled M. Polymorphous low grade adenocarcinoma: case series and review of surgical management. J Oral Maxillofac Surg. 2011; 69:1967-72.

6. Fonseca FP, Brierley D, Wright JM, Santos-Silva AR, Almeida OP, Rocha AC et al. Polymorphous low-grade adenocarcinoma of the upper lip: 11 cases of an uncommon diagnosis. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol. 2015;119:566-71.

7. Chi AC, Neville BW. Surface papillary epithelial hyperplasia (rough mucosa) is a helpful clue for identification of polymorphous low-grade Adenocarcinoma. Head Neck Pathol. 2015;9:244-52.

8. Schwarz S, Müller M, Ettl T, Stockmann P, Zenk J, Agaimy A. Morphological heterogeneity of oral salivary gland carcinomas: A clinicopathologic study of 41 cases with long term follow-up emphasizing the overlapping spectrum of adenoid cystic carcinoma and polymorphous low-grade adenocarcinoma. Int J Clin Exp Pathol. 2011;4:336-48.

9. Argyris PP, Gopalakrishnan R, Pambuccian SE, Tosios KI, Koutlas IG. Polymorphous low-grade adenocarcinoma of the upper lip with metachronous myoepithelioma of the buccal mucosa. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol. 2014;117:441-8.

 

Correspondência para:
Gustavo Pina Godoy
Universidade Federal de Pernambuco
Departamento de Patologia Oral
Avenida Professor Moraes Rêgo, 1235
Cidade Universitária – Recife – PE – Brasil
CEP: 50670-901
e-mail: gruiga@hotmail.com

 

 

Recebido: 03/03/2015
Aceito: 19/08/2016