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Odontologia Clínico-Científica (Online)

versão On-line ISSN 1677-3888

Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.15 no.2 Recife Abr./Jun. 2016

 

Artigos de Revisão / Review Articles

 

MECANISMOS DE AÇÃO DOS RECURSOS TERAPÊUTICOS DISPONÍVEIS PARA O TRATAMENTO DA HIPERSENSIBILIDADE DENTINÁRIA CERVICAL

 

MECHANISMS OF ACTION OF THERAPEUTIC RESOURCES AVAILABLE FOR TREATMENT OF CERVICAL DENTINAL HYPERSENSITIVITY

 

Pedro José Targino RibeiroI;Amanda Michelle Pereira de AraújoI; Rodrigo Porpino MafraII; Marcelo Gadelha VasconcelosIII; Rodrigo Gadelha VasconcelosIII

 

I Acadêmicos do curso de graduação em Odontologia da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB, Araruna-PB, Brasil
II
Mestrando em Patologia Oral – UFRN, Natal-RN, Brasil
III Professor Doutor efetivo da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB, Araruna-PB, Brasil

Correspondência para:

 

 


 

RESUMO

O conhecimento dos fatores causais de qualquer condição patológica é primordial para um tratamento seguro e efetivo. A hipersensibilidade dentinária cervical (HDC) é um problema que atinge grande parte da população, manifestando-se como uma sintomatologia dolorosa em áreas com exposição de túbulos dentinários ao meio oral. Comumente, está associada a fatores como erosão, abrasão e abfração, que podem atuar isoladamente ou em conjunto. O presente trabalho visa revisar a literatura em relação aos recursos terapêuticos disponíveis atualmente para o tratamento da HDC. Diversas formas de tratamento para essa condição clínica encontram-se disponíveis, entretanto nem todas se mostram eficazes. Alguns protocolos descritos na literatura, como a aplicação de vernizes fluoretados, soluções de fosfato de cálcio, sistemas adesivos, procedimentos restauradores e laser de baixa intensidade, vem se mostrando efetivos. Ressalta-se que a identificação e a remoção dos fatores etiológicos são condutas essenciais para o sucesso da terapêutica utilizada na HDC.

Palavras-chave: Sensibilidade da Dentina. Dessensibilizantes Dentinários. Terapêutica.


 

ABSTRACT

Knowledge of the causal factors of any pathological condition is essential for a safe and effective treatment. Cervical dentin hypersensitivity (CDH) is a condition that affects much of the population, manifesting as a painful symptomatology in areas with dentinal tubules exposure to the oral environment. Commonly, it is associated with factors such as erosion, abrasion and abfraction, which can act separately or in conjunction. This study aims to review the literature regarding the therapeutic resources currently available for the treatment of CDH. Various forms of treatment for this condition are available, though not all are effective. Some protocols described in the literature, such as the application of fluoride varnishes, calcium phosphate solutions, adhesives, restorative procedures and low intensity laser, has shown effectiveness. It is noteworthy that identification and removal of etiological factors are essential approaches to therapy success in CDH.

Keywords: Dentin Sensitivity, Dentin Desensitizing Agents, Therapeutics.


INTRODUÇÃO

A hipersensibilidade dentinária cervical (HDC) é uma ocorrência bastante frequente na clínica odontológica. Seu tratamento representa, ainda nos dias atuais, um grande desafio para o cirurgião-dentista. É caracterizada como uma dor intermitente relacionada à exposição de dentina, em resposta a estímulos químicos, térmicos, táteis ou osmóticos provenientes do meio bucal, que normalmente não causariam resposta em um dente hígido. Além de causar sintomatologia dolorosa na dentição permanente, gera uma série de inconvenientes na vida psicossocial do indivíduo, por vezes levando-o a restrições alimentares1,2. Pesquisas revelam que a HDC afeta cerca de 17% da população adulta brasileira e entre 8 e 57% da população mundial. Estima-se ainda que os pacientes com HDC, em sua maioria, apresentam recessão gengival3-6.

Os principais fatores etiológicos da HDC são a abfração, abrasão e erosão, que podem atuar de forma isolada ou em conjunto. Do ponto de vista morfológico, a dentina é formada por túbulos dentinários que se estendem da polpa até o limite amelodentinário, sendo seu maior diâmetro voltado para a câmara pulpar. Tais estruturas apresentam uma diminuição tanto do seu calibre quanto da densidade por área, à medida que se aproximam do limite amelodentinário. Estes túbulos são preenchidos por prolongamentos odontoblásticos, terminações nervosas e fluidos responsáveis pela umidade do próprio tecido. O complexo dentina-polpa caracteriza-se por ser altamente sensitivo e com um comportamento diferenciado em relação a outros tecidos. Diferentes tipos de estímulos, como preparos cavitários, alterações térmicas, variações osmóticas e desidratação, têm como resposta a sensação dolorosa. A dor relacionada à HDC é caracterizada como aguda e de curta duração, geralmente desencadeada após estímulos frios3-6.

Diversas hipóteses buscam descrever o mecanismo pelo qual estímulos transmitem a sensação dolorosa através da dentina, sendo mais aceita a teoria hidrodinâmica. De acordo com esta teoria, na presença de lesão cervical, com perda do esmalte e/ou do cemento e consequente exposição dos túbulos dentinários ao meio bucal, determinados estímulos levam ao deslocamento do fluido dentinário, que por sua vez estimula as extremidades dos nervos pulpares, resultando em resposta dolorosa. Uma correta anamnese, associada a um exame clínico e radiográfico cuidadoso, permitem diferenciar a HDC de outras condições patológicas que afetam os dentes. A HDC pode apresentar cura espontânea, através da remineralização pela saliva, ou pela formação de dentina reacional. O tratamento definitivo seria aquele que diminuísse ou até mesmo impedisse a movimentação de fluidos no interior dos túbulos dentinários6-8.

Considerando o elevado acometimento de indivíduos acometidos pela HDC, o presente estudo constitui-se de uma revisão de literatura acerca das diversas formas de tratamento da HDC, enfocando os mecanismos de ação dos agentes terapêuticos, bem como a sua correta indicação e aplicação clínica. Dessa forma, visa-se contribuir para um melhor esclarecimento sobre este assunto, proporcionando, desta maneira, um novo aprendizado que fundamente decisões clínicas futuras.

 

METODOLOGIA

O estudo trata-se de uma revisão de literatura acerca dos recursos terapêuticos disponíveis atualmente para o tratamento da HDC. O trabalho foi caracterizado por uma busca de artigos nas bases de dados eletrônicos PubMed, Lilacs e Scielo, utilizando os descritores dentin sensitivity, dentin desensitizing agents, therapeutics e variações entre estes termos. Não foi estipulado um período de tempo específico para as publicações. Como critérios de inclusão, foram avaliados os artigos escritos em inglês, espanhol e português, aqueles que se enquadravam no enfoque do trabalho e os mais relevantes em termos de delineamento das informações desejadas. Dentre os critérios observados para a escolha dos artigos, foram considerados os seguintes aspectos: disponibilidade do texto integral e clareza na metodologia utilizada. Foram excluídos da amostra os artigos que não apresentavam relevância clínica sobre o tema abordado e/ou que não se enquadravam nos critérios de inclusão. Livros-texto com informações relevantes para esta revisão também foram selecionados.

 

RESULTADOS

Os estudos acerca da prevalência da HDC ainda são escassos. As pesquisas realizadas até então vem sugerindo que esses dados variam bastante de acordo com população selecionada. Estima-se que 35% da população seja acometida pela HDC, não havendo associação significativa entre a referida condição e o sexo dos pacientes. É sabido que a HDC afeta principalmente indivíduos entre 30 e 40 anos de idade, em decorrência de diversos fatores, citandose o desgaste fisiológico da dentina, a dieta e a técnica de escovação utilizada. É válido salientar que pacientes submetidos ao tratamento periodontal podem apresentar episódios de hipersensibilidade, os quais tendem a desaparecer em cerca de três semanas pós-terapia2,9,10,11.

O material dessensibilizante ideal para o tratamento da HDC deve apresentar as seguintes características: fácil aplicação, rápido início de ação, efeito duradouro, não causar descoloração da estrutura dentária, não ser irritante à polpa dentária e não provocar sensação dolorosa. O mecanismo de ação dos agentes dessensibilizantes dentinários pode ser oclusivo e/ou neural, sendo mais utilizados aqueles que ocluem os túbulos dentinários. Esta oclusão pode ser obtida através da formação, deposição e recobrimento da dentina exposta com cristais de fluoreto de cálcio, oxalato de cálcio e fosfato de ferro, dentre outros sais. Por sua vez, os agentes que apresentam ação neural agem despolarizando as membranas das fibras nervosas, bloqueando a transmissão de sinais dolorosos ao sistema nervoso central12,13.

Em reunião da Divisão Canadense sobre Hipersensibilidade Dentinária, foi estabelecido, de forma consensual, que a primeira conduta em quadros clínicos de HDC seria a remoção do fator etiológico. Martens11, tomando tal meta como pressuposto, sugeriu uma árvore de tratamento que se iniciaria com um correto diagnóstico da condição de HDC, obtido através de anamnese e exame clínico detalhados, além da exclusão de outras condições como cárie, bruxismo, dieta ácida, bulimia, dentes trincados e doenças periodontais. Assim sendo, o primeiro passo do tratamento consistiria nas orientações ao paciente: reduzir o consumo de alimentos ácidos, utilizar escova dental com cerdas macias, sem imprimir forças excessivas na escovação, evitar o uso de palitos de dente, e por fim, fazer uso de um dentifrício antissensibilidade. Segundo Davari et al.10, há basicamente dois tipos de agentes dessensibilizantes nos dentifrícios. Alguns componentes reduzem ou bloqueiam a resposta neural aos estímulos dolorosos, enquanto outros promovem a oclusão dos túbulos dentinários.

Dentre as alternativas de tratamento da HDC, destacam-se os produtos fluoretados, a exemplo dos géis acidulados e neutros. O flúor-gel acidulado promove a precipitação de cristais de fluoreto de cálcio no interior dos túbulos dentinários, assim contribuindo para a redução da resposta dolorosa da HDC. Por sua vez, o flúor-gel neutro forma um precipitado facilmente removível pela saliva, assim possuindo ação menos eficaz que o flúor-gel acidulado. Ressalta-se que tais produtos devem ser utilizados somente pelo cirurgião-dentista. Feita a avaliação destas medidas, e não cessada a sensação dolorosa, pode-se considerar o uso de agentes dessensibilizantes. Caso estes ainda não apresentem efeito satisfatório, deve-se considerar a possibilidade da adoção de outras medidas, tais como o laser de baixa intensidade7,14.

O tratamento com dentifrícios constitui um método simples e com custo baixo. Uma de suas vantagens é que pode ser feito em casa. A desvantagem deste tratamento é o tempo de ação, que pode durar de 2 a 12 semanas. O mecanismo de ação consiste no vedamento dos túbulos dentinários através da precipitação do fosfato de cálcio na superfície dentinária exposta. Os principais agentes dessensibilizantes presentes na composição dos dentifrícios são os sais de potássio, a exemplo do cloreto, citrato e nitrato de potássio. O cloreto de estrôncio, a arginina e o hidróxido de cálcio também são agentes terapêuticos frequentemente utilizados. O nitrato de potássio age provoca a despolarização das fibras nervosas, impedindo a passagem do estímulo doloroso ao sistema nervoso central. Por sua vez, o cloreto de estrôncio estimula a deposição de cristais sobre os túbulos dentinários, formando uma barreira física que impede o deslocamento de fluidos e, por conseguinte, evitando estímulos dolorosos. O hidróxido de cálcio é um produto alcalino, não-irritante à polpa e possibilita a deposição de fosfato de cálcio no interior dos túbulos dentinários, obliterando-os. Estudos recentes mostram que a arginina, um aminoácido natural encontrado na saliva, promove benefícios de proteção natural à saúde bucal. O carbonato de cálcio e a arginina, que possuem carga positiva em pH fisiológico, ligam-se à superfície dentinária, que se torna carregada negativamente, formando uma camada superficial rica em cálcio e selando a abertura dos túbulos. O efeito oclusivo da arginina sobre os túbulos permanece intacto mesmo após a exposição a ácidos, evitando a transmissão dos estímulos causadores da dor15-19.

A arginina é um recurso recente no tratamento da HDC que vem sendo bastante explorado9. Elias Boneta et al.14 compararam 3 protocolos terapêuticos: (1) escovação com dentifrício contendo arginina (8%) e monofluorfosfato de sódio (1450 ppm) em base de carbonato de cálcio, seguida de bochecho com colutório contendo arginina (0,8%), copolímero PVM/MA, pirofosfatos e fluoreto de sódio (0,05%); (2) dentifrício à com nitrato de potássio (5%) e fluoreto de sódio (1450 ppm) em base de sílica, seguido de colutório contendo cloreto de potássio (0,51%) e fluoreto de sódio (230 ppm) em álcool; e (3) creme dental contendo fluoretos (1450 ppm), em base de fosfato de cálcio, seguido de colutório livre de arginina e fluoretos. Os testes táteis e com ar comprimido foram realizados na segunda, quarta e oitava semana após os pacientes seguirem as instruções. Os autores evidenciaram que o tratamento com arginina foi mais rápido e efetivo que as outras alternativas avaliadas.

He et al.19 buscaram avaliar a efetividade do tratamento da HDC utilizando dentifrícios comercializados com o fluoreto estanhoso estabilizado (SnF2), em comparação aos comercializados com fluoreto de sódio (NaF), ambos associados ao Triclosan, durante um período de oito semanas. O estudo foi realizado com 97 pacientes, que realizaram a escovação com o dentifrício duas vezes ao dia. Nas primeiras duas semanas, os dentifrícios apresentaram respostas terapêuticas semelhantes. Contudo, ao término do ensaio clínico, foi constatada diferença estatisticamente significativa entre os grupos avaliados, sendo o dentifrício com fluoreto estanhoso associado a uma maior efetividade no tratamento.

Os fluoretos vêm sendo utilizados sob diversas apresentações comerciais, sendo considerados recursos eficazes e seguros na prevenção e controle da cárie dentária e no tratamento da HDC. Podem ser administrados de forma sistêmica, por meio da água e suplementos alimentares. A aplicação tópica de flúor sobre a dentina exposta também tem sido um tratamento preconizado para os casos de HDC. As formas de apresentação dos fluoretos para esta finalidade incluem os dentifrícios, vernizes, géis e soluções para bochecho. Estes produtos apresentam baixo custo, o que constitui uma vantagem do seu uso; contudo, a aplicação deve ser feita por um cirurgião-dentista no consultório odontológico2,11,18,20,21,22.

O mecanismo de ação dos fluoretos baseia-se na formação de fluoreto de cálcio na superfície da dentina. Entretanto, os referidos cristais apresentam diâmetro inferior ao da embocadura dos túbulos dentinários, o que implica a necessidade de mais de uma aplicação do produto para obtenção de efetividade. Além disso, por ser um composto instável que se dissocia facilmente, o fluoreto de cálcio apresenta efeito de curta duração17.

Para pacientes com HDC, são recomendados bochechos com solução de NaF a 0,2% (900 ppm) diariamente. Este protocolo proporciona o aumento da incorporação do flúor na superfície dentinária, favorecendo a obliteração dos canalículos dentinários expostos. A aplicação de verniz fluoretado também representa uma boa alternativa terapêutica, pois permite que o flúor permaneça por maiores intervalos de tempo na superfície dentária. Estes produtos devem ser usados enquanto persistirem os sintomas da HDC18,23.

Um ensaio clínico controlado duplo-cego sobre o tratamento da HDC foi conduzido para avaliar a eficácia de uma goma de mascar sem açúcar contendo hidroxiapatita de cálcio e di-hidrato de fosfato dicálcio. Os pacientes que constituíram o grupo controle utilizaram uma goma de mascar idêntica, sem os princípios ativos. Durante este ensaio, as gomas de mascar foram utilizadas pelos participantes três vezes ao dia, e a HDC foi avaliada através de três índices clínicos (testes táteis, ar comprimido e água fria). Após uma e duas semanas, os indivíduos do grupo teste apresentaram, respectivamente, índices de 36 % e 54% para os testes táteis, 35 % e 66 % para o ar comprimido e 24 % e 49 % para a água fria. Ao término deste ensaio, verificou-se que o uso da goma de mascar a base de hidroxiapatita de cálcio proporcionou redução estatisticamente significativa de todos os índices clínicos da HDC, em comparação à intervenção do grupo controle. Com base nestes resultados, os autores sugeriram que o uso da goma de mascar contendo hidroxiapatita de cálcio seria um método prático de tratamento para a HDC24.

Um estudo in vivo avaliou os efeitos de cinco intervenções clínicas dessensibilizantes: Gluma Desensitizer, Seal & Protect, Oxa-gel, Flúor Fosfato Acidulado tópico e aplicação de laser de baixa intensidade (arseneto de gálio e alumínio - AsGaAl). O produto Gluma Desensitizer, à base de glutaraldeído, fixou a smear layer levando à obliteração de 50% dos túbulos dentinários, mesmo em contato com substâncias desmineralizantes. O Seal & Protect é uma solução de resinas, metacrilatos e outros compostos, que forma uma película protetora sobre os túbulos dentinários expostos, proporcionando uma proteção mecânica. Finalmente, o Oxa-gel, que possui em sua formulação o oxalato de potássio monohidrogenado, combina-se com íons cálcio na superfície dentinária, formando um complexo insolúvel de oxalato de cálcio. Neste experimento, os pacientes referiram dor leve após a aplicação do Seal & Protect e do Gluma Desensitizer; dor em nível intermediário frente à terapia com o flúor-gel; dor intensa após a intervenção com o Oxa-gel e o laser de baixa intensidade. Foi sugerido pelos autores que a variabilidade nas respostas aos agentes terapêuticos pode estar relacionada ao tempo de início dos seus efeitos biológicos25.

Garcia, Rosell e Sampaio21 avaliaram a eficácia de um selante de forma isolada e associado à solução de hidróxido de cálcio no tratamento da HDC. Os participantes do estudo foram divididos em dois grupos: um recebeu apenas o selante Delton e o outro recebeu o referido selante juntamente com a solução de hidróxido de cálcio. Nos dentes em que foi aplicado o selante sobre a superfície previamente tratada pelo hidróxido de cálcio, obtiveram-se os melhores resultados na redução da HDC, em comparação aos dentes em que foi aplicado somente o selante. Embora o exato mecanismo de ação do hidróxido de cálcio seja desconhecido, evidenciou-se que o selante contribuiu no bloqueio da embocadura dos túbulos dentinários e no aumento do tempo de contato entre o hidróxido de cálcio e a dentina, assim gerando condições favoráveis à formação de dentina peritubular. Portanto, os dentes tratados com o selante em associacão ao hidróxido de cálcio obtiveram melhores resultados.

Os sistemas adesivos tem se mostrado efetivos no tratamento da HDC, por apresentarem efeito imediato, fácil aplicação e manuseio, além de não provocarem dor durante a aplicação2,16. O efeito do adesivo ocorre através da formação da camada híbrida, que resulta no selamento dos túbulos dentinários16,20. Segundo Watanabe et al.15, a aplicação do primer na dentina, previamente à utilização do adesivo, proporciona a sua efetiva penetração deste nos túbulos dentinários. Ao passo que, na ausência do primer, a penetração nos túbulos não ocorre de forma satisfatória.

Estrela et al.20 analisaram a intensidade da dor relacionada à HDC em 160 dentes (caninos e pré-molares) com HDC, nos quais foram aplicados os seguintes produtos: fluoreto de sódio (2%), pasta de hidróxido de cálcio, Oxagel (produto à base de oxalato de potássio na forma de gel), verniz Duraphat e os sistemas adesivos Scotchbond, Optibond e Multibond Alpha. Cada produto foi aplicado em 20 dentes, de acordo com as orientações dos fabricantes. Dessa forma, concluiu-se que, para o nível 1 de sensibilidade (desconforto leve), o Optibond e o Oxagel proporcionaram a maior redução da intensidade da dor pós-tratamento. Para os níveis 2 (desconforto acentuado) e 3 (desconforto acentuado com dor aguda por mais de 10 s), o Oxagel e o Scotchbond mostraram os melhores resultados.

De acordo com Barbosa, Prado-Junior e Mendes22, tanto os cimentos de ionômero de vidro tradicionais quanto os modificados por resina podem ser empregados no tratamento da HDC. Contudo, são utilizados com menor frequência que as resinas compostas, tendo em vista que a inserção dos CIVs é mais difícil, além de que os referidos materiais possuem menor resistência ao desgaste, à compressão e à tensão, bem como propriedades ópticas inferiores. Por outro lado, os CIVs possuem adesão química e mecânica à estrutura dental e liberam flúor no meio oral, o que pode ser especialmente benéfico em pacientes com alto risco de cárie.

A iontoforese, que consiste na transferência de íons sob pressão elétrica para o organismo, representa outra alternativa terapêutica para a HDC. Neste método, íons fluoreto são transportados em direção à profundidade dos túbulos dentinários através de uma força eletromotora, a qual é gerada a partir de dois pólos: positivo, que é inserido na dentina exposta, e negativo, adaptado em outro sítio do organismo. Sandhu, Sharma e Bharti26 avaliaram a resposta clínica à iontoforese por meio da solução de fluoreto de sódio (5%), empregando uma corrente elétrica de 27 volts e 0,7 mA por 3 minutos. Os referidos autores evidenciaram uma redução da sintomatologia dolorosa, com eficiência de 83,1% após um mês, 76,3% depois de três meses e 68,9% ao término de seis meses. Dessa forma, concluíram que a iontoforese seria uma boa alternativa terapêutica para a HDC; contudo, possivelmente haveria uma redução da eficácia deste método com a progressão do tratamento.

Singal, Gupta e Pandit23 também concluíram que a efetividade da aplicação de fluoreto de sódio com iontoforese em pacientes com HDC foi superior à administração do fluoreto de sódio sem iontoforese. Sandhu, Sharma e Bharti26 compararam o efeito de diferentes intensidades de corrente elétrica utilizadas em diferentes períodos de tempo, mantendo a dosagem elétrica constante, com a unidade de iontoforese no tratamento da HDC. Concluíram que aplicações repetidas (até três) resultaram em alívio da hipersensibilidade, revelando eficácia e segurança.

No âmbito odontológico, contamos com dois tipos de laser, que podem ser utilizados como recursos de tratamento da HDC. Trata-se do laser cirúrgico de alta potência ou HILT (High-Intensity Laser Treatment) e o laser não cirúrgico de baixa potência ou LILT (Low-Intensity Laser Treatment), que atuam de diferentes maneiras27.

O HILT desempenha ação de corte, coagulação, vaporização e desnaturação de proteínas na superfície da dentina, causando obliteraçõ es microscópicas e redução do diâmetro dos túbulos dentinários, diminuindo com isso a sensação dolorosa. Por sua vez, o LILT apresenta efeitos antiinflamatórios, analgésicos, miorrelaxantes e cicatrizantes, possuindo maior aceitação dos cirurgiões dentistas em virtude de sua grande aplicabilidade clínica27. Conforme relatam alguns autores2,8,10, a utilização do LILT proporciona redução imediata da intensidade de dor em casos de HDC. Contudo, os altos custos dos aparelhos de LILT, bem como a necessidade de capacitação para utilizá-los, limitam a sua utilização. Dentre estes, os mais empregados na clínica odontológica são os de hélio-neônio (He-Ne) e os lasers de diodo. Enquanto o primeiro possui comprimento de onda de 632,8 nm, apresenta espectro de luz visível e emite luz vermelha, o laser de diodo tem comprimento de onda variando de 635 nm a 850 nm, situado no espectro de luz infravermelha, portanto não visível27.

Os efeitos dessensibilizantes de dois tipos de lasers (vermelho com 660 nm e infravermelho com 830 nm) foram avaliados por Ladalardo et al.27 no tratamento da HDC em 20 indivíduos, com idade variando de 25 a 45 anos. Verificou-se que o laser vermelho de 660 nm foi efetivo no tratamento da hipersensibilidade apenas nos pacientes de 25 a 35 anos, ao passo que o laser infravermelho de 830 nm não se mostrou efetivo em nenhum dos grupos etários. Frente a esses achados, os autores sugeriram que a aplicação do laser vermelho de 660 nm proporcionaria melhores respostas terapêuticas.

Em uma análise comparativa entre o laser de baixa potência Photon Lase - DMC® (GaAIAS) em baixa e alta dosagem, utilizados de forma isolada e também em associação ao Gluma, os grupos não apresentaram diferenças significativas entre os níveis de dor, nos períodos antes e durante o tratamento. Contudo, a longo prazo foram evidenciadas diferenças estatísticas, além da melhor resposta terapêutica com o uso do agente dessensibilizante em associação ao laser. Os autores sugeriram que os túbulos dentinários não obliterados com a remineralização através do laser foram posteriormente selados pela ação do Gluma. Assim sendo, o tratamento combinado mostrou-se efetivo e duradouro25.

Uma das abordagens atuais para o tratamento da HDC tem utilizado as propriedades dos vidros bioativos, que produzem uma resposta biológica específica em suas superfícies quando em contato com os tecidos vivos. Os vidros bioativos particulados, na presença dos fluidos bucais, depositam-se no interior dos túbulos dentinários e estimulam a formação de hidroxiapatita, o que resulta na oclusão dos túbulos. Em um estudo in vitro e in vivo, Tirapelli et al.7 analisaram o potencial de oclusão dos túbulos dentinários, comparando um gel à base de Biosilicato® particulado (1%), Biosilicato® misturado a água destilada (1:10), um dentifrício dessensibilizante (Sensodyne®) e o produto comercial Sensi Kill®. A partir da visualização dos túbulos dentinários em microscopia de varredura, submetidos a diferentes tempos de imersão em saliva artificial, os autores evidenciaram que o Biosilicato® misturado com água destilada apresentou a ação mais rápida e efetiva, promovendo a formação de uma camada uniforme de tecido mineralizado sobre a estrutura dentinária. Na análise in vivo, todos os agentes reduziram de forma significativa a dor associada à HDC, em sua maioria com apenas uma aplicação.

A tabela abaixo apresenta as principais alternativas terapêuticas descritas na literatura, bem como os seus prováveis mecanismos de ação para o tratamento da HDC.

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo do presente estudo foi contribuir para um maior conhecimento dos estudantes e cirurgiõesdentistas acerca dos recursos disponíveis para o tratamento da HDC. Tal condição é caracterizada por uma resposta exagerada (sensibilidade) ou uma dor aguda passageira relacionada à exposição dentinária. A escolha dos recursos terapêuticos é arbitrária e dependente da preferência de cada profissional, o que resulta da falta de comprovação da efetividade de alguns tipos de tratamento frente a outros. Além disso, muitas vezes os produtos placebo utilizados em pesquisas clínicas chegam a apresentar uma melhora de até 40% do quadro de HDC, dificultando, assim, a comprovação científica da efetividade dos produtos disponíveis. Ademais, a falta de padronização metodológica nos estudos acaba por gerar resultados que podem ser passíveis de questionamentos.

Em suma, o tratamento da HDC pode ser dividido em métodos que obliteram os túbulos dentinários ou métodos que atuam sobre a propagação dos impulsos nervosos (iniciação e/ou condução), conforme descrito na tabela 1. Atualmente, existe uma grande variedade de recursos terapêuticos disponíveis, mas nenhum deles é considerado completamente eficaz. Entretanto, com o avanço das pesquisas e o desenvolvimento de novos produtos, podem ser identificadas as condutas com melhores resultados terapêuticos, com isso proporcionando melhor qualidade de vida para o paciente.

 

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Recebido: 21/10/2015
Aceito: 19/08/2016