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Odontologia Clínico-Científica (Online)

versão On-line ISSN 1677-3888

Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.15 no.2 Recife Abr./Jun. 2016

 

Relato de Caso/ Case Report

 

UMA ABORDAGEM MULTIDISCIPLINAR NO DIAGNÓSTICO DOS ATEROMAS DE CARÓTIDAS: RELATO DE CASO

 

A multidisciplinary approach on the diagnosis of carotid artery atheromas: a case report

 

Thaiza Gonçalves RochaI; Mariane MichelsII; Leonardo das Neves Moreira GuimarãesIII;Fábio Ribeiro GuedesIV; Maria Augusta Portella Guedes ViscontiIV; Andréa de Castro Domingos VieiraIV

 

I Mestranda em Clínica Odontológica - Departamento de Patologia e Diagnóstico Oral da Universidade Federal do Rio de Janeiro
II
Mestre em Clínica Odontológica - Departamento de Patologia e Diagnóstico Oral da Universidade Federal do Rio de Janeiro
III
Especialista em Imaginologia e Radiologia Odontológica e - Departamento de Patologia e Diagnóstico Oral da Universidade Federal do Rio de Janeiro
IV
Professor (a) Adjunto de Radiologia Oral - Departamento de Patologia e Diagnóstico Oral da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Correspondência para:

 

 


 

RESUMO

O acidente vascular cerebral é uma das maiores causas de morbidade e mortalidade em todo o mundo, sendo classificado como hemorrágico e tromboembólico. O hemorrágico resulta da ruptura de vasos sanguíneos e o tromboembólico resulta de uma obstrução das artérias carótidas por placas ateromatosas que, normalmente, ocorrem na região de sua bifurcação e entre as vértebras C3 e C4. Devido a esta localização, é possível ao cirurgião-dentista identificar a presença de ateromas calcificados em radiografias panorâmicas. Sendo assim, o presente trabalho tem o objetivo de relatar um caso de ateroma carotídeo, no qual o cirurgião-dentista teve um papel primordial na realização do diagnóstico. Sabendo-se que as sequelas deixadas pelo acidente vascular cerebral são normalmente irremediáveis, é de grande importância uma abordagem multidisciplinar no diagnóstico dos ateromas, contribuindo para a redução da incidência desse grave problema de saúde pública.

Palavras-chave: calcinose, artérias carótidas, diagnóstico, radiografia panorâmica.


 

ABSTRACT

The encephalic stroke is one of the highest morbidity and mortality causes around the world, and it is classified as hemorrhagic and thrombo-embolic. The hemorrhagic results from the blood vessels rupture and the thrombo-embolic results from the obtruction of the carotid arteries from ateromatosas plates that, usually, occur in their bifurcation between the C3 and C4 vertebras. Due to its location, it's possible for dentists to identify the calcified atheroma in panoramic radiographs. Therefore, this study presents a report case of a carotid atheroma identified by a dentist. Considering that the consequences of the encephalic stroke are normally irreparables, it is strongly recommended a multidisciplinary approach on the atheroma diagnosis, contribuing for the incidence reduction of this public health severe condition.

Keywords: calcinosis, carotid arteries, diagnosis, radiography panoramic.


INTRODUÇÃO

A aterosclerose é uma doença inflamatória crônica, de origem multifatorial, caracterizada por espessamento ou perda de elasticidade das paredes das artérias, muitas vezes associada à presença de ateromas. Os ateromas são placas que podem calcificar e são formadas a partir do acúmulo de lipídios ou tecido fibroso nos vasos sanguíneos1.

As artérias carótidas são os vasos responsáveis pelo suprimento sanguíneo cerebral. Quando acometidas por placas ateroscleróticas, podem levar à manifestações de isquemia cerebral pela liberação de coágulos (embolia) ou por obstrução (trombose)2. Como ocorre uma estenose no lúmen dos vasos, aumenta-se consideravelmente o risco de os pacientes desenvolverem acidentes vasculares cerebrais (AVC)3.

O AVC é um dos principais motivos de incapacidade física a longo prazo. Assim, pode ser considerado significativo problema de saúde pública, devido não só à sua incidência, mas também aos elevados custos envolvidos na reabilitação física e psicológica dos pacientes4.

Atualmente, a ultrassonografia (US) de carótida com Doppler é o exame não invasivo considerado padrão ouro para o diagnóstico de calcificações na artéria carótida (CACs)5. No entanto, a US não é realizada de forma rotineira em pacientes com risco de desenvolver calcificações vasculares. Assim, exames de diagnóstico por imagem realizados com maior frequência e que possam contribuir para o diagnóstico de CACs são importantes fontes de informações.

Como a obstrução das artérias carótidas por placas ateromatosas normalmente ocorre na região de sua bifurcação e entre as vértebras C3 e C4, é possível ao cirurgião-dentista identificar a presença de ateromas calcificados em radiografias panorâmicas3,6. Estas correspondem ao exame mais solicitado pelos cirurgiões-dentistas. Sua técnica é simples, rápida e de fácil execução, ao mesmo tempo em que utiliza uma dose de radiação relativamente baixa e proporciona uma visualização geral das estruturas bucomaxilofaciais.

Infelizmente, em muitas situações o diagnóstico dessas placas ateromatosas é realizado tardiamente, podendo levar o paciente a apresentar um acidente vascular cerebral7. Diante desse fato, a principal arma para diminuir a prevalência deste importante problema de saúde pública é sua prevenção e diagnóstico precoce8.

O presente trabalho tem como propósito relatar um caso de ateroma carotídeo, no qual o cirurgião-dentista, radiologista, teve um papel primordial na realização do seu diagnóstico. Pretende-se também salientar a necessidade de se capacitar cirurgiões-dentistas clínicos gerais para a identifi cação do problema, a fim de que os mesmos possam encaminhar de forma responsável seus pacientes a outros especialistas, desenvolvendo um olhar multidisciplinar a respeito de seu diagnóstico e tratamento.

 

RELATO DE CASO

Um paciente de 88 anos, do gênero masculino, procurou uma clínica de radiologia odontológica com o intuito de realizar uma radiografi a panorâmica para controle pós-operatório de quatro implantes dentários. Foi observada, pelo radiologista, a presença bilateral de múltiplas imagens radiopacas, com aspecto vertical linear, localizadas próximas às vértebras C3 e C4 sugestivas de ateromas (Figura 1).

 

 

 

O paciente, então, foi encaminhado a um serviço médico especializado. Em função do laudo emitido pelo cirurgião-dentista, o cardiologista do paciente solicitou a realização de uma ultrassonografi a de carótida com doppler a cores (Figuras 2 e 3), o qual mostrou a presença de ateromatose difusa e obliteração de cerca de 30 a 40% da luz da bifurcação e do ramo externo da carótida direita. Em relação à carótida esquerda, observou-se a presença de placa fibrocálcica (ateroma) na bifurcação e início dos ramos interno e externo, causando obstrução de 40 a 50% de sua luz.

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Os ateromas são placas gordurosas fibrosas localizadas no interior das artérias. Sua formação tem início com a deposição de gordura na sua camada íntima devido à injúrias no endotélio. Uma resposta inflamatória ocorre devido à proliferação dos fibroblastos, causando aumento da espessura da camada íntima e endurecimento arterial. Inicia-se, então, a incrustação pelos sais de cálcio, produzindo diferentes graus de calcificação distrófica. As artérias frequentemente afetadas são a aorta, as coronárias e as artérias cerebrais, incluindo a carótida. Esse ciclo de deteriorização e reparo leva à formação de hemorragias que expõem as fibras colágenas formando trombos9.

Estudos sugerem uma prevalência maior de calcifi cações de artéria carótida em mulheres na menopausa10, em pacientes que se submeteram a tratamento com radioterapia11, pacientes com doenças renais6 e com diabetes tipo dois, sendo que estes últimos podem chegar a representar 20% dos casos12.

As placas de ateroma das carótidas, com elevado grau de estenose e ricas em conteúdo lipídico, estão associadas ao alto risco de acidentes vasculares cerebrais e evoluções cardiovasculares13.

Há dois tipos de AVCs: o hemorrágico e o tromboembólico7,14. O hemorrágico resulta de ruptura dos vasos sanguíneos, principalmente da artéria carótida e corresponde a 15% dos AVCs, demonstrando uma predileção por vasos intracranianos7. Já o tromboembólico representa 85% dos casos,7,14 sendo que 60% são resultantes de uma obstrução na bifurcação da artéria carótida15.

As placas de ateromas calcifi cadas podem ser vistas nas radiografi as panorâmicas como uma ou mais imagens radiopacas nodulares adjacentes, não contínuas, na altura da junção intervertebral C3 e C4, diferenciando-se das estruturas radiopacas dessa região14,16. Outros tipos de exames radiográfi cos complementares também podem ser utilizados, como, por exemplo, a telerradiografia em norma lateral17 e a radiografi a Towne modificada, com boca fechada e plano de Frankfurt paralelo ao solo, para confi rmar se as massas radiopacas estão localizadas no espaço intervertebral C3 e C414.

A radiografia panorâmica digital apresenta alta especifi cidade e baixa sensibilidade no diagnóstico das CACs, não devendo ser indicada como exame de excelência para a investigação da presença desse tipo de calcifi cação. No entanto, seu bom valor preditivo positivo para o diagnóstico de CACs permite afirmar que esse exame pode contribuir na detecção dessas alterações em pacientes assintomáticos. Desta forma, os pacientes que apresentarem imagens sugestivas de CACs nas radiografias panorâmicas devem ser encaminhados para avaliação médica especializada8.

Deve-se salientar que a radiografia panorâmica limita-se apenas à identificação do ateroma, não permitindo avaliação de sua exata localização e o grau de obliteração da luz arterial. Exames mais específicos devem ser utilizados, entre eles os contrastes angiográficos, a ultrassonografia com Doppler, a tomografia computadorizada e a termografia. A ultrassonografia com Doppler é o exame mais indicado para a confirmação da presença, localização e tamanho dos ateromas carotídeos. É um exame relativamente acessível e não invasivo, fornecendo imagens mais precisas da anatomia da artéria carótida, além da avaliação do fluxo sanguíneo16,17,18.

Para a realização de um correto diagnóstico, o cirurgião-dentista deve ser capaz de identifi car as estruturas anatômicas e as calcificações patológicas de tecidos moles presentes na região da cabeça e pescoço que fazem diagnóstico diferencial com os ateromas carotídeos8. Dentre as estruturas anatômicas estão o osso hióide, o processo estilóide, o ligamento estilo hióideo calcificado, a calcificação do ligamento estilomandibular, a calcificação da cartilagem tireóide, a cartilagem tritícea calcificada, a epiglote, o palato mole, a língua, o lóbulo da orelha, o tubérculo anterior da vértebra atlas e as demais vértebras. Os processos patológicos, por sua vez, incluem os linfonodos calcificados, flebólitos, sialolitos na glândula submandibular, tonsilolitos e acne calcificada. A maioria dos diagnósticos diferenciais baseia-se na localização e características morfológicas das estruturas citadas9.

A partir do momento da identifi cação de placas ateromatosas na bifurcação da artéria carótida, o tamanho da obstrução deve ser observado. Se as lesões ateroscleróticas ocluírem mais do que 60% do diâmetro da artéria carótida, uma endoarterectomia é necessária para a remoção das placas. Lesões ateroscleróticas com um menor grau de bloqueio devem ser tratadas com aspirina ou triclopidine para diminuir a agregação plaquetária. Medicamentos para o controle dos níveis de pressão arterial, glicemia e colesterol devem também ser prescritos quando indicados. Alterações no estilo de vida são recomendadas, com o objetivo de eliminar hábitos não saudáveis14,15.

É importante enfatizar que a importância deste trabalho está no fato de um cirurgião-dentista ter sido o primeiro a detectar estas placas ateromatosas, tendo desempenhado com êxito seu papel dentro de uma equipe multidisciplinar voltada para a realização do diagnóstico e tratamento do paciente.

 

CONCLUSÃO

A radiografia panorâmica permite a detecção de ateromas carotídeos em pacientes totalmente assintomáticos. O cirurgião-dentista está em posição privilegiada para identificar precocemente essas alterações patológicas e encaminhar o paciente para tratamento especializado para que seja feita a confirmação dos resultados e a determinação da extensão da doença, contribuindo, assim, para a prevenção de arteriopatias mais graves que podem levar o indivíduo a diferentes condições de invalidez e até mesmo ao óbito.

 

REFERÊNCIAS

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3. Romano-Sousa CM, Krejci L, Medeiros FM, Graciosa-Filho RG, Martins MF, Guedes VN, Fenyo-Pereira M. Diagnostic agreement between panoramic radiographs and color Doppler images of carotid atheroma. J Appl Oral Sci. 2009 Jan-Feb; 17(1): 45-8.

4. Friedlander, A.H.; Golub, M.S. The significance of carotid artery atheromas on panoramic radiographs in the diagnosis of occult metabolic syndrome. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2006 Jan; 101(1): 95-101.

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11. Friedlander AH, Freymiller EG. Detection of radiationaccelerated atherosclerosis of the carotid artery by panoramic radiography. J Am Dent Assoc. 2003 Oct; 134(10): 1361-5.

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18. Madden RP, Hodges JS, Salmen CW, Rindal DB, Tunio J, Michalowicz BS. Panoramic Radiography Does Not Reliably Detect Carotid Artery Calcification Nor Stenosis. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2007; 103(4): 543-8.

 

Correspondência para:
Thaiza Gonçalves Rocha
Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
Departamento de Patologia e Diagnóstico Oral
Rua Profº Rodolpho Paulo Rocco, 325 – 1º andar
Ilha da Cidade Universitária – Rio de Janeiro – RJ
Cep. 21941-913
e-mail: thaiza20@hotmail.com

 

 

Recebido: 03/03/2016
Aceito: 02/09/2016