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Revista da ABENO

versão impressa ISSN 1679-5954

Rev. ABENO vol.12 no.2 Londrina Jul./Dez. 2012

 

RELATO DE EXPERIÊNCIA/ EXPERIENCE REPORT

 

Banco de dentes humanos e educação em saúde na Universidade Federal do Amazonas. Relato de experiência

 

Human tooth bank and health education at the Federal University of Amazonas: an experience report

 

 

Emílio Carlos Sponchiado JúniorI; Camila Coelho GuimarãesI; André Augusto Franco MarquesII; Maria Augusta Bessa RebeloI; Nikeila Chacon de Oliveira CondeI; Maria Fulgência Costa Lima BandeiraI; Juliana Vianna PereiraI

I Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Amazonas
II Faculdade de Odontologia da Universidade do Estado do Amazonas

 

 


RESUMO

A população brasileira ainda esta a mercê de profissionais ilegais ou despreparados que realizam extrações dentais desnecessárias visando apenas o lucro dos procedimentos clínicos e até a venda do órgão dental. Muitas vezes são extraídos dentes hígidos ou parcialmente afetados, que poderiam ser tratados e salvos; deste modo os pacientes perdem muitos elementos dentais prejudicando assim sua qualidade de vida. Uma forma de combater este tipo de atitude seria por meio da educação da população sobre a importância de uma boa saúde bucal e da valorização do dente como órgão do sistema estomatognático, enfatizando para o paciente que antes de aceitar um tratamento radical baseado na extração dental, ele teria o direito de escolher outros tratamentos conservadores que manteriam o elmento dental em função na cavidade bucal. Além disso, mesmo quando a extração é necessária, tanto os profissionais quanto os órgãos públicos, não descartam o dente extraído de forma correta, muitas vezes esse material é descartado no lixo comum. O ideal seria que estes dentes extraídos fossem acondicionados em um banco de dentes para minimizar a poluição biológica e desta forma até serem reaproveitados nas universidades por meio da utilização em pesquisas ou treinamentos laboratoriais. As instituições que mantém cursos de Odontologia poderiam institucionalizar seus bancos de dentes que atuariam na educação em saúde e no gerenciamento correto dos elementos dentais extraídos, diminuindo assim esta problemática.

DESCRITORES: Banco de Dentes. Órgão Humano.


ABSTRACT

The Brazilian population is still at the mercy of illegal and unprepared professionals who perform unnecessary tooth extractions, seeking only to profit from clinical procedures and even to selling the dental organ. Patients often lose many teeth because healthy or partially affected teeth, which could have been treated and restored, are frequently extracted, ultimately affecting the patient's quality of life. One way of preventing this from occurring is by educating the population about the importance of good oral health and by helping people understand that the tooth is an organ of the stomatognathic system. It must also be pointed out that, before accepting a radical treatment entailing tooth extraction, patients have the right to choose other more conservative treatments that could maintain the function of the tooth in the oral cavity. Moreover, even when an extraction is required, neither dental professionals nor public agencies discard the extracted tooth correctly; oftentimes, it is discarded as common trash. Ideally, these extracted teeth could be placed in a tooth bank to minimize biological pollution and would be reused by universities for research or laboratory training. Universities that have dentistry courses could institutionalize their tooth banks, these could be involved in health education activities, and the extracted teeth could be correctly managed, thus reducing the problem.

DESCRIPTORS: Tooth Bank. Human Organ.


 

 

Um grande dilema nos cursos de Odontologia do Brasil é sobre o que fazer com os dentes extraídos, por motivos terapêuticos, nas diversas disciplinas de seus cursos. Muitas vezes os próprios professores destas disciplinas descartavam os dentes em lixo biológico ou os armazenavam por longos anos sem nenhum cuidado com sua descontaminação ou registros de sua origem. Ainda hoje esta prática é muito comum no Brasil, visto a falta de informação dos atores do processo ou a própria ausência de um serviço que organize ou normatize esta prática.6 Além disto, a populacão escolarizada é pouco instruída a visualizar o dente como órgão do corpo humano, pelo contrario, muitos ainda procuram os cirurgiões-dentistas para extraí-los por qualquer situação que lhes incomode.8

Alguns cursos de Odontologia no Brasil acabaram institucionalizando os Bancos de Dentes Humanos (BDH) em suas unidades, para suprirem suas necessidades de gerenciamento biológico no armazenamento ou descarte dos dentes extraídos por suas disciplinas, além disto os dentes extraídos após o processo de limpeza e descontaminação podem ser emprestados para os pesquisadores ou utilizados para o treinamento pré-clínico dos alunos da Graduação.5 Outra vertente que o banco de dentes pode trabalhar seria na educação em Saúde, tentando influenciar a comunidade sobre a importancia do elemento dental como órgão funcional e participante do sistema estomatognático do ser humano.

A concepção de um banco de dentes humanos foi citado na literatura em 1981 onde os autores utilizavam fragmentos coronários selecionados de um banco de dentes para realizar reconstruções estéticas.3 Geralmente os bancos de dentes devem manter um acervo de dentes preservados, em condições que possibilitem sua utilização, evitando assim práticas ilegais de obtenção de dentes com penas prescritas na lei e, além disso, conferir biossegurança no manejo destes dentes.1,2

O curso de Odontologia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) também procurou organizar em sua unidade um banco de dentes acrescentando um objetivo social de educação em saúde para a comunidade, além das outras funções ligadadas a biossegurança já mencionadas anteriormente. Com o relato desta experiência espera-se contribuir para que outras instituições também organizem e operacionalizem seus bancos de dentes humanos.

JUSTIFICATIVAS PARA A ORGANIZAÇÃO DE UM BANCO DE DENTES HUMANOS

Didática, pesquisa e biossegurança

Os cursos de graduação em Odontologia no Brasil, desde sua fundação em 1884, sempre utilizaram dentes humanos no treinamento laboratorial dos graduandos ou nas pesquisas odontológicas. Algumas alternativas surgiram para diminuir a utilização destes dentes, como simuladores e dentes confeccionados em resina, porém esses artefatos são caros e muitas vezes não fornecem a similaridade necessária para o treinamento nas atividades laboratoriais odontológicas. Os discentes, muitas vezes, pela dificuldade para a obtenção desses dentes, recorrem a meios ilícitos, comprando-os em cemitérios, em clínicas populares, de alunos veteranos, postos de saúde ou de funcionários técnico-laboratoriais.3-5 Essa forma de obtenção dos dentes humanos expõe os alunos às consequências jurídicas e éticas decorrentes dessa aquisição illegal além da exposição biológica aos microrganismos nocivos à saúde advindos da infecção cruzada.1

Extensão universitária

Somente por meio das doações é possível a complementação e manutenção de um estoque de dentes suficiente para suprir as necessidades de ensino e de pesquisas da instituição a que o BDH está vinculado.5 Para incentivar as doações é necessário um trabalho de educação em saúde na comunidade interna e externa em que o banco esta instalado. Os meios de comunicação devem ser explorados ao máximo para a divulgação das ações do banco de dentes.

Instalação e financiamento do BDH da UFAM

Geralmente um banco de dentes nasce de um grupo de docentes e discentes ligados a alguma disciplina do curso ou os próprios gestores da unidade nomeiam uma comissão para iniciar o planejamento de instalação do BDH. Na Faculdade de Odontologia da UFAM houve um interesse da Direção da unidade em conjunto com a determinação de professores e alunos envolvidos em um grupo de extensão da área de Endodontia. Deste modo a Direção nomeou este grupo por meio de uma portaria para que o setor fosse instalado. O grupo contava com 6 professores e 2 discentes, o primeiro passo foi a criação de um projeto para a instalação do novo setor na faculdade. No projeto os principais pontos trabalhados foram a exposição da problemática do manejo dos dentes extraídos, as justificativas para ciração do setor, os organogramas de operacionalização do banco, além do planejamento para alocação do espaço físico, aquisição de equipamentos e recursos humanos.

Após aprovação do projeto no conselho diretor da unidade e da aquiescência do CEP institucional, o banco de dentes foi criado em 11 de dezembro de 2009; foram exatamente 12 meses de planejamento deste o projeto até a inauguração do setor.

A primeira etapa de instalação foi o preparo do espaço físico; para isto houve apoio da direção da faculdade, além dos chefes do laboratório de microbiologia da faculdade que cederam espaço e equipamentos de seus laboratórios. O setor do banco de dentes foi planejado com divisórias, em anexo ao laboratório de microbiologia em um espaço de 30 metros quadrados divididos em recepção/secretaria e setor de preparo e estoque de dentes. Os equipamentos permanentes compreenderam em um freezer vertical, duas autoclaves, bancadas com pias, um ultrassom, armários de metal, mobiliário de escritório e computador tipo PC.

O projeto do banco de dentes foi submetido e contemplado em um edital de extensão da UFAM/ MEC e recebeu financiamento de material para divulgação e de uma bolsa para manutenção de um estudante de Odontologia no setor durante 12 horas por semana, o projeto é renovado a cada semestre e já está em sua terceira edição. Com isso o banco de dentes recebe incentivos da Pró-reitoria de Extensão, mantém seu funcionamento e realiza ações de extensão na comunidade em que a faculdade está instalada, melhorando a educação em saúde desta população.

OPERACIONALIZAÇÃO DO BANCO DE DENTES

Educação em saúde por meio da extensão universitária

Após a inauguração do setor, foi realizada a sensibilização dos docentes, discentes e técnicos da faculdade de Odontologia sobre a importância do banco de dentes para a unidade acadêmica por meio de palestras e em um segundo momento foram iniciados os trabalhos de educação para os usuários dos serviços odontológicos da UFAM.

Para isto o BDH mantém um sítio de informações sobre seu funcionamento e atividades no site da faculdade e nas redes sociais. Além disto são expostos cartazes permanentes nas dependências físicas do campus universitário, postos de saúde, edifícios comerciais, conselhos profissionais, hospitais públicos e especificamente na faculdade de Odontologia são fixados painéis na sala de espera e nos corredores de acesso chamando a atenção sobre o novo setor.

Além disto, os discentes envolvidos com o BDH realizam a distribuição periódica de folders informativos para os usuários das clínicas, distribuição de história em quadrinhos para as crianças da comunidade (Figura 1) e palestras anuais para os alunos e professores do curso visando sensibilizar a comunidade sobre a importância da doação de dentes e da valorização do mesmo como órgão.

 

 

 

Doação dos dentes

O banco de dentes recebe doação de duas formas, a primeira é interna, das próprias disciplinas do curso. Em cada ambulatório da faculdade existem pontos de coleta permanente em que os dentes extraídos nas disciplinas que ali estão, depositam os dentes no ponto de coleta e os mesmos são recolhidos a cada 3 dias para processamento e conferência dos termos de doação que estão nos prontuários dos pacientes. A outra forma é a doação externa, em que cirurgiões-dentistas ou qualquer indivíduo doa os elementos dentais extraídos em estabelecimentos públicos ou privados. O doador assina um termo de doação se responsabilizando pela procedência dos elementos dentais.

Preparo dos dentes

A preparação dos dentes doados se insere nas etapas de desinfecção, seleção, estocagem, esterilização e estudo anatômico. Os dentes doados recebem uma limpeza mecânica com auxílio de água, escova e sabão. Em seguida são removidos os cálculos e restos ósseos por meio da raspagem da superfície com aparelho de ultrassom.

Os dentes são separados por grupos segundo a anatomia e depositados em um recipiente contendo água destilada. Após esterilização, estes recipientes são armazenados no freezer, contendo água esterilizada em seu interior, em uma temperatura de –20ºC. É importante enfatizar o aspecto de ainda não se ter encontrado um método de esterilização ou uma solução desinfetante que não interfira, de algum modo, nas propriedades físico-químicas dos dentes, o que pode vir a comprometer os resultados dos testes in vitro realizados com os dentes que recebem algum tipo de tratamento. Entretanto, deve-se ressaltar a importância de se manter o dente esterilizado, visto que, como todo órgão do corpo humano, o elemento dental é fonte de patógenos severos para o homem.6

Empréstimo dos dentes

O BDH por suas características ligadas ao armazenamento de material biológico e sua disponibilização para pesquisas científicas, está sujeito a regras e normas institucionais que visam proteger a todos aqueles que de forma direta ou indireta faz-se doadores de seus dentes. Sendo assim o BDH e o CEP da UFAM fazem a intermediação quando da liberação dos dentes para o pesquisador que submeteu sua pesquisa para avaliação e a entrega dos dentes se dá somente após a apresentação da aprovação do projeto de pesquisa pelo CEP local. Deste modo, o pesquisador apresenta junto com seu projeto para o CEP um termo do BDH indicando que os dentes estão separados para o pesquisador e que a entrega se dará após aprovação do projeto.

Para as atividades de ensino na Faculdade de Odontologia, a cada início de semestre os professores responsáveis por disciplinas que vão utilizar dentes extraídos, podem fazer a solicitação ao banco de dentes do número de elementos necessários e caso haja estoque o pedido é atendido mediante a garantia de devolução ao final da disciplina.

A avaliação da operacionalização e aceitação pela comunidade local deverá ser sondada no ano de 2013 para que seja apontado correções no projeto original do banco de dentes e também para nortear o plano de ação das atividades de educação para a comunidade nos próximos 3 anos.

O futuro de um banco de dentes pode ser previsto conforme pesquisadores coreanos relataram, que os bancos de dentes deveriam conservar seus espécimes por meio da criogenia para possibilitar futuros transplantes, pois é observado a capacidade de viabilidade e diferenciação das células do ligamento periodontal, porém o método de criopreservação ainda causa fratura e danos ao tecido dental e novas pesquias estão sendo feitas para viabilizar a aplicação clínica em um futuro próximo.7

 

Referências

1. Costa e Silva, APA, Fernandes, F, Ramos, DLP. Aspectos éticos e legais da utilização de dentes humanos no ensino odontológico. Rev Pós-Grad Fac Odontol USP. 1999;6(3):288.         [ Links ]

2. Duarte, DA. Organização e Funções de Banco de Dentes Decíduos. J Bras Odontopediat e Odontol Bebes. 1998;1(1):3-6.

3. Gabrielli-Filho, PA, Dinelli,W, Fontana, UF, Porto, CLA. Apresentação e avaliação clínica de uma técnica de restauração de dentes anteriores, com fragmentos adaptados de dentes extraídos. RGO, 1981; 29(2):83-7.

4. Gabrielli-Filho, PA, Imparato, JCP, Guedes-Pinto, AC. Comércio de dentes humanos nas Faculdades de Odontologia do Estado de São Paulo. Rev Pós-Grad Fac Odontol USP. 1999; 6(3): 292.

5. Imparato, JCP. Banco de dentes humanos. Ed. FOUSP; 2003.

6. Nassif AC, Tieri F, da Ana PA, Botta SB, Imparato JC. Structuralization of a human teeth bank. Pesqui Odontol Bras. 2003 May;17 Suppl 1:70-4.

7. Oh YH, Che ZM, Hong JC, Lee EJ, Lee SJ, Kim J. Cryopreservation of human teeth for future organization of a tooth bank-a preliminary study. Cryobiology. 2005 Dec;51(3):322-9.

8. Sponchiado EC Jr, Souza TB. The study of ambulatory demand of the dental clinic of State University of Amazonas. Cien Saude Colet. 2011;16(1):993-7.

 

 

Recebido em 08/10/2012
Aceito em 10/12/2012