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Revista da ABENO
versão impressa ISSN 1679-5954
Rev. ABENO vol.15 no.1 Londrina Jan./Jun. 2015
Perfil e expectativas dos ingressantes da Faculdade de Odontologia da USP: uma visão integrada com as diretrizes curriculares nacionais e o sistema único de saúde
Profile and expectations of the new dentis-try students at University of São Paulo: an integrated vision with the National Curriculum Guidelines and the National Health System
Brunna Rodrigues Machado Dos SantosI; Paola Sampaio GonzalesII; Fernanda Campos de Almeida CarrerIII; Maria Ercília de AraújoIV
I Aluna de iniciação científica do Departamento de Odontologia Social da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo
II Mestre em Ciências Odontológicas pela Universidade de São Paulo com área de concentração em Odontologia Social
III Professora Doutora do Departamento de Odontologia Social da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo
IV Professora Titular da área de Saúde Coletiva no Departamento de Odontologia Social da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo
RESUMO
A Universidade apresenta um importante papel na formação de um profissional capaz de atender às demandas da população, buscando a relevância social. As Diretrizes Curriculares Nacionais trouxeram para a Odontologia a flexibilização do currículo, permitindo que cada instituição de ensino formulasse sua proposta pedagógica para abranger e se adequar à realidade social local. Dessa forma, são necessários novos perfis de profissionais com condições de responder às necessidades de saúde da população de acordo com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). Para isso, a formação do cirurgião-dentista deve resgatar o caráter coletivo da prática odontológica, graduando um profissional apto a interferir na realidade do indivíduo e do território. O estudo objetiva verificar as expectativas e motivações dos estudantes ingressantes na Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo no ano de 2013 em relação ao curso e ao mercado de trabalho no contexto das Diretrizes Curriculares Nacionais e integração com o SUS. Foi aplicado um questionário aos ingressantes no primeiro semestre de 2013 e os dados foram tabulados no software Micro-soft Excel. Os resultados revelaram que 46% dos ingressantes já entram na faculdade objetivando uma especialidade, 76,59% dos ingressantes almejam um bom retorno financeiro, ao passo que 53,19% desejam ter seu próprio consultório ou trabalhar como autônomo. Concluímos que diante do perfil de trabalho autônomo, privado e altamente especializado, a academia tem um grande desafio de desconstruir o imaginário trazido pelo ingressante, a fim de que este possa estar apto a trabalhar de forma adequada no SUS.
Descritores: Odontologia. Sistema Único de Saúde. Educação Superior. Formação de Re-cursos Humanos.
ABSTRACT
The National Curriculum Guidelines brought Dentistry a flexible curriculum, allowing each educational institution formulate its own pedagogical proposal to cover and fit the local social reality. The University has an important role in the formation of a professional able to meet the demands of the population, seeking social relevance of the professional act. New professional profiles are needed, who are capable of meeting the health needs of the population, according to the principles and guidelines of UHS. For reach this aim, the vocational training of den-tal surgeons must rescue the collective character of dentistry practice, initiating the formation of a professional capable of interfere in the reality of the individual and the territory. The study aims to verify the new Dentistry students' expectations and motivations about the course and the labor market, including in the context of the National Curriculum Guidelines and integration with the Unified Health System. A questionnaire was applied to the new students of Dentistry in the first half of 2013 and the data were tabulated using Microsoft Excel software. The data revealed that 46% of freshmen enter college already aiming a specialty, 76.59% of freshmen crave a good financial return, while 53.19% wish to have their own office. We conclude that faced with the autonomous, private and highly specialized job profile, the Academy has a great challenge to deconstruct the imagery brought by the entrants, so that they can be able to work properly in the UHS.
Descriptors: Dentistry. Unified Health System. Higher Education. Human Resources Training.
1 INTRODUÇÃO
O papel da Universidade, especialmente dentro da área da saúde, é desenvolver competências e formar um profissional capaz de atender as demandas da população, buscando a relevância social do ato profissional1. Neste sentido, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) de 2002, trouxeram para a Odontologia a flexibilização do currículo, permitindo que cada instituição de ensino formule sua proposta pedagógica de modo a abranger e se adequar à realidade social local2.
Em paralelo às mudanças no ensino, o mercado de trabalho para a Odontologia traz muitos desafios aos profissionais3. Por um lado o sistema liberal de assistência privada encontra-se em crise4, devido a alguns fatores, entre eles, a crescente abertura de cursos de graduação na última década, a saturação do mercado de trabalho, principalmente na região Sudeste e nos grandes centros do país, por outro lado, o Sistema Único de Saúde (SUS) está cada vez mais ampliando o seu olhar para a importância da Saúde Bucal, no contexto das políticas públicas e, como resultado, vem aumentando os postos de trabalho, especialmente nos últimos dez anos com a política nacional de saúde bucal, o Brasil Sorridente5,6.
Como forma de alinhar as necessidades da sociedade e a proposta curricular de ensino, é de extrema importância conhecer o perfil e as expectativas dos alunos que ingressam na Universidade. Com esses dados é possível preparar o corpo docente para que este possa, além do conhecimento técnico-científico, preparar seus alunos para os desafios que irão encontrar em sua inserção no mercado de trabalho, mostrando-lhes facetas da Odontologia até então ignoradas ou desconhecidas por esses ingressantes que, por ventura, tragam consigo pré-conceitos e um imaginário parcial do que é a profissão que eles escolheram. Com base nas DCNs, em 2007-08 foi realizada a reestruturação curricular na Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo, com foco na integralidade biopsicosocial do paciente, deixando para trás a divisão do saber, que resulta na visão fragmentada do processo de saúde e doença.
Assim, o objetivo do trabalho foi verificar as expectativas e motivações dos estudantes ingressantes na Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo, no ano de 2013, em relação ao curso e ao mercado de trabalho no contexto das Diretrizes Curriculares Nacionais e integração com o Sistema Único de Saúde.
2 MATERIAL E MÉTODO
Este estudo transversal foi realizado com os estudantes do curso de Odontologia da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP - São Paulo, Brasil) ingressantes no ano de 2013, sendo que no momento do levantamento de dados os alunos selecionados para o estudo estavam cursando o primeiro semestre. O convite para a participação na pesquisa ocorreu no período de disciplinas curriculares e os alunos que aceitaram participar foram orientados a lerem, esclarecem suas dúvidas sobre o estudo e assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido. Cada turma da amostra foi interceptada pela pesquisadora em dois momentos, com o objetivo de acessar alunos que estavam ausentes na primeira tentativa.
Para obter as informações necessárias, juntamente com informações sociodemográficas, foi construído um questionário com oito questões de múltipla escolha, sendo que algumas das respostas possibilitavam a marcação de mais de uma alternativa, assim como a existência da alternativa "outros", que permitiam que os estudantes, com suas próprias palavras, se expressassem sobre o tema. Neste caso as respostas foram categorizadas por semelhança.
As perguntas propostas objetivavam verificar as motivações dos alunos pela escolha da Odontologia como profissão, suas expectativas em relação ao curso e à sua inserção no mercado de trabalho.
As respostas foram tabuladas no software Microsoft Excel para a análise descritiva. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FOUSP sob nº de protocolo 291191.
3 RESULTADOS
Dos alunos matriculados no curso de Odontologia, nos períodos diurno e noturno, 94 responderam ao questionário, representando 72,86% de taxa de resposta. As características sociodemográficas dos estudantes revelaram que 72% eram do sexo feminino, com idades entre 17 e 27 anos (média de 19,5 anos). Quanto à escolarização de nível fundamental e médio, 61% dos alunos declaram que estudaram somente em escola privada, 26% tiveram parte de sua formação em escola privada e parte em escola pública e 13% exclusivamente em escola pública.
A análise das respostas nos permitiu observar que os ingressantes elegeram como os principais motivos de terem escolhidos a carreira dentro da Odontologia: a possibilidade de cuidar do outro (73%), a perspectiva de boa remuneração (58,5%), a influência de familiares (41,5%) e o status percebido pela profissão (28,7%). Outros motivos como simpatia pelo trabalho manual (4,2%), flexibilidade de agenda (2,1%), semelhança com a carreira da Medicina (2,1%), interesse em áreas da saúde (2,1%) e grade curricular (1%), foram elencadas em menor porcentagem.
Embora 33% dos alunos responderam que sempre quiseram cursar Odontologia, 43,5% da amostra, representados por 41 alunos, relataram que a Odontologia não foi a primeira opção de carreira escolhida, sendo que para 73% desses alunos, o curso de Medicina figurou entre a primeira escolha mais frequente.
Quando questionados pelos motivos que o fizeram escolher o curso de Odontologia como segunda opção, os alunos, que poderiam responder mais de uma alternativa, alegaram a ampla atuação que o dentista pode desempenhar no mercado de trabalho (66,5%); proximidade com a área de estudo desejada (62%), no caso da maioria, a carreira escolhida como primeira opção seria a Medicina; o fato de ser uma profissão dedicada ao cuidado das pessoas (57,3%); a pos-sibilidade de flexibilidade dos horários de trabalho (43,5%); boa remuneração (36,7%); status percebido da profissão pela sociedade (27,5%); e menor exigência de estudo para o ingresso na carreira e durante o curso (27,5%). Ainda, cerca de 16% do total de alunos que responderam ao questionário já pensaram em desistir da Odontologia.
Com relação ao curso, ter uma boa noção de todas as áreas da Odontologia e receber conhecimentos visando a posterior carreira clínica foram as principais expectativas relatadas (gráfico 1).
Do total da amostra, cerca de 47% dos alunos demonstram interesse por atuar em clínicas e consultórios particulares, enquanto 12% possuem o desejo de seguir carreira acadêmica.
Dos 46% dos alunos que afirmaram que já tinham uma perspectiva em relação ao futuro profissional, 74% mostraram forte tendência para a especialização, sendo que as áreas de maior interesse foram: cirurgia bucomaxilofacial (45%); ortodontia (31%); prótese e implantodontia (31%); odontopediatria (17%); endodontia (6%). Ainda, do universo de alunos que declarou ter um plano futuro para inserção no mercado de trabalho, 35% da amostra respondeu que gostaria de atuar em clínica ou consultório particular e cerca de 11% demonstrou interesse pela carreira acadêmica.
Com relação às expectativas para o futuro acerca a profissão escolhida, observou-se que a maioria dos estudantes espera ter um bom retorno financeiro (78%) e ser um profissional reconhecido e respeitado pela sociedade (77%), conforme pode ser observado no gráfico 2, o qual ainda releva que mais da metade dos ingressantes (53%) deseja ter seu próprio consultório ou trabalhar como autônomo.
4 DISCUSSÃO
Os resultados da pesquisa mostram claramente que os alunos ingressam no curso de Odontologia da Universidade de São Paulo com forte tendência à especialização, vontade de possuir seu próprio consultório e ter bom retorno financeiro com a profissão escolhida, ou seja, caracterizando um profissional assistencialista, de caráter privado e elitista, na contramão do sistema de saúde vigente no Brasil e das prerrogativas das DCNs7. Este perfil do estudante encontrado neste estudo concorda com os achados por outros autores8,9 e estudos com egressos, entre 1990 até 2006, mostravam que os profissionais em sua maioria trabalhavam em consultório próprio ou por porcentagem, ou seja, no âmbito do assistencialismo privado e possivelmente nossos alunos ainda trazem em seu valores a imagem desses profissionais que os atendem ou são de sua relação pessoal ou familiar10-12.
Entretanto, o mercado de trabalho em Odontologia vem mudando, seja por consequência da grande quantidade de profissionais formados a cada ano, seja pela sua concentração em centros urbanos4. Assim, a Odontologia está passando de uma natureza liberal e privada, típica das últimas décadas do século XX, para uma Odontologia sujeita às oscilações da oferta de emprego e renda, em um mercado extremamente competitivo13,14. Aliado a esse fato e devido à expansão na rede de atendimento com a Es-tratégia da Saúde da Família, onde se insere o dentista, o SUS vem se fortalecendo como um grande empregador na área da Odontologia5.
Neste aspecto, a academia tem um grande desafio de desconstruir o imaginário trazido pelo ingressante de possuir um consultório privado e ser especialista, a fim de que este possa responder às necessidades de saúde da população de acordo com os princípios e diretrizes do SUS, apresentando sensibilidade para as questões sociais, tendo um olhar ampliado do processo saúde-doença, enxergando o paciente em sua totalidade bio-psicossocial e não de forma fragmentada, humanizando as práticas de saúde e atuando na ampliação da saúde bucal neste contexto, resultando em um profissional generalista, em oposição ao especialista.
Com o objetivo de contemplar essa demanda e por meio da reestruturação curricular, a Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo busca oferecer ferramentas para a formação do aluno adequada para o trabalho no SUS, por meio de ações extramuros já no primeiro semestre do curso, na Disciplina de Clínica Ampliada de Promoção de Saúde (CAPS). Nessas atividades, os estudantes são incentivados a interagirem e a buscarem os problemas das comunidades, assim como conhecerem a realidade do serviço público de saúde de um território, entender seu funcionamento e de certa forma desmistificar o SUS, uma vez que a maioria dos alunos provém de escolas particulares e por vezes, nunca vivenciaram o SUS15, formando pré-conceitos que não correspondem à realidade e assim não se veem nestes postos de trabalho. Dessa forma, a vivência possibilitada pelas atividades extramuros mostram-se como uma ferramenta valiosa de aprendizagem no que tange a incorporação de valores pessoais e o despertar para as funções do cirurgião-dentista no contexto social16,17.
A feminilização, fenômeno observado em diversas profissões, também foi encontrada neste estudo, que compreendia 72% estudantes do sexo feminino. Conforme descrito por Morita, Haddad e Araújo18 na área da Odontologia e baseado nos dados do Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes) em 2007 e Censo da Educação Superior 2008(6), as mulheres são maioria em todos os cursos da área da saúde entre os ingressantes e concluintes.
Quanto a escolarização da amostra, percebe-se que a maioria dos alunos provém do ensino exclusivamente privado, sendo que 26% estudaram em escolas públicas e privadas e apenas 13% dos ingressantes declarou que estudou exclusivamente em escolas públicas. Nos últimos anos, o governo brasileiro reconheceu esse acesso desigual como algo inaceitável e que precisava ser corrigido, portanto foram criadas políticas públicas que ficaram conhecidas como "cotas", facilitando o acesso do aluno de escola pública nas Universidades públicas do país. Essa mudança de panorama é representada na USP pelo INCLUSP19 – programa que expressa a política de inclusão social da Universidade implementado em 2006 e que busca estimular o ingresso de estudantes egressos do Ensino Médio Público do Brasil e que vem demonstrando bons resultados20. Por meio do programa, o aluno pode obter um acréscimo nas notas para o ingresso na Universidade de até 15%, caso o estudante tenha cursado também o ensino Médio e Fundamental integralmente em escola pública19. Em julho de 2013, o Conselho Universitário da USP aprovou novas ações de inclusão social de alunos da rede pública de ensino, no qual inclui quatro metas: o aumento e criação de novos bônus do Programa de Inclusão Social da USP (IN-CLUSP), em que os bônus poderão chegar até 25%, dependendo do grupo em que candidato se inserir; a criação do Programa de Preparação para o Vestibular da USP; o aperfeiçoamento do Programa Embaixadores USP, no qual alunos e professores da Universidade visitam escolas públicas para fornecer informações, esclarecer dúvidas e incentivar os estudantes a prestarem o vestibular; e a ampliação dos locais de prova da Fuvest no Estado de São Paulo. Estas ações visam atingir a meta de que até o ano de 2018 cinquen-ta por cento (50%) dos alunos matriculados em cada curso e em cada turno da Universi-dade de São Paulo sejam alunos egressos de escolas públicas21.
Entretanto, oferecer um acesso mais amplo aos alunos do ensino público ainda é considerado um desafio para a Odontologia, pois o curso ainda oferece um entrave aos candidatos, que é representado pelo valor da lista de materiais que os alunos devem adquirir ao longo de sua formação, fator esse muitas vezes impeditivo para a escolha do curso quando se considera os alunos de baixa renda. Em uma estimativa proposta por Beatrice et al.22, os alunos do Curso de Odontologia da Universidade Federal de Pernambuco gastavam, em média, cerca de R$ 10.000,00 ao longo do curso considerando equipamentos de proteção individual e materiais/instrumentais. Ressalta-se ainda que grande parte deste gasto é concentrado entre o quarto e décimo período, nos quais há mai-or atividade clínica. Pode-se ainda acrescentar gastos com fotocópias, além de se fazer necessário a atualização dos valores para os dias atuais, uma vez que o os resultados do levantamento foi publicado em 200722. Mais recentemente, em 2014, o Centro Acadêmico XXV de Janeiro da Faculdade de Odontolo-gia da Universidade de São Paulo realizou um levantamento sobre o valor da lista de materiais a ser solicitado pelos professores ao longo do curso de 5 anos para o período integral e 6 anos para o noturno, e o valor obtido foi de R$ 17.000,00, demonstrando o alto custo a ser pago pelo alunos mesmo estando em uma Universidade Pública (dados não publicados).
O Ministério da Saúde e o Ministério da Educação lançaram em 2014 o GraduaCEO, que se constitui em uma série de ações e serviços de saúde bucal a serem desenvolvidas e prestadas pelas Instituições de Ensino Superior (IES), com cursos de graduação em Odontologia. Este programa, criado com objetivos de integrar as clínicas odontológicas das IES à rede pública de serviços de saúde bucal visa qualificar os serviços de saúde bucal e ampliar a oferta e o acesso da população às ações e serviços de saúde bucal no SUS. Tal iniciativa pretende, ao transformar as Clínicas Odontológicas dos Cursos de Odontologia em serviços, possibilitar uma melhor adequação às necessidades dos estudantes, uma vez que, desta forma, todo instrumental e serviço de esterilização ficam a cargo da IES, com subsídio do Ministério da Saúde, portanto, o GraduaCEO pode ser uma alternativa ao problema do alto custo das listas de materiais e do aumento de alunos que não podem pagá-las nos cursos de Odontologia.
Quanto aos motivos de escolha da Odontologia pelos alunos, a possibilidade do cuidar do outro, a perspectiva de boa remuneração pela profissão e a influência de familiares foram os principais motivos encontrados. Michel-Crosato, analisou o perfil dos egressos da FOUSP que se formaram entre 1990 e 1998 e revelou que 53% escolheu a carreira por esta ser de caráter liberal, 37% por terem tido contato com dentistas anteriores à escolha da profissão, 32% por causa da flexibilidade de horários e 31% por vocação12. Assim, pode-se observar uma mudança nos motivos de escolha da profissão encontrados nos dois períodos estudados, fato que deve ser melhor compreendido aplicando-se metodologias qualitativas em estudos futuros para o entendimento do fenômeno observado.
Para 43,5% dos estudantes, a Odontologia não foi a primeira opção de curso no vestibular, sendo que, para essa amostra, 73% declarou que a primeira opção seria o curso de Medicina. Dados semelhantes foram encontrados por Calvacanti et al.23 em sua análise com os estudantes da Universidade Estadual da Paraíba. É relevante a quantidade de alunos que relataram que a primeira opção para a carreira seria Medicina. Neste aspecto, é importante que desde o início do curso o aluno tenha uma visão ampla das áreas de atuação do cirurgião-dentista com o objetivo desmistificar a profissão, evitando futuras frustrações, além disso, esse fato pode explicar a grande quantidade de alunos que adentram a faculdade com a vontade de exercer a especialidade de cirurgia bucomaxilofacial, cuja a atuação pode se dar no âmbito hospitalar, dando a impressão, ao ingressante, a semelhança entre esta e a prática da Medicina.
Outros autores mostram a vocação como sendo o principal motivo de escolha da profissão8,11, entretanto uma análise mais aprofundada sobre o tema pode revelar que na verdade a vocação seria para a área da saúde em geral, e não necessariamente uma convicção quanto a escolha da Odontologia como profissão. Além disso, a escolha da profissão estaria determinada por fatores complexos nos âmbitos psicológico, econô-mico, social, educacional e até político24.
Entende-se como limitação desse estudo o seu caráter transversal e ser realizado com alunos do primeiro ano da graduação, assim se sugere a investigação longitudinal objetivando caracterizar as mudanças nas expectativas dos alunos ao longo de sua formação profissional, quando podem explorar diversas facetas da profissão e mudar os seus julgamentos sobre a Odontologia assim como verificar se essas expectativas são atingidas quando na oportunidade da inserção desses alunos no mercado de trabalho. Estudos qualitativos também poderiam ser realizados para que fenômenos observados possam ser explicados em sua complexidade.
5 CONCLUSÕES
Pode-se concluir que os ingressantes na sua maioria são mulheres jovens, proveniente de escolas particulares. A escolha da carreira se deu pelo desejo de cuidar do outro e a possibilidade de bom retorno financeiro. Para quem escolheu a carreira como segunda opção, os motivos foram ampla atuação que o dentista pode desempenhar no mercado de trabalho, proximidade com a área de estudo desejada na primeira opção (Medicina) e o fato de ser uma profissão que cuida de pessoas.
As principais expectativas encontradas em relação ao curso foram obter conhecimento em todas as áreas da Odontologia e poder aplicar esses saberes em sua prática clínica. Grande parte dos estudantes que já havia vislumbrado seu futuro profissional tinha forte tendência à especialização, indo na contramão das DCNs e das necessidades do SUS. As especialidades de cirurgia buco-maxilofacial, seguido prótese/implantodontia são as mais populares quanto a escolha da área de atuação. Evidencia-se também a preferência pela atuação em clínica privada na amostra.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem o apoio finaceiro da Universidade de São Paulo que concedeu bolsa do programa Ensinar com Pesquisa à primeira autora.
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Correspondencia para:
Profa. Dra. Maria Ercília de Araújo
Departamento de Odontologia Social
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