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Revista da ABENO

versão impressa ISSN 1679-5954

Rev. ABENO vol.16 no.2 Londrina Abr./Jun. 2016

 

 

 

Percepções de estudantes de graduação em Odontologia sobre o Sistema de Saúde Brasileiro

 

Undergraduate Dental students' perceptions regarding the Brazilian Health System

Isa Teixeira SalesI; Juliana Melo da SilvaII; Ana Maria Martins BrandãoII; Liliane Silva do NascimentoIII; Gustavo Antonio Martins BrandãoIV

 

I Bolsista de Iniciação Científica, Faculdade de Odontologia, UFPA
II Professora Doutora da Faculdade de Odontologia, UFPA

III Professora Doutora do Departamento de Saúde Coletiva, Faculdade de Odontologia, UFPA
IV Professor Doutor da Faculdade de Odontologia, UFPA

Correspondência para:

 

 


 

RESUMO

A políticas de saúde bucal prévias à implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) eram consideradas excludentes e direcionadas para práticas curativas, onde os indicadores mostravam pouca contribuição na melhoria da saúde bucal. A instituição do SUS possibilitou o direcionamento da saúde pública brasileira para ações preventivas, humanizadas e integradas. O objetivo deste estudo foi analisar o perfil do estudante de Odontologia da Universidade Federal do Pará (UFPA) conforme os interesses profissionais e a atuação no SUS. Foi utilizada uma abordagem indutiva, com procedimento estatístico-comparativo e técnica de observação direta extensiva por meio de questionário. A partir do universo amostral de 478 alunos matriculados do 1º ao 10º semestre, extraiu-se uma amostra de 240 alunos (nível de confiança de 95%). Constatou-se que para 93,8% dos alunos, a construção do SUS é dependente da união dos usuários, governo e profissionais interessados na oferta de melhores serviços. Os mesmos afirmam que a formação em Odontologia na UFPA é direcionada para o trabalho no SUS e que a formação em ciências humanas é importante para o exercício profissional. As disciplinas abordadas e atividades práticas desenvolvidas foram consideradas insuficientes para o exercício profissional.

Descritores: Educação em Odontologia. Formação de Recursos Humanos. Sistema Único de Saúde.


 

ABSTRACT

Oral health policies prior to implementation of the Unified Health System (SUS), were considered mutually exclusive and directed to healing practices. Indicators showed little contribution to the improvement of oral health. The SUS institution allowed the direction of Brazilian public health to preventive, humane and integrated actions. The aim of this study was to analyze the profile of the dental student of the Federal University of Pará according with the professional interests and the performance in the SUS. We used an inductive approach with procedure statistical-comparative and extensive direct technique observation through a questionnaire. From the sample universe of 478 students enrolled of 1st to 10th semester, extracted a sample of 240 students (confidence level 95%). It was found that for 93.8% the SUS construction dependent of the union of users, government and professionals interested in offering best services. The students say that training in dentistry at is directed to the work in the SUS and the human sciences are important for professional practice. The subjects addressed and practical activities developed were considered insufficient for professional practice.

Descriptors: Education in Dentistry. Human Resources Formation. Unified Health System.


 

1 INTRODUÇÃO

O relatório final da segunda Conferência Nacional de Saúde Bucal mostrou altos índices de mutilações e doenças bucais que colocavam o Brasil entre os países de piores condições de saúde bucal do mundo, mostrando a falência do modelo vigente. Anteriormente à instituição do Sistema Único de Saúde (SUS), o serviço público de saúde era excludente e centrado em práticas curativas, contribuindo pouco para melhorar os indicadores de saúde, sobretudo em relação à saúde bucal. O modelo hegemônico vigente aquele momento era considerado elitista, difuso, individualista, mutilador, iatrogênico, de alto custo e de baixo impacto social1.

A partir de dezembro de 2000, através da Portaria 1.4442, a saúde bucal foi implantada na estratégia do Programa Saúde da Família (PSF), garantido incentivo financeiro para a reorganização da atenção à saúde bucal. Desta forma a Política Nacional de Saúde Bucal sofria um marco de transformação, deixando de se dedicar apenas à assistência aos escolares e ao atendimento em situações de urgências odontológicas2, mas tendo a partir deste momento uma definição de como seriam formadas as Equipes de Saúde Bucal (ESB). Isto garantiria uma reorientação do processo de trabalho em saúde bucal novos espaços de práticas e relações nos âmbitos do serviço de saúde3.

A inclusão da saúde bucal no SUS foi um diferencial na assistência à população brasileira4,5. A formação de recursos humanos adequados à realidade socioepidemiológica do Brasil é o grande desafio para a consolidação do SUS6. As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a Odontologia instituídas no ano de 2002 tiveram o objetivo de orientar a formação de um cirurgião-dentista cujo perfil acadêmico e profissional apresente habilidades relacio-nadas à atuação qualificada e resolutiva no SUS8, pois anteriormente era evidenciado uma falta de comprometimento com as necessidades da população7.

As DCN, desse modo, valorizam a formação de egressos capazes de prestar atenção integral mais humanizada, aptos ao trabalho em equipe e à melhor compreensão da realidade em que vive a população. A qualidade do atendimento profissional no SUS está relacionada ao perfil do profissional generalista, de sensibilidade social e competência técnica8. Dessa forma, as faculdades vêm desenvolvendo mudanças em seus currículos, valorizando igualmente o saber científico e a visão humanística9.

Uma parcela significativa de instituições públicas e privadas de ensino odontológico, mesmo conhecendo a realidade precária da saúde coletiva, mantém seu currículo pautado no modelo flexneriano, caracterizado pelo mecanicismo, indivi-dualismo, especialização, tecnicismo do ato operatório e ênfase na Odontologia curativa. Isso gerou uma prática de alto custo, baixa cobertura, com pouco impacto epide-miológico e desigualdades no acesso10.

Entre as Faculdades de Odontologia do Brasil, 76,7% dedicam de 75 a 325 horas à Disciplina de Saúde Coletiva, abordada em caráter teórico-prático11. O desenvolvimento de atividades extramuros, em interação com a comunidade, é capaz de sensibilizar os alunos frente à realidade social na qual atuam, e com isso contribuir para sua formação profissional. Essas atividades vêm cumprindo com o seu papel, que é formar profissionais compro-metidos com a saúde bucal coletiva12.

O presente estudo teve por objetivo geral analisar o perfil do estudante de Odontologia da Universidade Federal de acordo com os interesses profissionais e a atuação no Sistema Único de Saúde (SUS). Especificamente, buscou-se traçar o perfil do estudante de Odontologia da [texto excluído] no que diz respeito aos seus anseios frente à atuação no mercado de trabalho, interesse sobre o campo da saúde coletiva e auto percepção da formação acadêmica.

 

2 METODOLOGIA

Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará (UFPA) e adotou um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido entregue a cada participante, para obtenção da autorização de participação voluntária, seguindo a Resolução 466/12.

Esta pesquisa se desenvolveu sob uma metodologia de abordagem indutiva, com procedimento estatístico-comparativo e técnica de observação direta extensiva, através de questionário. O universo amostral foi composto por acadêmicos matriculados no curso de graduação da Faculdade de Odontologia da UFPA, do 1º ao 10º período, considerando o número total de estudantes que estavam cursando o período letivo da instituição, correspondente ao período de fevereiro a agosto de 2013. De acordo com o número de alunos matriculados (478) foi realizado um cálculo amostral, no qual foi estabelecido nível de confiança de 95%, e perda amostral prevista de 5%, obtendo-se o número de indivíduos necessários a serem incluídos na amostra para a representatividade do universo.

A amostra representativa final, portanto, foi selecionada por conveniência e constituída dos estudantes devidamente matriculados na Faculdade de Odontologia no período da pesquisa, os quais concordarem em responder ao questionário, após assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo que 240 participaram da pesquisa, garantindo uma margem de representatividade maior que a determinada pelo cálculo amostral. Durante a condução da pesquisa, os questionários preenchidos incompletamente foram excluídos da análise.

Realizou-se um estudo piloto com 10 alunos tendo finalidade de se testar o instrumento da pesquisa. Após, aplicou-se questionário (adaptado de Cavalcanti13) com 25 questões objetivas que abrangem os tópicos: áreas de interesse na Odontologia; perspectivas de trabalho após a conclusão do curso; opinião sobre a formação curricular e percepção sobre o trabalho no SUS.

Após aprovação do estudo piloto, foram entregues questionário e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido a cada participante. O participante da pesquisa recebeu prévio esclarecimento sobre o tema abordado e não sofreu interferência do pesquisador durante a formulação das respostas.

Os dados foram tabulados e analisados estatisticamente. Coeficientes de correlação de Spearman (nível de significância de 95%) foram calculados para comparação entre a percepção e os diferentes períodos do curso de graduação, através do programa Bioestat® 5.0 (Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Tefé, AM).

 

3 RESULTADOS

A tabela 1 mostra a distribuição dos componentes da amostra segundo o período e ano do curso de graduação da Faculdade de Odontologia da UFPA, mostrando homogeneidade da amostra.

A tabela 2 mostra a distribuição em valores absolutos e percentuais da percepção sobre a Odontologia no SUS entre estudantes de Odontologia, na qual, 36,7% dos alunos acreditam que a Odontologia no SUS é um espaço amplo de atendimento, de qualidade razoável, direcionado à população carente que é representado essencialmente pelo PSF.

A tabela 3 mostra a distribuição em valores absolutos e percentuais da compreensão sobre os estágios na rede de serviços e a formação em Odontologia entre os estudantes, assim, 64,2% afirmam ser uma oportunidade de vivência e familiarização com a rotina de trabalho no SUS.

A tabela 4 mostra a distribuição em valores absolutos e percentuais sobre as perspectivas dos estudantes de graduação e a construção do SUS, na qual, 93,8% dos alunos acreditam ser dependente da união dos usuários, governo e profissionais interessados na oferta de melhores serviços.

A tabela 5 mostra a distribuição em valores absolutos e percentuais sobre as perspectivas da inserção da Odontologia no SUS, onde, 71,3% acreditam que a Odontologia no SUS deveria exercer ações que atendessem às necessidades da população carente com riqueza técnico científica.

A tabela 6 mostra a distribuição em valores absolutos e a importância da Odontologia em Saúde Coletiva, onde, 55% acreditam que se trata de uma área que Incentiva ações de atendimento integral e humanizado.

A tabela 7 mostra a distribuição da percepção sobre as disciplinas ministradas, a formação em Ciências Humanas, as atividades práticas e o direcionamento da formação para o SUS entre estudantes, assim, 35,8% acreditam que as disciplinas ministradas no curso são suficientes para o exercício profissional; 96,2% afirmam que a formação em Ciências Humanas é importante para o exercício profissional; 24,6% acreditam que as atividades práticas são suficientes para o exercício profissional e 67,1% afirmam que a formação em Odontologia na faculdade direciona para o trabalho no SUS.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4 DISCUSSÃO

O interesse pela área de saúde (54,6%) e a admiração pela profissão (32,5%) foram os dois motivos mais atribuídos pelos pesquisados para a escolha do curso de Odontologia, informações semelhantes foram encontradas na literatura13,14.

A grande maioria dos pesquisados pretende trabalhar no serviço público (188), acreditando que o trabalho no serviço público é uma boa alternativa para o primeiro emprego, seguida consecutivamente pela afinidade com o trabalho em Saúde Pública, tratando-se de uma tendência encontrada também em outros trabalhos5,13. Constatou-se que 91,7% dos alunos pretendem conciliar o emprego público e privado durante a carreira profissional, quantidade esta, maior do que as encontradas em outros estudos5,13.

Para os alunos o SUS trata-se de um espaço amplo de atendimento, de qualidade razoável, direcionado à população carente. É representado essencialmente pelo PSF (36,7%), contrapondo-se a Calvacanti et al.13, onde os alunos consideram o SUS um espaço de atendimento de qualidade que prioriza a humanização, a equidade e a resolutividade dos procedimentos, sob um sistema hierarquizado entre os três níveis de complexidade (50,6%).

Os alunos acreditam que os estágios são importantes por representarem oportunidade de vivência e familiarização com a rotina de trabalho no SUS (64,2%), assim, percebe-se a importância dos estágios em rede de atendimento público que refletem mudanças de compreensão acerca da rede de serviços, conforme o proposto pelo Programa Nacional de Reorientação Profissional em Saúde (Pró-Saúde), onde a Atuação em Rede é prioridade do Ministério da Saúde, esperando-se avanços no sentido de que esta atuação ocorra para todas as redes de serviços, em todos os níveis de atenção para que os estudantes possam compreender a lógica da descentralização, hierarquização, integralidade, continuidade dos cuidados e responsabilização15.

Mesmo confirmando a importância dos estágios na rede de serviços, os alunos desacreditam que o SUS seja um ambiente de alta qualidade, afirmando que a construção do SUS é dependente da união dos usuários, governo e profissionais que trabalham na rede (93,8%), onde, o trabalho relevante à Odontologia no SUS deveria dedicar-se às necessidades da população carente com riqueza técnico-científica.

Contrapondo-se à perspectiva de que os graduandos de Odontologia possuem um conhecimento reduzido e impreciso sobre os objetivos da Odontologia Social6, constatou-se nesta pesquisa no que diz respeito à importância da Odontologia em Saúde Coletiva, que esta incentiva ações de atendimento integral e humanizado (55%).

A grande maioria dos participantes da pesquisa (96,2%) afirma que as disciplinas que envolvem as ciências Humanas são importantes para o exercício profissional, em contrapartida, apenas 35% dos alunos acreditam que as disciplinas ministradas durante o curso são suficientes para o exercício profissional, sendo também as atividades práticas consideradas insuficientes para tal propósito (24,6%). Apesar disto, os alunos acreditam que a formação em Odontologia na [texto excluído] direciona para o trabalho no SUS (67,1%).

 

5 CONCLUSÕES

Conclui-se que a pesquisa possibilitou a constatação de transformações e tendências que estão acontecendo no processo de ensino odontológico e práticas profissionais, como o encontrado em outros estudos com os mesmos propósitos. Os universitários pesquisados conhecem o perfil do acadêmico e profissional de Odontologia esperado pelo SUS, inclusive ao afirmar que as Ciências Humanas e a participação em estágios da rede de serviços de saúde são importantes.

Os alunos acreditam ser direcionados para o SUS, entretanto desacreditam que o atendimento prestado pelo SUS seja eficaz e atenda às necessidades da população.

Há necessidade de reformulação do esquema pedagógico, de forma que este melhor direcione o aluno segundo as necessidades curriculares, objetivando condições ideais para o exercício da profissão.

 

REFERÊNCIAS

1. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. 2ª Conferência Nacional de Saúde Bucal: relatório final. Brasília: Ministério da Saúde; 1993.         [ Links ] (Série D. Reuniões e Conferências).

2. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1444, de 28 de dezembro de 2000. Diário Oficial da União. Brasília, 28 dez. 2000.

3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Cadernos de atenção básica, n. 17. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.

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8. Morita MC, Kriger L. Mudanças nos cursos de Odontologia e a interação com o SUS. Rev ABENO. 2004; 4:17-21.

9. Brasil. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Odontologia. Resolução CNE/ CES 3/2002. Diário Oficial da União, Brasília, 04 mar. 2002.

10. Moysés SJ. Políticas de saúde e formação de recursos humanos em Odontologia. Rev ABENO. 2004; 4:30-7.

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12. Moimaz SAS, Saliba NA, Garbin CAS, Zina LG, Furtado JF, Amorim JA. Serviço extramuros odontológico: impacto na formação profissional. Pesqui Bras Odontopediatria Clín Integr. 2004; 4:53-7.

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14. Bastos JMR, Aquilante AG, Almeida BS, Lauris JRP, Bijella VT. Análise do perfil do profissional de cirurgiões-dentistas graduados na Faculdade de Odontologia de Bauru-USP ente os anos de 1996 e 2000. J Appl Oral Sci. 2003; 11:283-9.

15. Pró-Saúde - Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde Pet-Saúde - Programa de Educação pelo Trabalho. Instrutivo para elaboração dos projetos, 2011.

 

Correspondência para:
Gustavo Antonio Martins Brandão
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