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    Revista da ABENO

      ISSN 1679-5954

    Rev. ABENO vol.16 no.4 Londrina oct./dic. 2016

     

     

     

    Avaliações múltiplas para o aprendizado contínuo: relato de experiência

     

    Multiple evaluations for continuous learning: an experience report

     

     

    Pedro Henrique Sette-de-SouzaI; Andrea Cristina Barbosa da SilvaII


    I Mestre, Professor da Universidade Estadual da Paraíba e da Universidade de Pernambuco
    II Doutora, Professora da Universidade Estadual da Paraíba

     

    Correspondência

     


    RESUMO

    É preciso modificar os paradigmas da educação odontológica para que o estudante passe a ter maior responsabilidade sobre o seu processo de aprendizagem. Contudo, essas mudanças nas estratégias de educação não são aceitas por grande parte dos docentes, que preferem avaliações pontuais a processuais, que mais punem do que formam seus estudantes. Esse estudo buscou explicitar a importância da avaliação como um processo, por meio de um relato de experiência em que diversificou-se os instrumentos avaliativos de um componente curricular do curso de graduação em Odontologia da Universidade Estadual da Paraíba, Campus VIII (UEPB/Araruna). Utilizou-se, ao longo do semestre, diferentes instrumentos avaliativos (verificações imediatas de aprendizagem – VIA's, portfólios de aprendizagem, avaliação teórica e seminário) para que os estudantes pudessem ser avaliados tanto de maneira pontual, como de maneira processual. Todas as avaliações foram pontuadas de 00,0 a 100,0, tendo pesos diferentes para compor a nota final. Fez-se uma análise descritiva das notas dos portfólios e VIA's, bem como o teste t-pareado (α = 5%) para comparar as médias da turma nas provas teóricas e na nota. As notas dos estudantes aumentaram ao longo do semestre, em todas as avaliações. A média das notas das provas aumentou 12,0 pontos (p = 0,030) e a nota final das unidades 21,0 pontos (p<0,001). A experiência relatada sinaliza a importância do entendimento da avaliação como processo contínuo e não somente como mera data a ser cumprida no calendário acadêmico.

    Descritores: Educação em Odontologia. Avaliação Educacional. Educação Superior.


    ABSTRACT

    Changes in the paradigms of dental education are need to allow that student takes greater responsibility for their learning process. However, these changes in education strategies are not accepted by most of the professors, who prefer specific procedural assessments, more punishing than forming their students. This study sought to explain the importance of evaluation as a process through an experience report in which diversification of evaluative instruments of a curricular component was used in Dental Couse, State University of Paraiba, Campus VIII (UEPB / Araruna). Different evaluation instruments (learning immediate checks – VIA's, learning portfolios, theoretical evaluation and seminar) were used throught the semester. So, students could be evaluated both in a timely manner, as well as in a procedural way. All evaluations were worth from 00.0 to 100.0, having different weights to compose the final grade. A descriptive analysis of the grades of portfolios and VIA's were calculated and the paired t-test (α = 5%) was used to compare means the class for each unit in the theoretical tests and final score. The grades of students increased over the period, in all evaluations. The average test scores increased 12.0 points (p = 0.030) and 21.0 points for final units' scores (p <0.001). This experience indicates the importance of the evaluation of understanding as a continuous process and not just as a mere date to be fulfilled in the academic calendar..

    Descriptors: Dental Education. Educational Measurement. Higher Education.


     

     

    1 INTRODUÇÃO

    Para que a aplicação de um método educacional tenha êxito, é necessária avaliação detalhada da instituição de ensino na qual o mesmo será implementado1. Deste modo, a educação pode ser considerada como uma estratégia de libertação da sociedade, devendo ser vista de forma flexível e integrada, na qual professores e alunos são livres para mudarem seus papéis no processo de ensino-aprendizagem2.

    Assim, o professor universitário, inserido em um ambiente competitivo e influenciado pelo sistema de saúde e pelo mercado de trabalho, deve possuir uma formação ampla e preparada para os desafios da educação no mundo moderno3. Os docentes tendem a dominar a área científica específica em que atuam, porém não demonstram conhecimento e/ou interesse em compreender as novas abordagens pedagógicas, dificultando ainda mais o processo de protagonismo dos estudantes no processo de aprendizagem. Desta maneira, os alunos atribuem ao professor a responsabilidade da gestão do seu aprendizado2, uma vez que podem se recusar a algo novo4, no caso, de terem autonomia sobre sua aprendizagem.

    Todavia, a avaliação causa insatisfação em docentes e discentes, seja pelas consequências ou pelos sentimentos relacionados à prática avaliativa. Ao que parece, é senso comum avaliar o estudante como um produto, pontualmente, sem levar em consideração a evolução ao longo daquele período5. Contudo, a avaliação é um fator importante na aprendizagem do aluno, podendo ter grandes consequências em sua carreira profissional6. Ademais, vale salientar que os métodos tradicionais de avalição que são utilizados para medir a capacidade dos estudantes nas ciências da saúde são insuficientes, deixando lacunas em vários aspectos de competências que os estudantes deveriam ter7.

    Assim, o objetivo desse estudo foi relatar a experiência de um componente curricular do curso de graduação em Odontologia que utiliza a diversificação dos instrumentos avaliativos.

     

    2 RELATO DE EXPERIÊNCIA

    O curso de Odontologia do Campus VIII da Universidade Estadual da Paraíba está localizado na cidade de Araruna, na região Nordeste do Brasil. No Projeto Político Pedagógico para o Curso de Odontologia (PPC) da referida universidade consta que é necessário promover diferentes formas de aprendizagem para contribuir com a redução da evasão em sala de aula. Ademais, espera-se que os docentes do curso sejam capazes de desenvolver em seus estudantes aspectos científico-investigativo e uma postura crítica e proativa sobre o seu aprendizado8.

    O presente relato se refere à experiência no componente curricular de Anestesiologia e Terapêutica Odontológica, ministrada no 4º período do curso de graduação em Odontologia da Instituição. Por meio da diversificação dos instrumentos avaliativos, buscou-se acompanhar o desempenho dos estudantes semanalmente, ao longo de um semestre letivo.

    Por não ter sido realizados procedimentos específicos para o estudo, pela identidade dos alunos ter sido preservadas (não há informe de qual ano é o relato, não podendo identificar a turma) e por se tratar de um relato de experiência dos professores do componente curricular, não houve necessidade de submissão e aprovação por parte do Comitê de Ética em Pesquisa.

    No primeiro dia de aula, foi proposto aos estudantes que elaborassem semanalmente um portfólio, que deveria ser entregue na semana seguinte à cada aula. Este deveria versar sobre a importância do conteúdo trabalhado em sua vida profissional, com abordagem crítico-reflexiva e criativa, ficando o formato de apresentação impresso (jornal, diário, texto corrido, revista em quadrinhos) à escolha do estudante. Ao professor, coube corrigir os portfólios e atribuir nota individual, de acordo com os seguintes itens: (1) Capacidade crítico-reflexiva do estudante (até 3,0 pontos); (2) Criatividade (até 3,0 pontos); (3) Domínio da norma culta da língua portuguesa (até 2,0 pontos); (4) Narrativa - sequência textual (até 2,0 pontos).

    Além disso, ao término de cada aula, os estudantes eram submetidos a uma verificação imediata de aprendizagem (VIA), ora discursiva, ora objetiva, de múltipla escolha ou na forma de verdadeiro-falso sobre o assunto abordado naquele dia. A correção dessa atividade era feita de uma das seguintes formas: (1) o professor corrigia todas as VIA's dos seus estudantes; (2) cada estudante corrigia sua própria VIA e devolvia ao professor; (3) o estudante corrigia a VIA de um colega e entregava ao professor. Em todos os casos, havia uma discussão envolvendo toda a turma. Esta atividade visava identificar as principais lacunas relativas aos assuntos abordados.

    Também houve apresentação de seminários e prova teórica tradicional de todo o conteúdo abordado. É importante salientar que os estudantes tinham direito a faltar 25% das atividades, sem ônus. Todas as atividades foram corrigidas por apenas um docente e valiam 10,0 pontos, contudo, tinham pesos diferentes: (1) avaliação téorica (peso 5); (2) VIA (peso 1); (3) portfólio (peso 2); e (4) seminário (peso 2).

    Foi, então, realizada a análise descritiva das notas dos portfólios e VIA's, bem como o teste t-pareado (α = 5%) para comparar as médias da turma de cada unidade nas provas teóricas e nota final.

    A média da nota da turma nas avaliações semanais (portfólios e VIA) aumentou semanalmente ao longo do semestre (figuras 1 e 2) refletindo positivamente na avaliação final da unidade (prova teórica) e da disciplina (média final).

    Constatou-se aumento estatisticamente significativo (teste t pareado, α = 5%) das notas da turma, tanto nas provas teóricas, quanto na nota final do componente curricular (tabela 1).

     

     

     

     

     

     

     

    3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

    A diversidade das avaliações contribuiu para o envolvimento dos estudantes com a disciplina.

    O fato do absenteísmo ter tendido a zero corrobora esta ideia de que o professor, ao adotar uma metodologia diferenciada, torna o estudante responsável por seu aprendizado, estimulando o interesse pelo componente curricular e pelo conteúdo ministrado. Por outro lado, ao adotar o ensino tradicional, bancário, o professor pressupõe que suas ideias e conhecimentos são o ponto alto da educação, fazendo com que o aluno seja apenas um acumulador de informações, um agente memorizador que, em sua passividade, geralmente esquece o que foi "ensinado"9.

    O aumento nas notas, tanto da prova, quanto na média final da turma, pode ser entendido por muitos como sendo uma resposta adaptativa da turma aos métodos adotados pelo corpo docente. Entretanto, cabe destacar que a autonomia dos estudantes é construída individualmente e o ato de ensinar exige respeito a essa autonomia10. Além disso, ao entender que o processo ensino-aprendizagem não é uma ciência exata, cartesiana e que os educandos são sujeitos ímpares em sua aprendizagem2, o professor precisa buscar maneiras diversas de trabalhar habilidades e competências em sua sala de aula, afim de oferecer a todos os estudantes a possibilidade de desenvolver tal autonomia.

    Nesse sentido, vale a busca nos mais diversos campos de conhecimento para propor modalidades alternativas de avaliação de aprendizagem. É o caso dos portfólios, que permitem ao estudante refletir sobre sua postura em sala de aula e dedicação à atividade. A autoavaliação é importante na formação do educando, porque faz com que ele mesmo identifique suas fragilidades e fortalezas, e consiga trabalhar nelas11. Isso possivelmente justifica o aumento das notas em tal atividade ao longo do semestre.

    Em um primeiro momento, que os estudantes não eram estimulados a refletir sobre seu aprendizado, sobre sua conduta em sala, sobre sua dedicação ao assunto, produziam os portfólios pouco críticos, temendo impacto negativo na sua avaliação. Porém, com o passar do semestre, as correções feitas pelo corpo docente e o entender de que um profissional da saúde, mesmo aquele que usa muita tecnologia dura, precisa refletir sobre seu papel como ser pensante e agente transformador, a qualidade dos trabalhos foi melhorando e os estudantes foram se mostrando mais críticos. Contudo, é imprescindível que o portfólio seja trabalhado em conjunto com outras modalidades de avaliação, uma vez que é preciso avaliar outras competências do estudante que não são analisadas por ele12.

    A carga histórica do sistema educacional, consolidada na transmissão de conhecimento do professor para o aluno, transformando-o em agente passivo do seu aprendizado e visando somente o ingresso destes alunos na educação superior, ainda é uma barreira presente na formação de um novo profissional de saúde. Talvez, centralizar a educação, principalmente a odontológica, no estudante como sujeito ativo, seja o maior desafio para os professores2.

    Os autores acreditam as numerosas avaliações realizadas não prejudicaram o desempenho dos estudantes em outras disciplinas do curso, uma vez que os instrumentos referidos, em sua maioria, eram curtos e realizados em aula. Contudo, sugere-se que estudos sejam realizados afim de apreender a percepção dos estudantes quanto à diversificação dos instrumentos avaliativos e como eles influenciam no desempenho das disciplinas do semestre.

    A experiência em questão sinaliza a importância de se entender a avaliação como um processo contínuo e não somente como uma mera data a ser cumprida no calendário acadêmico.

     

    REFERÊNCIAS

    1. Lavez GP, Lino-Jr H, Silva RHA. O uso da teleodontologia no ensino da Odontologia Legal: relato de experiência. Rev ABENO. 2015;15(2):95-104.         [ Links ]

    2. Noro LRA, Farias-Santos BCS, Sette-de-Souza PH, Pinheiro IAG, Borges REA, Nunes LMF, Cruz RKS, Silva SM. O professor (ainda) no centro do processo ensino-aprendizagem em Odontologia. Rev ABENO. 2015;15(1):2-11.

    3. Toassi RFC, Stobäus CD, Mosquera JMM, Moysés SJ. Integrated curriculum for teaching dentistry: new directions for training in the field of healthcare. Interface Comun Saúde Educ. 2012;16(41):529-42.

    4. Lele SM. A Mini-OSCE for formative assessment of diagnostic and radiographic skills at a dental college in India. J Dent Educ. 2011;75(12):1583-9.

    5. Masetto MT, Prado AS. Processo de avaliação da aprendizagem em curso de Odontologia. Rev ABENO. 2004;4(1):48-56.

    6. Hammad M, Oweis Y, Taha S, Hattar S, Madarati A, Kadim F. Students' opinions and atitudes after perfoming a dental OSCE for the first time: a Jordanian experience. J Dent Educ. 2013;77(1):99-104.

    7. Silva CCBM, Lunardi AC, Mendes FAR, Souza FFP, Carvalho CRF. Objective structured clinical evaluation as na assessment method for undergraduate chest physical therapy students: a cross-sectional study. Rev Bras Fisioter. 2011;15(6):481-6.

    8. Centro de Ciências, Tecnologia e Saúde. Projeto Político-Pedagógico do Curso de Odontologia da Universidade Estadual da Paraíba. UEPB. 2014.

    9. Cunha MI. O professor universitário na transição dos paradigmas. Araraquara: JM Editora, 1998.

    10. Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002

    11. Chun RYS, Bahia MM. O uso do portfólio na formação em Fonoaudiologia sob o eixo da integralidade. Rev CEFAC. 2009;11(4): 688-94.

    12. Maciel JAC, Norte AEO, Feitosa SG, Moreira TP, Farias MR, Teixeira AKM. Percepção dos acadêmicos do curso de Odontologia sobre o uso do portfólio como método avaliativo. Rev Gest Saúde. 2014;5(2):279-89.

     

     

    Correspondência para:
    Pedro Henrique Sette-de-Souza
    Av. Cel. Pedro Targino s/n
    Centro 58233-000 Araruna/PB
    E-mail: pedrosette@uepb.edu.br