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IJD. International Journal of Dentistry
versão On-line ISSN 1806-146X
IJD, Int. j. dent. vol.9 no.1 Recife Jan./Mar. 2010
REVISÃO DE LITERATURA REVIEW ARTICLE
Hidróxido de Cálcio e Iodofórmio no tratamento endodôntico de dentes com Rizogênese Incompleta
Calcium hydroxide and Iodoform on endodontic treatment of immature teeth
Roseli ToledoI; Maria Leticia Borges BrittoII; Raul Capp PallottaIII; Cleber Keiti NabeshimaIV
IEspecialista em Endodontia pela Universidade Cruzeiro do Sul
IIProfessora Coordenadora do Curso de Especialização em Endodontia da Universidade Cruzeiro do Sul
IIIProfessor do Curso de Especialização em Endodontia da Academia Brasileira de Medicina Militar e HGeSP
IVMestrando em Endodontia pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo
RESUMO
Tendo em vista a importancia da anatomia dental e as substâncias químicas auxiliares no tratamento endodôntico, o presente trabalho teve como objetivo revisar a produção científica sobre os efeitos do Hidróxido de Cálcio e do Iodofórmio associados ou não, em dentes com rizogênese incompleta. Foi possível constatar a existência de dificuldades em virtude das condições anatômicas, estado de mortificação pulpar, processo inflamatório periapical e maior facilidade de contaminação do sistema de canais radiculares nestes casos. A literatura evidencia a recomendação da apicificação, sendo utilizado o hidróxido de cálcio devido a sua ação efetiva, mesmo demandando um tempo longo. O Iodofórmio é menos utilizado nestes casos, pois sua ação anti-séptica e estimulação de resposta imunológica pode atuar e influenciar positivamente nos casos endodônticos de dentes com rizogênese incompleta. No intuito de melhorar as propriedades físico-químicas desta substância, como a radiopacidade, sugere-se a associação com iodofórmio que, por sua vez, não interfere nas propriedades antibacterianas.
Palavras-chaves: Endodontia; Hidróxido de Cálcio; Iodofórmio.
ABSTRACT
Providing the importance of dental anatomy and auxiliary chemical substances in the pulp therapy, this study aimed to review the scientific production on the effects of calcium hydroxide and Iodoform associated or not, on immature teeth. It was possible to establish the existence of difficulties because of anatomical conditions, state of mortification pulp, the inflammatory process and ease of periapical contamination of the system of root canals in these cases. The literature highlights the recommendation of the apicification and used the calcium hydroxide due to its effective action, even demanding a long time. Iodoform can be used in these cases too, because its antiseptic action and stimulation of immunologic system can act and influence positively. In order to improve the physical and chemical properties of this substance, such as radiopacity, it is suggested that the association with iodoform, in turn, does not interfere with antibacterial properties.
Key words: Endodontics; Calcium Hydroxide; Iodoform.
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, a evolução dos conhecimentos tem sido um fenômeno marcante na área da saúde. Esse desenvolvimento, tanto no campo científico como no tecnológico, intensifica-se na Odontologia com o aprimoramento dos recursos já existentes e a criação de outros novos, cujo objetivo é a preservação do elemento dental em sua posição original, permitindo-lhe o exercício de suas funções de modo adequado.
Durante o tratamento endodôntico, a substancia química utilizada deve oferecer uma efetiva ação antimicrobiana e o aumento da permeabilidade do sistema de canais radiculares, porém, esta condição é dificultada quando os dentes apresentam rizogênese incompleta, em razão das condições anatômicas do terço apical inviabilizarem os procedimentos técnicos da endodontia atual.
É importante notar que o canal radicular termina no forame apical onde a polpa e o ligamento periodontal se comunica, e onde os nervos e vasos principais penetram e deixam o dente. Tem-se então que o canal radicular apresenta uma divisão biológica, sendo que um contém o tecido pulpar propriamente dito e um canal que contém o tecido conjuntivo periodontal. A polpa radicular constitui o campo de ação do endodontista, enquanto o canal cementário (tecido conjuntivo periodontal) deve ser respeitado, com o objetivo de favorecer condições fisiológicas para sua reparação pós-tratamento1.
Batista et al.2 enfatizam que durante o período do desenvolvimento radicular, a ocorrência de qualquer distúrbio que danifique parcial ou totalmente o tecido pulpar ou a bainha epitelial de Hertwig, tem-se o um risco potencial de interromper, alterar ou deter a formação completa da raiz. São considerados dentes permanentes jovens com rizogênese incompleta, aqueles cujo ápice radicular, histologicamente, não apresenta a dentina apical revestida por cemento e, radiograficamente, quando o extremo apical da raiz não atinge o estágio 10 de Nolla, quando se observa a formação completa do ápice radicular. Segundo os autores trauma ou cáries em dentes com ápice incompletamente formados podem resultar na necrose pulpar com conseqüente interrupção do processo de formação radicular. Por conta disso, no contexto da Endodontia, dentes com rizogênese incompleta recebem atenção especial, diferenciando-se do tratamento convencional pelas particularidades anatômicas e em razão de haver a exigência da sua permanência, por maior tempo possível. Assim, todos os esforços devem ser despendidos a fim de manter o tecido pulpar vivo até se completar a rizogênese.
No entanto, a única maneira de se preservar o elemento dental com mortificação pulpar é através do tratamento endodôntico, na tentativa de se obter o fechamento da região apical. O canal radicular amplo, pouca espessura das paredes dentinárias, ausência da constrição somada a divergência apical são os principais obstáculos a serem vencidos, levando a limitações nas manobras do preparo químico-cirúrgico, diminuindo conseqüentemente a eficácia da desinfecção e modelagem. No que diz respeito à etapa da obturação, o principal fator é que a ausência da constrição apical limita o controle sobre a extensão dos materiais obturadores. Antes, porém, necessário se faz elucidar que o procedimento da apicificação utilizando essas medicações tem sido utilizado para induzir o fechamento apical com a formação de tecido mineralizado. Este tecido duro atuará como barreira sólida para conter o material obturador evitando-se extravasamento.
Diante disto, vários autores tentam complementar a desinfecção, principalmente, com o auxílio de pastas medicamentosas á base de Hidróxido de Cálcio ou Iodofórmio, agentes antimicrobianos, por estar devidamente comprovado que mesmo quando a terapia endodôntica é executada de forma adequada, o fracasso pode acontecer, devido à persistência de bactérias potencialmente patogênicas em sítios no interior dos canais3. Por conta disso, a seleção de substancias irrigadoras e medicamentos intrapulpares com ação antimicrobiana assumem papel relevante, no sentido de minimizar ou eliminar os nichos de colonização bacteriana e de contribuir para o sucesso clínico do tratamento.
Desta maneira, o objetivo deste estudo foi realizar uma revisão de literatura sistemática no que diz respeito à ação do hidróxido de cálcio e do iodofórmio associados ou não, refletindo-os frente aos casos de Endodontia com rizogênese incompleta.
REVISÃO DE LITERATURA
Hidróxido de Cálcio
O hidróxido de cálcio puro ou em associação com outros medicamentos permanece nos dias atuais como o material de maior aceitação para a indução da complementação radicular quando utilizado como medicação intracanal, devido a sua possível capacidade de estimular a formação de tecido mineralizado á semelhança do que ocorre em polpas dentais, após proteção pulpar direta e pulpotomia4, além de proporcionar resultados altamente satisfatórios em dentes com mortificação pulpar e lesão periapical5.
A mudança de pH após tratamento endodôntico em dentes com rizogênese incompleta indica que o hidróxido de cálcio atua ao redor das áreas de reabsorção, impedindo a atividade de osteoclastos e estimulando o processo de reparação dos tecidos 6, o elevado pH do hidróxido de cálcio ativa a enzima fosfatase alcalina que estimula a liberação dos íons fosfato, a partir dos ésteres de fosfato do organismo, que ao reagirem com os íons cálcio, se precipitam na forma de hidroxiapatita, evidenciando assim o poder de indução de formação de tecido mineralizado do hidróxido de cálcio7.
Além disso, Foreman e Barnes8, afirmam que o hidróxido de cálcio proporciona a redução da infiltração de fluidos periapicais para dentro do canal, em virtude da formação de uma barreira fibrosa formada quando a medicação entra em contato direto com os tecidos, por contração dos capilares sanguíneos ou simplesmente por bloqueio mecânico; oferece o fechamento apical de dentes nao vitais, por desenvolvimento continuado da raiz, ou por formação de uma barreira calcificada de mineralização do tecido por meio do forame apical; utilizado também no tratamento de reabsorções inflamatórias internas e externas, com finalidade de parar o processo e estimular a reparação e para o reparo de perfuração radicular.
Entretanto, em casos de necrose pulpar, a medicação intracanal deve ser efetiva contra bactérias que sobreviveram ao preparo químico-mecánico do canal radicular, bem como controlar o exudato persistente e a ação destrutiva dos osteoclastos na ocorrência de reabsorção radicular externa. Segundo Barreto et al.9 o hidróxido de cálcio constitui a substância com tal propriedade.
A ação antibacteriana tem sido questionada, acredita-se que a alcalinização do meio cria condições impróprias para o crescimento bacteriano, pois maior parte delas necessitam de meio ácido para sobreviver, além de ações diretas sobre a bactéria como lise da membrana celular e de DNA, desnaturação de proteínas, alteração de características estruturais e hidrólise do lipopolisacarídeo bacteriano8,10, no entanto autores afirmam que o hidróxido de cálcio nao é efetivo contra todos os tipos de bactérias11, por exemplo o enterococcus faecalis, que se trata de uma das bactérias resistentes mais presente em casos de periodontite periapical crônica, isto porque a mesma sobrevive e são capazes de se desenvolver em meio basificado 12.
A avaliação da atividade do hidróxido de cálcio sobre o enterococcus faecalis, permite verificar que avaliações in vitro, valendo-se do teste da difusão em ágar não demonstram qualquer atividade por parte deste medicamento13,14. Todavia quando empregado o método da diluição em caldo, o mesmo parece ser efetivo 15.
Machado1 afirma que, outro fator que apresenta discussão é a inativação da medicação na presença de hidroxiapatita e dentina. Estudos demonstram que o hidroxóxido de cálcio tem sua ação inibida frente à dentina infectada, o que levaria à perda de seu potencial antibacteriano16,17.
Alguns autores afirmam que a ação de reparação do hidróxido de cálcio é realizada de forma indireta sobre o processo reparativo, isto porque o mesmo é capaz de desencadear uma zona de necrose superficial, estimulando a migração e proliferação celular no combate aos agentes irritantes, seguida de migração vascular, proliferação de células mesenquimais, formação de colágeno e deposição de tecido duro18.
Pallotta19 verificou através da implantação em dorso de rato, a reação inflamatória de diferentes medicações intracanal utilizada em endodontia, onde observou que o hidróxido de cálcio causou o rompimento do epitélio sem sinal da reconstituição do mesmo 3 dias após a implantação, a derme apresentava uma grande área de necrose, que se estendia aparentemente até a região muscular e uma fibrina presente com uma quantidade grande de células mortas, além de algumas fibras musculares em degeneração, com os mioblastos com seu núcleo deslocado, a sua regularização e cicatrização iniciou-se somente 11 dias após a implantação.
Sob o ponto de vista da intensidade da resposta inflamatória, Chosak et al.20 compararam através das análises histológicas e histomorfométrica o efeito sobre o processo de apicificação de uma única aplicação da Pasta de hidróxido de cálcio com o tempo de trocas realizadas mensalmente ou passados três meses, os resultados evidenciaram que a reação inflamatória apical não existiu ou foi suave em 50% dos espécimes do Grupo I (sem troca), em 66% dos do Grupo II (trimestral) e em 95% dos do Grupo III (mensal)., a reação foi severa em 30%, 8,3% e 0% dos casos dos Grupos I, II e III, desta mesma forma, Fellipe et al.21 afirma em seu trabalho que embora trocas mensais da pasta reduza a intensidade da reação inflamatória, a formação de tecido calcificado mostra-se mais presente nos dentes em que a pasta nao foi renovada.
Desta maneira, Nelson Filho et al.22 avaliaram a resposta inflamatória tecidual desencadeada por pastas à base de hidróxido de cálcio, em associação ou não ao paramonoclorofenol com ou sem cânfora. No estudo foi constatado que todas as pastas induziram uma resposta inflamatória nos períodos da observação, o Calen® apresentou melhor biocompatibilidade e o composto fenólico causou a maior resposta tecidual (congestão intensa, edema e infiltrado inflamatório, após 6 horas), sendo esta mais severa na ausência de cânfora.
Para facilitar seu uso clínico, este material geralmente tem sido associado a outras substâncias ou veículos, permitindo um estado mais pastoso, possibilitando o armazenamento e melhorando seu escoamento e radiopacidade, resultando em um adequado preenchimento dos canais radiculares e penetração da pasta nos túbulos dentinários e região periapical, exemplos clássicos destas pastas podemos citar o Callen e o Calasept, onde estudos mostram que ambas ajudam na indução da apicificação e reparo dos tecidos periapicais, sendo que os dentes tratados com Calen mostram melhores resultados, apresentando um infiltrado inflamatório significativamente menos intenso11,23.
Na literatura existe um consenso sobre o tempo em que o dente com rizogênese incompleta deve ser medicado com uma pasta de hidróxido de cálcio ou qual o intervalo de tempo em que esse dente deva ter o curativo trocado. Em média, sugere-se a troca da medicação a cada trinta dias até três meses, durante o período de apicificação que leva de doze a dezoito meses, na ausência de infecção24. Pécora et al.25 avaliaram o tempo necessário para o hidróxido de cálcio eliminar microrganismos em canais infectados com Staphylococcus aureus, E. faecalis, Pseudomonas aeruginosa, Bacillus subtilis e Candida albicans e com uma suspensão mista, os autores concluíram que o efeito antimicrobiano ocorreu somente após sessenta dias. No entanto Pallotta et al.15, não encontrou eficácia do hidróxido de cálcio contra o Pseudomonas aeruginosa. Goldstein et al.26 acompanharam dois casos de rizogênese incompleta, um apresentando polpa viva e outro polpa necrosada, sendo utilizado em ambos o hidróxido de cálcio como medicação intracanal, obtendo no experimento a promoção da apicificação e apicegênese, respectivamente, em ambos os casos foi necessário um tempo de dois anos para formação de barreira apical.
No entanto, segundo Felippe21 não existem vantagens em se realizarem trocas de pasta de hidróxido de cálcio durante o tratamento de dentes despolpados com rizogênese incompleta e canais contaminados, a formação de tecido calcificado mostrou-se mais presente nos dentes em que a pasta não foi renovada.
Iodofórmio
O iodofórmio é um iodeto obtido através de uma reação de halogenação com iodo, descrito pela primeira vez em 1829 por Serullas, teve sua terapêutica introduzida por Boucharadt em 1836, portanto é utilizado há mais de 170 anos27.
A odontoepediatria tem utilizado pastas iodoformadas com altos índices de sucessos tanto em casos de pulpotomia como em obturação de dentes com polpa mortificada com ou sem lesão periapical28.
Estudos referentes às propriedades físicas, químicas e biológicas deste material, além de suas indicações e contra-indicações são pontos controversos encontrados na literatura29.
A afirmação sobre um possível efeito carcinogênico nao é real, uma vez que a FDA ( food and drug adminstration) órgão que controla a segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos nos EUA afirma que o iodofórmio pode ser utilizado para uso tópico e intra-dental. Apesar de ser positivo para testes de mutagenicidade in vitro, estudos conduzidos pelo programa nacional de toxicologia dos EUA (NTP-FDA) demonstraram, após acompanhamento de dois anos que o mesmo nao é carcinogênico em ratos e camundongos. Nas doses apresentadas na literatura, o iodofórmio apresenta-se como não-tóxico e reações adversas ao seu uso não são constantemente relatadas19.
Com relação à possibilidade de desenvolver hipersensibilidade, a literatura é unânime em dizer que não existem casos relatados quando se realiza a utilização por via odontológica1.
Altamente volátil, age através da liberação do iodo, tornando-se assim uma medicação anti-séptica. Condições como pouca luminosidade, pouco oxigênio, temperatura corpórea, presença de conteúdo em decomposição, favorecem a reação de dissociação do iodo30, onde a volatilização confere ao medicamento a ação à distância, podendo transitar pelos túbulos dentinários até o periodonto apical e lateral com a promoção de ação linfocítica31.
Acredita-se que o iodofórmio tem alto poder de opsonização de células de defesa levando à resposta inflamatória específica19, 32, 33, a atração de macrófagos resulta na reabsorção e conseqüente remoção de osso ou cemento contaminado e/ou necrosado potencializando o reparo ósseo34, o que leva comumente à confusão que o mesmo resulta em reabsorção radicular.
O iodofórmio atua como anti-séptico, quando em contato com tecidos e outros tipos de matéria orgânica, entretanto, esta propriedade antimicrobiana é questionada, em razão de não exercer ação direta sobre o microorganismo. Seu efeito antimicrobiano decorre da ação sobre os tecidos e líquidos celulares, atenuando as condições de crescimento do microorganismo35.
Pallotta et al.15, verificaram que o poder anti-bacteriano do iodofórmio parece ser mais efetivo que o hidróxido de cálcio, pois o mesmo apresentou efeito contra Pseudomonas aeruginosa. A ação contra o enterococcus faecalis mostrou-se maior que o hidróxido de cálcio, e que quanto maior a concentração maior foi sua eficiência. Além disso, Estudos feito por Haapasalo et al.16,17 mostra que diferente do hidróxido de cálcio, compostos de iodo nao possuem sua ação inibida pela dentina.
A citotoxidade é baixa quando comparada a outros agentes antissépticos como o formocresol, PMCC, cresatina e fenol canforado, provavelmente em função de seus componentes agirem mais sobre tecidos necróticos, além de sua ação tixotrópica, que é a capacidade de uma substância sólida absorver líquidos 27.
Daniel36 verificou maior agressividade do iodofórmio quando comparado ao hidróxido de cálcio, após 24 horas em fibroblastos cultivados em laboratório, no entanto para Machado (2007) 1 a cultura celular nao leva em consideração as interações existentes entre os diferentes tipos de células nos tecidos, o que pode justificar resultados histológicos que demonstram boa tolerância e excelente performance clínica.
Vojinovic e Srnié37 avaliaram a resposta histológica dos tecidos periapicais de dentes permanentes de seis cachorros sem o ápice completamente formado frente a duas pastas utilizadas como materiais obturadores - pasta iodoformada e hidróxido de cálcio, radiograficamente os grupos não apresentaram grandes diferenças porém, histologicamente, a pasta iodoformada após dois meses, apresentou uma inflamação crônica em continuidade com o periodonto, e a presença de tecidos mineralizados que formavam uma barreira menor que a formada pelo hidróxido de cálcio. Após 7 meses e meio, ambos os tratamentos levaram à formação de um tecido mineralizado na região apical.
Gallottini38 analisou a influência da pasta Guedes Pinto (iodofórmio, rifocort e paramonoclorofenol canforado) no processo de reparação alveolar e concluiu que o uso da pasta favoreceu as condições locais, devido ás suas propriedades antiflamatória do rifocort e antimicrobianas do iodofórmio e paramonoclorofenol canforado, facilitando dessa forma o processo de reparação alveolar.
Da mesma maneira, Chedid et al.39, realizaram um estudo histopatológico da reação da polpa de ratos submetidos à ação do formocresol e da pasta Guedes Pinto em diferentes tempos, aos 14 dias com formocresol, observou-se intensa inflamação aguda com leucócitos degenerados, polpa com infiltrado mononuclear e derrame de hemácias, restando pouca quantidade de polpa sã, no entanto os dentes com pasta Guedes Pinto no mesmo período apresentava restos necróticos e raspas de dentina, porém com mineralização na região das entradas dos condutos, e o restante da polpa com características de normalidade. Aos 28 dias com formocresol a polpa ainda apresentava extensa área de necrose, e os dentes com pasta Guedes Pinto apresentava formação de ponte dentinária e abaixo tecido pulpar com sinal de normalidade.
Pallotta19 através da implantação de medicações em dorso de rato afirma que o iodofórmio parece ser menos agressivo em relação ao hidróxido de cálcio, havendo somente uma área de necrose diminuta restrita à região da ferida, circundada por um pequeno infiltrado inflamatório com predominância de macrófagos e alguns outros fagócitos como células gigantes. Fernandes40 com a mesma metodologia, porém avaliando diferentes tipos de pastas iodoformadas, relata agressividade aos tecidos, todavia mostrando-se biocompatíveis ao longo prazo.
Silva Junior et al.41 utilizou-se de iodofórmio para melhorar a cicatrização cirúrgica em implantodontia, resultados histopatológicos mostraram que o uso da pasta diminuiu e inibiu a formação de micro-fístulas no tecido mucoso superficial e não influenciou a maturação celular.
As lesões traumáticas dos dentes e de suas estruturas de suporte não raramente se transformam em sérios problemas funcionais e estéticos, devido ao grande impacto causado aos tecidos duros do dente, polpa e periodonto. Os problemas pós-trauma se agravam quando os dentes sao deixados sem tratamento e num controle posterior, apresentando necrose, reabsorções, anquilose chegando até a perda total do elemento dental. Cavatoni42 avaliou clinica e radiograficamente a reparação óssea de pacientes que sofreram traumatismo dentoalveolar utlizando-se do iodofórmio como medicação intracanal de demora, onde concluiu que o iodofórmio como medicação de eleição obteve excelentes resultados na reparação do osso alveolar e manutenção do elemento dentário na área traumatizada.
Hidróxido de Cálcio Associado com Iodofórmio
O iodofórmio constitui um pó amarelo-limão com alto peso atômico (126,92) e, portanto, altamente radiopaco36, devido a esta propriedade, muitos autores indicam sua utilização para dar mais radiopacidade ao material utilizado43.
Com objetivo de potencialização, é proposto também a associação do iodofórmio ao hidróxido de cálcio, todavia vale salientar que associações entre medicações nem sempre são benéficas e potencializam suas ações1.
Num estudo realizado por Holland et al.43 observou-se o comportamento dos tecidos periapicais de dentes de cães após a obturação dos canais radiculares com o cimento Sealapex acrescido ou não de iodofórmio, onde mostraram resultados semelhantes através da análise microscópica realizada após 6 meses pós-tratamento.
Fujii e Machida44 realizaram uma pesquisa com o propósito de investigar o efeito de duas formulações a base de hidróxido de cálcio - hidróxido de cálcio associado ao paramonoclorofenol canforado ou ao iodofórmio - no tratamento de dentes despolpados com rizogênese incompleta e lesão periapical. Em muitos casos de ambos os grupos, houve a resolução do processo inflamatório, demonstrando que as duas pastas foram efetivas na eliminação de bactérias. O número total de espécimes exibindo inflamação foi maior no grupo do hidróxido de cálcio associado ao iodofórmio (30 aos 60 dias), mas o grau de inflamação foi mais suave e tornou-se ainda menor com o tempo.
Holland et al. 45 avaliaram o comportamento dos tecidos periapicais de dentes de cães com rizogênese incompleta após a obturação dos canais com diferentes materiais obturadores - Sealapex, Endoapex, hidróxido de cálcio associado ao iodofórmio, Pasta de Frank (hidróxido de cálcio associado ao paramonoclorofenol canforado). Os melhores resultados foram encontrados na Pasta de Frank, onde se observou selamento biológico em dois espécimes, a pasta foi reabsorvida por aproximadamente 3 mm para dentro do canal, área que foi ocupada por tecido conjuntivo. Nos demais espécimes a neoformação de cemento envolviam a raiz por fora e adentrava no interior do canal radicular com obliteração deste. O hidróxido de cálcio associado ao iodofórmio exibiu resultados semelhantes ao da Pasta de Frank. Em nenhum dos casos tratados com Endoapex notou-se a presença de selamento apical. Nos dentes obturados com Sealapex somente em três espécimes notou-se a presença de deposição de cemento, com aspecto morfológico irregular.
Em seu estudo Siqueira46 analisou a atividade antibacteriana de pasta a base de hidróxido de cálcio/paramonoclorofenol canforado/glicerina (H/P/G) contendo diferentes proporções de iodofórmio contra três bactérias anaeróbias estritas (Porphyromonas endodontalis, Prophyromonas gingivalis e Prevotella intermedia) e três anaeróbias facultativas (Enterococcus faecallis, Staphylococcus aureuse e Streptococcus sanguis). Para fins comparativos, testaram-se também os efeitos antibacterianos de pastas a base de iodofórmio ou hidróxido de cálcio em glicerina. Os resultados demonstraram que a adição de iodofórmio a pasta H/P/G não interferiu em suas propriedades antibacterianas. A pasta de hidróxido de cálcio e glicerina não apresentou qualquer efeito inibitório sobre as espécies bacterianas testadas.
Aguiar47 avaliando o pH do hidróxido de cálcio e do iodofórmio, sozinho e/oe associado, em veículos diferentes, observou que o hidróxido de cálcio proporcionava pH básico e o iodofórmio ph ácido, entretanto quando associados detectou-se pH básico no momento inicial fixando-se no final com pH ácido, levando a crer que o iodofórmio termina por modificar o conjunto tornando o composto ácido.
Os resultados obtidos no estudo de Oliveira48, cujo objetivo foi avaliar a resposta inflamatória do tecido ósseo de cobaias frente as pastas a base de hidróxido de cálcio (Pasta Holland) e associada ao paramonoclorofenol canforado e iodofórmio, usadas como medicação intracanal, evidenciaram um desempenho inferior da pasta com iodofórmio quando comparado a outras pastas, exibindo uma resposta inflamatória do tipo crônica remanescente, mais severa e mais extensa.
Murata49 avaliou histologicamente a resposta dos tecidos apicais e periapicais de dentes decíduos de cães, com rizogênese incompleta, após biopulpectomia e obturação dos canais radiculares com hidróxido de cálcio em diferentes veículos -Grupo 1 - pasta Vitapex (hidróxido de cálcio, iodofórmio e óleo de silicone), Grupo 2 -hidróxido de cálcio acrescido de iodofórmio e soro fisiológico, Grupo 3 - hidróxido de cálcio associado ao Lipiodol e, Grupo 4 -controle - dentes com canais preparados e não obturados. A análise estatística dos resultados permitiu que os materiais estudados fossem ordenados do melhor para o pior resultado da seguinte forma: a) hidróxido de cálcio acrescido de iodofórmio e soro fisiológico, b) pasta Vitapex (hidróxido de cálcio acrescido de iodofórmio e óleo de silicone), c) hidróxido de cálcio associado ao lipiodol, d) controle. No estudo o autor concluiu uma diferença significante entre os resultados do grupo do hidróxido de cálcio acrescido de iodofórmio e soro fisiológico com os do grupo hidróxido.
Estrela et al.50 ao verificarem a influência do Iodofórmio no potencial antimicrobiano do hidróxido de cálcio, constataram que as pastas contendo hidróxido de cálcio com ou sem iodofórmio e solução salina mostraram significativa atividade antimicrobiana nos métodos experimentais estudados. A pasta contendo iodofórmio e solução salina foi inefetiva pelo teste de difusão em agar e, também, por exposição direta, para o B. subtilis e a mistura.
Dotto et al.51 avaliaram a efetividade da ação antimicrobiana de medicamentos intracanais frente a uma bactéria anaeróbia facultativa, o Enterococcus faecalis utilizando-se de diferentes associações -hidróxido de cálcio com propilenoglicol, hidróxido de cálcio associado ao paramonoclorofenol canforado (PMCC) e propilenoglicol, pasta Calen, pasta Calen associada ao PMCC, hidróxido de cálcio associado ao iodofórmio e propilenoglicol, iodofórmio e propilenoglicol, hidróxido de cálcio com anestésico. Através da análise dos resultados foi constatada a presença de halos de inibição para o iodofórmio e propilenoglicol e para a associação hidróxido de cálcio, PMCC e propilenoglicol. Para os demais medicamentos testados não foi verificado a formação de halos de inibição. Os resultados deste estudo demonstraram que o hidróxido de cálcio pode ter interferido na capacidade antimicrobiana do iodofórmio. Como o hidróxido de cálcio associado a outros veículos foi ineficaz em formar halos de inibição microbiana, ficou evidente que o responsável por essa ação em profundidade é o PMCC liberado da pasta. Também foi verificado a inefetividade do hidróxido de cálcio contra essa cepa. Portanto, o PMCC e o iodofórmio foram os responsáveis pela formação dos halos de inibição do crescimento bacteriano apesar de a formulação Calen/PMCC não se mostrar efetiva no presente estudo, contra a cepa.
Souza Filho et al.52 avaliaram a efetividade antimicrobiana da clorexidina gel 2% (CHX) e hidróxido de cálcio, isoladamente e associados com iodofórmio e pó de óxido de zinco como medicamentos intracanais. Os resultados mostraram que a maior zona de inibição foi da CHX gel 2%, seguida pelo Ca(OH)2 + 2% CHX gel, Ca(OH)2 + 2% CHX gel + iodofórmio, Ca(OH)2 + 2% CHX gel +óxido de zinco, Ca(OH)2 + água. A média de pH de todos os medicamentos intracanais foi de 12 durante todo o experimento, exceto com CHX gel 2%. Os autores concluíram que todos os medicamentos tiveram atividade antimicrobiana, no entanto, a maior foi da CHX gel 2%, seguido da associação com o Ca(OH)2 e iodofórmio.
DISCUSSÃO
É evidente que a própria dificuldade das condições anatômicas constatadas em dentes permanentes jovems com rizogênese incompleta refletem diretamente no adequado preparo químico-mecânico do canal radicular. Aliado a esta problemática anatômica, acrescenta-se o estado de mortificação pulpar, associado a um processo inflamatório periapical, e maior facilidade de contaminação do sistema de canais radiculares, podendo-se prever as dificuldades para a obtenção de uma adequada desinfecção desses dentes.
A literatura mostra que a apicificação está intimamente ligada com as condições assépticas do canal radicular, onde a proposta de utilizar uma medicação intracanal para promover melhor desinfecção de regiões anatomicamente difíceis é procurada.
Mundialmente utilizado e mais aceito, o hidróxido de cálcio tem apresentado resultados satisfatórios na apicificagao2,4,7,9,11,20,21,23-25,48. no entanto é questionado a respeito de sua eficácia frente á bactérias resistentes ao meio básico12, além de ter a possibilidade ser inativada pela dentina e/ou hidroxiapatita16,17.
O iodofórmio, por sua vez, é bem aceito na Odontopediatria, e cientificamente provado que tem excelentes resultados em pulpotomia e tratamento endodôntico de dentes decíduos e permanentes1,28,38,29,42.
Ambas as medicações possuem mecanismos de ação diversos, uma vez que alguns autores acreditam que a ação é atuante no pH, criando condições desfavoráveis para a sobrevida bacteriana6,7,8,10. Outros acreditam que o mecanismo esteja ligado a estimulação de resposta imunológica e células de defesa do próprio paciente1,8,18,19,30-34.
Independente disso, o fato é que apesar de serem dois medicamentos distintos que podem ter ação e atuação diferentes, ambos apresentaram ter algum potencial para estimular a apicificação diante de situações diversas11,23,24,26,37,38,42.
Sendo assim, foi idealizado a associação do hidróxido de cálcio ao iodofórmio, com a finalidade de aumentar a eficácia de ambos, seja por ação mais completa de mecanismo ou então potencialização do poder antibacteriano, no entanto estudos mostraram que o resultado não foi o esperado, o que mostra que a associação de dois medicamentos efetivos pode não resultar em potencialização46,48,50, pelo contrário, às vezes por terem mecanismos e propriedades diferentes podem minimizar sua eficácia, o que pode ser exemplificado pela alteração de pH que inicia básico e finaliza ácido47.
Neste caso, o benefício da associação do iodofórmio passa a ser empregada para aumentar a radiopacidade deficiente do hidróxido de cálcio46.
Na questão da agressividade, ambos parecem promover algum grau da mesma18,19,22,36,40 pois a estimulação do sistema imunológico e quimiotaxia se deve pela própria ativação de reação inflamatória local 19,32,33,34.
A reação gradual de ambas as medicações apresentam ser uma boa propriedade que possibilita a permanência do mesmo no canal radicular por mais tempo e trocas mais espaçadas, fato que tem apresentado resultados mais favoráveis20,21.
Sendo assim, é importante analisar, que ambas possuem suas particularidades e similaridades, e que usadas isoladamente podem trazer ações benéficas no que se diz respeito ao processo de apicificação.
CONCLUSÕES
O tratamento endodôntico de dentes com rizogênese incompleta apresenta dificuldades, em razão das condições anatômicas, estado de mortificação pulpar, processo inflamatório periapical e maior facilidade de contaminação do sistema de canais radiculares.
Há indícios de sucesso no tratamento de rizogênese incompleta tanto para o iodofórmio quanto para o hidróxido de cálcio, porém sua associação é muito discutida.
A apicificação ou reparo ósseo se dá mais pelas condições de assepsia e defesa da região do que osteoindução local.
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Correspondence:
Cleber Keiti Nabeshima
cleberkn@hotmail.com
Recebido em 08/09/2009
Aprovado em 20/03/2010