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    IJD. International Journal of Dentistry

      ISSN 1806-146X

    IJD, Int. j. dent. vol.9 no.2 Recife abr./jun. 2010

     

    ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

     

    Avaliação clínica dos níveis salivares de estreptococos mutans na fase preparatória do meio bucal em pré-escolares

     

    Clinical evaluation of salivary levels of streptococcus mutans of preschool children during preparation phase of oral environment

     

     

    Ana Cláudia Rodrigues ChibinskiI; Denise Stadler WambierII

    IDoutoranda em Clínica Integrada pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG); Professora Assistente - Departamento de Odontologia - Universidade Estadual de Ponta Grossa, Paraná, Brasil
    IIDoutora em Odontopediatria pela Universidade de São Paulo (USP); Professora Associada - Departamento de Odontologia - Universidade Estadual de Ponta Grossa, Paraná, Brasil

    Correspondência

     

     


    RESUMO

    Este estudo avaliou dois protocolos de adequação bucal através da análise do número de unidades formadoras de colônia (ufc) de S. mutans na saliva durante a fase preparatória do meio bucal. Vinte e oito crianças, com idades entre 3 e 4 anos, portadoras de atividade aguda de cárie, foram divididas, aleatoriamente, em 2 grupos, de acordo com o tratamento realizado: diaminofluoreto de prata (Grupo I) e diaminoff uoreto de prata e selamento cavitário com cimento de óxido de zinco e eugenol (Grupo II). Os níveis iniciais de biofilme dental e índice ceo-s foram obtidos por um examinador pré-calibrado. Amostras de saliva estimulada foram coletadas nos períodos inicial (PI), 24 horas (P24) e 7 dias (P7) pós-tratamento. Em ambos os grupos, o tratamento foi realizado por um único operador, especialista em odontopediatria, em sessão única. Comprovou-se homogeneidade da amostra no período inicial, quanto aos índices ceo-s e de placa bacteriana e níveis salivares bacterianos (p>0,05). Para o Grupo II, diferenças estatisticamente significativas foram observadas em todos os períodos de avaliação (p<0,01). Já no Grupo I, não se observou diferença entre PI e P7 (p>0,05). Os dois tratamentos reduziram significativamente o número de ufc de S. mutans, com maior redução nas 24 horas, sendo que após 7 dias, essa redução permaneceu significativa apenas no Grupo II. Assim, a associação proposta no Grupo II parece ser a mais efetiva na fase preparatória do meio bucal, principalmente em crianças que buscam atendimento em Saúde Pública.

    Palavras-chave: Streptococcus mutans; Cárie Dentária; Diamino Fluoreto de Prata.


    ABSTRACT

    This paper evaluated two protocols used during preparation phase of oral environment, through the analysis of colony-forming units of Streptococcus mutans in saliva. Twenty-eight children, 3-4 years old, with acute caries activity, were divided, randomly, in two groups, according to the accomplished treatment: silver diamine fluoride application (Group I) and silver diamine fluoride application associated with cavity sealing with zinc oxide/eugenol cement type II (Group II). A pre-calibrated operator got the initial levels of dental plaque, as well as dmf-s index. Stimulated saliva samples were collected at baseline (PI); 24 h ours (P24) and 7 days (P7) after treatment. In both groups, all the procedures involved in clinical treatment were done by a pediatric dentist, in only one appointment. The sample was homogeneous at the beginning of the study, when dmf-s index, plaque index and salivary level of Streptococcus mutans were considered (p>0,05). In Group II, statistical differences were found in all evaluation periods (p<0,01). In the other hand, Group I showed no differences between PI and P7 (p>0,05). It is concluded th at bot h protocols significantly reduced th e number of colony-forming units of Streptococcus mutans; the highest reduction took place in the first 24 h ours; ater 7 days, the reduction was still significant only for Group II; the association proposed in Group II treatment protocol seems to be the most effective form to prepare the oral environment for restorative treatment, specially for children to be treated in public health dentistry services.

    Key-words: Streptococcus mutans; Dental Caries; Silver Diamine Fluoride.


     

     

    INTRODUÇÃO

    A cárie é um processo dinâmico mediado pelo biofilme dental. Dentro desse "microcosmo", haverá predominância de determinadas espécies bacterianas em função de diferentes fatores, tais como composição e fluxo salivar, exposição à fluoretos, consumo de açúcares e hábitos de higiene1, portanto o tratamento da doença deve buscar um ponto de equilíbrio entre estes fatores, a fim de que a característica cariogênica do biofilme dental não prevaleça.

    É durante a fase preparatória do meio bucal que este objetivo é passível de concretização. Tal etapa consiste na adequação do meio bucal para receber o tratamento restaurador. Na grande maioria das vezes, basta a adoção de procedimentos simples, mas comprovadamente eficazes, para se criar o tempo necessário para a intervenção nos diferentes fatores responsáveis pela atividade de cárie, a fim de que um reequilíbrio se estabeleça. Falhas durante este processo ou, num quadro ainda mais crítico, a não execução desta etapa, certamente contribuem para o insucesso do tratamento restaurador, refletindo na diminuição da longevidade das restaurações e aumento no número de lesões recidivates e secundárias1, dando início ao tão comentado "ciclo restaurador repetitivo", conseqüência da odontologia cirúrgica-restauradora2.

    Este paradigma é particularmente verdadeiro ao se analisar os resultados do tratamento restaurador de pacientes infantis portadores de cárie aguda. Novas lesões aparecem em curto espaço de tempo (4 a 6 meses) após o tratamento restaurador "concluído" e a atividade da doença se mantém com índices de 23%3 a 57%4. Há ainda outro fato capaz de complicar ainda mais a resolução deste quadro: tais pacientes pertencem aos grupos populacionais menos favorecidos5. Este fenômeno, con hecido como polarização, consiste na concentração da maior parte das necessidades de tratamento (75% das lesões de cárie) em uma pequena parcela da população (25% das crianças)6.

    Deduz-se daí que tais pacientes têm acesso restrito ou nenhum acesso à odontologia privada e procurarão tratamento na Saúde Pública. Neste momento, o profissional se depara com várias barreiras a transpor: a rápida progressão da doença, as dificuldades de controle de comportamento do paciente e necessidade de reversão dos hábitos que geraram o quadro agudo da doença7. Acrescenta-se ainda os problemas inerentes à saúde pública, como a grande demanda8 ou as limitações materiais9-10.

    Portanto, a proposta de utilização de materiais de baixo custo e disponíveis em qualquer serviço odontológico como o cimento de óxido de zinco e eugenol e o diaminofluoreto de prata encontram nessa realidade uma indicação precisa.

    Após a avaliação individual do paciente, segundo sua necessidade, adotam-se os procedimentos de adequação bucal que devem incluir ações educativas e motivacionais para o controle do biofilme dental. Esses procedimentos, além de restabelecer o equilíbrio do meio bucal, auxiliam no condicionamento psicológico da criança que passa a aceitar com maior facilidade o tratamento odontológico que está por vir11.

    Nesta fase, a redução das bactérias cariogênicas é a peça chave, e pode ser "traduzida" como uma diminuição no número de bactérias do grupo mutans (Streptococcus mutans e Streptococcus sobrinus). Tais bactérias, devido ao seu potencial acidogênico, acidúrico e a capacidade de adesão ao dente, são consideradas os microorganismos deflagradores da atividade de cárie. A associação entre elevados níveis salivares ou no biofilme dental dessas bactérias e o aumento do risco à doença cárie foi demonstrada numa revisão sistemática12. Também são observados maiores índices de Streptococcus mutans em crianças portadoras de cárie de estabelecimento precoce quando comparadas a crianças sem esta condição13-14. Controlando-se os mutans, controla-se a atividade de cárie, melhorando também as condições para diagnóstico e elaboração de um plano de tratamento apropriado15.

    O diaminofluoreto de prata (cariostático) é um agente terapêutico extremamente acessível para uso em Saúde Pública, de fácil aplicação e alto impacto sobre a atividade de cárie. A composição básica do cariostático foi desenvolvida com a intenção de associar as ações antibacteriana da prata (coagulação de proteínas e inativação de enzimas bacterianas) e remineralizadora do flúor7. Redução na incidência de novas lesões cariosas, paralisação das lesões existentes e diminuição da atividade microbiana, foram resultados positivos verificados por Garbelini16; Bijella et al.17 e da Collina; Moreira; Barbosa18

    O selamento das cavidades abertas associado ao potencial já mencionado desse agente cariostático, acrescenta os benefícios da redução de nichos retentivos que permitem o acúmulo do biofilme dental. Com isto, o acesso do substrato essencial para a proliferação bacteriana torna-se limitado, possibilitando a resposta biológica do dente e manutenção da vitalidade pulpar19. O cimento de óxido de zinco e eugenol tipo II, um material de baixo custo e fácil manipulação, é útil para este fim.

    Assim, a presente pesquisa objetivou verificar a influência do selamento cavitário nos níveis salivares de estreptococos do grupo mutans, levando em conta que a aplicação isolada do cariostático, já poderia ser suficiente para controle do número dessas bactérias.

     

    MATERIAL E MÉTODOS

    Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG.

    A amostragem foi selecionada entre crianças que freqüentavam 5 creches municipais da cidade Ponta Grossa, Paraná, sendo examinadas aproximadamente 150.

    O exame visual, com auxílio de abaixadores de língua descartáveis e a entrevista com os responsáveis, permitiu a escolha de 28 crianças que atendiam os critérios de inclusão. Entre eles: idade de 3 a 4 anos, atividade de cárie e presença de pelo menos 3 lesões cavitadas em molares decíduos. Foram excluídas do estudo crianças sem atividade de cárie, sem o número mínimo de lesões cavitadas ou com elementos dentários com comprometimento pulpar, além de pacientes com problemas sistêmicos e/ou terapia com antibióticos.

    Amostras de saliva estimulada e os escores iniciais de biofilme dental foram obtidos antes dos pacientes receberam profilaxia profissional com escova de Robinson e pasta de pedra pomes e água, em clínica odontológica. A seguir, registrou-se o índice ceo-s. As superfícies cariadas e a quantidade de biofilme presente foram verificadas por um mesmo examinador, pré-calibrado e especialista em odontopediatria; os registros em ficha foram realizados por dois acadêmicos de Odontologia.

    Para obtenção das amostras de saliva estimulada, utilizou-se o método de Kohler e Bratthall20. As crianças foram orientadas a mastigar duas gomas sem sabor e sem açúcar e não deglutir a saliva formada. A primeira foi mastigada por 30 segundos e desprezada; a segunda, por 1 minuto para armazenar saliva no assoalho bucal. Depois, uma espátula de madeira foi introduzida no assoalho bucal e rodada 10 vezes a fim de impregná-la com saliva, sendo removida sob pressão labial para remover o excesso de saliva. Imediatamente, ambos os lados da espátula foram pressionados sobre o meio de cultura (agar mitis salivarius bacitracina - seletivo para estreptococos do grupo mutans) em placas de contato (Rodac-Difco) e estas foram levadas para a estufa bacteriológica a 37° C, em condições de microaerofilia, por 48 horas.

    A quantidade de biofilme dental foi registrada com base no índice de Higiene Oral Simplificado de Greene e Vermillion21, composto por 4 escores: 0 - nenhum resíduo ou mancha presente; 1 - placa cobrindo não mais do que 1/3 da superfície; 2 - placa cobrindo mais de 1/3, mas não mais do que 2/3 da superfície do dente; 3 -placa cobrindo mais do que 2/3 da superfície do dente. Foram examinadas as superfícies vestibulares de todos os dentes.

    Concluída esta primeira etapa, os pacientes foram divididos, aleatoriamente, em 2 grupos, de acordo com os protocolos de adequação bucal propostos: Grupo I -aplicação de diaminofluoreto de prata a 10% (Cariostatic - Inodon) e Grupo II - aplicação de diaminofluoreto de prata a 10% associado ao selamento cavitário com cimento de óxido de zinco e eugenol tipo II (IRM - Dentsply).

    Todos os procedimentos clínicos, seja no grupo I ou II, foram realizados em uma única sessão, em consultório odontológico e pelo mesmo profissional (especialista em Odontopediatria), auxiliado por dois acadêmicos de Odontologia.

    Novas amostras salivares foram obtidas 24 horas e 7 dias após concluídos os tratamentos. O número de colônias compatíveis morfologicamente com estreptococos do grupo mutans foi contado em uma área pré-determinada no centro de cada uma das impressões da espátula no meio de cultura. Em cada placa, o número de colônias por ml de saliva consistiu na média aritimética entre o total de colônias de cada impressão.

    A coleta de saliva foi realizada por um dos acadêmicos, enquanto que o outro ficou responsável pela leitura das placas. Essas foram marcadas com as letras A e B, sem identificação dos grupos.

    Para fins de análise estatística dos dados, os valores das unidades formadoras de colônias (ufc) de Streptococcus mutans foram tabulados através de escores pré-determinados (Tabela 1).

     

     

    O software estatístico GraphPad InStat, versão 3.06 para Windows (GraphPad InStat Software Inc., San Diego, EUA) foi empregado para análise estatística dos dados, com nível de significância de 0,05. O teste de Kruskall-Wallis foi utilizado para as comparações dos índices ceo-s, de placa e total de superfícies tratadas. As comparações entre os níveis salivares de estreptococos mutans foram realizadas com o teste estatístico paramétrico de comparações múltiplas de Tukey-Kramer.

     

    RESULTADOS

    A amostragem utilizada neste estudo demonstrou homogeneidade no momento inicial em todos os parâmetros testados. Não foram detectadas diferenças no índice ceo-s (Grupo I = 15,8 ± 13,4; Grupo II = 13,5 ± 6,1); no total de superfícies tratadas (Grupo I = 73; Grupo II = 74) ou no índice de placa inicial (p>0,05 - teste de Kruskall-Wallis).

    As médias e desvios padrão dos níveis salivares de estreptococos do grupo mutans nos Grupos I e II podem ser vistos no Gráfico 1.

     

     

    Observa-se que, no Grupo I houve diferença estatisticamente significativa entre os períodos inicial e 24 horas (p<0,001) e entre os períodos de 24 horas e 7 dias (p<0,01), mas quando comparados os períodos inicial e 7 dias, a diferença não foi significativa (p>0,05).

    No Grupo II, as diferenças foram significativas em todos os períodos analisados: período inicial e 24 horas (p<0,001), inicial e 7 dias (p<0,01) e 24 horas e 7 dias (p<0,01).

    A comparação entre os grupos não mostrou diferenças estatisticamente significativas em nenhum dos períodos avaliados (p>0,05) (Gráfico 1).

     

    DISCUSSÃO

    Ao se observar os níveis salivares de estreptococos do grupo mutans após selamento cavitário (Grupo II), verifica-se que este procedimento reduziu em 79% o total de estreptococos viáveis nas primeiras 24 horas pós-tratamento e 38% após 7 dias. Uma queda de 61% foi relatada por Rossi et al.22, 21 dias após adequação bucal. Todavia, no referido estudo, houve a associação do selamento com fluorterapia, uso de antimicrobiano e orientações de higiene e dieta.

    Quanto ao diaminofluoreto de prata, como comprovado pela presente pesquisa, seu uso isolado também promove redução dos níveis salivares de estreptococos mutans, contudo em menor grau do que quando associado com o selamento cavitário. Comparando-se com o momento inicial, as reduções foram de 67% nas primeiras 24 h e de 17%, 7 dias pós-tratamento, sendo que esta última não teve diferença estatística em comparação com os níveis obtidos no início da pesquisa.

    Uma vez que a amostra mostrou-se homogênea no início do estudo, quando condições diretamente relacionadas à doença cárie foram consideradas, como o índice de placa, número de superfícies cavitadas e níveis salivares de estreptococos mutans, optou-se por não intervir em outros fatores, como hábitos de higiene ou comportamentos dietéticos dos pacientes, assim como nenhum agente antimicrobiano ou remineralizador foi introduzido. Com isto, foi possível avaliar especificamente a ação dos protocolos testados. Houve impacto significativo nas duas formas de tratamento, sinalizado pela redução de bactérias cariogênicas, superior a 60%. No entanto, essa expressiva redução inicial não permanece e percebe-se nítida tendência de aumento e retorno aos níveis iniciais de estreptococos mutans, num curto período de tempo (Gráfico 1).

    Os resultados observados aqui, confirmam que o efetivo controle da doença cárie, a longo prazo, requer muito mais do que intervenções clínicas isoladas, mesmo que de alto impacto, contra seu principal agente etiológico. É preciso o continuado controle das variáveis associadas, com medidas que permitam o auto cuidado (controle de higiene bucal e dieta) e disponibilidade de fluoretos para mediarem o processo DES-RE.

    Deve-se salientar o papel do diaminofluoreto de prata, que pode ser considerado tratamento de alto impacto, atuando não apenas no componente microbiológico da cárie, mas também mediando a formação de fluoreto de cálcio e fluorapatita. A elevada concentração de flúor no cariostático garante uma profundidade de penetração no esmalte de aproximadamente 25um e uma retenção de flúor duas a três vezes maior do que em aplicações de fluoreto de sódio ou fluoreto estanoso23. Desta forma, associa-se a eliminação de bactérias (ação combinada da prata com altas concentrações de flúor) com controle do processo de desmineralização. O diaminofluoreto de prata torna-se, ao mesmo tempo, agente terapêutico e preventivo.

    Este método, pela alta concentração de fluoreto, terá ação imediata no controle da atividade de cárie durante a fase preparatória do meio bucal, mesmo quando o selamento cavitário não pode ser realizado, o que foi comprovado por esta pesquisa.

    É uma medida de ataque inicial, direcionada a pacientes com atividade aguda de cárie em situações específicas, como por exemplo, bebês e pré-escolares, cujo comportamento pode ser difícil de gerenciar pelo clínico geral em nível de saúde pública. Pela facilidade de aplicação e objetivo de uso, poderia ser comparado ao verniz fluoretado, no entanto, mostra-se superior no que diz respeito à redução no nível salivar de estreptococos do grupo mutans18 e também na paralisação de lesões de cárie em dentes decíduos24.

    Durante a fase de manutenção, poderá ser utilizado para prevenir o aparecimento de novas lesões, como demonstrado por Llodra et al.25, que verificaram que o número de novas lesões em dentes decíduos e primeiros molares permanentes foi significativamente reduzido, após 36 meses, com aplicações semestrais da solução cariostática a 38%.

    É impossível deixar de citar um efeito indesejável e muito comentado do diaminofluoreto de prata - o escurecimento dentário - que ocorre em função da deposição de fosfato sulfito de prata, dando origem a uma camada escurecida, dura, impermeável e cárie-resistente na superfície do dente26. Outro efeito adverso seria uma possível toxicidade para a polpa, já que os íons prata têm a capacidade de penetrar nos túbulos dentinários e chegar ao tecido pulpar, causando graus variados de inflamação27.

    Todavia, há meios de gerenciar tais efeitos. O potencial inflamatório para o tecido pulpar pode ser evitado com o uso de soluções em concentração baixa27-28, como a utilizada neste estudo, e o escurecimento dentário pode ser revertido tão logo haja reequilíbrio do meio bucal e possibilidade da realização de um procedimento restaurador estético. Há ainda a possibilidade da aplicação de iodeto de potássio após o diaminofluoreto de prata para evitar o escurecimento dentário, o que aparentemente não altera a ação do cariostático29-30.

    Considerando-se, portanto, os indicadores individuais de risco e atividade da doença e a necessidade de se estabelecer programas que efetivamente traem a doença e não seus sinais e sintomas, pode-se optar por um ou outro protocolo em função da situação clínica presente no momento do exame, já que há evidências que suportam tanto o uso isolado quanto a associação de diaminofluoreto de prata e selamento cavitário com cimento de óxido de zinco e eugenol tipo II durante a fase preparatória do meio bucal. Todavia, o selamento cavitário parece acrescentar efeitos benéficos e bastante desejáveis, particularmente no que diz respeito à eliminação de nichos para crescimento bacteriano, o que se refletiu nos resultados desta pesquisa, pela manutenção de níveis salivares mais baixos de estreptococos por um maior período de tempo.

     

    CONCLUSÕES

    A partir dos dados obtidos neste trabalho, é possível concluir que:

    • os dois tratamentos reduziram significativamente o número de ufc de estreptococos do grupo mutans;

    • a redução foi maior nas 24 horas iniciais;

    • após 7 dias, a redução bacteriana se manteve significativa apenas no Grupo II;

    • a associação proposta no Grupo II está indicada para uso em Saúde Pública durante a fase preparatória do meio bucal em crianças.

     

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    Correspondência:
    Ana Cláudia Rodrigues Chibinski
    Avenida Anita Garibaldi, 1661, casa 38 B
    Vila Órfãs - CEP 84015-903
    Ponta Grossa - Paraná - Brasil
    e-mail: chibinski@br10.com.br

    Recebido em 29/03/2010
    Aprovado em 02/06/2010