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IJD. International Journal of Dentistry

versão On-line ISSN 1806-146X

IJD, Int. j. dent. vol.9 no.4 Recife Out./Dez. 2010

 

REVISÃO DE LITERATURA REVIEW ARTICLE

 

Considerações sobre a remoção parcial do tecido cariado

 

Considerations of partial caries removal

 

 

Natália Costa AraújoI; Manuella Uilmann Silva da Costa SoaresI; Marcela Maria Nery da SilvaII; Marleny Elizabeth Márquez de Martínez GerbiIII; Rodivan BrazIV

IAluna do Doutorado em Odontologia, área de concentração em Dentística, Faculdade de Odontologia de Pernambuco,  Universidade  de Pernambuco, Camaragibe, Pernambuco, Brasil
IIAluna do Mestrado em Odontologia, área de concentração em Dentística, Faculdade de Odontologia de Pernambuco,  Universidade  de Pernambuco, Camaragibe, Pernambuco, Brasil
IIIProfessora Doutora, Disciplina de Implante, Faculdade de Odontologia de Pernambuco,  Universidade  de Pernambuco, Camaragibe, Pernambuco, Brasil
IVProfessor Doutor, Disciplina de Dentística, Faculdade de Odontologia de Pernambuco,  Universidade  de Pernambuco, Camaragibe, Pernambuco, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

A remoção mecânica do tecido cariado e sua substituição por materiais restauradores há muito tem sido praticada. No entanto, essa técnica apresenta a possibilidade de extensão da cavidade e exposição da polpa, sendo difícil avaliar exatamente o quanto de dentina deve ser removida. O capeamento pulpar indireto consiste da remoção parcial da cárie seguido da restauração definitiva do elemento dentário. Nesse método, os microorganismos remanescentes do tecido cariado tornam-se inviáveis devido à perturbação do biofilme e ao isolamento da cavidade. O presente trabalho teve como objetivo analisar a possibilidade de sucesso do capeamento pulpar indireto e avaliar quais materiais dentários estão indicados para utilização nessas circunstâncias. Realizou-se um levantamento bibliográfico de janeiro de 2009 a janeiro de 2010 nas bases de dados Medline, Pubmed, Lilacs e Scielo, utilizando os seguintes descritores: "stepwise excavation", "partial caries removal", "dental pulp capping" e "biocompatible materials". Foram incluídos artigos com base na temática proposta (remoção parcial do tecido cariado e capeamento pulpar indireto) e assuntos relacionados (tratamento expectante). Pôde-se inferir que o capeamento pulpar indireto é exequível e deve ser considerado para o controle de lesões cariosas agudas e profundas. Os materiais dentários usualmente indicados para serem associados a esta técnica são os cimentos de hidróxido de cálcio e o de ionômero de vidro. Porém, desde que a restauração sele eficazmente a cavidade do meio bucal externo, independente do material capeador utilizado, não haverá a progressão da lesão cariosa e sim a sua inativação.

Palavras-chave: Tratamento expectante. Remoção parcial da cárie. Capeamento da polpa dentária. Materiais biocompatíveis.


ABSTRACT

The mechanical removal of carious tissue and its replacement by restorative materials has long been practiced. However, this technique presents drawbacks such as the possibility of increase the size of the cavity and exposure of the pulp, being difficult to assess exactly how much of dentin should be removed. Indirect pulp capping is a technique of partial caries removal followed by the final restoration of the tooth. In this method, microorganisms remaining of decay tissue become unviable due to the disturbance of the biofilm and cavity isolation. The aim of this study was analyze the possibility of success of indirect pulp capping and evaluate which dental materials are suitable for use in such circumstances. Literature review from January 2009 to January 2010 was conducted in Medline, PubMed, Lilacs and Scielo databases using the following keywords: "stepwise excavation", "partial caries removal", "dental pulp capping" and "biocompatible materials". Articles based on the proposed and related topics were included (partial caries removal, indirect pulp capping and stepwise excavation). It was concluded that indirect pulp capping is feasible and should be considered for acute and deep carious lesions control. The dental materials usually associated with this technique are the cements of calcium hydroxide and glass ionomer, however, effectively tooth sealing arrests lesion progression independent of the capping material used. There is no development of the carious lesion, but its inactivation.

Key-words: Stepwise excavation. Partial caries removal. Dental pulp capping. Biocompatible materials.


 

 

INTRODUÇÃO

A cárie dental é uma doença multifatorial cuja destruição progressiva patológica do dente por microorganismos bucais, afeta indivíduos em todas as idades, culturas, etnias e classes socioeconômicas1.

Os resultados das condições de saúde bucal da população brasileira entre os anos de 2002 e 2003 mostram que a prevalência da cárie dentária de uma forma geral é alta.

Apesar do índice de dentes cariados, perdidos e obturados (CPO-D) médio da população de 12 anos ter reduzido significativamente de 7,8 para 2,8 (1980-2003). Foi observado que o valor modal do CPO-D é 32 nas faixas etárias de 35 a 44 e 65 a 74 anos, indicando um crescimento vertiginoso das seqüelas da cárie dentária2.

A cárie dentária é a maior responsável pela perda de dentes em todas as idades. Portanto, é importante instituir formas simples e eficazes de tratamento. Durante muitos anos, preconizou-se que o tratamento restaurador deveria consistir na remoção de toda dentina cariada e esmalte sem suporte, em função das características do material restaurador e pela intenção de eliminar a doença3. Entretanto, com o conhecimento mais apurado da etiologia da doença cárie e o surgimento dos materiais adesivos, vem se buscando desenvolver uma abordagem terapêutica mais conservadora. A Odontologia minimamente invasiva compreende o correto diagnóstico da atividade da doença do paciente, o seu tratamento e estratégias de prevenção e manutenção da saúde bucal. Quando o tratamento restaurador se faz necessário, especialmente em cavidades profundas, a remoção do tecido cariado é uma importante etapa. A remoção total da lesão de cárie pode resultar em exposição do tecido pulpar, o que requer tratamentos mais invasivos e manipulação direta deste tecido. Atualmente, a remoção parcial do tecido cariado objetivando a manutenção da integridade da polpa tem sido considerada como a terapia de escolha no tratamento de lesões agudas e profundas, desde que certos princípios de diagnóstico sejam respeitados. O capeamento pulpar indireto é um procedimento clínico que se baseia no mecanismo de defesa do complexo dentino-pulpar para alcançar nível de sucesso adequado4.

Como as alterações pulpares em lesões de cárie precedem a invasão de bactérias, a primeira reação da polpa não é degenerativa, mas sim de produção de dentina. Esta reação de defesa é a formação de dentina reparadora e obliteração dos túbulos dentinários. Clinicamente, observa-se escurecimento e endurecimento da dentina à medida que o preparo da cavidade se aprofunda. A partir desses achados se deduz que não há a necessidade da completa remoção da dentina cariada5.

Desde 1943, estudos como o de Besic6 evidencia que a lesão cariosa estaciona gradual ou definitivamente assim que ela é isolada do meio bucal. A remoção parcial do tecido cariado seguido do selamento definitivo da cavidade é capaz de paralisar o processo carioso e possibilitar uma remineralização da dentina cariada residual7,8.

A pertubação do biofilme afeta a aderência, o metabolismo e a reprodução dos microorganismos ocasionando a diminuição da desmineralização dentinária e da inflamação pulpar. O isolamento das bactérias do meio bucal provoca a paralisação da lesão cariosa e os microorganismos remanescentes não causam o insucesso do tratamento restaurador9.

A Dentística Restauradora moderna visa criar um ambiente favorável para a paralisação do processo carioso, com a mínima intervenção operatória possível. A remoção parcial da cárie seria uma opção na busca por tratamentos e materiais que facilitem a reabilitação estética e funcional dos pacientes dentro do contexto da promoção de saúde bucal.

O presente trabalho teve como objetivo analisar a possibilidade de realizar o capeamento pulpar indireto, além de avaliar quais materiais dentários estão indicados para utilização nessas circunstâncias. Realizou-se um levantamento bibliográfico de janeiro de 2009 a janeiro de 2010 nas bases de dados Medline, Pubmed, Lilacs e Scielo, utilizando os seguintes descritores: "stepwise excavation", "partial caries removal", "indirect pulp capping" e "biocompatible materials". Foram incluídos artigos com base na temática proposta (remoção parcial do tecido cariado e capeamento pulpar indireto) e assuntos relacionados (tratamento expectante).

 

REVISÃO DA LITERATURA

O desenvolvimento de técnicas preventivas da doença cárie e o aperfeiçoamento  dos  materiais restauradores, principalmente com relação às técnicas adesivas, têm possibilitado a confecção de preparos cavitários mais conservadores, preservando ao máximo a estrutura dental. Esse fato propiciou o surgimento de novas técnicas de confecção do preparo cavitários e de tratamento10.

Nesse contexto, uma terapêutica sugerida, em lesões de cárie profunda com grande risco de exposição pulpar ao se remover toda a dentina cariada, é o tratamento expectante que se propõe a reduzir este risco de exposição na primeira escavação e ocasionar reações fisiológicas no complexo dentino-pulpar5.

A capacidade de reação de defesa natural contra o ataque da cárie do elemento dental é caracterizada pela formação de dentina reparadora na polpa e pela esclerose dos túbulos afetados. Essa reação de defesa é concomitante com a paralisação da progressão da lesão, o que causa diminuição da permeabilidade dentinária. Em um ataque rápido, a dentina e a polpa não têm tempo para completar a reação de defesa. A lesão de cárie ativa resulta em um aumento da permeabilidade, o que pode causar dor e a exposição da polpa. O objetivo do tratamento clínico deverá ser paralisar as lesões ativas antes da colocação de materiais restauradores definitivos11.

A técnica para realização do tratamento expectante compreende uma primeira escavação que objetiva retirar a biomassa cariogênica da cavidade com a remoção superficial da dentina cariada infectada da parte central da lesão e completa remoção da parte periférica. Em seguida, a cavidade é selada provisoriamente. O processo patológico no tecido remanescente, sob um novo ambiente, permite maior deposição de dentina secundária, diminuição dos microorganismos  presentes  e remineralização da lesão que é constatada através do aumento da quantidade de fósforo e da modificação da coloração e consistência da dentina remanescente que se tornam similar a de lesões inativas. Essa técnica preconiza a reabertura do dente em um período variável de 45 dias a 2 anos e remoção total de todo tecido desmineralizado12,13.

Maltz et al.13 em um estudo clínico de tratamento expectante com 32 pacientes, verificaram que, após o período de 6 a 7 meses, a dentina remanescente das cavidades nas quais houve remoção parcial da cárie apresentou alteração de coloração, ficando mais escurecida e com consistência endurecida em 80% dos casos. Além disso, houve expressiva diminuição dos lactobacilos e estreptococos do grupo mutans durante o período de tratamento, significando que a produção de ácidos foi diminuída consideravelmente, contribuindo para a paralisação da lesão de cárie.

Apesar da vantagem de evitar a exposição pulpar durante a remoção da dentina cariada em lesões profundas, o tratamento expectante traz consigo algumas desvantagens: os procedimentos mecânicos utilizados para reabrir a cavidade e para remover o remanescente de dentina cariada podem aumentar o risco de exposição, além de submeter o paciente a um procedimento clínico adicional14.

No entanto, ao se avaliar a prevalência de exposição pulpar depois do tratamento expectante e se comparar com a remoção completa da dentina cariada em um só momento, Leksell et al.15 constataram que a polpa foi exposta em 40% dos casos de remoção total da dentina cariada e em apenas 17,5% nos que realizaram o tratamento expectante. Os autores constataram que em circunstâncias de lesões de cárie profunda é recomendada a técnica de remoção parcial da dentina cariada.

A grande dificuldade na remoção da cárie está em determinar quando interromper a escavação, ou seja, definir clinicamente quanto tecido precisa ser realmente removido16. A lesão cariosa subdivide a dentina em duas camadas que são substancialmente diferentes do ponto de vista morfológico, bioquímico, bacteriológico e fisiológico: uma porção externa (infectada), que se apresenta irreversivelmente desnaturada, não passível de remineralização e que deve ser removida durante o procedimento restaurador; e uma camada mais profunda (contaminada), que se mostra reversivelmente desnaturada e passível de remineralização, devendo ser preservada17.

A dureza superficial é o método mais utilizado pelos profissionais para a remoção de dentina cariada e apresenta vantagens, tais como permitir a remoção da dentina desorganizada ou infectada e oferecer uma forma de resistência ao preparo cavitário, uma vez que a dentina remanescente não estará amolecida e não se deslocará após a confecção da restauração. No entanto, este método não permite a distinção entre a camada infectada e a profunda, fazendo com que, muitas vezes, o profissional, utilizando uma colher de dentina bem afiada, remova a camada não infectada3.

A invasão bacteriana pode ocorrer até em dentina saudável, sem, entretanto, produzir modificação visível. Uma completa eliminação dos microorganismos dos túbulos dentinários é muito difícil de ser realizada com os procedimentos de que se dispõe atualmente. O remanescente bacteriano da dentina não amolecida não é capaz de produzir a progressão de uma lesão desde que a cavidade esteja devidamente selada, impedindo o contato com o meio externo6,18.

Maltz et al.19 compararam mudanças microbiológicas, em relação à contagem de anaeróbio, aeróbio, lactobacilos e estreptococos mutans, após a remoção convencional de dentina cariada e remoção incompleta de cárie seguida de selamento durante seis e sete meses. Observou-se que remoção incompleta de cárie seguida de selamento diminuiu a quantidade de bactérias viáveis mais efetivamente que remoção convencional da cárie.

Diante disso, estudos vêm comprovando que o tratamento de lesões cariosas profundas pode ser realizado em uma só sessão, com a colocação da restauração definitiva mesmo sem a completa remoção da dentina cariada13,14. O capeamento pulpar indireto, como é definida esta abordagem terapêutica, está baseado no fato que a perturbação do biofilme, afeta além da aderência bacteriana, o metabolismo e a reprodução, ocasionando a diminuição na produção do ácido responsável pela desmineralização dentinária e inflamação pulpar20.

Em relação ao tipo de material a ser colocado diretamente sobre a dentina desmineralizada, o hidróxido de cálcio é o mais tradicionalmente empregado13,20. Este material possui propriedades biológicas resultantes de sua natureza alcalina, colocado sobre a dentina desmineralizada reduz o número de bactérias remanescentes20, 21. Maltz et al.13 demonstraram uma redução do número total de microorganismos após 6-7 meses do tratamento inicial com cimento de hidróxido de cálcio.

Entretanto, existe a viabilidade de se utilizar diferentes materiais como o ionômero de vidro22 e os compósitos18.

Os cimentos ionoméricos apresentam aceitável biocompatibilidade quando aplicados em cavidades profundas23 e boas propriedades antibacterianas atribuídas à capacidade de liberação de íons flúor e ao seu baixo pH inicial24. Complementarmente, o bom selamento marginal deste material irá restringir substrato para o desenvolvimento dos microorganismos25.

Marchi et al.22 avaliaram as mudanças clínicas e radiográficas de dentes decíduos submetidos ao tratamento expectante. A amostra foi dividida em dois grupos de acordo com o material usado para proteção do complexo dentino-pulpar (1) cimento de hidróxido de cálcio - Dycal e (2) cimento de ionômero de vidro - Vitremer. Após 48 meses, o grupo 1 obteve uma taxa de sucesso de 88,8% e grupo 2 de 93% sem diferença estatisticamente significante entre os grupos. Sugerindo que o tratamento expectante paralisa a progressão da cárie independente do material forrador utilizado.

Em restaurações adesivas, a formação da camada hibrida e o selamento dos túbulos faz com que a aplicação de um agente bactericida possa ser questionada26. Adicionalmente, pesquisas demonstram que o próprio ácido fosfórico é um agente bactericida27 e, desse modo, não haveria a necessidade do uso de desinfetantes, evitando uma etapa operatória adicional. Com o advento do condicionamento ácido e dos compósitos, os quais melhoraram a capacidade de selamento marginal das restaurações, houve a formação de barreiras físicas para a diminuição do aporte de nutrientes para as bactérias e o incremento de novos microorganismos, os quais circulam juntamente com o fluido na interface dente/material restaurador18.

Mertz-Fairhurst et al.18 analisaram a progressão da cárie após a colocação imediata de sistema adesivo e resina composta depois da remoção parcial da dentina cariada. Observou-se que embora os compósitos não possuam propriedades que estimulem à formação dentinária, a desorganização do biofilme e o isolamento do meio externo foram o suficiente para a paralisação do processo carioso. Porém, a utilização de materiais resinosos para tal propósito deve ser ainda considerada de maneira muito cuidadosa, uma vez que existe evidência científica de que sistemas adesivos aplicados em cavidades profundas não apresentam biocompatilibidade aceitável28.

Complementarmente, a associação de antibióticos aos materiais dentários com o objetivo de esterilizar a dentina residual vem sendo avaliada29,30.

O metronidazol é efetivo contra cocos e bacilos anaeróbios; o cefaclor apresenta ação contra bactérias aeróbicas Gram-positivas e Gram-negativas; e a ciprofloxacina é eficaz contra cocos Gram-negativos e micobactérias, porém apresenta pequena ação contra Streptococcus e anaeróbicos31. Dessa forma, partindo do princípio de que a microbiota da lesão de cárie dentinária contém bactérias anaeróbicas facultativas e obrigatórias, bactérias Gram-negativas, bastonetes e cocos Gram-positivos, fica clara a necessidade da associação de agentes antimicrobianos32.

Através da contagem do total de bactérias viáveis e da microscopia eletrônica de varredura, Pinheiro et al.33, avaliaram o comportamento da dentina infectada após o selamento com cimento de ionômero de vidro associado a 1% de metronidazol, 1% de ciprofloxacina e 1% de cefaclor. Observou-se que a associação do ionômero de vidro com antibióticos, apresentou uma redução da microbiota da dentina infectada significativamente maior, quando comparado com o cimento ionomérico convencional.

Dentre os estudos que controlaram a lesão de cárie com materiais distintos, destacam-se os estudos de Corralo34 e Bressani35. Corralo34 avaliou o efeito do cimento de hidróxido cálcio, do cimento de ionômero de vidro e de um placebo (cera) sobre o comportamento biológico da dentina cariada e presença bacteriana após o tratamento expectante. Constatou-se que a remoção parcial de dentina cariada e selamento resultaram em maior grau de dureza da dentina, redução da presença bacteriana e reorganização da estrutura dentinária independente do material forrador utilizado. Assim, não obstante todas as propriedades desejáveis do cimento de hidróxido de cálcio e do cimento de ionômero de vidro, a paralisação da lesão cariosa aconteceu mesmo com um material inerte como a cera. Ratificando estes resultados, Bressani35 também analisou a correlação entre coloração, consistência e contaminação da dentina cariada, antes e 90 dias após a remoção parcial do tecido cariado, utilizando como material capeador um material inerte (cera) e o cimento de hidróxido. Observou-se que ambos os materiais foram capazes de reduzir significativamente a contaminação da dentina após o tratamento, demonstrado que o objetivo principal da técnica de remoção parcial do tecido cariado foi atingido, sugerindo não ser uma técnica material dependente.

Assim, a interferência nas condições ambientais,  por  parte  da remoção parcial da dentina cariada e selamento da cavidade, provoca a perturbação e isolamento do biofilme fazendo com que as bactérias remanescentes não promovam a progressão da lesão independente do material escolhido para colocação sobre a dentina remanescente.

 

DISCUSSÃO

É necessário remover todo tecido cariado de lesões próximas da polpa? Embora exista uma substancial evidência que não, a maioria dos profissionais continua a seguir princípios clássicos de G. V. Black36 que afirmam que é melhor expor a polpa de um dente do que deixá-la coberta apenas com dentina amolecida. Apesar de diversas pesquisas atualmente publicadas contra-indicarem tal procedimento, ainda não está claro para uma grande parte dos profissionais que conduta deve ser seguida diante dessas circunstâncias.

Recentemente, a maioria dos entrevistados, em uma pesquisa sobre este tema, afirmou que removeriam todo o tecido cariado mesmo se o procedimento envolvesse risco de exposição pulpar. Apenas um em cada cinco profissionais optaria por realizar a remoção parcial da cárie e uma fração ligeiramente superior iniciaria o tratamento endodôntico do paciente37. Em outro estudo, a maioria dos entrevistados optou por realizar uma pulpotomia como o tratamento de escolha em uma situação semelhante38.

Algumas das melhores evidências para uma prática racional da remoção parcial da cárie são encontradas em estudos sobre a técnica relacionada ao tratamento expectante. A literatura sobre o tratamento expectante relata consistentemente que a dentina cariosa residual, sob as restaurações provisórias, diminui e endurece no intervalo entre a primeira escavação e a reabertura5,20,39,40. Porém, se o objetivo do procedimento é evitar exposição pulpar e a dentina cariada residual não representa qualquer ameaça para o elemento dental, por que submeter o paciente a uma nova escavação?

Após a escavação inicial e o selamento da cavidade, o processo reparador de esclerose tubular e de deposição de dentina terciária é incentivado. Os microorganismos residuais estão agora em um ambiente muito diferente e sua persistência é irrelevante. Eles serão sepultados pelo selamento da restauração e pela redução da permeabilidade da dentina remanescente. Assim, a aparente irrelevância da dentina infectada é biologicamente lógica, pois o processo carioso é conduzido pela atividade do biofilme12. Diante disto, a primeira etapa do tratamento expectante, ou seja, remoção apenas da camada superficial, necrótica e fragmentada da parede de fundo da cavidade e remoção total das paredes circundantes já é suficiente para evitar a progressão do tecido cariado e pode ser usado de forma definitiva14.

O capeamento pular indireto representa essa modalidade terapêutica que trata lesões cariosas profundas em uma só sessão, com a colocação do material restaurador definitivo mesmo sem a completa remoção da dentina cariada.

Estudos desenvolvidos com o objetivo de avaliar as características da dentina intencionalmente deixada abaixo das restaurações observaram a predominância de uma dentina escura e endurecida e/ou menos infectada após a remoção parcial do tecido cariado, evidenciando um processo de inativação da lesão cariosa14,20,22,34,35.

O sucesso desta técnica é constatado através de evidências clínicas, microbiológicas15,20,22,34,39  e radiográficas14,22. Ressalta-se que o elevado índice de sucesso clínico e radiográfico obtido com o capeamento pulpar indireto está diretamente relacionado com um diagnóstico cuidadoso da condição pulpar baseado na história de dor e sintomas reportados pelo paciente associado aos achados clínicos e radiográficos. Presença de fístula ou edema, mobilidade não compatível com o grau de rizólise, relato de dor espontânea ou noturna, alteração na radiopacidade na zona de furca ou periápice e reabsorções patológicas da raiz são critérios devem ser cuidadosamente observados previamente à execução do procedimento41. Adicionalmente, a obtenção de um bom selamento marginal proporcionado por uma restauração adesiva também é imprescindível para o êxito da terapia.

Outro fator a ser considerado para o sucesso da terapia é a idade do paciente. Tratamentos conservadores, como o capeamento pulpar indireto, são mais indicados para pacientes jovens. Pois, sabe-se que a resposta biológica pulpar fica mais lenta e reduzida com o decorrer dos anos devido a uma diminuição do conteúdo celular, do volume da câmara pulpar e do suprimento vascular42.

A remoção parcial da dentina cariada está fundamentada em evidências biológicas com base científica. Os critérios clínicos utilizados para a remoção de lesões cariosas, como dureza ou coloração, não asseguram a ausência de bactérias na cavidade mesmo após a remoção total do tecido cariado. Porém, após ser isolada do meio oral através do selamento da cavidade, as bactérias remanescentes não promovem a progressão da lesão14.

Conforme demonstrado em vários estudos6,14,18,19, mesmo quando a remoção total da dentina cariada é realizada, microrganismos ainda permanecem no interior de alguns túbulos dentinários, o que demonstra que a invasão bacteriana deste tecido sempre precede as alterações morfológicas visíveis clinicamente, especialmente a sua desmineralização. Entretanto, quando o tecido cariado é parcialmente removido, um elevado número de bactérias ainda estará presente na dentina deixada na porção mais profunda da cavidade, o que torna imprescindível que o material aplicado sobre esta dentina apresente propriedades antibacterianas43. Alguns autores sugerem o uso de substâncias desinfetares, como a clorexidina, no preparo cavitário após a remoção da dentina cariada44. No entanto, embora essas soluções sejam antimicrobianas, possuem uma ação limitada, uma vez que são aplicadas na cavidade por um curto período de tempo3.

Os taxas de sucesso do capeamento pulpar indireto utilizando o cimento de hidróxido de cálcio varia de 92 a 97% 13,15,21. Demonstrou-se que este material associado a um bom selamento marginal promove uma diminuição da progressão da lesão cariosa através de uma reação fisiológica do complexo dentina-polpa que induz a esclerose tubular e a formação de dentina secundária 13.

Um índice de sucesso similar ao do cimento de hidróxido de cálcio é conseguido quando se utiliza o cimento de ionômero de vidro como material capeador22,34. Sugere-se que o êxito do controle da lesão de cárie com este material está relacionado principalmente com suas propriedades antibacterianas24 e sua adesividade química à estrutura dental25.

Até mesmo procedimentos adesivos, potencialmente irritantes ao complexo dentina-polpa devido ao condicionamento ácido que aumenta a permeabilidade dentinária e à incompatibilidade biológica dos monômeros adesivos28, são capazes de promover um bom selamento marginal através da formação da camada híbrida e evitar a progressão da cárie dental18.

Assim, observa-se que o cimento de hidróxido de cálcio é o material capeador mais tradicionalmente utilizado para a técnica do capeamento pulpar indireto devido às suas propriedades antimicrobianas e a sua capacidade de estimular a formação de tecido mineralizado13,20,21. Apesar disto, vários estudos demonstram que o sucesso da terapia independe do material a ser empregado sobre a dentina remanescente. O complexo dentino-pulpar é capaz de reagir positivamente somente com o isolamento da lesão de cárie do meio ambiente bucal, sem a interferência do material capeador18,22,34,35.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A remoção parcial do tecido cariado por meio da técnica do capeamento pulpar indireto é uma possibilidade e deve ser considerada para o controle de lesões agudas e profundas. Através deste tratamento é possível obter a manutenção da integridade do órgão pulpar, pois a aplicação de um material capeador seguido do selamento da cavidade tem a finalidade de promover a recuperação deste tecido. O material de uso clássico na técnica do capeamento pulpar indireto é o cimento de hidróxido de cálcio. Porém, a perturbação e isolamento do biofilme do meio bucal faz com que as bactérias residuais não promovam a progressão da lesão independente do material escolhido para colocação sobre a dentina remanescente.

 

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