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IJD. International Journal of Dentistry

versão On-line ISSN 1806-146X

IJD, Int. j. dent. vol.9 no.4 Recife Out./Dez. 2010

 

RELATO DE CASO CASE REPORT

 

Resolução clínica de perfuração radicular através de selamento com agregado de trióxido mineral (MTA)

 

Clinical resolution of root perforation through sealing with mineral trioxide aggregate (MTA)

 

 

Luiz Fernando Machado SilveiraI; Gustavo Timm CavalheiroII; Heverson Luiz da Costa RebelloII Josué MartosI

IProfessor de Clínica da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel)
IIAcadêmico da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel)

Correspondência

 

 


RESUMO

As perfurações localizadas no perímetro apical durante a instrumentação endodôntica estão relacionadas com a negligência ou desconhecimento das variações anatômicas internas do elemento dental. Descreve-se um caso clínico de perfuração no terço médio da raiz, onde o tratamento inicial foi baseado na descontaminação e selamento da comunicação intraconduto com MTA, e finalizado com vedamento da perfuração apenas com guta -percha e cimento endodôntico. A proservação no período de 12 meses apresentou uma reabilitação satisfatória associada à saúde periodontal da área. Pode-se concluir que o selamento da perfuração apresentou um resultado satisfatório destacado pelo excelente reparo.

Palavras-chave: Endodontia; Guta-Percha; Terapia Combinada


ABSTRACT

Perforations located in the apical perimeter during endodontic instrumentation are related to negligence or ignorance of internal anatomical variations of the dental root canal. We describe a case report of perforation in the middle third of the root, where the initial treatment was based on the decontamination and sealing the cavity of perforation with aggregate mineral trioxide (MTA), and finished with sealing the root perfora tion with gutta-percha and root canal sealer. The clinical control of 12 months presented a satisfactory rehabilitation associated with periodontal health of area. It can be concluded that sealing the perforation had an outcome highlighted by excellent repair.

Key words: Endodontics, Gutta -Percha, Combined Modality Therapy.


 

 

INTRODUÇÃO

O tratamento endodôntico, algumas vezes, está associado com circunstâncias intercorrentes e imprevisíveis. Dentre os acidentes de procedimento destacam-se as perfurações radiculares, que são comunicações causadas por instrumentos manuais ou rotatórios, indesejáveis por comunicarem o endodonto com os tecidos de suporte dentários1-3.

As perfurações endodônticas de caráter iatrogênico estão relacionadas com a negligência em relação ao conhecimento anátomo-radiográfico das possíveis variações anatômicas do elemento dental como espessura das paredes dentinárias e curvaturas radiculares, assim como na especificidade da seleção do caso a ser tratado4-6. Além disso, a modelagem inadequada durante a instrumentação dos canais radiculares podem levar à lacerações além de perfuração na área de furca e no terço a pical8.

As perfurações localizadas tanto na região de furca como no terço cervical possuem um prognóstico duvidoso devido a proximidade do epitélio juncional e a possibilidade de migração deste epitélio formando uma bolsa periodontal6,8. O emprego do Agregado Trióxido Mineral (MTA), nestes casos, tem se comportado como um material de reparo ideal, tornando-se a primeira escolha dentre os diversos materiais utilizados no selamento direto9-13. O MTA possui como vantagens uma excelente capacidade seladora (prevenindo a infiltração bacteriana), a biocompatibilidade, o reparo do periodonto e a formação de cemento sobre o defeito14-19.

Contudo, apesar das inúmeras vantagens de um material considerado adequado como o MTA, estes requerem uma criteriosa e cuida dosa manipulação e inserção. Tal fato pode aumentar o grau de dificuldade ou até mesmo impossibilitar sua utilização, como nos casos de canais estreitos e/ou com acentuada curvatura, principalmente, em regiões próximas da zona apical.

O presente trabalho relata um caso clínico de selamento de perfuração radicular pela via intraconduto.

 

CASO CLINICO

Paciente D.R.T.H. do sexo feminino, 49 anos, foi encaminhada para atendimento na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Pelotas para realização de um exame clínico oral. Quando interrogada sobre sua queixa principal, a paciente relatou que sentira, havia uns 5-6 meses, uma dor em um dente com canal tratado, que se intensificava na mastigação; naquele momento, porém, não apresentava nenhum sinal de dor. Um laudo radiográfico cuja tomada ocorrera no ano anterior, mostrava uma lesão radiolúcida de cerca de 1 cm que se estendia do ápice radicular até terço médio e distal da raiz do segundo pré-molar superior direito (15), sendo atribuído naquelas circunstâncias como causa da lesão a má obturação do canal radicular (Figura 1a).

 

 

Ao exame clínico-periodontal, verificou-se que a paciente apresentava gengivite marginal devido a falhas na sua higiene dentária, principalmente nos espaços interdentais, sem qualquer associação com a lesão evidenciada na radiografia. Um exame radiográfico atualizado revelou pouca ou nenhuma alteração em suas características radiográficas (Figura 1b).

Ficou estabelecido como plano de tratamento uma intervenção periodontal básica além do retratamento endodôntico do referido dente. O retratamento endodôntico foi iniciado com uma remoção de restauração e reabertura coronária no dente 15, com pontas diamantadas esféricas em alta rotação e sob refrigeração ar/água até visualização do material obturador radicular, composto por cones de guta-percha e cimento endodôntico. Para a remoção dos primeiros 4mm de guta-percha foram empregadas brocas Gates-Glidden (Maillefer/Dentsply, Ballaigues, Switzerland) #2 e #3, em baixa rotação. O material obturador restante foi removido com limas endodônticas do tipo Hedströem (Maillefer/Dentsply, Ballaigues, Switzerland) associado a um solvente de guta-percha (Figuras 2,3), a seguir promoveu-se a irrigação alternada com hipoclorito de sódio a 2,5% e EDTA. Em seguida à remoção da guta-percha, foi aplicado hidróxido de cálcio (Calen-PMCC, SSWhite, Rio de Janeiro, Brasil) no interior do canal e finalizado com o selamento da abertura coronária com material restaurador temporário (IRM, Dentsply, Petrópolis, Brasil).

 

 

 

 

Após 14 dias, a paciente foi novamente atendida agora para a remoção do curativo intracanal e preparo químico mecânico do mesmo. A não observância da pequena curvatura do canal associada ao excesso de preparo mecânico com instrumentos de maior calibre proporcionou o desgaste da parede distal do canal ocasionando a laceração da parede do canal, o qual foi evidenciada radiograficamente (Figura 4). Nesse momento observou-se discreta secreção sanguinolenta. A remoção do hidróxido de cálcio foi completada e a cavidade selada com material restaurador provisório (IRM, Dentsply, Petrópolis, Brasil). Após 19 dias procedeu-se a obturação definitiva do canal radicular e o selamento da perfuração.

 

 

Foi proposto o selamento da perfuração com MTA (Angelus Produtos Odontológicos, Londrina, Brasil) e uma reconstituição da parede do canal com finalidade de evitar o extravasamento do material obturador e o deslocamento do material biológico. Foi realizada a tentativa de introdução do material MTA (Angelus Produtos Odontológicos, Londrina, Brasil) via intracanal na área da perfuração seguido do ionômero de vidro com o intuito de reconstituir a parede radicular no local da perfuração, contudo como o desgaste da parede interna do canal era pronunciado, permaneceu um defeito na conicidade do canal na região da perfuração. A seguir, realizou-se a obturação do canal com cones de guta-percha e cimento endodôntico, através de condensação lateral à frio. Na radiografia observa-se o defeito na conicidade do canal e um pequeno extravasamento de material obturador (Figura 5). Como a perfuração possuia a forma de uma laceração pode ter havido falha no selamento do ionômero provocando tal inconveniente, porém a parede de ionômero impediu um trespasse maior de material. Após os procedimentos endodônticos procedeu-se a restauração do dente com base de ionômero de vidro e resina composta.

 

 

A avaliação após 12 meses mostrou no exame radiográfico a formação de trabeculado ósseo no espaço onde se situava a lesão, demonstrando remissão do quadro. O exame periodontal evidenciou que os tecidos periodontais ao redor do dente se apresentavam sem sinal de qualquer evento inflamatório (Figura 6).

 

 

DISCUSSÃO

A busca por um método terapêutico eficiente para o tratamento das perfurações endodônticas tem sido motivo de especulação há muitos anos. A opção cirúrgica de tratamento apresentam limitações principalmente com relação a localização da perfuração. A tendência atual é se optar por um tratamento mais conservador, o que está na dependência de alguns fatores como diâmetro da perfuração, contaminação, fechamento hermético e principalmente a sua localização1,8,20,21,22,23.

Goon e Lundergan24 obtiveram êxito no tratamento de perfurações utilizando apenas ionômero de vidro (Ketac-Endo) enquanto Sato e Sampaio25 recomendavam a guta-percha ou o amálgama como material de vedamento. Atualmente o MTA logra um bom êxito no tratamento de perfurações se tornando o material de primeira escolha, desde que contornadas as limitações de uso, graças ao seu bom vedamento e biocompatibilidade10,11,12. Vale ressaltar que o MTA em casos de perfurações infra-ósseas é o material de escolha por suas propriedades estimuladores do metabolismo ósseo reparador. Por outro lado, nas supra-ósseas, mesmo sub-gengivais, os materiais de selamento como o ionômero de vidro, compômeros e resinas são eletivos porque não sofrem dissolução e nem riscos de recontaminação como no caso do MTA. As perfurações ao nível sub-gengival requerem, as vezes, associação de movimentos extrusivos ortodônticos e cirurgias remodeladoras periodontais associadas.

No caso clínico apresentado a dificuldade em selar a cavidade com estes materiais, a pesar da localização a pical da perfuração, foi determinante para sugerirmos pelo vedamento apenas com guta-percha. Isto porque a cirurgia na face distal do dente é de difícil acesso necessitando de remoção de maior quantidade de tecido ósseo o que poderia provoca r seqüela s funciona is e/ou estética s periodonta is. Até hoje, não existe um método ideal pa ra reparar todas as perfurações, existindo uma gra nde va riedade de ma teria is e métodos de trata mento pa ra preservar o elemento dentário e reintegrá-lo as suas funções norma is. O prognóstico depende da localização da perfuração, do tempo de exposição da contaminação, viabilidade de selamento da perfuração e acessibilidade do canal principal.

Um aspecto de máxima importância a ser levado em consideração é como assumir uma postura preventiva objetivando evitar estes acidentes. Para se evitar a perfuração nas mais variadas situações clínicas, deve-se promover análise radiográfica minuciosa observando o volume radicular e da câmara pulpar, a direção e curvaturas das raízes em relação aos dentes vizinhos, o eixo de inserção dentária, etc. O importante é valer-se do conhecimento da morfologia dentária, incluindo tanto a anatomia superficial externa como a interna e suas relações, utilizando-as como meio auxiliar de orientação durante a cirurgia de acesso4.

Perfurações iatrogênicas são problemas que eventualmente podem ocorrer durante o tratamento endodôntico, sendo assim, as causas principais devem ser analisadas para que se diminua a incidência dessas complicações. No caso apresentado ficou óbvio a inobservância dos detalhes da modela gem do canal radicular leva ndo em consideração a curvatura, proporção do volume radicular com a ampliação do espaço do endodonto, emprego de instrumentos flexíveis, cinemática de anticurvatura, dentre outros fatores intervenientes na qualidade do preparo.

 

CONCLUSÃO

Concluímos que devemos manter uma conduta preventiva sustentada pelo conhecimento anátomo-radiográfico das possíveis variações anatômicas, tanto na generalidade quanto na especificidade de cada caso, e em caso de acidente, valer-se de ma teria is com boa ca pacidade de vedamento e biocompatibilidade como a guta-percha ou o MTA.

 

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Correspondência:
Luiz Fernando Machado Silveira
Faculdade de Odontologia
Rua Gonçalves Chaves 457
CEP: 96015-560
Pelotas-RS
Tel/Fax.: (53) 3222-4162
e-mail: lfms1960@gmail.com

Recebido em 12/05/2010
Aprovado em 27/09/2010