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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.10 no.1 Camaragibe Jan./Mar. 2010

 

ARTIGO DE CASO CLÍNICO

 

Tumor de células granulares em língua: relato de caso

 

Granular cell tumor of the tongue: a case report

 

 

Rafael Linard AvelarI; Thiago de Santana SantosII; Paulo Germano de Carvalho Bezerra FalcãoIII; Antônio Azoubel AntunesIV; Emanuel Sávio de Souza AndradeV

ICirurgião-dentista graduado pela Universidade Federal do Ceará (UFC)
IICirurgião-dentista graduado pela Universidade Federal de Sergipe (UFS)
IIICirurgião-dentista graduado pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
IVMestre e Doutor em Patologia Oral pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Professor da Disciplina de Patologia Oral pela Faculdade de Odontologia de Pernambuco (FOP)
VMestrando em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (FORB/USP)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O tumor de células granulares é um neoplasma benigno, incomum, que ocorre em várias partes do corpo, sendo encontrado normalmente na maxila, na pele, no trato gastrintestinal ou no trato respiratório. A língua e a mucosa jugal são os locais intraorais mais comuns. Sua etiologia é parcialmente conhecida e têm gerado controvérsias desde suas primeiras descrições. Várias origens têm sido propostas a partir de achados imunohistoquímicos e histopatológicos, provenientes de uma origem muscular, neural ou do tecido conjuntivo. O presente trabalho descreve um caso de tumor de células granulares em língua de uma paciente do sexo feminino. A partir de uma biópsia excisional, a avaliação histopatoológica revelou células granulares eosinofílicas que foram marcadas positivamente para a proteína S-100, dando suporte à origem neural da lesão e confirmando o diagnóstico de tumor de células granulares.

Descritores: Tumor de Células Granulares. Mioblastoma de Células Granulares. Células de Schwann. Neoplasias da Língua.


ABSTRACT

The granular cell tumor is an uncommon benign tumor occurring in several parts of the body, being found normally in the maxilla, skin and gastrointestinal or respiratory tracts. The tongue and buccal mucosa are the most frequent intraoral sites. Its causation is only partially understood and it has been a source of controversy since it was first reported. Based on immunohistochemical and histopathological findings, different origins have been proposed, such as muscular, neural or connective tissue. A case of granular cell tumor on the tongue of a female patient is reported. On the basis of an excisional biopsy, the histopathological examination revealed eosinophilic granular cells labeled with the S-1000 protein, supporting the neural origin of the lesion and confirming the diagnosis of a granular cell tumor.

Keywords: Granular Cell Tumor. Schwann Cells. Tongue Neoplasms.


 

 

INTRODUÇÃO

O tumor de células granulares (TCG) foi descrito, inicialmente, em 1926, por Abrikosoff 1. Por causa de sua similaridade microscópica às fibras musculares, sugeriu-se uma origem do músculo esquelético, e, a partir disso, essa lesão foi denominada de mioblastoma de células granulares 2-7. Os tumores subseqüentes foram associados à origem da lesão, a partir dos histiócitos, dos fibroblastos, do mio-epitélio, ou do tecido conjuntivo das células nervosas 2,8.

Os tumores de células granulares surgem em uma grande variedade de órgãos 9, sendo a região de cabeça e pescoço, representada em, pelo menos, 50% das lesões, e metade destas desenvolve-se na língua, seguido do assoalho de boca, mucosa jugal e palato 10-12. Usualmente, há somente uma lesão, embora casos de lesões múltiplas tenham sido relatados 2. Podem ocorrer em pacientes de todas as idades, sendo raro em crianças 7.

O TCG é duas a três vezes mais comum em mulheres que em homens, tendo uma maior prevalência em pacientes negros do que em pacientes caucasianos. Raros casos com influência de hereditariedade têm sido relatados 7,13.

A maioria dos casos de TCG tem um comportamento benigno. Ocasionalmente, pode tornar-se localmente agressivo e em 2% dos casos, manifestar malignidade com envolvimento a distância 14,15.

O tratamento do TCG é essencialmente cirúrgico e é geralmente curativo. A recidiva é extremamente rara nesses tumores benignos 7.

 

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 60 anos, melanoderma apresentou-se ao serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Faculdade de Odontologia de Pernambuco (FOP/UPE) com queixa de "caroço na língua".

A paciente relatou ser fumante há 48 anos, consumindo 20 cigarros por dia. Não esteve ciente da lesão, até que um exame de rotina fosse executado por seu cirurgião-dentista.

Ao exame clínico, observou-se uma lesão nodular, séssil, de 20 milímetros no diâmetro e coloração amarelo-esbranquiçada. A massa foi localizada abaixo da borda lateral direita da língua e não demonstrava área de ulceração. Ao exame extraoral não foi observada linfadenopatia regional.

A excisão cirúrgica foi executada sem intercorrências, e a peça operatória, enviada para análise histopatológica. Os diagnósticos presuntivos foram de fibroma e tumor de células granulares (Figuras 1: A, B, C e D).

 


 

O exame histopatológico em hematoxilina-eosina (H-E) revelou células poligonais, arredondadas, com citoplasma granular eosinofílico e núcleos esféricos (Figura 2A). As células granulares demonstraram um relacionamento íntimo com as fibras músculares da área operada. Hiperplasia pseudoepiteliomatosa estava presente (Figura 2B). As células granulares foram marcadas positivamente para a proteína S-100 (Figura 3A e B).

 

 

 

 

O diagnóstico foi estabelecido como tumor de células granulares. A paciente retornou para acompanhamento em que foi observada uma boa reparação da área, e, após um período de 18 meses de pós-operatório, não houve sinal de recidiva (Figura 1D).

 

DISCUSSÃO

O TCG é definido como um neoplasma, relativamente incomum, que ocorre em quase todas as partes do corpo, tais como: pele, sistema nervoso, trato gastrintestinal, sistema urinário, sistema reprodutivo e brônquios 16. A região da cabeça e pescoço é envolvida em cerca de 45% a 65% dos casos, sendo 70% representada por lesões intraorais 12. A língua3,4, mucosa jugal 6, palato duro 10,17 são comumente afetados. Apesar de lesões de lábio 12,17, gengiva e glândula parótida também terem sido relatadas 17.

A literatura demonstra ocorrência em pacientes com idade variando de 11 meses até 85 anos de idade 15,18. Entretanto, o tumor ocorre mais frequentemente da 4ª a 6ª décadas de vida, sendo raro em crianças, corroborando o caso acima relatado. Pacientes do sexo feminino são de duas a três vezes mais afetadas que homens 18. A existência de uma predileção por sexo não é unanimemente aceita, embora alguns autores especulem uma hipotética mediação por hormônios sexuais na etiologia do TCG, fato não claramente comprovado até agora 19,20.

O diagnóstico diferencial deve ser feito com lesões, como fibromas, lipomas, neuromas, neurofibromas ou schwannomas, ou até mesmo, o carcinoma de células escamosas 15.

A ulceração da mucosa sobrejacente à lesão é rara. Enquanto áreas afetadas pela colonização com cândida são frequentemente vistas ao redor da lesão10, o que não foi observado no presente caso, em que a lesão apresentava-se sem sinais clínicos de infecção por cândida.

A camada epitelial é usualmente intacta. Hiperplasia pseudoepiteliomatosa abaixo da camada do epitélio oral é vista em cerca de metade dos casos, fato também observado no caso aqui relatado, com áreas de intensa hiperplasia pseudoepiteliomatosa. Esta pode ser uma característica tão proeminente que uma biópsia superficial de tal lesão pode erroneamente ser diagnosticada, como o carcinoma de células escamosas bem-diferenciado21, acarretando uma subsequente conduta cirúrgica radical para o câncer.

É de fundamental importância que o patologista tenha conhecimento da possibilidade de a amostra tecidual colhida ter sido superficial e sua precisa localização, minimizando, assim, possíveis erros de diagnóstico histológico, considerando a possibilidade de uma hiperplasia pseudoepiteliomatosa induzir um falso diagnóstico de carcinoma de células escamosas, principalmente em biópsias incisionais.

Microscopicamente, as células aparecem em uma forma poligonal com um pequeno núcleo redondo ou com um ou dois núcleos ovais hipercromáticos. A neoformação celular apresenta um baixo índice mitótico. O citoplasma contém uma substância granular eosinofílica abundante. Freqüentemente, as células são organizadas em camadas, mas também podem ser encontradas em cordões e ninhos. Por não serem encapsuladas, parecem infiltrar-se no tecido conjuntivo adjacente 22. No presente caso, as células misturavam-se com o tecido conjuntivo subjacente e, em algumas áreas, com as fibras musculares.

A origem do TCG é incerta e controversa. Originalmente, acreditava-se em origem do músculo esquelético, sendo chamado de mioblastoma de célula granular. Entretanto, outros estudos apontam para uma derivação através das células de Schwann ou de uma célula mesenquimal indiferenciada. Colorações imunohistoquímicas revelam positividade para a proteína S-100, achado este sugestivo para uma possível origem neural 23. Neste caso, as células neoplásicas mostraram positividade para o anticorpo antiproteína S-100.

O diagnóstico de TCG, apesar da raridade, deve ser sempre considerado, principalmente em lesões nodulares da língua, área de principal ocorrência desse tumor. Diante disso, o profissional tem a obrigação de conhecer profundamente as características clínicas e histopatológicas dessa lesão, para que, em um diagnóstico em conjunto com o patologista, seja destinado um correto tratamento aos pacientes.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
Rafael Linard Avelar
Rua Arnóbio Marques, 310, Alojamento médico - Santo Amaro
Recife - Pernambuco/Brasil cep 50100130
rafael.ctbmf@yahoo.com.br

Recebido em 04/03/2009
Aprovado em 26/05/2009