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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.10 no.1 Camaragibe Jan./Mar. 2010

 

ARTIGO DE CASO CLÍNICO

 

Tumor odontogênico queratocisto recidivante: tratamento cirúrgico conservador ou radical? relato de caso clínico

 

Recurrent odontogenic keratocyst tumor: conservative or radical surgical treatment? a clinical case report

 

 

Gilberth Tadeu dos Santos AcioleI; Marcos Antônio Martins SantosII; Jouber Mateus dos Santos AcioleIII; Nelson Ribeiro NetoIV; Antônio Luiz Barbosa PinheiroV

IEspecialista em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial – CEBEO/BA. Doutorando em Laser em Odontologia- UFPB/UFBA
IIEspecialista em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial – UEFS. Mestrando em Saúde Pública – UTAD/Portugual. Professor do Curso de Especialização em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial – IAPPEM/BA
IIIGraduando em Odontologia – Universidade Tiradentes
IVEspecialista em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial - UFCE. Doutor em Laser UFPB/UFBA. Professor do Curso de Especialização em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial – IAPPEM/BA
VEspecialista em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial – FOP/UPE. Doctor Philosophy – Clinical Dentistry. Master Dental Science – Oral Medice & Oral Surgery – University Birmingham – GB. Professor de Propedêutica e Clinica Integrada da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O queratocisto odontogênico é um cisto de desenvolvimento epitelial dos maxilares, acometendo, principalmente, a maxila e a mandíbula. O presente estudo tem por objetivo relatar um caso clínico de uma paciente de 20 anos de idade, faioderma, que apresentava uma lesão em região de ramo, ângulo e corpo mandibular do lado direito, assintomática e sem expansão das corticais ósseas, obtendo-se o diagnóstico de tumor odontogênico queratocisto. Esta foi submetida à enucleação da lesão juntamente com as exodontias das unidades dentárias46, 47,48, sob anestesia geral. Após dois anos e seis meses, verificou-se recidiva da lesão em nível do ramo da mandíbula, sendo realizada outra intervenção cirúrgica, dessa vez, sob anestesia local, realizando-se um novo exame histológico, comprovando, mais uma vez, que se tratava de queratocisto odontogênico. Ela está sendo acompanhada clinica e radiograficamente até os dias atuais, não mais constatando reincidiva do tumor. Com isso, concluímos que o diagnóstico deste tumor necessita, mais do que nunca, da união dos achados clínicos, radiográficos e histopatológicos propriamente ditos, além do que as formas de tratamento ainda são muito discutidas na literatura, por ser uma entidade patológica com elevado índice de recorrência.

Descritores: Tumores Odontogênicos. Mandíbula/patologia. Recidiva. Neoplasias Mandibulares.


ABSTRACT

The odontogenic keratocyst is a developmental cyst of the jaws. The aim of this paper is to report the surgical removal of such a lesion. A 20-year-old white female complained of a painless swelling on the right side off her mandible, affecting the ramus, angle and body of the bone, which was diagnosed as an odontogenic keratocyst. The lesion of the lower right molars was surgically removed under general anesthesia. Thirty months later the lesion relapsed and was surgically removed under local anesthesia. The initial diagnosis was confirmed by histopathology. The patient remains under clinical and radiographic follow-up. It is concluded that all the clinical, radiographic and histopathological findings must be taken into account when diagnosing this tumor, bearing in mind the high rate of relapse.

Keywords: Odontogenic Tumors. Mandible/pathology. Recurrence. Mandibular Neoplasms.


 

 

INTRODUÇÃO

O nome queratocisto odontogênico foi utilizado por alguns autores em meados da década de 50, para esclarecer que se tratava de lesão cística com características histológicas e de comportamento peculiar. Somente em 1992, que a Organização Mundial de Saúde (OMS) ratificou tal nomenclatura como sendo um cisto de desenvolvimento originado a partir de remanescentes da lâmina dental, devendo isso ao seu comportamento agressivo e às altas taxas de recidiva, sendo representado por 10% dos cistos odontogênicos 1,2.

Devido à nova classificação da OMS 2005, o queratocisto odontogênico foi renomado como tumor odontogênico queratocisto, enfatizando sua natureza neoplásica.

O queratocisto odontogênico é um cisto de desenvolvimento epitelial dos maxilares derivado do órgão do esmalte ou da lâmina dental, que corresponde aproximadamente a 11% de todos os cistos maxilares3. Essa lesão comumente acomete a maxila e mandíbula, e podendo apresentar grande volume, porque possui significante poder de expansão, extensão dentro dos tecidos adjacentes e rápido crescimento 4.

Radiograficamente, as lesões podem se apresentar sob um aspecto unilocular ou multilocular devido ao seu tamanho. Com isso, a maior parte exibe imagens radiolúcidas uniloculares bem definidas associadas à coroa de um elemento dental, o que pode gerar dúvidas quanto ao diagnóstico diferencial, em que se deve incluir o cisto dentígero, o ameloblastoma, o cisto odontogênico calcificante, o tumor odontogênico adenomatoide e o fibroma ameloblástico. Contudo, quando se apresenta solitária sem a associação de um dente, pode-se incluir, no diagnóstico diferencial, o cisto ósseo traumático, o granuloma central de células gigantes, o cisto periodontal lateral, cistos fissurais e lesões não odontogênicas, como más formações vasculares intraósseas, tumores ósseos benignos e plasmocitomas. Por isso, não pode ser feito um diagnóstico conclusivo pré-operatório, apenas utilizando-se informações clínicas e radiográficas, sendo de fundamental importância a realização de um exame histopatológico, para o estabelecimento de um diagnóstico preciso 5.

Sobre o aspecto histológico do queratocisto odontogênico, mostra-se uma cápsula cística composta por parede epitelial (epitélio estratificado pavimentoso composto por seis a dez camadas de células, apresentando paraqueratina e/ou ortoparaqueratina e uma camada de células basais em paliçada) e parede de tecido conjuntivo fibroso com "cistos filhotes" ou cortes transversais da cápsula cística. O conteúdo cístico revela-se líquido (cor de palha) ou cremoso (espesso e acinzentado), contendo queratina, cristais de colesterol e corpos hialinos 6.

Vários métodos de tratamento têm sido relatados desde o conservador à cirurgia radical. Somente a enucleação e a marsupialização estão relacionadas ao grande número de recorrência. Vários adjuntos terapêuticos têm sido descritos para diminuir o potencial de recorrência dessas lesões, incluindo a osteotomia periférica, tratamento do sítio cirúrgico com a solução de Carnoy's, eletrocauterização, crioterapia e ressecção 1.

A descompressão e/ou marsupialização apresentam uma elevada taxa de sucesso em relação aos tratamentos agressivos, pois promovem uma menor morbidade e preservam estruturas importantes, como unidades dentárias e nervos 7.

O presente trabalho tem como objetivo direcionar a melhor forma de tratamento para o tumor odontogênico queratocisto, relatando um caso clínico em região posterior de mandíbula, que apresentou recidiva, sendo submetida a dois procedimentos cirúrgicos, além de demonstrar sua evolução clínica sem intercorrência até os dias atuais.

 

RELATO DE CASO

Paciente 20 anos de idade, sexo feminino, faioderma chegou ao consultório para consulta de rotina e ao ser solicitado exame radiográfico panorâmico (Figura 1), percebeu-se uma lesão envolvendo a região de ramo, ângulo e corpo mandibular do lado direito, assintomática, sem expansão das corticais.

 

 

Fez-se primeiramente uma aspiração, quando se encontrou líquido citrino, e, ao biopsiar, encontrou-se como resultado histopatológico o diagnóstico de tumor odontogênico queratocisto, apresentando formação cística revestida de epitélio pavimentoso estratificado paraqueratinizado corrugado, exibindo destacamento do epitélio da membrana cística (Figura 2).

 

 

A paciente foi encaminhada ao centro cirúrgico para realização da cirurgia, sendo removidas as unidades dentárias 46 e 47, além da unidade 48 que se encontrava no interior da lesão. Optou-se por ser realizada sob anestesia geral pela possibilidade que havia de fratura da mandíbula na região, tendo em vista a fragilidade que esta se encontrava devido à extensa osteólise que se observava. As unidades 44 e 45, apesar de estarem em contato com a lesão, após teste de vitalidade pulpar, verificou-se que não estavam necrosadas, sendo, portanto, decidido sua permanência. Nesse período, a paciente foi orientada quanto aos riscos de fratura na região, caso ela sofresse algum trauma de maior intensidade, devendo, assim, evitar esportes de contato ou qualquer atividade que colocasse em risco a estrutura óssea. Foram realizadas radiografias controles a cada seis meses (Figura 3).

 

 

Após dois anos e seis meses, foi verificada uma área radiolúcida em nível de ramo mandibular direito, onde, após suspeita, fora solicitada uma tomogragrafia computadorizada (TC) tridimensional (3D), para confirmar os limites do tumor. Com isso, verificou-se recidiva da lesão no nível do ramo mandibular direito, sendo realizada outra intervenção cirúrgica, dessa vez, sob anestesia local, devido ao bom acesso e principalmente ao tamanho da lesão que era de menor porte (Figura 4).

 

 

Foi realizada uma biópsia excisional para um novo exame histológico, seguido de osteotomia periférica, comprovando mais uma vez que se tratava de tumor odontogênico queratocisto. Seguindo-se o acompanhamento periódico radiográfico até os dias atuais, não mais constando reincidiva. No momento, a paciente está sendo submetida a tratamento ortodôntico para alinhamento dentário e intrusão das unidades 16 e 17 que sofreram extrusão durante esse período de tratamento (proservação) da lesão, para que, num período posterior, sejam colocados implantes dentários na área hoje edêntula (Figura 5).

 

 

DISCUSSÃO

O queratocisto odontogênico acomete mais a região posterior da mandíbula, ocorrendo geralmente entre a segunda e a quinta década de vida 5,9,13,14, características estas que corroboram o caso clínico apresentado.

Alguns autores afirmam que há uma maior predileção pelo sexo masculino numa proporção homem/mulher 1,42:1 5, embora alguns estudos mostrem uma leve predileção pelo sexo feminino 3.

Esta entidade patológica geralmente possui grande poder de expansão das corticais ósseas, devido ao seu grande volume 4, não sendo verificado em nosso caso, apesar de apresentar um grande volume.

Muitas vezes o queratocisto apresenta crescimento lento e assintomático, sendo diagnosticado tardiamente e provocando extensa osteólise 6. Segundo alguns autores, essa lesão, muitas vezes, está associada à Síndrome do Carcinoma Nevoide Basocelular ou da Síndrome de Gorlin-Goltz ou da Costela Bífida 3,10.

A respeito do aspecto radiográfico, essas lesões podem se apresentar sob um aspecto unilocular ou multilocular devido ao seu tamanho. Com isso, a maior parte exibe imagens radiolúcidas uniloculares bem definidas associadas à coroa de um elemento dental5, sendo observado no caso descrito.

O diagnóstico é de fundamental importância, pois este norteia o tratamento e determina o prognóstico, sabendo que todo o epitélio responde ao processo inflamatório. Com isso, a presença e a quantidade de inflamação na cápsula cística interferem diretamente nas características morfológicas do epitélio, provocando alterações que podem dificultar o diagnóstico histopatológico e consequentemente, o tratamento adequado8.

Histologicamente, essa lesão caracteriza-se por apresentar uma cápsula cística composta por parede epitelial (epitélio estratificado pavimentoso composto por seis a dez camadas de células, apresentando paraqueratina e/ou ortoparaqueratina e uma camada de células basais em paliçada) e parede de tecido conjuntivo fibroso com "cistos filhotes" ou cortes transversais da cápsula cística. O conteúdo cístico revela-se líquido (cor de palha) ou cremoso (espesso e acinzentado), contendo queratina, cristais de colesterol e corpos hialinos14, sendo verificado no caso relatado.

O tratamento, através da descompressão e irrigação cística, promove uma desdiferenciação epitelial e perda do anticorpo citoceratina-10, em que o acompanhamento histológico e o imunohistoquímico irão determinar se essa alteração está associada à redução dos casos de recorrência, sendo utilizada como mais uma alternativa terapêutica para essas lesões 1.

Apesar do seu potencial de agressividade, essa entidade patológica apresenta baixo poder de transformação carcinomatosa, sendo somente encontrado 12 casos relatados 12.

Em grandes casos de queratocisto odontogênico, o tratamento conservador com um dispositivo especial (tubo) para descompressão objetiva a redução cística como também reforça a fina cortical óssea, fazendo-se posteriormente a enucleação e curetagem, para verificar a regeneração óssea e a não recorrência10,11,16. De acordo com alguns autores, a terapêutica dessa entidade com osteotomia periférica com ou sem o uso da solução de Carnoy (fixador de tecido contendo 6 ml de álcool absoluto, 3 ml de clorofórmio e 1g de ácido férrico) na loja cirúrgica, por três minutos após a enucleação, pode reduzir a chance de recidiva assim como o uso adjunto da crioterapia 4,10.

Devido à dificuldade da técnica cirúrgica que resulte na remoção incompleta do cisto, pelo fato de a cápsula ser fina e friável, a existência de perfuração das corticais ósseas e a aderência aos tecidos moles adjacentes resultam em um alto índice de recorrência, inclusive em tecidos moles e enxertos ósseos, sugere que os queratocistos sejam classificados como uma neoplasia benigna, entretanto na mais recente classificação da Organização Mundial de Saúde, estas lesões são consideradas cistos de desenvolvimento, apresentando uma frequência de recidiva em torno de 5% a 62% 15,16.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Devido ao alto poder de recorrência desse tumor, tem-se a necessidade de acompanhamento clínico e radiográfico por, no mínimo, sete anos. Com isso, concluímos que seu diagnóstico necessita, mais do que nunca, da união dos achados clínicos, imaginológicos e histopatológicos propriamente ditos, devido às diversas formas de tratamento, que ainda são bastante discutidas na literatura.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
Gilberth Tadeu dos Santos Aciole
Rua Raimundo Fonseca, 28 – Treze de Julho
Aracaju-SE, CEP:49020-320 Aracaju-SE
e-mail: gilberthaciole@hotmail.com

Recebido em 10/06/2009
Aprovado em 19/08/2009