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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.10 no.2 Camaragibe Abr./Jun. 2010

 

ARTIGO DE CASO CLÍNICO

 

Barotrauma pulmonar durante anestesia geral para procedimento cirúrgico de traumatismo facial

 

Pulmonary barotrauma during general anesthesia for facial trauma surgical procedure

 

 

Paulo Hemerson de MoraesI; Fábio Ricardo Loureiro SatoII; Luciana AsprinoIII; Roger William Fernandes MoreiraIV

IMestrando em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofaciais da Faculdade de Odontologia de Piracicaba - Unicamp
IIMestre e Doutorando em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofaciais da Faculdade de Odontologia de Piracicaba - Unicamp
IIIProfessora colaboradora do curso de pós-graduação em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofaciais da Faculdade de Odontologia de Piracicaba - Unicamp
IVProfessor Associado da Área de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofaciais da Faculdade de Odontologia de Piracicaba - Unicamp

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Um dos possíveis traumas que pode acometer o paciente durante a anestesia geral é o chamado barotrauma, cuja origem for a partir de um pneumotórax hipertensivo. Esse tipo de trauma pode trazer graves riscos ao paciente, se não for rapidamente identificado e tratado. Dessa forma, o objetivo desse artigo é o de apresentar um relato de caso, apresentando as condutas de diagnóstico e terapêuticas que foram adotadas bem como fazer uma revisão da literatura sobre o tema.

Descritores: Barotrauma/diagnóstico. Barotrauma/terapia. Pneumotórax Artificial.


ABSTRACT

One of the possible injuries that may affect the patient during general anesthesia is known as barotrauma, which originates from a hypertension pneumothorax. This type of trauma may represent a serious risk to the patient if it is not promptly identified and treated. In view of this, the aim of this article is to report a case of hypertension pneumothorax, its diagnosis and treatment, as well to review the literature on this subject.

Keywords: Barotrauma, Artificial Pneumothorax.


 

 

INTRODUÇÃO

O pneumotórax é definido como a presença de ar livre na cavidade pleural, com secundário colapso pulmonar1,2. É uma entidade clínica freqüente, que apresenta diversas peculiaridades, tanto em sua apresentação clínica quanto no seu tratamento, já que podem ser tomadas desde condutas mais conservadoras, como a observação domiciliar, até a toracotomia com ressecção pulmonar e pleurectomia.

O pneumotórax pode ser classificado em espontâneo e adquirido. O pneumotórax espontâneo é classificado em primário e secundário. O pneumotórax primário ocorre em pacientes saudáveis, na faixa etária entre 18-40 anos com uma incidência de 7,4-18 casos/100.000 anualmente para homens e 1,2-6 casos/100.000 para mulheres. O pneumotórax secundário ocorre em adultos mais velhos e que apresentam alguma doença de base, como a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) ou doença vascular e do colágeno, incluindo a Síndrome de Marfan. Já o pneumotórax adquirido é classificado quanto a etiologia em iatrogênico e por barotrauma3,4. A iatrogênica é dada de forma secundária a algum procedimento médico invasivo, de uma simples toracocentese até biópsia trans-torácicas. Já o pneumotórax por barotrauma surge em decorrência da pressão positiva a que os pulmões estão sendo submetidos5. A instalação e evolução do quadro são facilitadas e agravadas pela ventilação pulmonar com pressão positiva. Vários fatores podem predispor ao pneumotórax hipertensivo uni ou bilateral, que irá se manifestar no período intraoperatório, em função de lesões pleurais e/ou de parênquima pulmonar. Dentre eles, o tabagismo, em que a incidência é proporcional ao grau de consumo de cigarros, podendo causar ruptura de bolhas por fragilidade adquirida na superfície do parênquima pulmonar, na vigência de ventilação com pressão positiva6.

O pneumotórax hipertensivo intraoperatório é uma grave ocorrência. Exige diagnóstico e tratamento imediato com repercussão hemodinâmica e respiratória. O progressivo aumento na pressão intratorácica, decorrente do aprisionamento de ar entre as pleuras, ocasiona colapso do pulmão afetado e desvio do mediastino para o lado contralateral, interferindo no retorno venoso e na ventilação7.

O diagnóstico do pneumotórax é realizado pela associação dos dados clínicos e radiográficos, sendo que a linha pleural visceral é vista sem marcação pulmonar distal. Visões laterais ou em decúbito são recomendadas em casos que gerem dúvidas diagnósticas8.

A detecção precoce de sinais do pneumotórax, como face pletórica, desvio da traqueia à palpação, engurgitamento jugular ou aumento de pressão venosa central, instabilidade pelo ato anestésico-cirúrgico, diminuição ou ausência de murmúrio vesicular, abafamento de bulhas cardíacas, hipertimpanismo torácico, aumento da pressão de via aérea e presença de enfisema subcutâneo, que podem tomar grandes proporções, acometendo toda a superfície corporal, em decorrência do extravasamento aéreo pelo rompimento da pleura parietal ou de estruturas brônquicas, identificam esta grave situação e sendo fundamental reconhecê-los para um rápido atendimento e consequente bom prognóstico1,5,9. O objetivo desse artigo é o de apresentar um caso clínico, expondo os sinais, meios de diagnóstico e as condutas a serem adotadas na presença de um barotrauma induzido durante a anestesia geral para a realização de tratamento cirúrgico de trauma facial.

 

RELATO DE CASO

Um paciente do gênero masculino, 49 anos, foi atendido pela equipe de cirurgia e traumatologia bucomaxilofacialda Faculdade de Odontologia de Piracicaba – Unicamp no Hospital da Santa Casa de Rio Claro, vítima de agressão física. Ao exame físico, ele se apresentava edêntulo, com degrau ósseo, mobilidade e crepitação em região de corpo mandibular esquerdo, decorrente de fratura nesta região, confirmada pela TC (Figura 1). Durante a anamnese, o paciente relatou ser tabagista com consumo diário de 20 cigarros por dia e etilista crônico há 30 anos, sendo que ele estava sendo submetido a tratamento desses vícios em clínica especializada. Na avaliação pré-anestésica, realizada pelo serviço de anestesiologia do hospital, ele recebeu classificação ASA II devido ao etilismo e tabagismo, sendo que os exames laboratoriais estavam dentro dos padrões de normalidade assim como a PA de tórax . Dessa forma, foi planejado o tratamento cirúrgico da fratura de corpo mandibular esquerdo sob anestesia geral.

 

 

Após aproximadamente cinco minutos após a indução anestésica e sob intubação nasotraqueal, ainda durante a aposição dos campos estéreis, foi verificado que o paciente apresentava enfisema subcutâneo em região de face, pescoço, tórax, abdômen e saco escrotal (Figura 2), seguido da queda na saturação de O2 (SpO2 84-88%) e otorragia pelo pavilhão auditivo direito. Devido ao quadro clínico apresentado e à queda crítica da saturação de O2 do paciente, foram realizadas, ainda, no centro cirúrgico, radiografias de tórax que mostraram a presença de faixa de ar entre a parede torácica e a pleura visceral, sendo, então, fechado o diagnóstico de pneumotórax hipertensivo (barotrauma) (Figura 3). Assim que foi confirmado o diagnóstico de pneumotórax bilateral, o paciente foi submetido à drenagem bilateral de tórax em selo d'água (Figura 4) que foi eficaz para o restabelecimento da hipoxemia arterial do paciente e confirmado através de nova PA de tórax (Figura 5). O paciente seguiu para o quarto, mantendo um quadro de SpO2 de 9%, FC = 126 e PA 163x75 mmHg, permanecendo internado por um período de 2 dias, quando o dreno foi retirado, e o paciente obteve alta hospitalar, sem maiores complicações, sendo a fratura tratada de modo conservador.

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

O pneumotórax hipertensivo deve ser imediatamente descomprimido, sendo a punção por agulha grossa no segundo espaço intercostal na linha médio-clavicular10 uma medida de urgência que poder ser tomada previamente à drenagem pulmonar definitiva em selo d'água. Nos casos de pneumotórax por barotrauma, a drenagem dos pulmões afetados é sempre obrigatória, como no relato de caso3.

A drenagem pleural é normalmente realizada com introdução de dreno tubular multiperfurado, que é introduzido no quinto ou sexto espaço intercostal, na linha axilar anterior ou média. Se existir hemopneumotórax, a introdução do dreno na linha axilar média para posterior resultará na saída mais adequada de ar e sangue. O controle radiológico deverá confirmar o adequado posicionamento do dreno (em posição verticalizada) e a reexpansão pulmonar. No caso de ocorrer borbulhamento contínuo no frasco de selo d'água da drenagem pleural e não ocorrer reexpansão pulmonar, a aspiração contínua do dreno estará indicada com pressão negativa de 20 a 30 cm de H2O9.

No caso em questão, acreditamos que a ocorrência do barotrauma pode ser justificada pelo paciente apresentar doença pulmonar obstrutiva crônica decorrente dele ser tabagista há mais de 30 anos e assim apresentar fragilidades na superfície do parênquima pulmonar, teve a sua ruptura na presença de ventilação com pressão positiva pelo aparelho de ventilação mecânica de anestesia.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O pneumotórax hipertensivo sob anestesia geral com ventilação positiva é um evento raro, porém deve ser sempre um acidente a ser considerado. O conhecimento precoce dos sinais, da fisiopatologia e o tratamento do pneumotórax são essenciais para a obtenção de um bom prognóstico.

 

REFERÊNCIAS

1. Ligth RW. Pneumothorax. In: Pleural diseases. 3rd ed. Baltimore: Williams and Wilkins. 1995: P. 242-77.         [ Links ]

2. Peek GJ, Morcos S, Cooper G. Regular review: The pleural cavity. Br Med Journal. 2000; (13):1318-21.         [ Links ]

3. Andrade-Filho LO, Campos JRM, Haddad R. Pneumotórax. J Bras Pneumol. 2006; (32): 212-6.         [ Links ]

4. Hagberg C, Georgi R, Krier C. Complications of managing the airway. Best Practice & Research Clinical Anaesthesiology. 2005; 19(4):641-59.         [ Links ]

5. Hamilton-Farrell M, Bhattacharyya A. Barotrauma. Injury, Int J Care Injured. 2004; 35: 359.         [ Links ]

6. Leigh-Smith S, Harris T. Tension pneumothorax – time for a re-think? Emerg Med J. 2005; 22(1):8-16.         [ Links ]

7. Zugliani AH, Claro F, Mega ACC, Rodrigues MF, Ancelmé G. Intraoperative pulmonary barotrauma during ophthalmologic surgery. Case report. Rev Bras Anestesiol. 2008; 58(1):63-8.         [ Links ]

8. O'Connor AR, & Morgan WE. Radiological review of pneumotorax. BMJ. 2005 JUN 25; 330(7506): 1493-7.         [ Links ]

9. Birolini D, Utiyama E, Steinman E: Cirurgia de Emergência. Rio de Janeiro: Atheneu, 2001.         [ Links ]

10. Peek GJ, Morcos S, Cooper G. Regular review; The pleural cavity. Br Med Journal. 2000; 13:1318-21.         [ Links ]

 

 

Endereço para Correspondência
Fábio Ricardo Loureiro Sato
Av. Limeira, 901 – Caixa Postal 52 – Areião
Piracicaba – São Paulo/Brasil
Telefone/Fax: 19 2106-5274
Email: fabio.sato@fop.unicamp.br

Recebido em 03/11/2009
Aprovado em 13/01/2010