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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.10 no.2 Camaragibe Abr./Jun. 2010

 

ARTIGO DE CASO CLÍNICO

 

Relato de Osteomielite Esclerosante Difusa em paciente diabético

 

Report of Diffuse Sclerosing Osteomyelitis in a diabetic patient

 

 

Emeline das Neves de Araújo LimaI; Cyntia Helena Pereira de CarvalhoI; Joabe dos Santos PereiraI; Ana Miryam Costa de MedeirosII; Hébel Cavalcante GalvãoIII; Adriano Rocha GermanoIV

IMestrandos em Patologia Oral pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
IIProfessora-doutora de Estomatologia do Departamento de Odontologia da UFRN
IIIProfessora-doutora de Patologia Oral do Departamento de Odontologia da UFRN
IVProfessor-doutor de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial do Departamento de Odontologia da UFRN

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Osteomielite esclerosante difusa (OED) é uma condição, que envolve resposta reacional do osso, podendo apresentar como fator desencadeante infecção de baixa intensidade. Pode acometer pacientes com alterações sistêmicas e radiograficamente apresenta-se como esclerose óssea, com áreas de reabsorção periférica e margens mal definidas. Diferentes tipos de tratamentos têm sido aplicados, porém sem resultados satisfatórios a longo prazo. Este trabalho objetiva relatar o caso de uma paciente diabética portadora de osteomielite esclerosante difusa na mandíbula. Feita uma breve revisão da literatura, observa-se que o conhecimento do Cirurgião-Dentista sobre a diabetes e suas complicações bucais tem fundamental importância no êxito da terapêutica.

Descritores: Osteomielite. Doenças Mandibulares. Complicações do Diabetes. Condutas na Prática dos Dentistas.


ABSTRACT

Diffuse sclerosing osteomyelitis (DSO) is a condition that involves a reactive response of bone and may be triggered by an infection of low intensity. It can affect patients with systemic changes and radiographically shows bone sclerosis with areas of peripheral resorption and ill-defined margins. Different types of treatments have been applied, but with no satisfactory long-term results. This paper reports the case of a diabetic patient with diffuse sclerosing osteomyelitis in the mandible. A brief review of the literature is made, from which it is observed that a knowledge of diabetes and its oral complications on the part of the dentist is crucial to the success of therapy.

Descriptors: Osteomyelitis. Diabetes mellitus. Mandible.


 

 

INTRODUÇÃO

Osteomielite é uma inflamação do osso e da medula óssea, podendo desenvolver-se nos maxilares em consequência de infecção odontogênica, associada ou não a condições sistêmicas. Existem diversas formas de classificação para essa patologia, no entanto a mais utilizada é a divisão entre as formas aguda e crônica, que apresentam curso clínico diferente, dependendo de sua natureza. A osteomielite aguda ocorre quando a patogenicidade do microrganismo que desencadeou o processo inflamatório é maior que o mecanismo de defesa do hospedeiro, estendendo-se rapidamente através dos espaços medulares do osso. A crônica se desenvolve quando a resposta de defesa tecidual leva à produção de tecido de granulação, o qual, subsequentemente, forma uma cicatriz densa na tentativa de circunscrever a área infectada. Quanto à sua extensão, essa enfermidade é ainda classificada em difusa ou focal. Na primeira, a infecção bacteriana crônica intraóssea induz à formação de tecido de granulação cronicamente inflamado e estimula a esclerose do osso circundante. A focal caracteriza-se por áreas localizadas de esclerose óssea associadas a ápices de dentes com pulpite ou necrose pulpar 1,2.

A Osteomielite esclerosante difusa (OED) é uma doença inflamatória crônica, que envolve resposta proliferativa do osso a uma infecção de baixa intensidade e longa duração. Tem sido relatada com maior frequência em mulheres adultas negras, e a maioria dos casos que envolve a região crânio-facial e se dá na mandíbula. Pela própria condição da lesão crônica, sua evolução é lenta e assintomática, podendo haver aumento de volume dos rebordos alveolares e dor surda nos períodos de agravamento da doença, quando há, então, possibilidade de fistulação com drenagem de exsudato purulento3,4. Apesar de a sua etiologia e patogênese serem pobremente entendidas, a infecção bacteriana é apontada como principal causa dessa doença, mas se sabe que qualquer estado debilitante, como doenças sistêmicas crônicas, estados de imunossupressão, desordens associadas com diminuição da vascularização óssea, uso de tabaco, drogas intravenosas e alcoolismo representam fatores predisponentes para essa condição5,6.

Histologicamente, a doença apresenta esclerose e remodelamento ósseo. Os canais haversianos mostram-se largamente espalhados, e pouco tecido medular pode ser encontrado. Embora a esclerose ocorra adjacente à área de inflamação, o osso não é mesclado com um componente inflamatório significativo. Se o processo infamatório adjacente se estender para o interior do osso esclerosado, frequentemente ocorrerá necrose. O osso necrosado separa-se do tecido vitalizado adjacente e se torna circundado por um tecido inflamatório subagudo, caracterizando o sequestro ósseo. Secundariamente, muitas vezes, é visível uma colonização bacteriana. O osso, em algumas lesões, apresenta padrão predominante em mosaico, sugestivo de períodos repetidos de reabsorção seguidos de reparação3,4,6.

Pacientes diabéticos apresentam maior predisposição a infecções, o que é determinado por quadros de hiperglicemia, microanginopatia e alterações no sistema imune. O alto nível de glicose no sangue leva a um espessamento da membrana basal das paredes vasculares, o que pode comprometer a cicatrização do tecido, por restringir o transporte normal de nutrientes e dos leucócitos entre o lúmen capilar e o interstício. Sendo assim, a perda de elasticidade capilar pode explicar a capacidade limitada de vasodilatação em resposta à injúria local, levando à isquemia funcional e, consequentemente, tornando os indivíduos vulneráveis a desenvolver inflamação e necrose óssea. Com relação ao sistema imune, observa-se uma disfunção nos leucócitos polimorfonucleares, relacionada aos processos de quimiotaxia, fagocitose, produção de citocinas e ativação celular7.

Fatores clínicos, como trauma ou exposição óssea, podem levar bactérias patogênicas a infectarem o tecido que, por estar isquêmico, tem dificuldade para se defender e se restabelecer. Nesses casos, as células de defesas não chegam em quantidade suficiente, para debelar a infecção, facilitando a progressão da doença e dificultando o tratamento. Por esses motivos, a osteomielite é considerada uma das complicações mais comuns em diabéticos, principalmente naqueles casos que envolvem o pé, levando a amputações e, até, ao óbito8,9.

Este trabalho pretende relatar um caso de osteomielite esclerosante difusa, com extenso envolvimento mandibular em uma paciente diabética de 53 anos de idade assim como realizar uma revisão da literatura, enfatizando a importância do diagnóstico e tratamento dessa patologia pelo Cirurgião-Dentista em um contexto multidisciplinar.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 53 anos de idade, raça branca, desdentada total procurou atendimento na Clínica de Estomatologia do Departamento de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), relatando incômodo na região de rebordo alveolar inferior direito. Na anamnese, constatou-se que a paciente apresentava diabetes descompensada (há alguns meses, não usava a medicação prescrita pelo médico), além de hipertensão controlada, fazendo uso de Captopril 25 mg. A paciente relatou ainda história prévia de exodontia na região posterior da mandíbula, realizada seis meses antes de sua apresentação. Ao exame clínico extrabucal, observou-se discreta tumefação na região de sínfise mandibular (Figura 1). No exame intrabucal, encontrou-se tumefação em todo o rebordo alveolar inferior, com presença de fístula e exsudato purulento na região de parasínfise direita (Figura 2). A radiografia panorâmica mostrou zonas de aumento da densidade óssea, esclerose e sequestro, envolvendo a região entre o ângulo mandíbular direito e o esquerdo (Figura 3). Antes de qualquer intervenção, encaminhou-se a paciente para avaliação médica, a fim de estabilizar seu quadro de glicemia. Esta voltou com a diabetes controlada e fazendo uso das seguintes medicações: Metformina 850 mg e Glibenclamida 5 mg, sendo, então, autorizada pelo médico a prosseguir com o tratamento. Inicialmente foi feita curetagem da lesão e remoção do sequestro ósseo na região de fístula, com a finalidade de debelar a dor e a supuração ali existentes (Figura 4). No exame histopatológico, observaram-se áreas de necrose óssea, reabsorção óssea periférica e infiltrado inflamatório linfocítico (Figura 5). Com base nesses achados, foi diagnosticada Osteomielite Crônica. A paciente submeteu-se à antibioticoterapia à base de penicilina (Amoxicilina® 500 mg) durante 15 dias, com regressão total do quadro inflamatório e supuração, permanecendo em proservação.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

A osteomielite caracteriza-se por uma inflamação de origem infecciosa, que invade os espaços medulares do osso, podendo atingir a cortical óssea e o periósteo 1,10-14.

A OED é uma doença de origem obscura, existindo várias hipóteses para sua causa6. Van Merkesteyn14 cita como possibilidades etiológicas mais frequentemente encontradas na literatura infecções bacterianas e resposta imunológica exacerbada. Entretanto, nenhuma dessas hipóteses tem gerado um entendimento claro sobre essa doença e o manejo adequado para seu tratamento. Condições sistêmicas que alteram o sistema imunológico também têm sido relatadas como fatores predisponentes para o seu desenvolvimento. No presente caso, visto que não havia presença de fatores irritantes locais, a osteomielite pode ter sido associada à realização de uma exodontia traumática e à condição de diabetes descompensada da paciente, já que, na literatura, encontra-se uma grande associação entre essas doenças, principalmente na região dos pés15.

OED faz diagnóstico diferencial com diversas outras patologias inflamatórias intraósseas, como displasia cemento-óssea florida e doença de Paget 1,6,11,12,16. No caso relatado, foi considerada inicialmente a possibilidade de ser uma displasia cemento-óssea florida diante da imagem radiográfica, que mostrou zonas com aumento de densidade óssea, esclerose à alternância entre áreas radiolúcidas e radiopacas difusas por toda a mandíbula. Entretanto, a distinção foi feita com base em achados clínicos, como supuração, formação de sequestro ósseo e ausência de envolvimento do osso maxilar. Os achados histopatológicos confirmaram o diagnóstico, já que não se encontrou calcificação semelhante a cemento e, sim, necrose óssea e reabsorção periférica, além de um infiltrado inflamatório linfocítico.

A falta de conhecimento sobre a etiologia da OED implica muitos problemas no manejo dessa doença. Diferentes tipos de tratamento têm sido aplicados, porém sem um resultado totalmente satisfatório a longo prazo. Em geral, a lesão se mantém sem complicações, não sendo recomendada nenhuma intervenção. Em casos de exacerbações, o tratamento se resume ao controle das fases de agudização com terapia medicamentosa e, se necessário, realização de desbridamento apenas do sequestro ósseo. A terapia medicamentosa é feita basicamente com antibioticoterapia, sendo as penicilinas referidas pela maioria dos autores como medicações de primeira escolha2. Nesse caso, a paciente foi submetida a uma abordagem cirúrgica conservadora apenas para remoção do sequestro ósseo em área de fistulação, submetendo-se terapia antibiótica à base de penicilina (Amoxicilina® 500 mg, de 8 em 8 horas, durante 15 dias), já que essa é a medicação de primeira escolha no nosso centro, levando-se, também, em consideração a sua condição financeira da mesma. Houve resposta satisfatória ao tratamento, e a paciente encontra-se em bom estado e sob observação.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, entende-se a importância do conhecimento do Cirurgião-Dentista com respeito à avaliação sistêmica do seu paciente e à possível relação com as lesões presentes na cavidade bucal, visando ao correto diagnóstico e à tomada de medidas terapêuticas que possam auxiliar no êxito do tratamento instituído.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para Correspondência
Departamento de Odontologia – UFRN
Av. Sen. Salgado Filho, 1787- Lagoa Nova-Natal/RN
CEP: 59056-000

Recebido em 06/01/2010
Aprovado em 16/02/2010