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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.10 no.3 Camaragibe Jul./Set. 2010

 

ARTIGOS DE ATUALIZAÇÃO E CLÍNICOS

 

Correção de deformidade transversa de maxila associada à cirurgia ortognática: um ou dois tempos cirúrgicos?

 

Correction of maxillary transverse deficiency combined with orthognathic surgery: a single or 2-stage surgical approach?

 

 

Gabriela MayrinkI; Saulo ElleryII; Marcelo Marotta AraújoIII; Roger William Fernandes MoreiraIV

IMestranda em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP/UNICAMP)
IIDoutorando em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP/UNICAMP)
IIIDoutor em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP/UNICAMP). Professor doutor da Disciplina de CTBMF da Faculdade de Odontologia de São José dos Campos- FOSJC –UNESP
IVDoutor em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP/UNICAMP). Professor doutor da Disciplina de CTBMF da FOP/UNICAMP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A deficiência transversa de maxila é uma das deformidades maxilofaciais mais comumente encontradas. Seu tratamento pode ser realizado apenas com uso da ortodontia, se o paciente ainda estiver em fase de crescimento (expansão rápida de maxila). Após a maturação óssea, as opções de tratamento são a expansão rápida de maxila assistida cirurgicamente (ERMAC) ou a osteotomia segmentada da maxila, cada uma com suas indicações, vantagens e desvantagens. O objetivo deste trabalho é o de relatar um caso de ERMAC prévia à cirurgia ortognática e discutir sobre as vantagens em realizar esse procedimento em um ou dois tempos cirúrgicos, além de tecer importantes considerações sobre a técnica.

Descritores: Osteotomia; Técnica de expansão palatina; Maxila.


ABSTRACT

Transverse maxillary deficiency is one of the most common maxillofacial deformities. Its treatment can be conducted 33 only with the use of orthodontics if the patient is still in the growth phase (rapid maxillary expansion). After skeletal maturation, treatment options are surgically assisted rapid maxillary expansion (SARME) or segmented maxillary osteotomy, each with its indications, advantages and disadvantages. This paper reports a case of SARME prior to orthognathic surgery and discusses the advantages of performing this procedure in one or two surgical steps, as well as addressing a number of important considerations regarding the technique.

Keywords: Osteotomy, palatal expansion technique, maxilla


 

 

INTRODUÇÃO

A atresia de maxila é o tipo de deformidade dentofacial mais comumente encontrado1. Seu diagnóstico pode ser feito a partir da avaliação clínica, análise de modelos e medidas radiográficas2.

A análise clínica inclui avaliação da simetria e forma do arco maxilar, concavidade da abóbada palatina, largura dos corredores bucais durante o sorriso, oclusão e modo predominante de respiração do paciente (nasal ou bucal). Um amplo corredor bucal e base alar estreita são sugestivos de deficiência transversa da maxila (DTM).

É importante, ainda, determinar se a DTM é relativa ou absoluta, especialmente nos casos associados com discrepâncias ântero-posteriores. Essa avaliação é feita por meio da análise de modelos, articulando-os e alinhando-os em Classe I de molar. A DTM é considerada relativa, quando após a manipulação, há o descruzamento da mordida (a atresia é resultado da discrepância entre ambos os arcos no plano sagital) e absoluta, quando, mesmo após a manipulação dos modelos, é observada atresia maxilar2.

O tratamento da DTM foi preconizado pioneiramente por Angell em 1860. Ele preconizava o uso de aparelhos que auxiliavam na separação da sutura palatina mediana e suturas maxilares associadas em pacientes em crescimento (Expansão Rápida de Maxila- ERM). Todavia, essa técnica não é útil em pacientes após a fase de maturação óssea1.

Assim, em 1938, Brown descreveu a técnica de expansão rápida de maxila assistida cirurgicamente (ERMAC). Essa técnica inclui osteotomias nas áreas de resistência óssea, como a sutura palatina mediana, o pilar zigomático e a abertura piriforme. Como vantagens da ERMAC, estão a aposição óssea no local da osteotomia, redução do risco de movimentação dentária, quando comparada com a ERM e aumento da estabilidade periodontal3.

As indicações da ERMAC incluem: necessidade de ampliar o perímetro do arco maxilar; correção de mordida cruzada posterior; aumento da amplitude do arco maxilar como procedimento preliminar a uma cirurgia ortognática; proporcionar espaço dentário quando há apinhamento e extrações dentárias não estão indicadas; reduzir a amplitude do corredor bucal durante o sorriso; eliminar as resistências ósseas quando a ERM estiver falhado 2.

Tradicionalmente, um aparelho ortodôntico de ancoragem dentária (expansor Hyrax) é colocado previamente à cirurgia. A ancoragem dentária possui como desvantagens: possíveis danos dentários, perda de ancoragem, compressão periodontal, fenestração da cortical óssea e movimentação dentária. Sua maior vantagem é a facilidade em colocar e remover o aparelho sem a necessidade de anestesia local.

Atualmente, utilizam-se muitos distratores de ancoragem óssea a fim de evitar danos dentários. Esses são colocados diretamente, no osso palatino durante a cirurgia e possuem como principais desvantagens o risco de danos às raízes dentárias durante sua instalação e a necessidade do uso de anestesia local para inserção e remoção do aparelho. Estão contraindicados em pacientes com palato excessivamente atrésico (instabilidade do aparelho) e em imunossuprimidos ou que foram submetidos à radioterapia.2, 3, 4

A correção da atresia maxilar pode ser feita previamente à cirurgia ortognática (2 tempos cirúrgicos) ou juntamente com a correção das demais deformidades maxilo-mandibulares (osteotomia segmentar da maxila). A literatura ainda é controversa ao indicar a melhor forma de tratamento.2, 5, 6, 7

Este trabalho possui como principal objetivo o de relatar um caso bem sucedido de ERMAC previamente à cirurgia bimaxilar e discutir sobre as vantagens e desvantagens da realização deste procedimento em 1 ou 2 tempos cirúrgicos.

 

RELATO DE CASO:

Paciente A.M.R.O, gênero feminino, 33 anos, compareceu ao Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital Policlin (SUS- São José dos Campos- SP), com queixas estéticas e mastigatórias. Durante análise facial, foi observado estreitamento de base alar, ausência de selamento labial com exposição acentuada dos incisivos durante o repouso, falta de projeção em região paranasal, respiração bucal. (Fig 1) Ao exame intrabucal, observou-se mordida cruzada posterior bilateral na região de molares, ausências dentárias, diastemas e posicionamento mais vestibular dos incisivos superiores (Fig 2).

 

 

 

 

A análise de modelos confirmou o diagnóstico de severa atresia maxilar (maior que 7 mm). Associada à deficiência transversa da maxila, a análise radiográfica confirmou o diagnóstico de excesso vertical de maxila. (Fig 3)

 

 

Dessa forma, foi planejada a cirurgia ortognática em 2 tempos cirúrgicos. No primeiro momento, foi realizada a ERMAC, com o uso do Hyrax, sob anestesia geral. A radiografia periapical na região de incisivos centrais superiores certificou-nos da presença de espaço suficiente entre as raízes dentárias para a realização da osteotomia, fazendo-se desnecessária qualquer movimentação ortodôntica prévia à cirurgia. Todas as regiões de maior resistência óssea foram osteotomizadas durante o procedimento cirúrgico (sutura palatina mediana, pilar zigomático, abertura piriforme e junção pterigomaxilar), utilizando-se brocas e cinzéis. A ativação total do aparelho foi realizada durante o procedimento cirúrgico, verificando-se a ausência de interferências ósseas, e depois retornou-se para a posição original. (Fig 4) Após o período de 5 dias, a paciente iniciou a ativação do expansor com ¼ de volta (0,25mm) ao dia. Dois meses após a ERMAC, foi removido o expansor, e iniciada a ortodontia fixa. Após um ano da primeira cirurgia, a paciente apresentava-se com os arcos nivelados e alinhados, preparada para o segundo tempo cirúrgico.

 

 

A segunda cirurgia consistiu de reposicionamento superior e avanço maxilar, associada ao avanço mandibular. A osteotomia sagital da mandíbula permitiu a correção da linha média mandibular que se apresentava desviada para a direita em relação à linha média maxilar. Foram utilizadas serras para as osteotomias, e a fixação iniciou-se pela maxila (placas e parafusos do sistema 2.0 mm), seguindo-se com a fixação da mandíbula (parafusos bicorticais do sistema 2.0 mm).

Após 1 ano e 3 meses da cirurgia ortognática, a paciente apresenta-se com estética satisfatória e oclusão estável. (Fig. 5)

 

 

DISCUSSÃO

A decisão sobre realizar a ERMAC ou uma osteotomia segmentar da maxila ainda diverge entre muitos autores 5, 6, 8 . Cada uma das técnicas possui vantagens e desvantagens, e ambas possuem resultados satisfatórios.

Em relação à estabilidade, sabe-se que a expansão da maxila é o movimento mais instável em cirurgia ortognática após o primeiro ano pós-operatório 8. Comparando-se as duas técnicas, é consenso na literatura que não há diferença nos resultados em longo prazo. Há trabalhos que demonstram estabilidade um pouco superior quando o procedimento é realizado em um único tempo cirúrgico 5, 7.

Como desvantagens da ERMAC, podemos citar o impacto psicológico do paciente a ser submetido a dois procedimentos cirúrgicos, o aumento do tempo e do custo do tratamento. 2, 5, 6

Todavia, quando um movimento maior que 8 mm é necessário, a osteotomia segmentar torna-se menos indicada, devido ao maior risco de necrose avascular e necrose dos segmentos ósseos 9. No caso relatado, a severa atresia maxilar foi determinante para a indicação do procedimento em dois tempos cirúrgicos.

Outras vantagens da ERMAC em relação à osteotomia segmentar incluem: simplificar o preparo ortodôntico para a cirurgia ortognática, visto que o arco maxilar já estará em seu formato ideal; menor morbidade do procedimento; mínima chance de posicionamento inadequado transverso da maxila e diminuição da complexidade da segunda cirurgia 6, 9.

Alguns cuidados devem ser tomados para um resultado adequado da ERMAC. O período de latência após o procedimento cirúrgico deve ser respeitado. O aparelho somente deve ser ativado após essa fase de repouso, que pode variar de 5 a 7 dias, segundo a maioria dos autores. O importante é que haja tempo suficiente para o tecido formar um calo, porém que esse período não seja tão longo a ponto de permitir a consolidação óssea. O protocolo de ativação também varia entre autores, sendo indicada uma média de 0,25mm a 1 mm por dia. Da mesma forma, é importante que esta ativação não seja tão rápida a ponto de gerar uma não-união ou má-união da maxila segmentada e que não seja tão lenta, permitindo que uma consolidação precoce ocorra antes de ser alcançada a expansão desejada.5, 10, 11

O protocolo de ativação utilizado foi de 1 mm ao dia (0,5 mm pela manhã e 0,5mm ao final da tarde) e mostrou-se adequado para uma expansão sem riscos de necrose em papila incisiva ou de má-união.

A escolha do tipo de aparelho foi realizada juntamente com o ortodontista. Dentre os aparelhos de ancoragem dentária, o Hyrax é menos irritante à mucosa palatina e mais higiênico. A bandagem em molares e pré-molares permite uma melhor distribuição das forças, com menor sobrecarga aos periodontos.2, 12

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ERMAC prévia à cirurgia ortognática mostra-se uma opção viável, com diversas vantagens em relação à osteotomia segmentar, apresentando resultados satisfatórios. A escolha de realizar o procedimento cirúrgico em uma ou duas etapas deve ser individualizada para cada paciente. No caso relatado, os dois tempos cirúrgicos facilitaram o preparo ortodôntico, diminuíram a morbidade da segunda cirurgia e possibilitaram um adequado posicionamento intermaxilar pós-operatório.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Gabriela Mayrink
R. Cristiano Cleopath, 1891/31- B dos Alemães
CEP: 13419-310 Piracicaba/ SP
Email: gabrielamayrink@fop.unicamp.br

Recebido em 26/11/2009
Aprovado em 04/03/2010