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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.10 no.3 Camaragibe Jul./Set. 2010

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Vidas em risco: emergências médicas em consultório odontológico

 

Lives at risk: medical emergencies in the dental office

 

 

Isamara Geandra Cavalcanti CaputoI; Glauco José BazzoII; Ricardo Henrique Alves da SilvaIII; Eduardo Daruge JúniorIV

IMestre em Odontologia Legal e Deontologia pela FOP/UNICAMP. Departamento de Odontologia Legal e Deontologia da Faculdade de Odontologia de Piracicaba - FOP/UNICAMP
IIMestre em Odontologia Legal e Deontologia pela FOP/UNICAMP. Departamento de Odontologia Legal e Deontologia da Faculdade de Odontologia de Piracicaba - FOP/UNICAMP
IIIProfessor Doutor da Disciplina de Odontologia Legal – FORP/USP. Departamento de Clínica Infantil, Odontologia Preventiva e Social
IVProfessor Doutor da Disciplina de Odontologia Legal - FOP/UNICAMP. Departamento de Odontologia Social

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O cirurgião-dentista, em sua prática profissional, está intimamente ligado ao risco de deparar-se com ocorrências descritas como emergências médicas. Mesmo não sendo comuns, podem acontecer em ambiente odontológico, acometendo qualquer indivíduo antes, durante ou após uma intervenção. Além dos quadros relativos à saúde de seus pacientes, o profissional também está às vistas com as implicações legais que estas emergências geram. Neste contexto, o presente trabalho teve como objetivo avaliar o número de ocorrências de emergências médicas em consultórios odontológicos, o nível de preparo dos cirurgiões-dentistas para atuarem em quadros de emergência médica que ocorram em seu ambiente de trabalho e o conhecimento das legislações às quais estão submetidos. Os dados foram coletados no município de Ribeirão Preto, Estado de São Paulo. Para a obtenção, foi confeccionado um questionário com questões abertas e estruturadas e um termo de consentimento livre e esclarecido. Tais questionários e termo foram entregues a n=200 profissionais, e, após uma semana, procedeu-se à coleta destes. Conclui-se que há certa insegurança para realizar o procedimento de socorro e um conhecimento insipiente das implicações éticas e legais as quais os cirurgiões-dentistas estão submetidos.

Descritores: Emergências; Ética Profissional; Deontologia; Odontologia.


ABSTRACT

Dental surgeons, in their professional practice, constantly face the risk of being exposed to events described as medical emergencies. Despite not being common, these can happen in the dental office, affecting any individual, before, during or after the dental intervention. Apart from the clinical condition of the patients, the professional also has to deal with the legal implications arising from such emergencies. In this context, the purpose of the present study was to evaluate the number of occurrences of medical emergencies in dental offices, the degree of preparedness of dental surgeons in medical emergencies in their work environment and the extent of their knowledge of the relevant legislation. The data was collected in the city of Ribeirão Preto – SP, following the signing of a free and informed consent document, by means of a questionnaire, with open and structured questions, delivered to 200 professionals and collected a week later. It is concluded that there is a certain insecurity on the part of the professionals in carrying out the required first aid procedure and an insufficient knowledge of the ethical and legal implications that they face.

Descriptors: Emergencies, professional ethics, professional, deontology, dentistry.


 

 

INTRODUÇÃO

Com o avanço da Medicina, pacientes que apresentam enfermidades sistêmicas importantes agora têm uma melhora em sua qualidade de vida e, com isso, está ocorrendo um aumento da diversidade de pacientes que procuram o tratamento odontológico. Pacientes que antes não frequentavam o consultório, por restrições médicas, estão cada dia mais preocupados com sua saúde oral.

A conscientização de que a saúde bucal está relacionada com a saúde geral do paciente tem feito com que pessoas que antes não visitavam Cirurgião-Dentista agora o façam. O profissional da Odontologia tem, em seu local de trabalho, uma maior possibilidade de se defrontar com intercorrências médicas, que não estão necessariamente vinculadas ao tratamento odontológico, porém, mais comumente, às alterações sistêmicas pré-existentes de cada paciente.

O evento emergencial é um estado imprevisto e requer uma ação imediata para a preservação da vida e da saúde. Pode acontecer com qualquer pessoa, a qualquer momento e em qualquer lugar 1. Dessa forma, os profissionais têm que estar aptos e seguros para o manejo de uma emergência. Pesquisas realizadas mostram que o profissional da Odontologia, no geral, não se encontra capacitado para tal procedimento, ficando, assim, dependente exclusivamente da presença médica para poder socorrer seu paciente 2,3,4,5.

É notório que a melhor maneira de se tratar uma emergência médica é preveni-la. Uma boa anamnese fornece informações sobre o estado de saúde do paciente, tornando o procedimento mais seguro, sendo que cerca de 90% das emergências podem ser evitadas com esta medida6. O cirurgião-dentista deve atuar de forma preventiva, através de uma adequada avaliação pré-operatória de seus pacientes, conhecendo os riscos da utilização das drogas a serem empregadas durante o tratamento dentário e minimizando o trauma emocional dos procedimentos operatórios. É importante que o cirurgião-dentista realize uma pré-avaliação da saúde geral do paciente e do seu estado antes do atendimento odontológico, a cada consulta7.

Para um correto atendimento em uma emergência, o profissional e sua equipe auxiliar devem estar preparados, com treinamento em Suporte Básico de Vida (SBV). Nessas ocasiões, o profissional deve ter ações rápidas e corretas; para tanto, também deve ter um preparo psicológico adequado e estar seguro no ato de socorrer 8,9,10,11,12,13,14,15.

O medo do tratamento odontológico existe, está sempre presente e é fonte de aumento da ansiedade, que leva ao estresse, sendo estas as principais causas desencadeantes de urgências e emergências médicas em consultório odontológico, responsável por 75% dos casos16,17,15,6,1,18. Para Guimarães19 (2001), estresse e medo são causas de urgências e emergências no consultório odontológico, podendo fazer o paciente apresentar até mesmo um quadro de angina ou infarto.

Não só o preparo técnico-científico do profissional é importante. O cirurgião-dentista deve também estar preparado, psicologicamente, para atuar nessas intercorrências. Esses eventos podem representar uma grande fonte de tensão e devem ser enfrentados com cautela, pois uma conduta inadequada poderá ser acompanhada de aumento da morbidade e letalidade. O profissional deve saber atuar e ter a segurança dos atos que estará praticando. Diante de uma emergência, o profissional tem que saber diagnosticá-la, e ainda, sustentar a vida do paciente, seguindo os protocolos recomendados até que ele possa receber cuidados médicos especializados1.

A presente pesquisa teve como objetivo avaliar o número de ocorrências de emergências médicas em consultório odontológico, o nível de preparo dos cirurgiões-dentistas para atuarem frente a uma emergência médica que ocorra em seu ambiente de trabalho e o conhecimento das legislações às quais estão submetidos.

 

METODOLOGIA.

Inicialmente, o projeto foi submetido à apreciação e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da FOP-UNICAMP, sob o protocolo 076/2007. Para a realização da pesquisa, foi confeccionado um questionário com questões estruturadas e abertas e um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Foi solicitada ao Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP) a lista dos profissionais atuantes na cidade de Ribeirão Preto-SP. Da listagem concedida, constavam n=1137 cirurgiões-dentistas. Neste universo, foi realizado sorteio aleatório, obtendo uma amostra de 200 profissionais. Não houve nenhum critério de exclusão. Sendo assim, todos os profissionais constantes da lista participaram do sorteio. Foram enviados a cada profissional sorteado um questionário e duas cópias do TCLE, e procedeu-se à coleta destes respondidos após uma semana, sendo alcançados 38% (76) questionários devidamente respondidos.

Os dados obtidos foram analisados por estatística descritiva, apresentando os percentuais de resposta para cada categoria de cada pergunta. Foi realizado o teste estatístico Qui-Quadrado (χ2) ao nível de 5% de significância.

 

RESULTADOS

Referente aos sujeitos da pesquisa, 54,70% eram do gênero feminino, e 45,30%, do gênero masculino, sendo a faixa etária de maior número entre 30 e 40 anos com 37,30%. Especialistas perfizeram um total de 60,60%, enquanto os clínicos gerais totalizaram 39,40%.

Sobre o treinamento em suporte básico de vida, 56,60% possuem este conhecimento, e 43,40% não possuem. Dentre os profissionais que possuíam treinamento, 76,20% eram especialistas, e 23,80%, clínicos gerais. Entre os que não possuíam treinamento, 62,10% eram clínicos gerais. Dessa maneira, ficou demonstrado que a quantidade de clínicos gerais que não possuíam treinamento foi significativamente maior do que os especialistas (p=0,1%; χ2=10,51). (Tabela 1).

 

 

Dos locais onde receberam o treinamento em suporte básico de vida citados pelos profissionais, destacam-se a graduação, 13,30%, especialização, 16,70%, pós-graduação, 26,70%, e a principal fonte de conhecimento relatada foram os cursos extracurriculares com 40,00% (Tabela 2).

 

 

Em relação ao diagnóstico de uma emergência médica, dos profissionais que possuíam treinamento, 22,90% não se julgaram capacitados para diagnosticar uma emergência médica que possa ocorrer em seu ambiente de trabalho, enquanto que, nos profissionais que não possuíam treinamento, esta porcentagem foi maior, totalizando 61,50%. A quantidade de profissional que afirmou ser capaz de diagnosticar uma emergência médica ocorrendo em seu consultório é significativamente maior para aqueles que possuíam o treinamento, enquanto o percentual de profissionais que não se sentiram capacitados para tal diagnóstico é significativamente maior para aqueles que não possuíam o treinamento (p<0,1%; χ2= 11,25).

Dentre os profissionais que realizaram treinamento em suporte básico de vida, 84,20% disseram ser capazes e/ ou seguros para realizar o procedimento de massagem cardíaca externa. Entretanto, os profissionais que não possuíam treinamento, apenas 28,90% sentiam-se capazes. A quantidade de cirurgião-dentista que se julgou capacitado para praticar a massagem cardíaca externa é significativamente maior para aqueles que possuíam o treinamento, enquanto o percentual que não se sentiu capacitado é significativamente maior para aqueles que não possuíam tal treinamento (p<0,1%; χ2=23,62) (Tabela 3).

 

 

Apenas 7,90% dos cirurgiões-dentistas afirmaram possuir, em seus consultórios, convênio com serviço de remoção de paciente, e 97,30% afirmaram que seu pessoal auxiliar não possui treinamento em suporte básico de vida.

Dentre as respostas obtidas(48), 63,20% afirmaram que já tiveram episódios de emergências médicas em seu consultório no decorrer de toda a vida profissional. E neste universo, 37,50% relataram que, nos últimos 12 meses, tiveram entre uma e duas emergências, e 16,70% afirmaram terem tido de três a quatro episódios nos últimos 12 meses (Tabela 4).

 

 

As emergências mais ocorridas em consultório odontológico foram lipotímia/síncope com 40,30% e reação de medo da anestesia com 33,90% (Tabela 5).

 

 

Questionados sobre qual o procedimento em que mais ocorreu um episódio de emergência; 38,30% dos profissionais relataram que as emergências ocorreram mais durante intervenção cirúrgica, 25,50% afirmam que a maior incidência foi logo após o processo anestésico, e 14,90%, durante o processo anestésico.

Sobre as especificações éticas e legais, foi questionado se o profissional tem obrigação prevista em lei de socorrer o paciente que apresente um episódio de emergência médica. 94,70% responderam que sim, mas apenas 4,10% afirmam ter conhecimento das leis que regulamentam esta obrigação, e 95,90% desconheciam essas leis.

 

DISCUSSÃO

A grande maioria das emergências médicas que ocorrem em ambiente odontológico pode ser evitada, porém, quando ocorrem, alguns conhecimentos simples podem diminuir o sofrimento, evitar complicações futuras e salvar vidas.

O fundamental é saber que, em situações de emergência, deve se manter a calma e ter em mente que a prestação de primeiros socorros não exclui a importância de um médico, pois um atendimento de emergência mal executado pode comprometer ainda mais a saúde da vítima, e o cirurgião-dentista deve estar preparado para o diagnóstico da emergência, definindo sua prioridade e a necessidade do atendimento médico especializado.

O treinamento em suporte básico de vida é imprescindível ao profissional, mas a maior preocupação dos profissionais ainda é com a atualização e capacitação técnica odontológica, apenas. Geralmente, a atenção do profissional está dirigida apenas às novas técnicas, materiais e equipamentos para o consultório, deixando, de lado, a sua maior missão, que é a de cuidar da saúde e vida de seu paciente.

Pouco mais da metade dos profissionais entrevistados (56,60%) afirmaram que realizaram o treinamento em suporte básico de vida. Dessa forma, podemos afirmar que os profissionais atuantes nem sempre estão preparados para socorrer seus pacientes em uma possível emergência médica. As manobras exigidas durante o socorro de um paciente necessitam de rapidez e conhecimentos profundos em toda sua sequência e, mesmo sendo um procedimento relativamente simples, o profissional que vai realizá-la estará sob forte estresse e tem que saber administrar isso, para não causar prejuízos ao paciente. O treinamento em emergências médicas deve ser efetuado com regularidade, sendo preconizada pela American Heart Association – AHA20 – (2005) uma reciclagem a cada dois anos.

Nos dados obtidos, verificou-se que 40,00% dos profissionais receberam seu treinamento em cursos extracurriculares, sendo que apenas 13,30% obtiveram na graduação, e 16,70%, em cursos de pós graduação. Estes dados mostram que o profissional é pouco preparado na graduação e na pós-graduação, tendo ele mesmo que buscar a educação continuada após ter se formado. A partir de 2001, através da Resolução CFO 22/2001, do Conselho Federal de Odontologia (CFO), a disciplina de Emergência Médica consta da área conexa de todos os cursos de especialização, tendo como carga horária mínima 15 horas (Resolução CFO 25/2002), podendo ser ministrada por médico ou cirurgião-dentista, sendo este necessariamente especialista em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial. Mesmo sendo obrigatória, nos cursos de pós-graduação, nem todos a ministram, pois pudemos verificar que o maior índice dos locais de aprendizado foram cursos extracurriculares. Dentro da graduação, esta disciplina não é obrigatória e, quando ministrada, normalmente é realizada dentro da própria disciplina de Cirurgia. Como a disciplina de Emergências Médicas não faz parte do currículo regular dos cursos de graduação, os formandos não aprendem a prestar o devido socorro e só irão se ater a essa importância no momento em que uma emergência ocorrer em seu dia a dia.O cirurgião-dentista deve estar preparado para intervir nesses episódios e, também, saber reconhecer e diagnosticar que estes estão acontecendo ou quando estão mais predispostos a acontecer, pois o quanto antes ocorrer a intervenção, maiores serão as chances de o paciente se recuperar, sem apresentar sequelas.

Analisando o perfil dos profissionais, entre os profissionais que realizaram treinamento em suporte básico de vida, 84,20% disseram ser capazes e ou seguros para realizar o procedimento de massagem cardíaca externa. Entretanto, dos profissionais que não possuíam treinamento, apenas 28,90% sentiam-se capazes. Dos profissionais que possuíam treinamento, 22,90% não se julgaram capacitados para diagnosticar uma emergência médica que possa ocorrer em seu ambiente de trabalho, enquanto que em relação aos profissionais que não possuíam treinamento, esta porcentagem foi maior, totalizando 61,50%. No trabalho de Ricci et al21. (1989), dos 420 entrevistados, apenas 25% foram considerados aptos para as emergências médicas mais comuns, demonstrando total despreparo para os procedimentos que possibilitem acesso às vias respiratórias, seja ele por via oral (entubação) ou cirúrgico (traqueostomia).

Mais da metade dos profissionais entrevistados (63,20%) já apresentaram algum episódio de emergência médica em seu consultório no decorrer da vida profissional, e, nos últimos 12 meses, 37,50% relataram que tiveram entre 1 a 2 emergências, e 16,70% afirmaram terem tido de 3 a 4 episódios. O número de emergências em consultórios odontológicos está aumentando a cada dia, e estudos prévios mostram que estes episódios não são tão raros quanto se imagina. Ricci et al21 (1989) afirmaram que 50% dos entrevistados tiveram, em seu ambiente de trabalho, intercorrências emergenciais leves, como, por exemplo, lipotímias, neuroses e psicoses leves e pequenas hemorragias e que 25% dos entrevistados tiveram, pelo menos, uma vez em seu consultório ocorrências emergenciais complexas de alto risco, como angina do peito, infarto agudo do miocárdio e eventos alérgicos. Os profissionais entrevistados relataram vários episódios de emergências durante a vida profissional, sendo que a maioria deles, episódios leves, como lipotímias, com 40,30% vindo de encontro com o trabalho supracitado. Houve relato de algumas emergências mais graves, como, por exemplo, parada cardiorespiratória e choque anafilático com 0,30% dos resultados cada um e convulsão com 2,60% do total das emergências relatadas. Malamed6 (1993) também afirmou que a síncope é responsável por cerca de 50% das emergências que ocorrem em consultório odontológico. Este fato pode ser explicado pela situação de estresse que faz com que o sangue seja direcionado para pernas e braços, preparando o corpo para uma "luta", em resposta a um perigo. Sem uma adequada irrigação, o cérebro não pode funcionar apropriadamente, e o paciente responde, desmaiando.

O procedimento em que houve mais relatos de ocorrências de uma emergência, foram os procedimentos cirúrgicos com 38,30%, seguido após o processo anestésico com 25,50% e 14,90% durante o processo anestésico. Em 1993, Malamed6 acrescentou ainda que as emergências ocorrem durante ou imediatamente após a administração do anestésico local ou durante

o tratamento dental, sendo que, nestes casos, cerca de 38% das emergências ocorrem durante o procedimento de extração e 26% durante o procedimento de extirpação pulpar, dois procedimentos que necessitam de um adequado controle da dor, que frequentemente é difícil de se obter. Para Atherton et al.22, 2000, os procedimentos cirúrgicos parecem estar mais associados a episódios de emergências médicas do que outros tipos de tratamento odontológico. Malamed1 atribui este fato a:

1. A cirurgia gera estresse mais frequentemente;

2. Comumente, um grande número de medicamentos é administrado a pacientes que irão se submeter a procedimentos cirúrgicos;

3. A realização do procedimento cirúrgico demanda consultas mais demoradas.

Assim se mostra a necessidade de o profissional que atua na área cirúrgica estar mais preparado, pois a frequência de episódios de emergências nessa área de atuação é maior. As demais especialidades bem como os clínicos gerais também devem estar preparados, pois, mesmo ocorrendo mais em procedimentos cirúrgicos, esses episódios foram relatados nas demais áreas de atuação.

Como verificado, com relação às especificações éticas e legais, a maioria dos profissionais desconhecem as leis e normativas da profissão no tocante às emergências médicas. Nesse sentido, a Lei 5081/6623, que regulamenta o exercício da Odontologia, em seu Artigo 6º, Inciso VIII, preconiza: "Prescrever e aplicar medicação de urgência no caso de acidentes graves que comprometam a vida e a saúde do paciente". E, complementado pelo Código de Ética Odontológica (CEO)24, capítulo III – Dos Direitos e Deveres Fundamentais dos Profissionais, artigo 5º, inciso V, afirma: "zelar pela saúde e pela dignidade do paciente".

Tais conceitos são reforçados na Consolidação das Normas para Procedimentos nos Conselhos de Odontologia25 de 2005, em seu capítulo II – Atividades Privativas do Cirurgião-Dentista, artigo 4º, parágrafo 1º, inciso II: "prescrever e aplicar especialidades farmacêuticas de uso interno e externo, indicadas em Odontologia" e inciso VIII, "prescrever e aplicar medicação de urgência no caso de acidentes graves que comprometam a vida e saúde do paciente".

Quase a totalidade dos respondentes (94,70%) afirmaram que o profissional tem obrigação prevista em lei de socorrer o paciente que apresente um episódio de emergência médica, mas apenas 4,10% afirmam ter conhecimento das leis que regulamentam esta obrigação, e 95,90% desconheciam essas leis. Isso demonstra que o profissional não só está despreparado tecnicamente para o socorro de uma emergência médica como também está totalmente despreparado legalmente, não sabendo dos seus direitos e deveres como profissional da saúde e como cidadão.

Pela legislação brasileira vigente, qualquer cidadão pode prestar serviços de Suporte Básico de Vida (SBV), bastando que ele esteja habilitado para tal. A omissão de socorro é regida pelo Código Penal26, em seu Artigo 135: "deixar de prestar socorro à vítima de acidentes ou pessoas em perigo iminente, podendo fazê-lo, é crime", e o Cirurgião-Dentista não foge a esta regra, podendo ter um agravado emcondiçõesconhecidascomoRelevânciadaOmissãoque é descrito no parágrafo 2, do mesmo artigo: "A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado".

Ademais, além das imputações civis e criminais que possa acarretar ao profissional, a omissão configura falta ética, sujeitando o profissional a sanções que podem ir desde a advertência à perda do diploma.

A responsabilidade civil do profissional cabe a qualquer ato que ele pratique em sua carreira, e a emergência não é uma situação que está fora dessa jurisdição. Além da esfera civil, o profissional também pode ser enquadrado na esfera criminal; esta, por sua vez possui pressupostos mais rígidos.

Para que se comprove a culpa do profissional, seus atos devem estar incluídos nas modalidades de imprudência, imperícia ou negligência, e poderá ser condenado, criminalmente, pelos delitos de lesões corporais culposas ou mesmo por homicídio doloso. A responsabilidade civil decorre, normalmente, de um dano causado por um ato culposo do agente, mas, para que isso seja comprovado, deve-se ter: o dano indenizável, a conduta culposa e o nexo de causalidade27.

O cirurgião-dentista, como profissional da área da saúde, deve ter a consciência de que está lidando com vidas humanas, e, com isso, assumir os riscos e as responsabilidades inerentes à profissão. Devem, pois, procurar uma formação profissional adequada, para que os problemas de ordem técnica, ética e legal sejam minimizados na sua prática. Como não há, porém, uma obrigatoriedade de cursos regulares de capacitação, o assunto torna-se esquecido por não ser colocado em prática periodicamente, já que as emergências médicas são consideradas situações raras no consultório odontológico.

 

5. CONCLUSÕES

É possível concluir que há um número elevado de emergências médicas em Odontologia nos consultórios de Ribeirão Preto-SP, uma grande insegurança e um conhecimento insipiente das implicações éticas e legais às quais os cirurgiões-dentistas estão sujeitos.

 

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Endereço para correspondência:
Isamara Geandra Cavalcanti Caputo
Rua Casemiro de Abreu, 572 – Vila Seixas
Ribeirão Preto – SP. Cep: 14020-060
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E-mail: isa_cavalcanti@hotmail.com

Recebido em 12/01/2010
Aprovado em 30/03/2010