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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.10 no.3 Camaragibe Jul./Set. 2010

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Prevalência de complicações oftalmológicas em portadores de fraturas do complexo zigomático

 

Prevalence of ophthalmic complications in individuals with fractures of the zygomatic complex

 

 

Arlei CerqueiraI; Miguel Gustavo Setúbal AndradeII; Amélia Tereza Ferreira Teixeira LimaIII; Julia do Amaral TorresIII

IDoutor em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial. Assistente do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital Geral Roberto Santos / Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública
IIDoutor em Imunologia. Assistente do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital Geral Roberto Santos / Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública
IIICirurgiã-dentista. Graduada pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: Realizar estudo observacional e retrospectivo da prevalência de complicações oftalmológicas em indivíduos portadores de fratura de complexo zigomático.
MATERIAL E MÉTODO: Foi realizada a análise retrospectiva por consulta a prontuários dos pacientes atendidos no ambulatório de Cirurgia Buco-Maxilo-Facial do Hospital Geral Roberto Santos, no período de janeiro de 2005 a junho de 2009.
RESULTADOS: Este estudo mostrou uma maior incidência de fraturas no sexo masculino, sendo a amostra composta por 70 homens (92,2%) e 6 mulheres (7,8%) com idade média de 20 a 39 anos. Dentre as causas, destacaram-se os acidentes de trânsito, envolvendo, motocicleta, carros e bicicleta que foram os agentes etiológicos mais comuns em ambos os sexos, perfazendo um total de 41 casos (54,0%). As complicações oftalmológicas observadas podem ser classificadas em menores (transitórias) e maiores (que necessitam de tratamento adicional).
CONCLUSÃO: Pacientes portadores de fraturas 67 do complexo zigomático apresentam incidência elevada de complicações oftalmológicas, o que justifica o atendimento multidisciplinar desses pacientes.

Descritores: Fraturas Zigomáticas; Incidência; Complicações oftalmológicas.


ABSTRACT

OBJECTIVES: To conduct an observational and retrospective study of the prevalence of ophthalmic complications in individuals with fractures of the zygomatic complex.
MATERIAL AND METHODS: This retrospective analysis was carried out by consulting the records of the patients treated at the Oral and Maxillofacial Surgery Clinic of the Roberto Santos General Hospital from January 2005 to June 2009.
RESULTS: The study, comprising 70 men (92.2%) and 6 women (7.8%) aged between 20 and 39 years, showed a higher incidence of fractures in males. Road accidents involving motorcycles, cars and bicycles were the most common etiological agent in both sexes, accounting for a total of 41 cases. The ophthalmic complications observed can be classified as minor (transitory) and major (requiring further treatment).
CONCLUSIONS: Patients with fractures of the zygomatic complex present a high incidence of ophthalmic complications, which justifies their treatment in a multidisciplinary fashion.

Descriptors: zygomatic fractures; incidence; ophthalmic complications.


 

 

Nas últimas décadas, é evidente o crescimento da incidência de traumas, decorrente do aumento da violência interpessoal, velocidade dos meios de transportes e maior exposição individual em esportes de risco, entre outros fatores1. No que tange às fraturas faciais, as do complexo zigomático estão entre as mais frequentes, devido a sua localização proeminente no complexo maxilofacial, sendo um dos pontos mais vulneráveis ao traumatismo2.

Os traumas em terço médio da face, com deslocamento do osso zigomático, podem gerar alterações funcionais significantes, com prejuízos oculares e visuais, visto que esse osso é importante constituinte de parte do assoalho e parede lateral da cavidade orbita13.

A possibilidade de complicações oftalmológicas aumenta a morbidade dos pacientes portadores de fratura do complexo zigomático, podendo variar em complexidade. Existem relatos na literatura de complicações menores, reversíveis, como a equimose subconjutival, e mais severas, irreversíveis ou, pelo menos, de difícil resolução, como a diplopia, o estrabismo e a amaurose4,5,6.

A prevalência de complicações oftalmológicas em fraturas de terço médio de face varia amplamente na literatura, com índices entre 20% e 90% 3,4,7, o que justifica uma investigação, considerando características regionais. O objetivo desse trabalho é o de realizar um estudo observacional e retrospectivo da prevalência de complicações oftalmológicas em indivíduos portadores de fratura de complexo zigomático.

 

MATERIAIS E MÉTODO

Para este estudo, foi realizada a análise retrospectiva dos pacientes atendidos no ambulatório de Cirurgia Buco-Maxilo-Facial do Hospital Geral Roberto Santos, no período de janeiro de 2005 a junho de 2009.

Como critérios de inclusão, foram selecionados pacientes portadores de fraturas isoladas do complexo zigomático, sem história prévia de alterações visuais ou doenças sistêmicas com manifestações oftalmológicas, como penfigoide ou diabetes e, ainda, de acordo com a disponibilidade de informações em seus prontuários.

A análise retrospectiva foi realizada por meio de prontuários, preenchidos pelos residentes, no ambulatório do Serviço, em que foram analisados gênero, faixa etária, agente etiológico e a presença de complicações oftalmológicas.

 

RESULTADOS

Foram selecionados 76 prontuários de pacientes portadores de fratura isolada do complexo zigomático, preenchendo os critérios de inclusão. Nosso estudo mostrou que o sexo masculino foi o mais acometido, sendo a amostra composta por 70 homens (92,2%) e 6 mulheres (7,8%). A faixa etária comumente acometida variou entre 20 a 39 anos (Gráfico I).

 

 

Acidentes de trânsito envolvendo motocicleta, carros e bicicletas foram os agentes etiológicos mais comuns em ambos os sexos, perfazendo um total de 41 casos (54%), seguidos de agressão física 19 casos (25%), queda da própria altura, com 9 casos (11,8%) e acidentes esportivos, coice de animais, ferimento por arma de fogo, entre outros que corresponderam a 7 casos (9,2%) (Gráfico II).

 

 

Dos 76 pacientes avaliados, 34 (44,7%) não apresentaram qualquer alteração oftalmológica, apresentando movimentação ocular extrínseca normal, sem queixas visuais e pupilas isocóricas e fotorreagentes; outros 42 indivíduos (55,3%) apresentaram alterações que variavam em complexidade.

Quanto às alterações oftalmológicas de maior gravidade por indivíduo, foram encontrados 26 casos de equimose subconjuntival (34,2%), 6 casos de redução da acuidade visual (7.8%), 3 casos de hematoma retrobulbar (3.9%), 2 casos de diplopia (2.6%), 4 casos de amaurose (5,2%), 1 caso de estrabismo (1,3%) (Tabela I).

 

 

DISCUSSÃO

Estudos epidemiológicos acerca dos traumas de face do Brasil ainda são raros e pouco abrangentes. A importância desses estudos se traduz em ações preventivas, buscando diminuir a prevalência dos eventos estudados e, ainda, reduzir gastos públicos com vítimas de trauma e seus respectivos danos à sociedade2,8. Este estudo objetivou delinear as complicações oftalmológicas em pacientes traumatizados de face, permitindo prevenir e abordar precocemente tais complicações, minimizando sequelas permanentes.

Obviamente, estudos epidemiológicos devem levar em consideração as características da população analisada, antes de se inferir qualquer comparação. Variantes, como a época do estudo, zona urbana ou rural, distribuição de renda e qualidade de vida da região, certamente afetam os resultados de estudos relacionados ao trauma9. O primeiro aspecto observado em nosso estudo foi a predominância na incidência de trauma facial dos homens sobre as mulheres, 92,2% e 7,8%, respectivamente. Resultados semelhantes foram observados tanto na literatura nacional2,9,10,11,12, quanto internacional3,4. A prevalência maior no gênero masculino se deve, certamente, à maior exposição ao trânsito e à violência urbana, esportes de contato e abuso de álcool1,7,12. Com relação à faixa etária mais frequente, também observamos consenso entre os autores, sendo, neste caso, a maior incidência na faixa entre 20 e 39 anos. Mais uma vez, aspectos sociais relacionam-se com o pico de incidência. Indivíduos jovens estão comumente expostos a risco de acidentes e violência, justamente a população economicamente ativa, o que confere prejuízos econômicos diretos e indiretos2,9,10,11.

No que tange à etiopatogenia principal dos traumatismos faciais, surgem dados controversos entre autores nacionais e estrangeiros. Nosso estudo colabora com os achados de Brasileiro e Passeri (2006)9 e Motovani et al. (2006)1 em que a maioria dos traumas foram decorrentes de acidentes de trânsito, seguido da violência interpessoal, enquanto Al-Qurainy et al. (1991a)4 e Barry et al. (2008)3 observam a violência urbana como fator preponderante. Porém, dados do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo têm demonstrado o aumento de agressões físicas nos últimos anos, quando comparada com os acidentes de trânsito13. A despeito de medidas de controle do álcool e da violência no trânsito, adotadas recentemente pelo governo brasileiro, ainda não foi possível observar a predominância de outros agentes etiológicos neste estudo, diferente de estudos realizados em países desenvolvidos6.

Raramente fraturas de zigomático ocorrem de maneira isolada, sendo fundamental uma avaliação sistemática e de abrangência multidisciplinar, envolvendo especialidades, como oftalmologia, cirurgia bucomaxilofacial e neurocirurgia, resultando no diagnóstico preciso das alterações e em um plano de tratamento adequado3,14. Este estudo avaliou a incidência de alterações oftalmológicas, manejadas pelo especialista nesta área, não considerando alterações de posicionamento do globo, estas solucionadas pelo cirurgião bucomaxilofacial, a fim de validar a premissa de avaliação oftalmológica para todos os pacientes com trauma em terço médio de face postulada por outros autores3,4,6.

Estudos apontam índices bastante discrepantes em termos de complicações oftalmológicas. Neste caso, as complicações foram observadas em aproximadamente 55% da amostra, o que consideramos um número expressivo, tratando-se de prevalência. Dados variados podem ser justificados pelo fato de a avaliação ter sido realizada por cirurgiões, ao invés de oftalmologistas, ou, ainda, por alguns estudos considerarem achados ditos menores ou transitórios, como a equimose subconjunti-val em sua estatística3,6 e insuficiência de convergência ou falha na acomodação16. Outra justificativa para as discrepâncias observadas são os critérios de inclusão, em que autores como Al-Qurainy et al. (1991a)4 consideraram pacientes com fraturas complexas de face altera, em que obviamente se esperam danos maiores7.

Considerando as complicações oftalmológicas observadas neste estudo, pudemos observar o caráter transitório de complicações menores, como a equimose subconjuntival e a redução da acuidade visual, causadas pelo traumatismo direto ao globo ocular, além de complicações maiores, como o hematoma retrobulbar, que, se não devidamente manejado poderá culminar com a perda da visão6.

As complicações mais frequentes foram a equimose subconjuntival, respondendo por 34%, seguida da diminuição da acuidade visual (7,8%). Alterações consideradas menores e autoresolvidas não fazem parte de outros estudos nesta linha.

A diplopia pode ser classificada em monocular, quando decorrente da luxação do cristalino, ou binocular, quando relacionada às alterações de posicionamento do globo ocular15. Os episódios de diplopia estavam relacionados com a alteração de posicionamento do globo e foram tratados com a reconstrução das paredes orbitárias, embora outros estudos apontem a resolução espontânea do referido quadro clínico4,6. O único caso de estrabismo documentado neste estudo apresentava histórico de traumatismo cranioencefálico, cursando com fotofobia e desenvolveu estrabismo convergente após a abordagem cirúrgica para redução e fixação do zigomático, associado à reconstrução do assoalho orbital com malha de titânio, tendo solucionado espontaneamente, após seis meses.

Os casos descritos de amaurose estavam relacionados com hematoma retrobulbar que, de acordo com Araújo et al. (2007)5, uma vez diagnosticado, deve ser tratado com urgência, realizando drenagem precoce e administração de manitol, com a finalidade de evitar a perda definitiva da visão. Ashar et al. (1998)7 observaram 22% de cegueira em casos de fratura facial envolvendo a cavidade orbital. É possível que o retardo no atendimento destes pacientes ou mesmo falha no diagnóstico tenham permitido que um quadro passível de controle tenha causado dano irreversível. Isso justifica a abordagem transdisciplinar no atendimento em unidades de emergência preconizada por outros autores.

Estudos importantes têm relacionado a energia do trauma e características das fraturas com as complicações oftalmológicas7,17 o que pode aumentar ainda mais a incidência de lesões oftalmológicas em casos específicos, como as fraturas blow-out verdadeiras. Os dados deste estudo bem como os observados na literatura confirmam a importância da avaliação oftalmológica especializada em pacientes traumatizados em terço médio de face.

 

CONCLUSÃO

A prevalência de complicações oftalmológicas em pacientes portadores de fraturas do complexo zigomático apresenta índices significativos, o que demanda profissionais adequadamente qualificados e a abordagem multidisciplinar para o diagnóstico e instituição precoce de medidas terapêuticas, visando diminuir a morbidade e a possibilidade de sequelas.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Prof. Dr. Arlei Cerqueira
Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública – Curso de Odontologia
Av. Silveira Martins, 3386 – Cabula
Salvador / BA - CEP. 41.150-100
arlei@bmf.odo.br

Recebido em 29/10/2009
Aprovado em 31/03/2010