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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.11 no.1 Camaragibe Jan./Mar. 2011

 

 

Acidentes durante a realização da osteotomia sagital do ramo mandibular: relato de caso

 

Accidents during the course of the sagittal split osteotomy of the mandibular ramus: Literature review and case report

 

 

Claudio Ferreira NóiaI; Rafael Ortega-LopesII; Henrique Duque de Miranda Chaves-NettoIII; Frederico Felipe Antônio de Oliveira NascimentoIV; Renato MazzonettoV

I Mestre em CTBMF pela FOP/Unicamp, Doutorando em CTBMF pela FOP/Unicamp.
II Mestre em CTBMF pela FOP/Unicamp, Doutorando em CTBMF pela FOP/Unicamp.
III Mestre e Doutor em CTBMF pela FOP/Unicamp.
IV Mestre e Doutor em CTBMF pela FOP/Unicamp.
V Professor Titular da Área de CBMF da FOP/Unicamp.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A osteotomia sagital do ramo mandibular é um procedimento amplamente utilizado para a correção de deformidades dentofaciais, tanto para aquelas que necessitam de avanços ou recuos mandibulares. Diversos autores realizaram estudos e sugeriram modificações procurando aperfeiçoar esta técnica, sendo que na atualidade este pode ser considerado um procedimento corriqueiro, versátil e previsível. Mas, como toda técnica cirúrgica, ela não esta livre da ocorrência de acidentes e complicações. Sendo assim, o objetivo do presente trabalho é relatar o caso clínico de uma paciente submetida à realização de OSRM para tratamento de retrognatismo mandibular, onde durante o procedimento cirúrgico houve uma fratura indesejada no segmento proximal, bem como a descrever forma de tratamento realizada.

Descritores: Cirurgia Maxilofacial; Osteotomia; Fixação Interna Rígida.


ABSTRACT

The sagittal split osteotomy of the mandibular ramus is a widely used procedure for the correction of dentofacial deformities, both for those who require mandibular advances or retreats. Several authors have conducted studies and suggested changes trying to perfect this technique, and at present this procedure can be considered predictable and versatile. But, like any surgical technique, it is not free of accidents and complications. Therefore, the objective of this study is to report the case of a patient submitted to a sagittal split osteotomy of the mandibular ramus for treatment of mandibular retrognathia, where during the surgical procedure was an unwanted fracture in the proximal segment, as well as to describe a form of treatment performed.

Keywords: Maxillofacial Surgery; Osteotomy; Rigid Internal Fixation.


 

 

INTRODUÇÃO

A osteotomia sagital do ramo mandibular (OSRM) é um procedimento amplamente utilizado para a correção de deformidades dentofaciais, tanto para aquelas que necessitam de avanços ou recuos mandibulares. Os estudos relacionados à utilização da OSRM foram iniciados por Schuchardt em 19421, mas foram Trauner e Obwegeser em 19572 que introduziram e apresentaram as bases sólidas para a realização desta técnica. Esses autores foram os primeiros a descrever a realização da técnica através do acesso intrabucal3-7.

Após isso, a OSRM tem sofrido modificações tanto em relação à execução da técnica propriamente dita, quanto às relacionadas à fixação interna rígida, e com isso vem evoluindo a cada dia, tornando-se cada vez mais um procedimento versátil, previsível e corriqueiro entre os cirurgiões3,6-15. Porém, como toda técnica cirúrgica, ela não esta livre da ocorrência de acidentes e complicações.

Os acidentes mais freqüentes desta técnica são vistos durante a execução e especialmente durante a separação dos segmentos osteotomizados, podendo-se destacar as fraturas desfavoráveis ou indesejadas e a injúria ao nervo alveolar inferior16-17. Os primeiros relatos da literatura em relação à ocorrência de acidentes durante a OSRM são de White et al., 1969, relatando a presença de uma fratura cominutiva da tábua vestibular decorrente de problemas relacionados ao desenho de uma osteotomia.

Em 1985, Turvey18 publicou um estudo sobre os acidentes relacionados à osteotomia sagital do ramo mandibular. Nesse trabalho, o autor mostrou a incidência de 8,2% de acidentes durante a realização da OSRM em 256 ramos mandibulares. Desse universo de 8,2% de acidentes, que corresponde a 21 ramos mandibulares, nove casos foram de secção do nervo alveolar inferior (NAI), oito casos de fratura desfavoráveis no segmento proximal, três casos foram de hemorragia e um caso de fratura desfavorável no segmento distal.

Müller19 (2003) avaliou 36 pacientes que se submeteram a cirurgia ortognática e que apresentaram algum tipo de complicação. Este autor observou que em relação à OSRM os acidentes mais comuns foram à injúria do nervo alveolar inferior, fraturas desfavoráveis e falha no sistema de fixação óssea.

Diante do exposto, o objetivo do presente trabalho é relatar o caso clínico de uma paciente submetida à realização de OSRM, onde durante o procedimento cirúrgico houve uma fratura indesejada no segmento proximal, bem como a descrever forma de tratamento realizada.

 

RELATO DE CASO

Paciente L. F. S, gênero feminino, 40 anos de idade, leucoderma, foi encaminhada a Área de Cirurgia Buco-Maxilo-Faciais da Faculdade de Odontologia de Piracicaba, da Universidade Estadual de Campinas (FOP/Unicamp) para tratamento cirúrgico de deficiência ântero-posterior de mandíbula. Durante anamnese a paciente não relatou nenhuma ocorrência de trauma ou dado médico relevante. Ao exame clínico e radiográfico comprovou-se o retrognatismo mandibular e a necessidade de procedimento cirúrgico para correção (Figuras 01 e 02).

 

 

 

 

 

O plano de tratamento proposto foi à realização de OSRM para um avanço mandibular de aproximadamente 06 mm. Para isso, a paciente foi levada à ambiente hospitalar, sob anestesia geral, com intubação nasotraqueal.

Inicialmente foi realizado o acesso ao longo da linha obliqua mandibular e o descolamento mucoperiosteal da região, conforme preconizado por Epker, 197710. Dando seqüência ao procedimento, realizou-se as osteotomias, começando pelo corte horizontal medial, seguido pelo corte sagital e por último o corte vertical lateral.

Para separação da osteotomia, posicionou-se o separador de alavanca de Smith junto à borda inferior da mandíbula e o separador articulado de Smith junto à porção média do corte sagital. Durante a realização dos movimentos para separação ocorreu uma fratura no longo eixo do segmento proximal, de modo a dividir este segmento em dois, sendo uma porção inferior ou basal que continha o côndilo mandibular, e outra superior que continha o processo coronóide (Figura 03).

 

 

 

A finalização do procedimento cirúrgico obtendose o avanço mandibular planejado e a resolução da fratura indesejada foi alcançada por meio da colocação de uma placa de 04 furos do sistema 2.0mm de forma a unir a porção inferior do segmento proximal com o segmento distal, e a colocação de 01 parafuso unindo a porção superior do segmento proximal com o segmento distal (Figura 04).

 

 

 

Durante os primeiros 45 dias de pós-operatórios a paciente foi acompanhada periodicamente, sendo mantida com bloqueio maxilomandibular através de elásticos ortodônticos e tendo sua dieta restrita a alimentos líquidos e pastosos. Após esse período a paciente foi encaminhada ao fisioterapeuta para tratamento visando melhora da abertura bucal, bem como da movimentação mandibular, e ao ortodontista para finalização ortodôntica do caso (Figura 05).

 

 

 

DISCUSSÃO

Desde o seu surgimento, a OSRM tem representado um meio eficaz para o tratamento das deformidades dentofaciais mandibulares. No decorrer de anos, diversos autores realizaram estudos e sugeriram modificações procurando aperfeiçoar esta técnica, sendo que na atualidade este pode ser considerado um procedimento corriqueiro, versátil e de grande utilização pelos cirurgiões mundiais. A realização da mesma através do acesso intrabucal proporcionou maior tranquilidade aos profissionais, e menor incômodo aos pacientes, visto que deste modo, esse procedimento diminui os riscos de lesões a estruturas faciais importantes, além da inexistência de cicatriz visível na pele16 (Costa, 2004).

Dentre as modificações que procuraram aperfeiçoar a técnica de OSRM, podemos destacar a proposta por Epker (197710), Wolford et al., (198712) e Wyatt (199715). Esses autores realizaram as modificações que se popularizaram entre os cirurgiões, vindo a se tornar as mais comumente utilizadas. Diante disso, Nascimento (201017), avaliou comparativamente o comportamento mecânico através de teste de carregamento linear de força e deslocamento, os desenhos de osteotomia sagital propostos por esses autores. Para isso, o autor utilizou 30 réplicas de hemimandíbulas humanas de poliuretano, sendo 10 réplicas para cada um dos desenhos de osteotomia sagital propostos. Foi padronizada a realização de fixação interna rígida em todas as réplicas de todos os grupos por meio de três parafusos de titânio (2.0x14mm) dispostos em L invertido. Os resultados mostraram que não existem diferenças estatisticamente significante através do teste de carregamento linear entre o desenho proposto por Epker (197710) e Wolford et al., (198712), e que o desenho proposto por Wyatt (199715) possui resultados inferiores quando comparados a estes, sendo esses dados estatisticamente significante.

Apesar de todas as modificações na técnica de OSRM proposta por diversos autores no decorrer de décadas, alguns acidentes podem acontecer durante a realização desta técnica cirúrgica. Isto ocorre proveniente de características anatômicas de cada paciente ou relacionadas ao grau de experiência do cirurgião20. Dentre esse acidentes podemos destacar as osteotomias inadequadas entre os segmentos proximal e distal, que tem sido descritos com taxas de incidência variando entre 03 e 20%16,18-19,21. No caso clínico relatado no presente trabalho houve uma fratura indesejada no segmento proximal durante a separação da osteotomia, de modo a dividir este segmento em duas porções. Dentre as possíveis causas para ocorrência desta fratura indesejada podemos apontar a pouca experiência do cirurgião, visto que se tratava de um aluno de pós-graduação em processo de aprendizado.

O advento da fixação interna rígida (FIR) trouxe maior tranquilidade aos cirurgiões, sobretudo nos casos em que ocorrem algum tipo de fratura indesejada, pois proporciona fixações estáveis e resultados previsíveis. Nos dias atuais a utilização de FIR para tratamento de segmentos fraturados ou osteotomizados constitui uma manobra cirúrgica amplamente empregada, com base científica sólida e cujos benefícios aos pacientes são indiscutíveis quando aplicados corretamente os princípios da síntese óssea22-23. No caso clínico apresentando neste trabalho, o avanço mandibular planejado e o tratamento da fratura indesejada que ocorreu foi realizado através de FIR, sendo colocada uma placa reta de 04 furos unindo a porção inferior do segmento proximal com o segmento distal e um parafuso unindo a porção superior do segmento proximal com o segmento distal.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A técnica de OSRM é um procedimento versátil, corriqueiro e amplamente utilizado pelos cirurgiões para o tratamento de deformidades dentofaciais mandibulares. Mas como toda técnica cirúrgica, esta também é passível de acidentes, devendo o cirurgião estar apto a tratar quaisquer acidente que possa ocorrer. A FIR proporciona resultados previsíveis mesmo nos casos de fraturas indesejadas, o que torna a sua utilização uma manobra de indiscutível benefício aos pacientes.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência:
Claudio Ferreira Nóia
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