SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.11 número1 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.11 no.1 Camaragibe Jan./Mar. 2011

 

 

Caso raro de carcinoma epidermoide de lábio superior em paciente feoderma

 

Rare case of squamous cell carcinoma of superior lip in brown-skinned patient

 

 

Laurindo Moacir SassiI; Jean Carlos Della GiustinaII; Thiago Serafim CesaII; Roberta Targa StramandinoliIII; MSc Juliana L. SchusselIII

I Chefe do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial – Hospital Erasto Gaertenr – HEG
II Residente de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial – Hospital Erasto Gaertenr – HEG
III Cirurgiã- dentista do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial – Hospital Erasto Gaertenr – HEG

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O câncer de boca é uma das neoplasias malignas mais freqüentes, sendo a região labial um dos sítios mais acometidos. O carcinoma epidermoide de lábio (CEL) acomete pessoas de pele clara e com pouca capacidade de bronzeamento, estando diretamente relacionado a exposição solar prolongada. Cerca 90% dos casos ocorrem no lábio inferior, sendo o lábio superior raramente acometido (7%). O presente artigo relata um caso raro de CEL em lábio superior em um paciente feoderma.

Descritores: carcinoma epidermoide; câncer de boca; radiação ultra-violeta


ABSTRACT

Oral cancer is one of most common malignant neoplasia worldwide, and the lip is the most frequent location. Lip squamous cell carcinoma is more common on fairy-skinned people with low tanning capacity, directly related to chronic sun exposure. Nearly 90% of cases occur in the lower lip, and the upper lips rarely committed (7%). Here, we report a rare case of squamous cell carcinoma of the upper lip in a brown-skinned pacient.

Keywords: Squamous cell carcinoma; oral cancer; ultra-violet radiation


 

 

INTRODUÇÃO

O câncer de boca é a sexta lesão maligna mais comum no Brasil, sendo o tabaco e o álcool os principais fatores etiológicos associados1. O câncer de lábio é o tumor de cavidade oral de maior prevalência, representando grande parte das lesões malignas que acometem a boca2. O principal fator etiológico dessa patologia é a exposição a radiação ultra-violeta (UV) e a maior incidência dessas lesões ocorre em pacientes de pele branca3,4,5 A posição do lábio inferior favorece a exposição à radiação ultravioleta1 e faz com que seja o sítio mais afetado4,6restando ao lábio superior uma pequena porcentagem das lesões2,7. Os carcinomas que ocorrem em região de vermelhão de lábio são de fácil visualização, levando, na maioria dos casos, ao diagnóstico e tratamento precoces6. O objetivo deste estudo é apresentar um caso atípico raro de carcinoma epidermoide de lábio superior em paciente feoderma.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 53 anos, feoderma, procurou o Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Facial do Hospital Erasto Gaertner (HEG), com lesão em lábio superior, assintomática, relatando crescimento rápido e contínuo, com um mês de evolução. Ao exame clínico, observou-se uma massa exofítica, de aproximadamente 1cm no maior diâmetro, base séssil, endurecida, com sua porção central ulcerada e presença de crosta, localizada em região de junção mucoepitelial de lábio superior esquerdo (Figura 1). A paciente não apresentava linfonodos palpáveis. As hipóteses clínicas após exame foram de carcinoma epidermoide, carcinoma basocelular ou ceratoacantoma. Foi realizada biópsia incisional e o fragmento resultante foi enviado para exame histopatológico. Nos cortes histológicos, pudemos observar neoplasia maligna de origem epitelial, caracterizada pela proliferação de queratinócitos atípicos na lâmina própria (Figura 2). Pode-se observar também pleomorfismo celular e nuclear, hipercromatismo, formação de pérolas de queratina e perda da relação núcleo/citoplasma (Figura 3), confirmando o diagnóstico de carcinoma epidermoide de lábio. A paciente foi então encaminhada para o Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, aonde foi submetida à exérese em cunha da lesão maligna de lábio superior, e está em acompanhamento por ambos os serviços há 2 anos, sem sinais de recidiva da doença.

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Depois das lesões não melanomas de pele, o câncer de lábio é a neoplasia maligna mais comum em cabeça e pescoço, e corresponde a 30% das neoplasias malignas de boca8. É classificado como carcinoma de cavidade oral, mas sua localização e seu epitélio diferenciado lhe conferem características próprias e comuns as neoplasias não-melanoma de pele9,10. O principal grupo de risco inclui pessoas de pele clara com pouca capacidade de bronzeamento e que apresentam eritema após a exposição solar. O câncer de lábio é até trinta vezes mais comum em pessoas de pele clara do que em pessoas negras8,9,11 Acomete principalmente homens nas 7° e 8° décadas de vida9,12,8 Metástases linfonodais não são comuns e podem ocorrer de 5 a 10% dos casos, sua incidência varia de acordo com o grau de diferenciação e estágio patológico; tumores indiferenciados apresentam metástase em até 35% dos casos, diminuindo a sobrevida em até 50%13. Seu prognóstico é favorável quando detectado precocemente. A presença e a extensão do envolvimento de linfonodos regionais é considerado o fator prognóstico mais importante para determinar a sobrevida do paciente13. Além disso, deve se levar em consideração o tamanho da lesão, sua graduação clínica, localização e a presença de história de recorrência11. Para lesões com menos de 2 cm, 90% de cura são esperadas, e seu índice de sobrevida é maior que a média dos carcinomas de cavidade oral.

Em um levantamento realizado no HEG, entre de 2005 a 2008, foram encontrados 283 casos de carcinoma epidermoide em cavidade oral. Especificamente na região labial, foram encontrados 131 casos. Destes, 92,4% (121/131) atingiram o lábio inferior, restando a pequena parcela de 7,6% (10/131) para o lábio superior. Outros estudos confirmam estes achados 6,7, sendo o lábio inferior a localização mais comum, representando de 90% a 94,6% das lesões e a ocorrência em lábio superior variando de 0,9% a 7% dos casos2,14,15. O caso relatado, além de se tratar de uma localização incomum, acometeu uma mulher feoderma de 53 anos. Sabe-se que a ocorrência de carcinomas induzidos por radiação UV esta inversamente relacionado com a quantidade de melanina na pele. A melanina serve como uma barreira física de proteção nuclear contra alterações causadas pela radiação UV, por esta razão, essas lesões são raras em pessoas com pele escura16.

Em estudo realizado por Andisheh-Tadbir (2008) a incidência no sexo masculino foi 1.4 vezes maior do que no sexo feminino, com idade acima dos 60 anos de idade. Observou-se uma alta incidência desse tipo de neoplasia maligna, 15% (30/200) em pacientes com menos de 40 anos3.

O tratamento de escolha é cirúrgico, mas a radioterapia também apresenta resultados favoráveis, principalmente se levando em conta fatores estéticos e funcionais. O esvaziamento cervical pode ser realizado quando há suspeita de possíveis linfonodos metastáticos não identificáveis8,12. Algumas seqüelas podem permanecer após o tratamento, como diminuição da abertura bucal e da elasticidade do lábio, no caso de cirurgia e xerostomia no caso da radioterapia, que acaba atingindo as glândulas salivares da área irradiada12.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise criteriosa dos pacientes de baixo risco e, dos sítios menos acometidos pelo câncer de boca, permite o diagnóstico precoce17. O lábio superior é, em comparação ao inferior, muito menos acometido4, assim como os pacientes melanodermas5. A biópsia incisional leva ao diagnóstico definitivo, permitindo que o estadiamento e planejamento cirúrgico sejam realizados com sucesso2. Estudos mostram recidivas de 5 – 20 % e mortalidade de 5 – 10%, apesar seu alto índice de cura, em relação a outras neoplasias de cabeça e pescoço; isso resulta em maior índice de sobrevida que a média dos carcinomas de cavidade oral15. O caso apresentado trás a importância da realização do diagnóstico precoce, sem a presença de metástase local, sendo fator preponderante para o bom prognóstico do tratamento.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1) Bsoul S A, Huber MA, Terezhalmy GT. Squamous cell carcinoma of the oral tissues: a comprehensive review for oral healthcare providers. J Contemp Dent Pract. 2005; 6:1-16.         [ Links ]

2) McCombe D, MacGill K, Ainslie J, Beresford J, Matthews J. (2000). Squamous cell carcinoma of the lip: a retrospective review of the Peter MacCallum Cancer Institute experience 1979-88. Aust N Z J Surg . 2000;70: 358-61.

3) Andisheh-Tadbir A, Mehrabani D, Heydari, S T. Epidemiology of squamous cell carcinoma of the oral cavity in Iran. J Craniofac Surg. 2008;19:1699-702.

4) Casal D, Carmo L, Melancia T, Zagalo C, Cid O, Rosa-Santos J. Lip cancer: a 5-year review in a tertiary referral centre. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2010;63:2040-5.

5) Marocchio LS, Lima J, Sperandio F F, Correa L, Sousa S O. Oral squamous cell carcinoma: an analysis of 1,564 cases showing advances in early detection. J Oral Sci. 2010;52: 267-73.

6) Shilboski CH SBL, Jordan RC. Racial disparity in stage at diagnosis and survival among adults with oral cancer in the US. Community Dent Oral Epidemiol. 2007;35:233-40.

7) Patton LL, Epstein JB, Kerr A R. Adjunctive techniques for oral cancer examination and lesion diagnosis: a systematic review of the literature. J Am Dent Assoc. 2008;139:896-905

8) Vukadinovic M, Jezdic Z, Petrovic M, Medenica LM, Lens M. Surgical management of squamous cell carcinoma of the lip: analysis of a 10-year experience in 223 patients. J Oral Maxillofac Surg. 2007;65:675-9.

9) de Visscher JG, Van der Waal I. Etiology of cancer of the lip. A review. Int J Oral Maxillofac Surg. 1998;27:199-203.

10) Horta MC, de Assis LA, de Souza AF, de Araujo VC, Gomez RS, Aguiar MC. p53 and p21WAF1/CIP1 overexpression at the invasive front of lower lip squamous cell carcinoma. J Oral Pathol Med. 2007;36:88-92.

11) Hjortdal O, Naess A, Berner A. Squamous cell carcinomas of the lower lip. J Craniomaxillofac Surg. 1995;23:34-7.

12) Salgarelli AC, Sartorelli F, Cangiano A, Collini M. Treatment of lower lip cancer: an experience of 48 cases. Int J Oral Maxillofac Surg. 2005;34:27-32.

13) Gooris PJ, Schaapveld M, Vermey A, Otter R, Rispens A, Roodenburg JL. Regional guideline for diagnosis and treatment of squamous cell carcinoma of the lip: what is the level of compliance? Int J Qual Health Care. 2001;13:143-50.

14) Ogura I, Amagasa T, Iwaki H, Kijima T, Kurabayashi T, Yoshimasu H. Clinicopathological study of carcinomas of the lip and the mucosa of the upper and lower lips. Int J Clin Oncol. 2001;6:123-7.

15) Silapunt S, Peterson SR, Goldberg LH, Friedman PM, Alam M. Basal cell carcinoma on the vermilion lip: a study of 18 cases. J Am Acad Dermatol. 2004;50:384-7.

16) Agar N, Young AR. Melanogenesis: a photoprotective response to DNA damage? Mutat Res. 2001;571:121-32.

17) Sciubba J J. Oral cancer. The importance of early diagnosis and treatment. Am J Clin Dermatol . 2001;2:239-51.

 

 

Endereço para correspondência:
Autor Correspondente
Juliana Lucena Schussel
Rua Ovande do Amaral, 201
Curitiba-PR
CEP 81520-060

e-mail:
juliana.schussel@gmail.com