SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.11 número1 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.11 no.1 Camaragibe Jan./Mar. 2011

 

 

O acesso subciliar como opção para o tratamento de fratura do complexo zigomático-orbitário: relato de caso

 

The subciliary approach as an option for the treatment of zigomatic-orbital complex fractures: case report

 

 

Milkle Bruno Pessoa SantosI; Marcelo Marotta AraújoII; Írio CavalieriII; Marcus Antonio Breda JúniorI; Daniel Santiago ValeI

I Residente do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial Hospital. Policlin/Clínica Prof. Dr Antenor Araújo.
II Professor do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial Hospital Policlin/Clínica Prof. Dr Antenor Araújo.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A escolha do tipo de acesso para exploração do complexo zigomático-orbitário depende da localização e tipo de fratura, da experiência do cirurgião e do sucesso dos resultados obtidos. São vários os tipos de acesso para essa região, dentre eles, podem ser citados o acesso subciliar, o subtarsal e o transconjuntival. O acesso subciliar além de promover uma excelente exposição do rebordo infra-orbitário, da parede lateral da órbita e do assoalho orbital, mostra um resultado estético aceitável com cicatriz imperceptível. No entanto, alguns problemas estão relacionados a esta abordagem como o aumento da exposição da esclera e o ectrópio. O propósito deste trabalho é apresentar um caso clínico e discutir seu protocolo de tratamento, bem como suas vantagens e desvantagens e as possíveis complicações.

Descritores: Fraturas orbitárias, fraturas blow-out, acesso subciliar, fraturas zigomático-orbitárias.


ABSTRACT

The type of access for treatment of the zygomatic-orbital complex fractures depends on the fracture type and localization, the surgeon's experience and the good outcomes obtained. There are several types of approach to this place, like the subciliary, the subtarsal and transconjunctival approach. The subciliary approach in addition to promoting an excellent exposure of the infra-orbital rim, the side wall of the orbit and the orbital floor it can end with an acceptable aesthetic result and imperceptible scar. However, some problems are related to this approach as increasing the exposure of the sclera and ectropion. The purpose of this paper is to present a clinical case and discuss the protocol of treatment and their advantages and disadvantages and possible complications.

Keywords: Orbital fractures, blow-out fractures, subciliary approach, zygomatic-orbital fractures.


 

 

INTRODUÇÃO

Fraturas do complexo zigomático-orbitário são bastante comuns na prática do Cirurgião Buco-Maxilo-Facial3 e frequentemente requerem tratamento cirúrgico. As fraturas dos ossos zigomático-maxilar, naso-órbito-etmoidal, rebordo infra-orbital e fraturas "blow-in" e "blow-out" estão entre os traumas que requerem intervenção. Os acessos para exploração destes são seguros e esteticamente aceitáveis quando realizados apropriadamente, e, sua correta seleção irá melhorar a exposição do campo visual e aumentar a probabilidade de sucesso no tratamento11.

Algumas lesões podem estar associadas ao globo ocular, sendo o oftalmologista de suma importância no tratamento conjunto de tais injúrias. Evidência de hifema ou ruptura ocular devem ser avaliados por esta especialidade e cirurgicamente tratados se necessário, antes de se realizar o acesso para órbita interna9.

A escolha do acesso e do local da incisão é orientada pelos seguintes objetivos: boa visualização intraoperatória, formação mínima de cicatriz pós-operatória e bom resultado estético12. Muitos acessos podem ser utilizados para tratamento de traumas que envolvam o rebordo orbital e assoalho orbital tais como: transconjuntival, subciliar, subpalpebral e subtarsal10.

O subciliar foi introduzido por Converse em 19444 e é classicamente descrito como uma incisão cutânea feita em uma prega da pele a poucos milímetros abaixo e paralelo a linha dos cílios12. Este promove um excelente acesso para a borda infra-orbital, parede lateral da órbita e todo o assoalho orbital, deixando uma cicatriz o qual fica recoberta pela sombra dos cílios, tornando-se imperceptíveis14. Assim como o subtarsal, estes oferecem bons acessos ao campo cirúrgico, mas eles diferem em termos de simplicidade do procedimento, tempo necessário para se ter o acesso e resultado estético3, no entanto, tem que também ser baseado, em partes, pela habilidade do cirurgião, para não somente saber fazê-lo, mas também saber das complicações que possam resultar7.

Três vias cirúrgicas estão disponíveis para acessar a borda orbital através do acesso subciliar. A dissecação "retalho de pele", que envolve a dissecação da fina pele palpebral da incisão subciliar, abaixo do nível da borda orbital. Subseqüentemente, o orbicular do olho e o periósteo são incisados bem abaixo da borda orbital. A dissecação do retalho "pele-músculo" continua através de ambos, a pele e o músculo pré-tarsal, diretamente acima da placa tarsal inferior, e disseca-se abaixo do septo orbital, em direção a borda da órbita, na qual, uma incisão é feita sobre o periósteo do osso. A dissecação por "etapas" é tecnicamente mais fácil e elimina a complicação comum associada aos outros dois métodos, a saber, a botoeira septal ou de pele, escurecimento da pele, ectrópio e, ocasionalmente, entrópio6.

Dentre as vantagens do acesso subciliar estão o seu fácil aprendizado e o amplo acesso ao assoalho orbital e borda infra-orbiral11, porém alguns problemas como a exposição acentuada da esclera e o ectrópio são considerados algumas das desvantagens dessa técnica13.

Neste trabalho, segue-se o caso clínico de um paciente com fratura do complexo zigomático-orbitário o qual foi tratado seguindo o protocolo adotado pelo Serviço de CTBMF do Hospital Policlin/São José dos Campos.

 

Caso Clínico

Paciente R.A.M., 23 anos, feoderma, gênero masculino, inicialmente foi atendido no Hospital Policlin de São José dos Campos como vítima de acidente motociclístico. À avaliação inicial, foi constatado ausência de perda da consciência e/ou vômito no momento e após o trauma. O paciente encontrava-se em bom estado geral, sem queixas álgicas e com sinais vitais normais. O mesmo apresentava-se com a acuidade visual e mobilidade ocular preservadas. Ao exame físico, foi observado edema e equimose periorbitária do lado direito, hiposfagma e perda da projeção ântero-posterior do zigoma do mesmo lado (Figura 1). À palpação, presença de degrau em região de rebordo infra-orbitário e pilar zigomático-maxilar foi evidenciado.

 

 

 

Foi realizada uma Tomografia Computadorizada, método o qual é considerado "Padrão Ouro" para diagnósticos por imagem, e através deste, verificou-se fratura do rebordo infra-orbitário, assoalho orbitário com velamento do seio maxilar e pilar zigomático-maxilar (Figura 2). Em conjunto com os sinais e sintomas, considerou-se como diagnóstico Fratura do Complexo Zigomático-Orbitário do lado direito da face.

 

 

 

No trans-operatório, sob anestesia geral e entubação oro-traqueal, foi realizada anti-sepsia intra e extra-oral no paciente. Após aposição dos campos cirúrgicos, uma incisão de 0,5cm em corpo de zigoma foi realizada seguindo-se as linhas de tensão da pele para posicionamento do parafuso de Carrol-Girard, sendo este método auxiliar para redução e estabilização da fratura. Em seguida, infiltração local em fundo de sulco vestibular do lado injuriado com lidocaína 2% com epinefrina 1:200.000 foi indicada para promover uma melhor hemostasia, dando sequência com uma incisão intra-bucal de canino a molar do mesmo lado para se ter acesso ao pilar zigomático-maxilar, onde logo após observou-se sua cominuição. Após redução tridimensional do corpo do zigoma com o auxílio do parafuso de Carrol Girard, o pilar zigomático-maxilar foi então fixado com placas e parafusos de titânio do sistema 2.0mm. Em seguida, foi utilizada a incisão subciliar e dissecação por "etapas" para acesso ao rebordo infra-orbitário e assoalho orbitário, e através deste, visualizou-se os fragmentos ósseos do rebordo infra-orbitário e fratura do assoalho orbital. Após redução, o rebordo infra-orbitário foi fixado com placas e parafusos de titânio do sistema 1.5mm seguindo-se da adaptação com auxílio de um "template" e fixação da malha de titânio de espessura 1.5mm para reconstrução do assoalho orbitário (Figura 3). A simetria e estabilidade foram checadas, não sendo necessário estender à região fronto-zigomática.

 

 

 

Para o fechamento da região orbitária, foi realizado suturas simples com fio vicryl 4-0 em periósteo e em pele uma sutura intradérmica com fio mononylon 6-0. Foi posicionada a suspensão de Frost e mantida por 24 horas. Na incisão intra-bucal foi realizado uma sutura contínua festonada com vicryl 3-0.

No pós-operatório de 7 dias, o paciente apresentou ausência de sinais de infecção, edema mínimo, motilidade ocular preservada, projeção ântero-posterior do zigoma normalizada, cicatrização da pálpebra inferior dentro da normalidade e com uma estética favorável. Na Tomografia Computadorizada de 7 dias pós-operatório, nota-se um adequado posicionamento das placas e parafusos, contorno orbitário ideal devolvido e alinhamento dos segmentos fraturados (Figura 4). Com 1 mês de pós-operatório, um excelente resultado estético, com cicatriz quase imperceptível, ausência de sinais de exposição da esclera e/ou ectrópio. Esses achados foram confirmados com 18 meses de pósoperatório (Figura 5).

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Muitos estudos mostram que os principais acessos (transconjuntival e transcutâneo) para exploração da região do complexo zigomático-orbitário têm suas vantagens dependendo do plano específico de tratamento7. O uso do acesso transconjuntival tem aumentado nos últimos anos devido principalmente ao receio de cicatrizes visíveis associadas aos acessos transcutâneos3. Estes achados não correspondem aos do caso exposto e aos observados ao longo dos anos pelo Serviço de CTBMF do Hospital Policlin/São José dos Campos, sendo tanto o acesso subtarsal como o subciliar, métodos padrões adotados, dando ênfase a este último por apresentar excelentes resultados, mostrando baixas taxas de complicações e uma estética satisfatória.

O acesso subtarsal muitas vezes é utilizado pela sua simplicidade e também por observarem um maior ídice das taxas de complicações no acesso subciliar. O acesso subciliar, incluindo a incisão, dissecação e fechamento, é o mais exigente dos acessos. Existem muitas razões para isso. Primeiro, os cílios tem que ser cuidadosamente retraídos para evitar incisá-los, enquanto que no acesso subtarsal isto é desnecessário. Segundo, com o acesso subciliar por etapas, pele-músculo, a fina pele da pálpebra tem que ser cuidadosamente e gentilmente dissecada por baixo do músculo orbicular do olho. Não é necessário no acesso subtarsal. Terceiro, o fechamento pode ser mais difícil por causa das irregularidades em níveis que podem surgir da incisão por etapas. Por todas essas razões, o acesso subtarsal é mais simples para muitos cirurgiões7.

É verdade que dependendo da via de dissecação utilizada para o acesso subciliar, um grau mais elevado de complicações pode ser notado. A via de dissecação "retalho de pele", por exemplo, que divide as fibras do músculo orbicular até o nível da borda infra-orbital e no mesmo nível da incisão periosteal, tem sido associado a vários problemas, incluindo necrose da pele, equimose e ectrópio15. Estes achados são também confirmados por Meloni et al.12 Holtmann et al.,10 observaram em estudo com 4 pacientes, que utilizando a via de dissecação "retalho de pele", foi encontrado 42% de incidência de ectrópio. A via de dissecação pele-músculo, tem dado resultados mais favoráveis a longo prazo com uma boa estética, redução de equimose, uma baixa incidência de ectrópio12 e diminuição das taxas de necrose da pele quando comparado a via "retalho de pele"4. A via de dissecação "por etapas" foi a utilizada no caso apresentado, pois além de ser uma técnica de fácil realização, apresenta uma diminuição das taxas de complicações como entrópio, ectrópio e exposição acentuada da esclera.

Em estudo realizado por Bahr et al.,2 foi observado a presença de exposição de esclera em 18,8% e ectóprio em 6,3% em pacientes cujo acesso foi o subciliar, já Holtmann et al.,10 observaram uma taxa de 4,4% para exposição da esclera e 2,7% de ectrópio quando o acesso realizado foi o subtarsal.

Quando comparado o acesso transconjuntival com o subciliar, Appling et al.,1 encontraram 12% de taxas de ectrópio transitório e 28% de taxas de exposição permanente da esclera respectivamente. Muitos acreditam que o ectrópio é apenas uma forma severa de exposição da esclera com eversão da pálpebra2.

Diante desses resultados, é notável que o ectrópio e a exposição da esclera está comumente relacionada tanto aos acessos transconjuntivais como aos transcutâneos. Pode ser analisado clinicamente, que nenhuma dessas complicações estão relacionadas ao paciente mostrado neste estudo, sendo observado apenas um discreto encurtamento da pálpebra inferior, porém com um resultado cosmético bastante satisfatório (Figura 5). Hammer8 demonstra uma maior propensão de encurtamento da pálpebra inferior com exposição da esclera em pacientes mais idosos com flacidez palpebral e em pacientes com pálpebras finas e músculo orbicular do olho hipoplásico.

Com relação à visibilidade de cicatriz, Heckler et al., confirmaram excelentes resultados estéticos para o acesso subciliar em um estudo avaliando 154 pacientes8.

Bahr et al.,2 mostraram que as taxas de percepção notável de cicatriz foram ligeiramente maiores no acesso subtarsal quando comparado com o subciliar (2,2% e 0% respectivamente). A incisão subciliar tem uma vantagem estética sobre outras incisões transcutâneas, 3 pois, a cicatriz é praticamente imperceptível. Em balanço, as taxas de cicatriz notável são mais aceitáveis quando comparado com as taxas de exposição da esclera e/ou ectrópio, segundo estudo realizado por Ellis e Kittidumkerng7.

O uso da suspensão de Frost, objetivando a não formação de ectrópio5, pode ser utilizada. No caso descrito, a suspensão foi mantida por 24 horas e pode ter influenciado o ótimo resultado estético obtido.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para expor a região de interesse em fraturas do complexo zigomático-orbitário, vários acessos estão disponíveis. A literatura mostra que o acesso subciliar apesar de apresentar um resultado estético satisfatório, tem como complicações o aumento da exposição da esclera e o ectrópio. Para minimizar essas desvantagens, além da experiência do profissional e dos resultados observados ao longo dos anos, técnicas como dissecação por etapas e suspensão de Frost podem ser utilizadas, promovendo menores taxas de complicações e apresentando um resultado com estética e cicatrizes imperceptíveis.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.Appling W. D., Patrinely J. R. Salzer T. A. Transconjunctival approach vs subciliary skin muscle flap approach for orbital fracture repair. Arch. Otolaryngol. 119: 1000-1007, 1993.         [ Links ]

2.Bahr W., et al: Comparison of transcutaneous incisions used for exposure of the infraorbital rim and orbital floor: A retrospective study. Plast. Reconstr. Surg. 90: 585, 1992.

3.Baqain Z. H., et al. Subtarsal approach for orbital floor repair: A long-term follow-up of 12 cases in a jordanian teaching hospital. Journal of Oral and Maxillofacial Surgery. 66: 45-50, 2008.

4.Converse J. Two plastic operations for repair of orbit following severe trauma and extensive comminuted fracture. Arch. Ophthalmol. 31: 323, 1944.

5.Ellis E., Kittidumkerng W. Analyses of treatment for isolated zygomaticomaxillary complex fractures. Journal of Oral and Maxillofacial Surgery. 58: 386-400, 1996.

6.Ellis E., Zide M. F. Acessos cirúrgicos ao esqueleto facial. 2º Edição, Editora Santos, 2008.

7.Ellis E., Wilson S. Surgical approaches to the infraorbital rim and orbital floor: The case for the subtarsal approach. Journal of Oral and Maxillofacial Surgery. 64: 104-107, 2006.

8.Hammer B. Fraturas Orbitárias. 2005. Editora Santos.

9.Heckler F. R., Songcharoen S., and Sultani F. A. Subciliary incision and skin-muscle eyelid flap for orbital fractures. Ann. Plast. Surg. 10: 309, 1983.

10.Holt J. E., Blodgett J. M.: Ocular injuries sustained during blunt facial trauma. Ophthalmology. 90: 14-18, 1983.

11.Holtmann B., Wray R. C., Litle A. G.: A randomized comparison of four incisions for orbital fractures. Plast. Reconstr. Surg. 67: 731, 1981.

12.Humphrey C. D., Kriet J. D. Surgical approaches to the orbit. Opereative techniques in Otolaryngology.19: 132-139, 2008.

13.Meloni S. M. et al. Subciliary versus swinging eyelid approach to the orbital floor. Jornal of Cranio-Maxillofacial Surgery. 36: 439-442, 2008.

14.Patel P. C. et al. Comparison of transconjunctival versus subciliary approaches for orbital fractures: A reviw for 60 cases. J. Craniomax. Trauma. 4: 17, 1998.

15.Salgarelli A. C., Consolo U. The orbicularis oculi muscle flap in subciliary access for management of orbital trauma: Technical note. Journal of Oral and Maxillofacial Surgery. 60: 470-472, 2002.

16.Wray R. C. et al. A comparison of conjunctival and subciliary incisions for orbital fractures. Br. J. Plast. Surg. 30: 142, 1977.

 

 

Endereço para correspondência:
Nome: Milkle Bruno Pessoa Santos
Endereço: Rua Major Antonio Domingues, 133, Centro.
Complemento: Edfº San Giovani, aptº 31, Cep
12245750.Cidade/Estado: São José dos Campos
– SP

e-mail:
milklepessoa@hotmail.com