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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial
versão On-line ISSN 1808-5210
Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.11 no.2 Camaragibe Abr./Jun. 2011
Cisto Ósseo Simples – Relato de Caso
Simple Bone Cyst – Case Report
Leonardo Costa de Almeida PaivaI; Fábio dos Santos MenezesI; Gabriela Granja PortoII; Paulo Roberto Ferreira CerqueiraIII
I Residente em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital Regional do Agreste em Caruaru/PE.
II Doutoranda em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial pela FOP-UPE, Staff do Hospital Regional do Agreste em Caruaru/PE.
III Coordenador da Residência em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital Regional do Agreste em Caruaru/PE.
RESUMO
O cisto ósseo simples (COS) tem sido uma entidade descrita nos ossos longos, desde 1832, e sua localização maxilar foi primeiramente relatada em 1929. Essa lesão intraóssea é também conhecida pela sua variedade de sinônimos, tais como: cisto ósseo traumático, cisto ósseo hemorrágico, cavidade óssea idiopática, cisto ósseo progressivo, cisto ósseo solitário, além de outras definições. O presente trabalho relata um caso clínico de paciente acometida por um COS em região de sínfise mandibular, focando-se nos aspectos relacionados à etiologia, epidemiologia e tratamento desse tipo de lesão mediante de revisão da literatura.
Descritores: Cisto Ósseo Simples; Cistos Ósseos; Cistos Odontogênicos.
ABSTRACT
The simple bony cyst (SBC) it has been a described entity, in the long bones, since 1832, and your maxillary location was told firstly in 1929. That lesion intraosseus is also known by your variety of synonyms, such as: traumatic bony cyst, cyst bony hemorragic, cavity bony idiopatic, progressive bony cyst, solitary bony cyst, besides other definitions. The present work tells a clinical case of patient attacked by a COS in surface of symphysis mandibulary, emphasize in the aspects related to the aetiology, epidemiology and treatment of this lesion type, through revision of the literature.
Keywords: Simple Bone Cyst; Bone Cysts; Odontogenic cysts.
INTRODUÇÃO
O cisto ósseo simples (COS) tem sido uma entidade descrita nos ossos longos, desde 18321, e sua localização maxilar foi primeiramente relatada por Lucas2 e, subsequentemente mais adiante, definida por Rushton3. Essa lesão intraóssea é também conhecida pela sua variedade de sinônimos, tais como: cisto ósseo traumático, cisto ósseo hemorrágico, cavidade óssea idiopática, cisto ósseo progressivo, cisto ósseo solitário, além de outras definições4.
É classificada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma lesão não-neoplásica relacionada aos ossos, sendo definida como um cisto intraósseo, que apresenta uma cápsula tênue ou tecido conectivo sem epitélio5. O termo cisto é geralmente mal aplicado, visto que grande parte das lesões são cavidades vazias, contendo não mais que um pequeno fluido seroso ou serosanguinolento, estando a cápsula epitelial ausente6.
De acordo com Harnet et al,7 a localização mais comum dos COS ocorre nos ossos longos (90%), com uma predominância da região metassinfisária e das extremidades proximais do osso umeral (65%) e femural (25%). Os COS nos ossos gnáticos aparecem com uma frequência menor que 10%, sendo a mandíbula usualmente afetada (75%).
A etiopatogenia do COS não tem sido bem investigada, até o presente momento, para os casos mandibulares. Existem várias hipóteses etiológicas, embora três predominem: anormalidade no crescimento ósseo, degeneração tumoral e a mais aceita, que é a teoria do traumatismo pré-lesional7.
Os sintomas do COS são raros. Quando ocorrem, podem-se encontrar dor, aumento de volume, parestesia e fratura patológica6. Predomina nas primeiras duas décadas de vida (75%), sem haver prevalência por sexo na região maxilomandibular. Apenas em casos extrafaciais, predomina no sexo masculino7.
Radiograficamente, o COS caracteriza-se por ser uma lesão radiolúcida bem definida, com variação de forma e tamanho. Envolvimento nas áreas interdentais é característica dessa patologia. Expansão óssea pode ocorrer, e raramente evidencia-se reabsorção dentária6,8.
As características histopatológicas, quando presentes, mostram janela cística com uma membrana de tecido conectivo, com numerosas fibras colágenas, sem cápsula epitelial. Numerosos fibroblastos e células gigantes são, algumas vezes, visíveis, com nova formação de osso trabecular ao redor de inúmeros osteoblastos. Numerosos capilares congestos e cristais de colesterol são relatados, além de necrose óssea7.
O diagnóstico é invariavelmente descoberto durante a cirurgia, quando uma cavidade vazia é encontrada6. Pode-se encontrar também uma cavidade contendo fluído de colorações variadas, com tecido conectivo fibroso, tecido de granulação9,10.
O presente trabalho relata um caso clínico de paciente acometida por um cisto ósseo simples em região de sínfise mandibular, focando-se nos aspectos relacionados à etiologia, epidemiologia e tratamento desse tipo de lesão.
RELATO DE CASO
A paciente C.R.B, 16 anos, sexo feminino, leucoderma procurou o ambulatório do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital Regional do Agreste, em Caruaru/PE, com encaminhamento do seu Ortodontista, em que ele, ao solicitar a documentação ortodôntica, visualizou, no exame de imagem, uma lesão na região de sínfise mandibular. De posse da radiografia panorâmica (Figura 1), a paciente procurou o Serviço para realizar o tratamento. Durante a anamnese, não se verificaram patologias sistêmicas ou alterações significativas. A paciente relatara ter sofrido queda da própria altura aos 5 anos de idade. Não se queixava de sintomatologia no local acometido pela patologia. Ao exame físico, foi observada boa higiene oral, elementos dentários na área da lesão, sem patologias e com vitalidade pulpar. Ao exame imagenológico (Figura 2), apresentava lesão radiolúcida unilocular, circunscrita, com halo radiopaco ao redor da lesão. Ao final do exame clínico, optou-se pela realização de biópsia incisional para confirmação diagnóstica, uma vez que os achados poderiam levar a diversas patologias. Foram solicitados exames sanguíneos e bioquímicos, além do eletrocardiograma com parecer cardiológico. Os exames estavam dentro dos padrões de normalidade e a paciente encontrava-se apta para o procedimento. Sob anestesia local com Mepivacaína 2% com Epinefrina 1:200.000 e sedação venosa à base de Fentanil e Midazolam, foi realizada incisão em fundo de sulco vestibular, na área de canino a canino mandibular. Depois de realizado o descolamento, foi realizada uma ostectomia, com broca tronco-cônica 702 carbide, de forma que uma janela óssea foi criada. Ao visualizar-se a lesão, notou-se tratar de cavidade vazia sem a presença de tecidos moles (Figura 3). Foi realizada curetagem para provocar sangramento, e, posteriormente, a ferida foi suturada de forma contínua, com fio reabsorvível 4-0 (Figura 4). Com as características dos achados, chegou-se ao diagnóstico de cisto ósseo simples, visto ter sido encontrada uma cavidade vazia, sem líquidos, sem tecidos moles e com história pregressa de trauma em sínfise mandibular.
DISCUSSÃO
O COS é uma lesão infrequente dos ossos maxilares, apresentando uma prevalência pelo osso mandibular em detrimento da maxila. Trata-se de patologia de diagnóstico difícil, visto que existem inúmeras lesões com características clínicas e radiográficas semelhantes ao COS.
A paciente do presente estudo não se queixou de sintomatologia, tendo sido a descoberta da lesão feita de forma incidental. MacDonald-Jankowski6 relatou ausência de sintomatologia em 80% dos pacientes tratados em seu estudo, e Baqain et al.11, encontraram 70% dos pacientes assintomáticos, enfatizando ser o COS uma patologia geralmente assintomatológica. Quando presente, o sintoma mais comum é a dor, seguida da alteração em relação à sensibilidade dos dentes.
A relação da lesão com as áreas interdentais foi encontrada em apenas6 (30%) casos do estudo de MacDonald-Jankowski6, que, apesar de ser uma característica dos COS, não foi encontrada no presente caso relatado. Margens escleróticas da lesão foram encontradas em 50% dos pacientes tratados por Copete, Kawamata e Langlais12, característica encontrada em nosso estudo. Quanto à vitalidade dos dentes, esta raramente é alterada, estando de acordo com o estudo de Lago et al.13. Pode ocorrer, em casos de expansão óssea, aumento da pressão nas raízes dos dentes envolvidos, que, devido à força traumática, pode causar diminuição temporária da resposta ao teste elétrico da polpa. No caso deste estudo, foi realizado teste de vitalidade pulpar que confirmou estarem todos os dentes, envolvidos com a lesão, vitais.
A região mais afetada na mandíbula é a de corpo mandibular, principalmente na área de molares7,14. Essa característica não se encontra no presente estudo que relata uma lesão em região anterior da mandíbula. Shigematsu, Fujita e Watanabe15 relatam COS em região de ramo e côndilo mandibular associado à história de trauma, localização bastante rara para a presente patologia, não existindo mais do que vinte relatos na literatura científica mundial.
A paciente tinha 16 anos de idade, estando de acordo com a prevalência encontrada na literatura, que afirma tratar-se de lesão predominante nas primeiras duas décadas de vida, sendo apenas 15% em pacientes acima dos 40 anos7,11,12.
É consenso que a patologia é mais prevalente na mandíbula do que na maxila, mas ocorrem variações no percentual das prevalências. Copete, Kawamata e Langlais12 encontraram 98% das lesões, do seu estudo, ocorrendo na mandíbula, enquanto que Harnet et al.7 encontraram a mandíbula como local de 75% das lesões. O presente estudo vai de encontro com os autores em que se relata um COS em mandíbula.
Em relação à etiopatogenia do COS, no caso relatado, há uma história de trauma em região sinfisária na infância, estando encaixado à teoria do traumatismo, que afirma que, após um trauma, ocorre hemorragia intramedular que falha na sua organização, levando a uma cavidade vazia11. Ocorre que, apesar de ser a teoria mais aceita pelos autores, de acordo com Harnet et al.7, mais de 50% dos COS mandibulares não têm história de traumatismo pré-lesional na área afetada, devendo-se pesquisar mais em relação aos aspectos etiológicos dos COS.
A forma de tratamento escolhida foi a cirúrgica por meio de curetagem rigorosa para estimular o sangramento dentro da cavidade que se encontrava vazia, tratamento esse acordado por diversos autores na literatura11,13,14. A estimulação do sangramento faz com que a cavidade seja tamponada e que ocorra neoformação óssea com a chegada de células indutoras da osteogênese. Porém, pode-se optar pelo fechamento por segunda intenção, com curativos com gaze furacinada, que deve ser trocada a cada 02 dias, até o total fechamento da cavidade cirúrgica, além de irrigação da cavidade remanescente com soro fisiológico 0,9% e bochecho com digluconato de clorexidina 0,12%, 03 vezes ao dia16.
Optou-se pela biópsia incisional na fase de planejamento, pelo fato de as características da lesão fazerem diagnóstico diferencial com o cisto ósseo aneurismático, granuloma eosinofílico, granuloma central de células gigantes, ameloblastoma, mixoma, tumor marrom do hiperparatireoidismo e osteosarcoma4,17. Em alguns casos, os COS são relatados associados à displasia cemento-óssea, que, geralmente, aparecem com multiloculações18,19 e estão relacionados a maiores taxas de recidiva, como comprova o estudo de Suei, Taguchi e Tanimoto20, em que houve recidiva em 71% das lesões multiloculares e 75% das associadas à displasia. No presente estudo, tratou-se de lesão unilocular, não relacionada à displasia cemento-óssea.
Suei et al.20 encontraram uma taxa de recidiva, em lesões uniloculares, de 26%, estando bem acima da média de outros trabalhos publicados na literatura. Os autores afirmam que esses valores se devem a uma proservação criteriosa e acompanhamentos rotineiros com radiografias panorâmicas, tendo encontrado nos demais trabalhos acompanhamentos pouco criteriosos, com período de proservação curto. Houve recidiva até 3 anos após o tratamento, o que os levou a afirmar que o tempo de acompanhamento deve ser de, pelo menos, 2 anos, visto que se trata de uma lesão com crescimento lento. O estudo relatado está em acompanhamento de 6 meses, não tendo sido encontrado, até o momento, nenhum sinal de recidiva. Baqain et al.11 relataram recidiva em lesão multilocular após sete meses da cirurgia inicial.
Matsuzaki et al.17 sugerem o uso da Ressonância Magnética (RM) como meio de diferenciar o COS de outros cistos odontogênicos e tumores. Eles citam características do exame de imagem, que avalia o interior das lesões – mostrando a presença ou não de líquido - diferenciando, precisamente, o COS das demais lesões odontogênicas. Trata-se de um método inovador e que necessita de mais estudos para tornar-se, quem sabe, protocolo para casos em que as características da lesão não as diferenciem das demais patologias com as quais o COS faz diagnóstico diferencial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por se tratar de uma lesão com características semelhantes a outras patologias, o COS deve ter um minucioso diagnóstico, com um exame clínico bem realizado, exames de imagens bem detalhados e um planejamento cirúrgico que é, geralmente, traçado por uma biópsia incisional na qual, no momento do ato cirúrgico, se descobre uma cavidade patológica vazia ou com pequena quantidade de material conectivo, sendo patognomônico do Cisto Ósseo Simples.
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Endereço para correspondência:
Leonardo Costa de Almeida Paiva
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