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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.11 no.2 Camaragibe Abr./Jun. 2011

 

 

Cisto Residual com Grande Dimensão: Relato de Caso e Revisão da Literatura

 

Residual Cyst with Large Dimension: Case Report a nd Literature Review

 

 

Denise Hélen Imaculada Pereira de OliveiraI; Emeline das Neves de Araújo LimaII; Cristina Ruan Ferreira de AraújoIII; Adriano Rocha GermanoIV; Ana Miryam Costa de MedeirosV; Lélia Maria Guedes QueirozVI

I Mestranda em Patologia Oral pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
II Doutoranda em Patologia Oral pela UFRN.
III Professora-Doutora de Histologia e Embriologia da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
IV Professor-Doutor de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial do Departamento de Odontologia da UFRN.
V Professora-Doutora de Estomatologia do Departamento de Odontologia da UFRN.
VI Professora-Doutora de Patologia Oral do Departamento de Odontologia da UFRN.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O cisto radicular residual é uma lesão resultante do estímulo à proliferação dos restos epiteliais de Malassez em decorrência de um processo inflamatório de necrose pulpar em que o elemento dentário já fora removido. Esse cisto tende a regredir quando não existe fonte de estímulo. No entanto, em alguns casos, o cisto atinge grandes dimensões, podendo ser confundido com outras entidades patológicas, necessitando, assim, de intervenção cirúrgica e exame anatomopatológico. O presente trabalho tem por objetivo relatar um caso de uma paciente portadora de cisto radicular residual de grande dimensão na região de mento e corpo mandibular bem como fazer uma breve revisão da literatura acerca dessa condição. Apesar de tal patologia ter uma alta prevalência, esta é pouco relatada em decorrência de ser detectada, frequentemente, em radiografias de rotina e apresentar regressão espontânea em muitos casos. Logo, é de extrema importância que os cirurgiões-dentistas realizem o diagnóstico precoce do cisto residual, possibilitando um tratamento adequado e evitando, assim, a permanência e o crescimento dessa lesão.

Descritores: Cistos odontogênicos; Cisto radicular residual; Tecido periapical.


ABSTRACT

The residual radicular cyst is a lesion resultant from stimulus to proliferation of epithelial rests of Malassez, because of an inflammatory process of pulpar necrosis, where the tooth has been removed. This cyst tends to regress, when there isn't a font of stimulus. However, in some cases, the cyst presents great dimensions, needing a surgical intervention. The present work has as objective to relate the case of a patient holder of a residual radicular cyst with large dimension in ment and body regions of mandibula, as well as to make a brief review of the literature about this condition. Although this pathology has a high prevalence, it's rarely related because its detection occurs, frequently with routine radiographs and has spontaneous regress in many cases. Then, it's extremely important that the dentists make an early diagnosis of residual cyst, possibiliting an appropriate treatment and avoiding the stay of this lesion, reaching large dimensions.

Keywords: odontogenic cysts, residual radicular cyst, periapical tissue.


 

 

INTRODUÇÃO

De acordo com a mais recente classificação internacional da Organização Mundial de Saúde (OMS)1, os cistos odontogênicos são classificados em dois grupos principais, que refletem sua patogênese. O primeiro grupo inclui cistos radiculares, sendo reconhecida sua origem inflamatória como consequência de cáries avançadas e necrose pulpar. O segundo grupo inclui lesões conhecidas como cistos de desenvolvimento.

Existem três teorias para a formação dos cistos radiculares: a teoria nutricional defende que, com o estímulo inflamatório, ocorre proliferação epitelial na região, e as células mais centrais, distanciadas da fonte nutricional, sofrem necrose por liquefação, dando origem, então, à cavidade cística. A segunda teoria defende que, com a formação do abscesso, células epiteliais proliferam, formando cordões que o revestem. Finalmente, de acordo com a terceira teoria, os restos epiteliais de Malassez proliferam, formando cordões que se fusionam dando origem a uma cavidade. Com a descamação de restos celulares, aumenta o conteúdo proteico no interior dessa cavidade, ocorrendo, consequentemente, entrada de líquido com o intuito de promover o equilíbrio osmótico, levando, assim, ao crescimento da lesão2.

Frequentemente denominamos de cisto residual aquele que permanece no interior do osso, após exodontia de um dente ou esfoliação espontânea da raiz residual, com lesão periapical, sem os cuidados necessários de curetagem e enucleação do cisto radicular. Este termo, entretanto, pode ser aplicado a qualquer cisto do maxilar que permaneça depois do ato cirúrgico3,4. A lesão é geralmente assintomática e, apenas em alguns casos, assume dimensões suficientes para produzir destruição da cortical óssea. Essas lesões residuais são menos frequentes que se poderia esperar em decorrência de a maioria dos cistos radiculares serem pequenos e saírem aderidos à raiz do dente5. Esse tipo de cisto ocorre com maior frequência no gênero masculino (53,4%)6,7, tendo maior predileção pela região posterior da maxila4.

Segundo Dimitroulis e Curtis (1998)3, o tratamento mais indicado é a enucleação cirúrgica da lesão. Contudo, se o cisto radicular ou cisto residual permanecerem sem tratamento, seu crescimento continuado pode ocasionar destruição significativa e enfraquecimento da maxila ou mandíbula4. Nos cistos radiculares e residuais tratados adequadamente, geralmente se observa reparo ósseo1,4. Em lesões extensas, através da marsupialização ou descompressão, obtém-se neoformação óssea8.

O presente artigo tem como objetivo relatar um caso de cisto residual, com extenso envolvimento mandibular bem como fazer uma breve revisão da literatura acerca dessa patologia.

 

RELATO DE CASO

Paciente do gênero feminino, 62 anos, melanoderma procurou o serviço de Estomatologia da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), relatando como queixa principal dor na região da mandíbula. Ao exame físico extraoral, detectou-se um discreto aumento da região dos linfonodos submandibulares (Figura 1). Intraoralmente observou-se uma lesão em região de mandíbula, nodular, expansiva, com coloração normal, sem sinais de processo inflamatório, apresentando consistência firme à palpação, sem mobilidade. Como exames complementares, foram solicitados radiografia panorâmica, hemograma e glicemia em jejum. Ao exame radiográfico, observou-se uma área radiolúcida bem delimitada, multilocular, com tábuas ósseas vestibular e lingual preservadas, envolvendo corpo e região anterior da mandíbula. (Figura 2)

 

 

 

 

 

De acordo com as características clínicas e radiográficas, obteve-se como diagnóstico clínico ameloblastoma, ou ainda, uma lesão central de células gigantes. Requisitou-se, então, uma biópsia incisional. A análise histopatológica revelou fragmentos de tecido conjuntivo revestidos, superficialmente, de epitélio pavimentoso estratificado não ceratinizado, com poucas camadas e exibindo interface plana com o tecido conjuntivo, além de focos de hiperplasia, degeneração hidrópica, espongiose e descontinuidade. No tecido conjuntivo circunvizinho, foram evidenciados feixes alongados de fibras colágenas, de espessuras diversas dispostos ora frouxamente, ora de forma predominantemente densa, estando entremeados por fibroblastos, alguns dos quais volumosos bem como por vasos sanguíneos de calibres variados, por vezes ingurgitados. De permeio, constatou-se infiltrado inflamatório predominantemente mononuclear, de intensidade variável. Corpúsculos de Russell e áreas de extravasamento hemorrágico completavam o quadro. Concluiu-se com isso ser uma lesão de natureza odontogênica, porém se sugeriu repetir a biópsia com retirada de espécime mais representativo.

Na segunda biópsia, a histopatologia demonstrou fragmentos de lesão cística, de origem odontogênica, revestida de epitélio pavimentoso estratificado, exibindo degeneração hidrópica, espongiose e áreas hiperplásicas. O tecido conjuntivo subjacente apresentava-se fibroso, denso, com fibras colágenas dispostas de forma aleatória, exibindo vasos sanguíneos de pequenos calibres, sendo alguns dos quais congestos, além de áreas de intenso infiltrado inflamatório predominantemente mononuclear e figuras negativas de cristais de colesterol. Observou-se, ainda, presença de ilhas de epitélio odontogênico dispersas no espécime. Completavam o quadro histopatológico examinado áreas de extravasamento de hemácias e fragmentos de tecido mineralizado, confirmando, assim, o diagnóstico de cisto residual. (Figura 3)

 

 

 

Diante desse diagnóstico, a paciente foi encaminhada ao setor de cirurgia e traumatologia buco-maxilo-facial da Faculdade de Odontologia da UFRN, sendo a cirurgia (Figuras 4 e 5) realizada no Hospital Universitário Onofre Lopes, sob anestesia geral, tendo como diagnóstico histopatológico final o mesmo anteriormente relatado. Aspecto pós-operatório tardio é mostrado em imagem. (Figura 6)

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Os grandes cistos odontogênicos dos maxilares são raros, e quando realmente ocorrem, eles tendem a ser cistos dentígeros ou ceratocistos odontogênicos, considerado este último atualmente como tumor9. Dentre os cistos odontogênicos de origem inflamatória, o mais comum é o cisto radicular, e, quando sua enucleação acontece de forma incompleta ou quando durante a exodontia do dente associado à lesão, a etapa de curetagem alveolar for negligenciada3,9, pode-se desenvolver um cisto residual após meses a anos depois do tratamento inicial10.

O cisto radicular assim como o residual, são decorrentes de lesões pulpares ocasionadas por cáries ou traumas11. Restos epiteliais no ápice de um dente desvitalizado podem ser estimulados pela inflamação e formar o cisto radicular12. A fonte epitelial é comumente representada pelos restos epiteliais de Malassez, podendo estar relacionada ao epitélio crevicular, ao revestimento sinusal ou ao revestimento epitelial dos trajetos sinuosos13.

De acordo com a literatura, o cisto residual apresenta-se assintomático, exceto quando apresenta processo infeccioso ou uma exacerbação inflamatória aguda12. No caso citado, a paciente apresentava sintomatologia dolorosa, talvez devido à extensão da lesão. Diversos relatos3 demonstraram que essa lesão acomete mais comumente pacientes do sexo masculino e parece ser mais prevalente na maxila, aspectos que divergem no caso relatado, uma vez que a paciente é do sexo feminino, e a região acometida foi a mandíbula.

A origem inflamatória dos cistos radiculares tem sido relacionada com um possível processo patológico crônico, ocorrendo mais frequentemente em homens, os quais caracteristicamente tendem a negligenciar a higiene oral. O local mais comumente acometido (maxila anterior) está relacionado com a maior incidência de trauma nessa região14.

Radiograficamente, o cisto residual supracitado apresentou-se como uma área radiolúcida bastante extensa, envolvendo o corpo e a região anterior da mandíbula, porém, por apresentar imagem multilocular, inicialmente não se suspeitou de cisto residual, fato esse não encontrado na literatura concernente a tal lesão, como observado no caso de um grande cisto radicular residual relatado por Dimitroulis, Curtin (1998)3. Nesse caso, apesar de a lesão estender-se do corpo da mandíbula à região de sínfise, esta apresentava-se como uma imagem radiolúcida bem circunscrita.

Histologicamente, os cistos radiculares são caracterizados por uma cápsula de tecido conjuntivo fibroso revestida de epitélio, com um lúmen contendo líquido e restos celulares15. O revestimento epitelial desses cistos inflamatórios deriva da proliferação de pequenos resíduos de epitélio odontogênico (restos epiteliais de Malassez) dentro do ligamento periodontal4. Ocasionalmente, podem-se encontrar células mucosas e ciliadas no epitélio. Segundo Takeda et al. (2005)16, a presença de células mucosas no revestimento epitelial de cistos radiculares e dentígeros é bem documentada.

No caso relatado, observou-se por meio de HE (hematoxilina-eosina) fragmentos de lesão cística, de origem odontogênica com áreas de intenso infiltrado inflamatório, predominantemente mononuclear e figuras negativas de cristais de colesterol, confirmando assim tratar-se de um cisto odontogênico de natureza inflamatória que, associado com as características clínicas e radiográficas, se concluiu o diagnóstico de cisto residual.

O tratamento mais indicado do cisto residual é a enucleação cirúrgica da lesão17, podendo ter como técnica auxiliar a marsupialização ou descompressão cirúrgica em casos de lesões extensas, devido ao risco de fratura18,19. No caso relatado, foi realizada primeiramente a marsupialização, e, em seguida, a enucleação total da lesão em ambiente hospitalar, sob anestesia geral.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se concluir que os cistos residuais são lesões comuns, porém pouco relatadas na literatura. Uma inusitada forma de cisto residual foi apresentada com grande dimensão em região de corpo e sínfise mandibular. Ressaltamos a importância de um diagnóstico de tal patologia, com realização de tratamento adequado pelo cirurgião-dentista, no sentido de evitar a permanência desse cisto, atingindo, assim, grandes dimensões e podendo causar fratura óssea.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência:
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