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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.11 no.2 Camaragibe Abr./Jun. 2011

 

 

Epidemiologia das Perdas do Globo Ocular por Retinoblastoma

 

Eyeball Loss Epidemiology by Retinoblastoma

 

 

Silvana Maria Orestes-CardosoI; Edivânia Barbosa do ValeII; Ângela Roberta de Araújo LimaIII; Maria do Socorro Orestes-CardosoIV; Antonio Jorge Orestes-CardosoV

I Profa. do Departamento de Prótese e Cirurgia Buco-Maxilo-Facial da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) – Doutorado pela Université de Paris VII (France).
II Mestranda em Clínica Integrada pelo programa de Pós-Graduação em Odontologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
III Cirurgiã-Dentista graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
IV Profa. de Prótese Buco-Maxilo-Facial da Faculdade de Odontologia da Universidade de Pernambuco (FOP-UPE). Doutorado pela FOP-UPE.
V Cirurgião Buco-Maxilo-Facial do Hospital Getúlio Vargas. Mestrado pela FOP-UPE.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Objetivo: O presente estudo retrospectivo e quantitativo teve o objetivo de determinar a prevalência de cegueira e perda do globo ocular por Retinoblastoma (Rb). Metodologia: Avaliação dos prontuários dos pacientes da Clínica de Prótese Buco-Maxilo-Facial da UFPE, por um período de 8 anos. Resultados: Dentre os 262 pacientes reabilitados por meio de próteses faciais, identificaram-se 80 indivíduos com perda do globo ocular em decorrência de patologias oculares, dentre os quais, 8,75% foram diagnosticados com Rb cuja prevalência foi mais elevada em pacientes do sexo masculino, na faixa etária entre 5 e 20 anos (28,6%), porém não se observou associação significativa entre essas variáveis (p > 0,05). No que diz respeito à procedência e ao grupo étnico, 14,3% dos pesquisados eram procedentes da Região Metropolitana do Recife, e 12,2% se declararam pertencentes à raça parda. Conclusão: Os autores concluem enfatizando sobre a importância de o especialista em prótese buco-maxilo-facial participar da equipe de profissionais que lidam com patologias oculares, uma vez que são eles os responsáveis pela reabilitação protética desses pacientes.

Descritores: Anoftalmia; Cegueira; Retinoblastoma; Prevalência; Prótese ocular.


ABSTRACT

The present retrospective and quantitative study aimed to determine the prevalence of blindness and eyeball loss by Retinoblastoma (Rb). Methodology. Evaluation of patient records in the Maxillofacial Prosthesis Clinic of Federal University of Pernambuco (UFPE), compounding a period of 8 years. Results. Within the 262 rehabilitated with facial prosthesis, it was found 80 patients with eyeball loss by oculars pathologies, among which 8.75% were diagnosed with Rb, whose prevalence were bigger in male patients, in age group ranging from 5 to 20 years old (28.6%), yet without significant association between these variables (p>0.05). Regarding to origin and ethnic group, 14.3% of patients came from metropolitan region of Recife and 12.2% self declared mulattos. Conclusion. Authors emphasize the importance of having a maxillofacial prosthesis specialist in the team of professionals who work with oculars pathologies.

Keywords: Anophtalmia. Blindness. Retinoblastoma. Prevalence. Ocular prosthesis


 

 

INTRODUÇÃO

O retinoblastoma (Rb) é um tumor primário maligno intraocular, derivado da retina neural embrionária. Ocorre mais comumente na infância, sendo o terceiro câncer pediátrico mais frequente, representando uma ameaça à vida pela capacidade de se disseminar a distância.1-3

O sinal clínico mais comum é a leucocoria, em aproximadamente 60% dos casos, sendo o estrabismo o segundo sintoma mais comum (em torno de 20%). Outros sinais clínicos menos frequentes são: glaucoma, diminuição da acuidade visual, hemorragia e anormalidades de cor e de tamanho da íris.1,4-5

Um aspecto característico desse tumor é a sua capacidade de crescer mais rapidamente que o aporte sanguíneo disponível, sendo frequente o achado de tufos de células viáveis com um vaso sanguíneo central ("pseudoroseta") e necrose e calcificação a partir de 90 a 110 micrômetros do lúmen vascular. Essa calcificação distrófica é comumente identificada nos estudos de imagens (ultrassonografia e tomografia computadorizada) para o seu diagnóstico.6

Os Rbs podem ser bi ou unilaterais, cuja proporção pode variar de 1:1,5 (40% e 60%) a 1:3 (25% e 75%), respectivamente. O fato de os casos unilaterais serem mais frequentes, e o diagnóstico ser feito, em média, aos 23 meses, contrariamente aos bilaterais, cujo diagnóstico é feito em média aos 12-15 meses, explica porque, no primeiro caso, os pacientes geralmente chegam à consulta com a enfermidade avançada, sem a possibilidade de preservar a visão, cuja única alternativa de tratamento é a enucleação do globo ocular comprometido.7,11

Vale salientar que a presença de um tumor intracraniano na região da glândula pineal em associação com o Rb é conhecida como a forma trilateral do Rb, a qual acomete apenas crianças portadoras da forma hereditária dessa patologia. Este tipo de Rb tem um percentual de ocorrência em torno de 2 a 3%, é mais comum em crianças com menos de cinco anos de idade e fatal na maioria dos casos.12

A classificação mais usada para o Rb continua sendo a apresentada por Reese e Ellsworth, em 1969, a qual considera o prognóstico com base no tamanho e na localização da massa tumoral intraocular, sendo essa medida em diâmetros pupilares. Dessa forma, quanto maior o tumor, pior seu prognóstico.4,13

No que diz respeito ao estadiamento do Rb, estudo retrospectivo realizado por Yasbeck et al.9 (2000) identificou que a prevalência dos tumores extraoculares foi de 28,3%, quando se considerou o intervalo correspondente ao aparecimento do primeiro sinal e a confirmação da doença no prazo de até 1 ano. Períodos superiores a esse intervalo demonstravam taxas de até 57,4%. Abreu et al.14 (1999) também encontraram, em seu estudo, uma prevalência de 62,1% de tumores extraoculares no diagnóstico.

Com relação à natureza genética desse tumor, o Rb pode ter origem congênita (6%) e familial (10% dos casos), as quais, somadas, podem atingir um patamar de até 30%. Os casos não-hereditários ou esporádicos perfazem um total de 70%.9 Segundo Griep et al.15 (1998), a origem do Rb está associada à perda de função do gene de susceptibilidade ao retinoblastoma (Rb1). Crianças que herdam um alelo mutante do Rb1 estão predispostas a retinoblastomas bilaterais multifocais e tumores secundários em vários tecidos não-oculares. O Rb esporádico está associado a mutações somáticas nos dois alelos do Rb1 e é usualmente focal. Assim, a disrupção do Rb1, um dos representantes dos genes supressores de tumor, está associada ao desenvolvimento desse tipo de câncer.

O padrão de transmissão dos casos hereditários é autossômico dominante com penetrância e expressividade incompletas. O gene do Rb se encontra no cromossomo13. Uma criança com Rb bilateral ou uma história familiar da enfermidade tem uma chance de 50% de passar a enfermidade à sua descendência, enquanto que pacientes com Rb unilateral esporádico têm apenas de 10 a 15% de chance.1

O diagnóstico do Rb, na maioria das vezes, é clínico, podendo ser feito através da oftalmoscopia binocular indireta, após midríase medicamentosa e, preferencialmente, sob narcosedação. Além disso, exames como ultrassonografia e tomografia podem ser úteis no seu diagnóstico diferencial.12

No que diz respeito ao tratamento desse tumor, é importante frisar que o estadiamento da lesão determinará a modalidade adequada, sendo que a enucleação é o tratamento mais comumente utilizado. Entretanto, os recentes avanços nos estudos sobre Rb têm proporcionado novas modalidades de tratamento, como quimioterapia e tratamento local (placa radioativa, fotocoagulação a laser, termoterapia transpupilar –TTT e crioterapia), com o intuito de diminuir a morbidade, manter a função visual e permitir a excelente sobrevida.6

Embora o Rb seja o tumor maligno intraocular mais frequente na infância, correspondendo de 2 a 4% dos tumores malignos pediátricos em países desenvolvidos, há evidências de que, nos países em desenvolvimento da América Latina, África e Índia, esse tumor ocorra em maior frequência,16-17 isso porque dificuldades socioculturais e econômicas da população desses países, associadas ao difícil acesso aos serviços de saúde especializados, resultam no atraso do diagnóstico, na ineficiência do tratamento e na disseminação extraocular do Rb e justificam, em parte, a distribuição geográfica dessa patologia.12,18

A distribuição do Rb, em nível mundial, afeta todos os grupos étnicos, porém é mais prevalente nos leucodermas.19 Sua incidência varia entre 1:17.000 a 1:34.000, podendo estar presente no momento do nascimento ou desenvolver-se, posteriormente, até os cinco anos, sendo, no entanto, mais frequente até os três anos de idade.12,20

Com relação à distribuição do Rb por sexo, estudo populacional realizado em diferentes países da Europa com crianças e adolescentes, na faixa etária de 0 a 19 anos, identificou uma maior incidência de Rb no sexo masculino.21

Entretanto, em países da América Central, como a Costa Rica, a distribuição do Rb, por sexo, obteve coeficientes médios por milhão de 7,2% e 5,5% para os sexos feminino e masculino, respectivamente. Essa maior prevalência entre as mulheres foi também encontrada em países como a Colômbia, com percentuais de 9,4% para o sexo feminino e 4,3% para o masculino, e o Uruguai, com 4,3% para o sexo feminino e 1,3% para o masculino.22

Assim, vale frisar que, embora seja possível encontrar diferenças na prevalência de casos de Rb entre os sexos, estudos afirmam que esse tumor não apresenta predileção sexual.6,12

Quanto à lateralidade desse tumor, um estudo realizado na Nicarágua com uma amostra de 22 pacientes, obteve uma prevalência de 54,4% de casos de Rb unilateral.23 Já a pesquisa realizada no Peru evidenciou que o Rb é o tumor intraocular mais comum nesse país, representando a forma bilateral cerca de 80% dos casos.10 No Brasil, a forma unilateral foi mais prevalente em estudos realizados por Abreu et al.14 (1999), que encontraram prevalência de 80,3%; Souza Filho et al.6 (2005) que reportaram uma porcentagem de 51,85% e Costa12 (2006) de 67,4%.

É importante salientar que, sendo esse tumor caracteristicamente agressivo, apesar de atingir inicialmente o globo ocular, ficando confinado a esse sítio anatômico por um período de tempo longo, ele pode se estender posteriormente, para a órbita, o crânio e atingir o sistema nervoso central, via nervo ótico. Dependendo do estadiamento, ele sofre metástase e se espalha no corpo inteiro, com exceção dos pulmões. Desse modo, o diagnóstico precoce e o tratamento imediato possibilitam a preservação da visão em um grande número de casos, não importando a sua lateralidade.1,4,11

Sabe-se que o diagnóstico desse tumor não é simples, pois a leucocoria em outras patologias oculares pediátricas é igual à do Rb. Além disso, essa característica não está presente em todos os pacientes como primeiro sinal, sobretudo naqueles de mais idade. Por isso, deve-se ter mais cautela com os pacientes maiores de 5 anos para não se realizarem procedimentos desnecessários e perigosos, como colocar válvulas, corrigir estrabismo, realizar vitrectomia e biópsia, pois diminuem a expectativa de vida. A sobrevida de um paciente com Rb intraocular é de 95% contra 50% para os casos em que o tumor se dissemina para outros sítios anatômicos, devido a cirurgias oftalmológicas.2

Nesse contexto, o diagnóstico tardio, além de piorar o prognóstico, representa um desafio tanto em países em desenvolvimento como em países desenvolvidos. No caso do Brasil, o diagnóstico tardio e o tratamento inadequado são fortes determinantes para o Rb extraocular, uma doença com taxa de mortalidade de mais de 50%, pois resultam em um envolvimento na órbita, sistema nervoso central, medula óssea e fígado, frequentemente levando à morte.8,24-25

Posto isso, o presente estudo teve por objetivo determinar a prevalência de cegueira e perda do globo ocular por Rb, a partir da análise de prontuários de pacientes mutilados faciais atendidos na Clínica de Prótese Buco-Maxilo-Facial da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

 

METODOLOGIA

O presente estudo, retrospectivo, transversal, quantitativo e analítico, portador do registro CEP/CCS/UFPE n° 118/08 foi realizado na Clínica de Prótese Buco-Maxilo Facial do Curso de Odontologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A amostra se constituiu de 262 pacientes portadores de mutilação na região ocular.

Os dados de interesse foram obtidos com base na análise dos prontuários dos pacientes reabilitados através de próteses, por um período de oito anos, compreendido entre janeiro de 2001 a janeiro de 2009. Os pacientes que não apresentavam mutilação nas regiões ocular e óculo-palpebral foram excluídos da pesquisa.

Para análise dos dados, foram obtidas distribuições absolutas, percentuais uni e bivariados e as medidas: média, mediana, desvio-padrão mínimo e máximo (Técnicas de estatística descritiva) sendo utilizado o teste estatístico Qui-quadrado de Pearson ou o teste Exato de Fisher, quando as condições para utilização do teste Qui-quadrado não foram verificadas.

O programa utilizado para a digitação dos dados e obtenção dos cálculos estatísticos foi o SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) na versão 13.0. A margem de erro utilizada para a decisão dos testes estatísticos foi de 5,0%.

 

RESULTADOS

Caracterização da amostra de pacientes com patologias oculares

A análise dos prontuários mostrou que foram reabilitados com prótese ocular 262 pacientes. Destes, 30,53% pacientes perderam o globo ocular devido a algum tipo de patologia, os quais foram distribuídos de acordo com as seguintes variáveis sociodemográficas: sexo, faixa etária, raça, estado civil e procedência.

Quanto ao sexo, observa-se, na tabela 1, que um pouco mais da metade (55,0%) era do sexo feminino e que o percentual de pacientes aumentou com a faixa etária, sendo que a faixa menos prevalente foi de 5 a 20 anos e a mais prevalente de 61 anos ou mais com percentuais de 17,5% e 31,3%, respectivamente. A idade variou de 8 a 83 anos, tendo uma média de 45,46 anos, desvio-padrão de 20,83 anos e mediana de 47 anos. Quanto ao estado civil, os dois maiores percentuais corresponderam aos pacientes solteiros (41,7%) e casados (37,5%). No que diz respeito à distribuição por grupo étnico, mais da metade dos pacientes (57,0%) eram pardos, seguidos de 36,1% de leucodermas. Segundo o local de procedência, os dois maiores percentuais corresponderam aos que moravam no interior de Pernambuco (40,5%) e na cidade do Recife (35,1%).

 

 

 

Com relação ao perfil socioeconômico dos pesquisados, as seguintes variáveis foram levadas em consideração: escolaridade, renda individual, renda familiar e ocupação. Na tabela 2, verificou-se que o maior percentual correspondeu aos que tinham de 5 a 8 anos de escolaridade (35,6%) e o menor entre os que tinham de 13 a 17 anos (4,1%); os demais percentuais variaram de 16,4% (sem escolaridade) a 24,7% (1 a 4 anos). A maioria (75,0%) tinha renda individual de 1 a 2 salários mínimos (SM) e 16,2% tinham renda inferior a um SM; um pouco mais da metade (52,2%) tinha renda familiar de até 1 SM, seguido de 33,3% que declararam possuir renda familiar de 1 a 2 SM. Quanto às ocupações exercidas pelos pacientes, os três maiores percentuais foram: aposentados (17,8%), do lar (17,8%) e estudantes (15,1%).

 

 

 

Prevalência de Rb entre os pesquisados de acordo com as variáveis sociodemográficas e socioeconômicas

Na tabela 3, relativa à prevalência de retinoblastoma (Rb), segundo variáveis sociodemográficas, observa-se que a faixa etária mais acometida foi 5 a 20 anos (28,6%), e os pacientes com 61 anos ou mais apresentaram percentual nulo. Para as demais faixas etárias, 21 a 40 e 41 a 61 anos, os percentuais variaram entre 5,3% e 9,1%, respectivamente. Quanto ao estado civil, os pacientes divorciados apresentaram a maior prevalência, cerca de 33,3%, e, entre os casados, a prevalência foi nula. Essas diferenças revelaram associação significante entre as variáveis faixa etária e estado civil para o nível de significância considerado (p < 0,05). Com relação ao sexo, cerca de 13,9% dos homens foram acometidos por Rb, enquanto que as mulheres tiveram percentual de 4,5%, entretanto não houve associação significante (p > 0,05). No que diz respeito à procedência, 14,3% dos pacientes com Rb residiam na Região Metropolitana do Recife (RMR) e 11,8%, no interior de Pernambuco ou em outros estados.

 

 

 

Levando-se em consideração os dados socioeconômicos (Tabela 4), constatou-se que o maior percentual de casos de Rb foi identificado entre os pacientes que tinham de 9 a 17 anos de escolaridade (17,9%), e entre os pacientes sem escolaridade, o percentual foi nulo. Os demais percentuais relativos à escolaridade foram 11,1% para 1 a 4 anos e 7,7% para 5 a 8 anos.

 

 

 

Quanto à renda individual, o maior percentual ocorreu entre aqueles que recebiam mais de 2 salários mínimos (SM), cerca de 20,0%, seguido daqueles que apresentavam renda inferior a 1 SM (11,1%). Entretanto, levando-se em consideração a renda familiar, foi possível determinar que o maior percentual ocorreu entre os pacientes que apresentavam até 1 SM (27,3%) e aqueles com renda de mais de 2 SM apresentaram percentual de 16,7%. Não se comprovou associação significante entre a ocorrência de Rb e as rendas individual e familiar (p > 0,05).

No que diz respeito à ocupação exercida pelos pacientes com Rb, o maior percentual ocorreu entre os estudantes (27,3%). Já ocupações como aposentados e do lar apresentaram percentual nulo para a presença dessa patologia.

 

DISCUSSÃO

Diferentes patologias oculares uni ou bilaterais de natureza congênita ou adquirida podem evoluir para cegueira e perda do globo ocular. O Rb é uma dessas patologias. Esse tumor maligno ocorre mais comumente na infância1 e, embora apresente características agressivas e capacidade de se disseminar a distância, quando diagnosticado precocemente e tratado adequadamente, possibilita a preservação da visão em um grande número de pacientes, não importando a lateralidade.11

No entanto, o que se tem observado é que os pacientes acometidos por Rb geralmente procuram atendimento médico, quando a enfermidade já está bastante avançada e, assim, a possibilidade de preservar a visão é mínima. Dessa forma, a única alternativa de tratamento é a enucleação do globo ocular comprometido.7-11

A falta de informação da população quanto aos sinais e sintomas bem como o fato de ao Rb apresentar características semelhantes a outras doenças oculares menos graves, o que dificulta o seu diagnóstico por parte dos profissionais da medicina, têm levado à realização de tratamentos inadequados e perigosos, os quais, além de provocarem cegueira, também comprometem a expectativa de vida dos pacientes. Dessa maneira, o diagnóstico tardio e inadequado, ao piorar o prognóstico, tem sido um desafio tanto em países em desenvolvimento como em países desenvolvidos.

De acordo com Abreu et al.14 (1999), os dados epidemiológicos relacionados ao Rb na população brasileira ainda são desconhecidos, mas é possível observar que existem variações em relação à sua prevalência nas diferentes regiões geográficas do país.

No presente estudo, em relação à distribuição dos 80 pacientes com algum tipo de patologia ocular, foi possível observar que cerca de 55,0% da amostra era de pacientes do sexo feminino. Essa prevalência entre as mulheres para patologias oculares também foi encontrada em estudos realizados por Romani26 (2005), em que se observou que 63,6% dos pacientes eram do sexo feminino, e por Adan Netto et al.27 (2006) que encontraram percentual de 56,6%. Quanto à idade, os dados por nós obtidos identificaram que houve predominância de indivíduos com 61 anos ou mais, resultado esse que diverge do encontrado por Adan Netto et al.27 (2006), uma vez que o maior percentual obtido foi 36,9% para a faixa etária de 15 a 29 anos. No que diz respeito ao grupo étnico e à procedência, em nosso estudo, a prevalência foi de pardos e procedentes do interior do estado de Pernambuco. O perfil socioeconômico dos 80 pacientes mostrou que a maioria apresentava pouca escolaridade, recebia entre 1 e 2 salários mínimos e exercia ocupações compatíveis tanto com a escolaridade quanto com a renda mensal individual.

Especificamente em relação aos resultados relativos ao Rb, constatou-se que 8,75% dos pacientes com algum tipo de doença oftalmológica perderam o globo ocular por causa dessa patologia. Esse número foi superior ao encontrado em pesquisa realizada por Goiato et al.28 (2004), em que o Rb foi responsável por apenas 4% dessas perdas. Considerando-se o total de pacientes acometidos com Rb, 71,4% eram do sexo masculino. Essa prevalência para esse sexo está de acordo com os resultados encontrados por outros autores12,14,18,25 que realizaram estudos, respectivamente, em Recife, China, São Paulo e Goiânia, cujos percentuais encontrados foram de 53%, 58,3%, 52,3% e 54,3%, respectivamente.

No que diz respeito à faixa etária, sabe-se que o Rb é o tumor maligno ocular mais frequente na idade pediátrica e que, geralmente, é diagnosticado em crianças com menos de 5 anos em 95% dos casos.29 Assim, pode-se dizer que a maior prevalência de perda ocular por Rb na faixa etária dos 5 aos 20 anos (28,6%), encontrada neste estudo, está de acordo com os dados encontrados na literatura. 5-6,18,29 Entretanto, vale salientar que essa faixa etária (5 a 20 anos) foi aquela relatada pelo paciente ao ter recebido o diagnóstico e realizado a enucleação do globo ocular e não necessariamente a idade que ele apresentava ao ter sido atendido na Clínica de Prótese Buco-Maxilo Facial do Curso de Odontologia da UFPE para realizar a reabilitação com próteses oculares.

Quanto à etnia, Odashiro et al.19 (2005) afirmaram que, em diferentes países, a distribuição do Rb afeta todos os grupos étnicos, sendo, porém, mais prevalente em leucodermas. No entanto, o padrão de distribuição do Rb no presente estudo mostrou predileção pela raça parda (12,2%). Esse achado pode ser justificado pelo fato de os pacientes terem declarado eles próprios à qual raça pertenciam e ao fato da grande miscigenação encontrada no Brasil. Adicionalmente, neste estudo, o Rb foi mais prevalente em indivíduos divorciados (33,3%), residentes na Região Metropolitana do Recife (14,3%) e estudantes (27,3%).

Embora seja possível encontrar na literatura estudo30 que fale sobre o baixo perfil econômico e a pouca escolaridade dos pacientes que perderam o globo ocular por algum tipo de patologia, nessa região anatômica, nossos resultados mostram que a maioria dos pacientes mutilados faciais por Rb tinha de 9 a 17 anos de escolaridade (17,6%) e renda individual de mais de 2 salários mínimos (20,0%). Esses dados reforçam a informação de que o Rb ao ser, com certa frequência, diagnosticado tardiamente e tratado inadequadamente8,24-25 resulta em enucleação do globo ocular afetado, tornando-se, assim, um grave problema de saúde, que pode acometer também indivíduos com perfil socioeconômico mais diferenciado.

 

CONCLUSÃO

O Rb ainda é uma das causas de perda do globo ocular, mesmo sendo passível de diagnóstico precoce e tratamento conservador. Esse tipo de perda pode ser justificado pelo fato de esse tumor intraocular ocorrer, predominantemente, na primeira infância, somado ao desconhecimento da população e à dificuldade do seu diagnóstico. Portanto, é de suma importância orientar melhor a população acerca dos principais sintomas dessa patologia, para que se possa fazer o diagnóstico precoce, tornando-se, portanto, importante que ocorra uma maior integração entre profissionais de saúde que lidam com patologias oculares, a exemplo do protesólogo Buco-Maxilo-Facial. Essa atitude implica que tratamentos adequados sejam realizados, a fim de se evitar a perda do globo ocular nesses pacientes.

 

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