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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.11 no.3 Camaragibe Jul./Set. 2011

 

 

Cisto ósseo aneurismático: relato de caso

 

Aneurysmatic osseous cyst: a case report

 

 

Antonio CaubiI; Fábio GonçalvesII; Aureo AndradeIII; Fabricio LandimIV; Milagros GuillenV

I Especialista em CTBMF pela Universidade Federal do Ceará, Mestre e Doutor em CTBMF pela Universidade de Pernambuco.
II Residente em CTBMF pelo Hospital Oswaldo Cruz/UPE.
III Residente em CTBMF pelo Hospital Oswaldo Cruz/UPE.
IV Residente em CTBMF pelo Hospital Oswaldo Cruz/UPE.
V Residente em CTBMF pelo Hospital Oswaldo Cruz/UPE.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O cisto ósseo aneurismático é uma lesão benigna e rara dos maxilares, que geralmente possui comportamento local agressivo. O crescimento e surgimento rápido, áreas osteolítica e abaulamentos das corticais são características clínicas comuns. Os exames complementares de imagem e histopatológico são essenciais para o correto diagnóstico e planejamento cirúrgico. O objetivo desse estudo é apresentar um relato de caso de cisto ósseo aneurismático, tratado cirurgicamente por isso de enucleação, e discutir a patogênese da doença, abordando seus aspectos clínicos.

Descritores: Cisto ósseo aneurismático; Tumor de mandíbula; Patologia oral.


ABSTRACT

The aneurysmatic osseous cyst is a benign and rare lesion of the maxillofacial complex. Its behavior is usually aggressive. Its rapid growth and onset, osteolytic areas and cortical expansion are common clinical characteristics. Radiographic imaging and a histopathological examination are essential for the correct diagnosis and planning of the surgery. The aim of this study is to present a case report of an aneurysmatic osseous cyst treated by enucleation and to discuss the etiology, addressing its clinical features.

Keywords: Aneurysmatic osseous cyst; Mandibular tumor; Osral pathology.


 

 

INTRODUÇÃO

O cisto ósseo aneurismático é uma lesão óssea benigna, osteolítica, de crescimento geralmente rápido e localmente destrutivo, que pode simular fisiopatologicamente lesões com características malignas1.

Trata-se de uma lesão rara, que acomete 1,4 casos para 100.000 indivíduos e representa 1 % dos tumores ósseos3. O cisto ósseo aneurismático é uma patologia intraóssea, expansiva e composta de espaços sinusoides e vasculares, preenchidos por sangue e circundados por tecido fibroso, que localiza principalmente na metáfase dos ossos longos ou na coluna vertebral, sendo observada uma incidência nos maxilares de 2% a 14% de todos os cistos ósseos aneurismáticos do corpo4,5.

Crianças e adultos jovens apresentam a maior incidência das lesões6, as quais podem ser assintomáticas ou evoluir rapidamente para quadros álgicos, parestesias, paraplegia e fraturas patológicas devido ao mecanismo de crescimento compressivo da lesão7,8.

O objetivo deste artigo é apresentar um relato de caso tratado cirurgicamente e discutir a patogênese da lesão, as formas de diagnóstico e as modalidades terapêuticas relacionadas ao cisto ósseo aneurismático dos maxilares.

 

RELATO DE CASO

Paciente P.H.A, 19 anos de idade, sexo masculino, compareceu ao Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Universidade de Pernambuco com queixas de aumento de volume em fundo de sulco gengivolabial, região de corpo mandibular lado direito, tempo de evolução há 5 meses. Paciente não apresentava alteração sistêmica e não relatou sintomatologia dolorosa à palpação.

Ao físico exame extraoral, não foi observado nenhum tipo de alteração. Ao exame intraoral notou-se discreto abaulamento cortical vestibular, mucosa de coloração normal, sem ulceração, sem sinais sugestivos de infecção e sem mobilidade dentária (Figura 1). Ao exame radiográfico, percebe-se imagem radiolúcida, bem circunscrita, adjacente aos dentes 46, 47 e 48 nos quais não havia sinais sugestivos de reabsorção radicular (Figura 2). Foi realizada uma biópsia incisional e exodontia do elemento 48 incluso. O diagnóstico histopatológico obtido foi de cisto ósseo aneurismático.

O tratamento cirúrgico foi realizado sob anestesia geral, e o procedimento consistiu em incisão de Mead e descolamento mucoperiosteal de espessura total para a confecção de uma janela óssea e enucleação da lesão (Figura 3). A loja cirúrgica apresentou discreto sangramento, sendo abundantemente irrigada com solução salina e suturada em tecido ósseo sadio. O paciente encontra-se em acompanhamento ambulatorial há dois meses, sem sinais clínicos e radiográficos de recidiva da lesão e com neoformação óssea dentro dos padrões de normalidade (Figura 4).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

O cisto ósseo aneurismático é uma lesão tumoral não-neoplásica, localmente agressiva; que pode apresentar curso clínico de evolução e crescimento rápido, simulando outras patologias multiloculares, tais como ameloblastoma, fibroma ossificante, cisto epitelial, lesão periférica de células gigantes e sarcomas 3,5. Alguns casos, no entanto, podem apresentar um curso clínico extremamente variável, caracterizado por um crescimento lento, imperceptível e assintomático, diagnosticada no exame clínico de rotina ou uma lesão súbita de expansão rápida, com destruição óssea que pode resultar em deformidades faciais 10.

Um estudo retrospectivo envolvendo 51 pacientes com cisto ósseo aneurismático nos maxilares acompanhado por trinta anos ( Motamedi et al.13) constatou que 62% das lesões ocorreram dentro das duas primeiras décadas de vida e, na maioria das vezes, surgiram por meio de crescimento repentino e apresentavam características agressivas. Mais de três quarto dessas lesões foram observadas na mandíbula .

A patogênese e a nomenclatura do cisto ósseo aneurismático ainda são muito discutidas e atualmente são direcionadas para os aspetos histológicos, pois os sinais clínicos e radiográficos são inespecíficos. A lesão não é considerada como um aneurisma, pois não há endotélio de revestimento nos espaços vasculare e tampouco deve ser referenciada como cisto devido a ausência de revestimento epitelial, sendo mencionada, na literatura europeia atual, como tumor central de células gigantes11,12.

Três teorias quanto à causa e patogênese do cisto ósseo aneurismático têm sido propostas: traumática, decorrente de uma possível hemorragia subperiosteal ou intramedular pós-traumática, com alteração no processo de reparo ósseo, levando a uma congestão do leito vascular, que pode resultar em reabsorção e erosão óssea com a expansão da lesão devido ao déficit de retorno venoso; uma segunda hipótese e mais bem aceita atribui a lesão óssea a uma malformação arteriovenosa do osso, na qual o crescimento ocorre devido ao desarranjo e à degeneração do estroma8,13. O crescimento será aumentado, se a hemodinâmica ou força osmótica forem envolvidas. A perda de suporte estromal ocasiona a dilatação e a ruptura dos vasos de paredes finas, havendo hemorragia no estroma e nos microcistos. Essa teoria tem apoiado a maioria dos trabalhos revisados na literatura15. Em análises imunohistoquímicas, foi observado que as células gigantes multinucleadas presentes no interior da lesão possuem atividade osteoclástica, já que provocam reabsorção óssea bem como macrofágica, verificada pela fagocitose de hemossiderina; Terceira hipótese, anomalias cromossômicas na banda genética 16q22, que induzen a alteraçoes vasculares intraósseas14.

Os exames de imagem, através de radiografias panorâmicas ou tomografias computadorizadas, permitem analisar imagens sugestivas e não-patognomônicas de cisto ósseo aneurismático. Podem apresentar-se como uma distensão balonizante ou com aspecto de "sopro para fora"4, presença de uma imagem radiolúcida cística, geralmente multilocular, com uma malha cística dividido por grosso septos fazem parte da suspeita diagnóstica de cisto ósseo aneurismático 10. No caso apresentado, foi observada imagem multilocular com bordos escleróticos que indicavam a necessidade de diagnóstico diferencial de lesões, como ameloblastoma, ceratocisto, mixoma, sendo a análise histopatológica comumente utilizada para diagnóstico definitivo.

Alguns autores indicam a biópsia percutânea devido ao potencial hemorrágico das lesões6, porém a vascularização dessas lesões nos maxilares é tipicamente de baixo fluxo, e a remoção do volume da lesão geralmente é suficiente para controlar a hemorragia4. Durante o procedimento descrito neste estudo, não evidenciamos grande perda de sangue.

A ressonância magnética capta imagem sugestiva de líquido no interior de lojas císticas divididas por septos, fornecendo indícios de suspeita lesão. Já a arteriografia não é de valor na determinação do diagnóstico diferencial, embore auxilie no estadiamento da lesão8.

Atualmente, o tratamento de escolha é cirúrgico, conservador, com enucleação da lesão, pois é um processo benigno10,11,13,14. A embolização seletiva com álcool polivinílico dias antes da cirurgia pode ser usada como tratamento único ou como adjuvante ao tratamento cirúrgico, e o uso de radioterapia e a injeção percutânea de esclerosantes vasculares são opções terapêuticas descritas na literatura3,8. No caso clínico abordado neste artigo, a lesão foi curetada, e toda a lesão, removida. Após exames radiográficos para acompanhamento no pós-operatório de 04 meses, foi constatada neoformação óssea.

A recidiva da lesão após procedimento cirúrgico está associada a procedimentos nos quais a curetagem foi incompleta6,7,9,13. Ressecção segmentar deve ser feita, apenas, em caso de recorrências múltiplas ou extensão para tecidos sobrejacentes. Taxas de recorrência variam entre 20% a 30% 3,4,11.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cisto ósseo aneurismático é uma lesão óssea incomum nos maxilares, mas, de relevância clínica, pois tem a capacidade de mimetizar lesões malignas. Exames complementares, realização de biópsia e conhecimento da fisiopatologia da lesão são essenciais para diagnóstico, planejamento e eficácia terapêutica.

 

REFERÊNCIAS

1. Vale BP, Alencar FJ, Aguiar GB, Almeida BR. Vertebral aneurysmatic bone cyst: study of three cases. Arq Neuropsiquiatr 2005; 63: 1079-1083.         [ Links ]

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3. C. Breuer, H. Paul, E. Mayatepek, J. Oh Mandibular aneurysmal bone cyst in a child misdiagnosed as acute osteomyelitis: a case report and a review of the literature. Eur J Pediatr (2010) 169:1037–1040.

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6. Garcia Filho Rj. Uma abordagem ortopédica ao estudo dos tumores ósseos. 2001.

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10. Capote-Moreno A, Acero J, García-Recuero I, Ruiz J, Serrano R, de Paz V. Giant aneurysmal bone cyst of the mandible with unusual presentation. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2009 Mar 1;14 (3):E137-40.

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Endereço para correspondência:
Antonio Caubi
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