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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.11 no.3 Camaragibe Jul./Set. 2011

 

 

Fratura facial em ciclista profissional: relato de caso

 

Facial fracture in a professional cyclist: a case report

 

 

Thiago Ayala Melo Di AlencarI; Karinna F. S. MatiasII; Leonardo Araújo de AndradeIII

I Graduado em Fisioterapia pela Universidade Estadual de Goiás e especializando em Fisioterapia Traumato-Ortopédica pela mesma universidade. Fisioterapeuta da Clínica Fisio Vitale e do Studio Bike Fit.
II Graduado em Fisioterapia pela Universidade Estadual de Goiás. Fisioterapeuta da Clínica Fisio Vitale e do Studio Bike Fit.
III Graduado em odontologia pela Universidade Paulista de Goiânia (UNIP), especialista em cirurgia e traumatologia buco-maxilo-facial pelo HC-UFU Uberlândia-MG e pós-graduado em implantodontia HD-Uberlândia. Cirurgião buco-maxilo-facial do Hospital Cidade Jardim.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O ciclismo é um esporte de velocidade, comumente associado a traumas agudos, como fraturas. Em razão de os modelos tradicionais de capacetes geralmente não oferecerem proteção contra traumas maxilo-faciais o ciclista fica vulnerável a sofrer fraturas de face, principalmente em terço médio e inferior. O objetivo deste trabalho é apresentar um caso de fratura isolada do complexo zigomático orbitário em ciclista profissional, tratado com redução aberta e osteossíntese com placa e parafusos por meio do acesso em região de sutura fronto-zigomática e rebordo infraorbitário, com retorno ao esporte na quinta semana de pós-operatório.

Descritores: Ciclismo, Fratura de face, Zigomático.


ABSTRACT

Cycling is a speed sport commonly associated with acute trauma such as fractures. Because traditional models of helmets usually do not offer protection against maxillofacial trauma, the cyclist is liable to suffer facial fractures, especially in the midface and lower face. The aim of this paper is to present a case of isolated fracture of the zygomatic-orbital complex in a professional cyclist, treated with open reduction and internal fixation with plate and screws through the infrapalpebral and superciliary access, who returned to his sport in the fifth postoperative week.

Keywords: Cycling; Facial fractures; Zygomatic.


 

 

INTRODUÇÃO

O ciclismo recreacional e amador é considerado como um esporte relativamente seguro e capaz de propiciar condicionamento cardiovascular aos que procuram uma atividade física sem impacto. No entanto, o ciclismo profissional exige velocidades muito altas e sobrecarga musculoesquelética muito maior comparado ao não-profissional, realidade que predispõe o ciclista a um maior risco de lesão decorrente da prática esportiva1. Os traumas agudos relacionados à prática desse esporte não são raros e têm um impacto significativo sobre áreas corporais geralmente desprovidas de proteção, como a região maxilo-facial, podendo levar à fratura2.

O objetivo deste trabalho é apresentar um caso de fratura isolada em região do complexo zigomático em ciclista profissional, tratado com redução aberta e osteossíntese com placas e parafusos por meio de acessos em região de sutura fronto-zigomático e rebordo infraorbitário, com retorno do ciclista aos treinos na quinta semana de pós-operatório.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 29 anos, branco, ciclista profissional há nove anos, habituado a treinar 400 km semanais sofreu queda após ter sido empurrado pelo adversário a quinze metros da linha de chegada de uma prova de ciclismo de 213 km. Durante a queda, o ciclista chocou-se contra a grade de proteção, à direita da pista de rolamento e, posteriormente, contra o quadro da bicicleta e o solo, ficando inconsciente até ser atendido pela equipe médica que prestava os primeiros socorros no evento.

Ao exame físico, o ciclista apresentava dor à palpação, edema periorbital, dificuldade de abertura bucal, perda de projeção óssea na região de arco zigomático, presença de equimose subconjuntival e degrau ósseo na região infraorbitária. A dificuldade de abertura bucal típica em fratura do arco zigomático deve-se ao fato de o músculo masseter, principal músculo da mastigação, inserir sobre o arco3. A radiografia de face mostrou discreto afundamento da região zigomática direita (Figura 1), com degraus ósseos palpáveis no rebordo infraorbitário e sutura frontozigomática.

Quatro dias após o incidente, o ciclista foi submetido à cirurgia. Sob anestesia geral, foi feita a redução das fraturas e colocada uma placa reta intervalada de quatro parafusos e outra orbital de seis parafusos para osteossíntese das suturas frontozigomática e no rebordo infraorbitário, respectivamente (Figura 2). As incisões de acesso utilizadas foram: supraciliar e infrapalpebral. Como houve estabilidade após essa fixação e a posição do complexo zigomático estava adequada, não foi realizada osteossíntese adicional. No pós-operatório, foi verificada a correção da projeção da região zigomática direita (Figura 3), sem ocorrência de sequela estética ou funcional. O retorno aos treinos ocorreu no 32º dia de pós-operatório.

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Acidentes de carro e ciclístico, atropelamento4,5, violência interpessoal4 e queda da própria altura4,6 são os casos de maiores incidência de fraturas maxilo-faciais, sendo que de 13 a 21% dessas fraturas ocorrem no ciclismo5,7,8, acometendo, principalmente, a faixa etária de 21 a 40 anos9. Fraturas do complexo zigomático estão entre as mais frequentes do complexo maxilo-facial, devido a sua posição e projeção no arcabouço facial6, superada apenas pelo osso nasal6,10. A posição e os contornos do osso zigomático tornam-no suscetível a lesões.

De acordo com alguns autores, existe uma tendência de o capacete não proteger o ciclista contra lesões maxilo-faciais durante o acidente4,11,13, informação que contradiz parcialmente relatos de Thompson et al.7, Para Thompson et al.7 os capacetes reduzem em aproximadamente 65% o risco de lesão em terço superior (upper face) e médio da face (midface), de acordo com dados encontrados em seu estudo, todavia concordam que o capacete não oferece nenhuma proteção contra lesão em terço inferior da face (lower face).

Os traumas maxilo-faciais são mais comuns nos homens e estão predominantemente relacionados aos acidentes de trânsito e à prática esportiva, em especial o ciclismo. Um estudo realizado por Gassner et al.13 no Departamento de Cirurgia Buco-Maxilo-Facial da Universidade de Innsbruck, Áustria, entre 1991 e 1996 revelou a ocorrência de quinhentos e sessenta e dois ciclistas lesionados (10,3% de todos os pacientes com trauma), contabilizando 31% e 48,4% dos acidentes relacionados ao esporte e trânsito, respectivamente. As lesões mais graves ocorreram em sessenta ciclistas de montanha (mountain bikers), sendo 55% de fraturas faciais, 22% lesões dentoalveolares e 23% de lesões em tecidos moles, em comparação com 502 ciclistas de estrada que mostraram 50,8% de lesão dentoalveolar, 34,5% de fraturas faciais e 14% lesões em tecidos moles. A fratura dominante nos ciclistas de estrada foi do zigomático (30,8%), enquanto os ciclistas de montanha (mountain bikers) obtiveram significativos 15,2% de fraturas Le Fort I, II e III13.

Lee & Chow14 realizaram uma pesquisa na Unidade de Cirurgia Buco-Maxilo-Facial do Hospital Christchurch, Nova Zelândia e constataram que dos 393 pacientes tratados com fratura facial, 63 (16%) estiveram envolvidos em acidente ciclístico (de estrada). Desse total, 39 acidentes foram devido a quedas acidentais; 13 envolvendo colisão com veículo motorizado, 4 envolvidos em colisão entre ciclistas, e 7 foram devido a colisão com objeto estacionário. Trinta e dois pacientes (52%) apresentaram fraturas em face, enquanto outros 28 (45%) sofreram fraturas mandibulares. A fratura do complexo zigomático mostrou-se com maior incidência em fraturas de face (31%), resultado que coincide com os achados de Gassner et al.13.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando o presente relato de caso e outros artigos utilizados na discussão, é possível concluir que os capacetes que oferecem proteção facial diminuem a incidência de fratura em terço médio e inferior de face.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Pruitt AL, Carver TM. Cycling. Epidemiology of Injury in Olympic Sports. Caine DJ, Harmer PA, Schiff MA. 1st ed. Hoboken, NJ: Wiley-Blackwell, 2010, p. 107-113.         [ Links ]

2. Bernaerts A, Ehlinger P, Chapelle K. Maxillofacial Injuries in Sports. In: Vanhoenacker F, Maas M, Gielen JL. Imaging of Orthopedic Sports Injuries. Springer-Verlag Berlin Heidelberg: 2007, pp. 401-414.

3. Thomson F, Gelfman S. Facial Trauma. In. Herrera JE, Cooper G. Essential Sports Medicine. Totowa, NJ: Humana Press, 2008, p. 27-35.

4. Wulkan M, Parreira Jr JG, Botter DA. Epidemiologia do Trauma Facial. Rev Assoc Med Bras. 2005; 51(5): 290-5.

5. Malara P, Malara B, Drugacz J. Characteristics of Maxillofacial Injuries Resulting From Road Traffic Accidents – A 5 Year Review of the Case Records from Department of Maxillofacial Surgery in Katowice, Poland. Head Face Med. 2006; 2: 27.

6. Gondola AO, Pereira Jr ED, Pereira AM, Antunes AA. Epidemiologia das Fraturas Zigomáticas: Uma Análise de 10 Anos. Rev. Odonto Ciênc. 2006; 21(52): 158-162.

7. Thompson DC, Nunn ME, Thompson RS, Rivara FP. Effectiveness of Bicycle Safety Helmets in Preventing Serious Facial Injury. JAMA 1996; 276(24): 1974-1975.

8. Exadaktylos AK, Eggensperger NM, Eggli S, Smolka KM, Zimmermann H, Iizuka T. Sports Related Maxillofacial Injuries: The First Maxillofacial Trauma Database in Switzerland. Br J Sports Med. 2004; 38(6):750-753.

9. Gomes PP, Passeri LA, Barbosa JR. A 5-year Retrospective Study of Zygomatic-Orbital Complex and Zygomatic arch Fractures in Sao Paulo State, Brazil. J. Oral Maxillofac. Surg. 2006; 64(1): 63.

10. Tadj A, Kimble FW. Fractured Zygomas. ANZ J Surg. 2003; 73(1-2): 49-54.

11. McDermott FT. The Effectiveness of Bicyclist's Helmets: A Study of 1710 Casualties. J Trauma 1993; 34(6): 834-45.

12. Chow TK, Corbett SW, Farstad DJ. Do Conventional Bicycle Helmets Provide Adequate Protection in Mountain Biking? Wild Environ Med.1995; 6(4): 385-390.

13. Gassner R, Tuli T, Emshoff R, Waldhart E. Mountainbiking – A Dangerous Sport: Comparison with Bicycling on oral and Maxillofacial Trauma. Int J Oral Maxillofac Surg. 1999; 28(3): 188-91.

14. Lee KH, Chou HJ. Facial Fractures in Road Cyclists. Aust Dent J. 2008; 53(3): 246-9.

 

 

Endereço para correspondência:
Thiago Ayala Melo Di Alencar
Clínica Fisio Vitale
Departamento de Pesquisa em Ciclismo
Rua R-13, n. 159, Setor Oeste
Goiânia – Goiás – Brasil
CEP: 74125-150

e-mail:
thiagoayala@hotmail.com