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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.11 no.3 Camaragibe Jul./Set. 2011

 

 

Enxerto costocondral em anquilose de ATM pediátrica: relato de caso

 

Costochondral graft in pediatric ankylosis of TMJ: a case report

 

 

José Carlos Garcia de MendonçaI; José Mariano Carvalho CostaII; Gileade Pereira FreitasIII; Helena Bacha LopesIII; Christiano Moreira da Costa LimaIII

I Especialista em CTBMF / Mestre e Doutor em Ciências da Saúde (Cirurgia) da Faculdade de Medicina da UFMS / Professor Adjunto de CTBMF da FAODO-UFMS. Coordenador do Programa de Residência em CTBMF do Núcleo do Hospital Universitário "Maria Aparecida Pedrossian" - UFMS.
II Doutor em Ciências da Saúde (Cirurgia) da Faculdade de Medicina da UFMS / Professor Colaborador do Programa de Residênia em CTBMF do Núcleo do Hospital Universitário "Maria Aparecida Pedrossian" - UFMS.
III Cirurgião-Dentista Residente do Programa de Residência em CTBMF do Núcleo do Hospital Universitário "Maria Aparecida Pedrossian" - UFMS.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Anquilose da ATM pode ser definida como impedimento da excursão normal da mandíbula por comprometimento da articulação ou de suas adjacências. Ela pode ocorrer por sequela de várias patologias, porém tem como principais fatores causais o trauma e a infecção. O seu diagnóstico é feito com base nos exames clínicos e de imagens. Não existe consenso na literatura quanto ao melhor tratamento para a correção da anquilose. Numa revisão, as modalidades de tratamento comumente encontradas são a artoplastia simples, a artroplastia interposicional e a excisão e reconstrução da articulação. Nas reconstruções da ATM com enxerto autógeno, a preferência cabe ao enxerto costocondral devido ao seu potencial de crescimento e remodelação em pacientes juvenis e ao baixo índice de morbidade nos pacientes adultos. Este trabalho tem como objetivo fazer uma breve revisão da literatura e relatar um caso de anquilose em uma criança tratada com enxerto autógeno costocondral. O tratamento se mostrou eficaz em relação à máxima abertura de boca pós-operatória, ausência de recidiva e boa função da articulação.

Descritores: Anquilose; Cirurgia; Patologia; Diagnóstico; Tratamento.


ABSTRACT

Ankylosis of the TMJ may be defined as the prevention of normal mandibular excursion due to the involvement of the joint or its surrounding structures. It may be a sequela of various diseases, but the main causal factors are trauma and infection. The diagnosis is based on clinical and imaging examinations. There is no consensus in the literature on the best treatment for the correction of ankylosis. In a review, the most commonly mentioned types of treatment are simple arthroplasty, interpositional arthroplasty, and excision and reconstruction of the joint. In the reconstruction of the TMJ with an autogenous graft, the preferred graft is the costochondral one because of its potential for growth and remodeling in juvenile patients and low morbidity in adult patients.The aim of this paper is to briefly review the literature and report a case of ankylosis in a child treated with an autogenous costochondral graft.The treatment proved effective for maximum mouth opening after surgery; there was no recurrence and good functionality of the joint was achieved.

Keywords: Ankylosis; Surgery, Pathology; Diagnosis; Treatment.


 

 

INTRODUÇÃO

A anquilose da articulação têmporo-mandibular (ATM) é uma doença incomum, que limita as funções fisiológicas, como deglutição, mastigação e fonação, podendo ocorrer em qualquer faixa etária. Contudo, pacientes até 10 anos de idade mostram uma maior predisposição para desenvolver a anquilose pós-traumática1,2,3,4.

A ATM, estrutura do sistema estomatognático, é uma das mais complexas e dinâmicas dentre as articulações do corpo humano. Tem capacidade de propiciar movimentos diferentes bilateralmente, porém com dinâmica de unidade. Por ser uma articulação bilateral, o acometimento de um dos lados acaba modificando o funcionamento do outro5. Diante de alterações na ATM, irão ocorrer prejuízos ao sistema estomatognático no que diz respeito ao desenvolvimento das funções, em especial a mastigação, uma vez que esta é totalmente dependente do movimento mandibular6.

Dentre as diversas anomalias que afetam a ATM, a anquilose, doença de prognóstico muito reservado, pode representar um comprometimento social e psicológico muito intenso ao paciente devido às alterações funcionais e estéticas7.

Diferentes causas podem ser atribuídas a essa condição: fraturas condilares não tratadas ou tratadas de forma inadequada, artrites em estágios avançados e, até mesmo, trauma por fórceps obstétrico1,8,9. O mecanismo de produção dessas anquiloses explicar-se-ia, em parte, pela existência de um frágil plexo vascular, muito suscetível ao trauma, que envolve e invade a face articular do côndilo. A lesão desses vasos provoca uma hemorragia intra-articular que, posteriormente, se organiza e se ossifica10.

Outra causa da anquilose inclui tratamento operatório prévio na região da ATM, que resulta em cicatriz e, em casos muito raros, disseminação de infecção por via hematogênica, sendo possível o desenvolvimento da anquilose em criança que apresentou sepse, e o foco provável não apresentava continuidade anatômica com a ATM10.

A anquilose da ATM é classificada por vários autores de acordo com a combinação do local (intra ou extra-articular), tipo de tecido envolvido (ósseo, fibroso ou fibro-ósseo) e a extensão da fusão (completa ou incompleta)11,12,3,13,14. Ela também pode ser classificada, segundo Sawhney15, em tipo I, no qual o côndilo está presente e possui apenas fibro-adesões; tipo II, no qual há fusão óssea, o côndilo está remodelado, porém o polo medial está intacto; tipo III, no qual já tem o bloco anquilótico, o ramo mandibular encontra-se fusionado ao arco zigomático, o pólo medial ainda está intacto e tipo IV, no qual já existe verdadeiro bloco anquilótico com anatomia totalmente alterada, porque o ramo mandibular está fusionado à base do crânio.

O diagnóstico da anquilose da ATM é clínico e deve ser apoiado em métodos de imagens, sendo que o sinal clínico primordial dessa condição é a limitação de abertura bucal, tendo em vista o caráter assintomático da doença. Os principais métodos de imagens são: a radiografia panorâmica, radiografias frontal e axial da ATM, as tomografias computadorizadas linear (TC) ou tridimensionais (com reconstrução em terceira dimensão - TC 3D), ou ainda, através da ressonância nuclear magnética (RM) 7,16.

Kaban et al.17 elegeram um protocolo para o tratamento de anquilose da ATM em 14 pacientes que foram acompanhados por um ano. Esse protocolo, segundo o estudo, mostrou ser ideal para o tratamento desse tipo de enfermidade. Ele consiste em ressecção intensa da massa óssea anquilosada, coronoidectomia ipsilateral (anquilose óssea) e coronoidectomia contralateral quando necessárias, interposição com fáscia do temporal ou cartilagem, reconstrução do ramo com enxerto costocondral, fixação rígida, movimentação da mandíbula o mais breve possível e fisioterapia intensa.

O enxerto autógeno costocondral é um enxerto livre de costela, contendo tecido ósseo e cartilaginoso. Permite a substituição da estrutura condilar da ATM, com o propósito de restabelecer a função e dimensão vertical da mandíbula, proporcionando a simetria facial. No paciente infanto-juvenil, esse tipo de enxerto transporta um potencial centro de crescimento ósseo18.

Esse tipo de enxerto possui vantagens de ser biologicamente compatível e funcionalmente adaptável19. O potencial de crescimento desse enxerto o faz ser o material de escolha em crianças17,14.

Problemas potenciais com esse enxerto incluem fratura, reabsorção, morbidade do leito receptor, recorrência de anquilose e comportamento de crescimento variável do enxerto in situ 20,19,21,10.

O fator crítico no sucesso do tratamento da anquilose da ATM, a longo prazo, é a execução de um programa fisioterápico intenso e bem conduzido, além do diagnóstico precoce17.

Este trabalho tem como objetivo relatar um caso clínico de anquilose de ATM em criança tratada com enxerto autógeno costocondral.

 

RELATO DE CASO

Paciente D.C.F., 6 anos de idade, leucoderma, gênero feminino, com queixa de limitação de abertura bucal, sem história de ter sofrido qualquer trauma na região. Sua mãe informou que sua filha havia tido infecção de ouvido há cerca de 18 meses. O exame radiográfico revelou alterações na anatomia do côndilo esquerdo da mandíbula e imagens sugestivas de tecido denso no espaço articular (Figura 1). Diante da história médica pregressa, do exame físico e de imagem, o diagnóstico foi firmado em anquilose fibro-óssea unilateral da ATM esquerda de origem infecciosa (otite média).

Realizou-se o ato operatório, que consistiu em condilectomia e artoplastia com interposição de enxerto autógeno, de origem constrocondral, fixado com fio de aço inóxidável no ramo mandibular ( Figura 2).

No período pós-operatório de 8 meses, pôde-se observar bons resultados por meio da avaliação clínica e de imagem. Clinicamente, a paciente apresentou boa evolução da abertura bucal (Figura 3). A criança não se queixou de dor espontânea ou à palpação nem de nenhum desconforto no local da operação. Ao Rx, observou-se a integração do enxerto e neoformação do côndilo da mandíbula integrado ao tecido ósseo remanescente, sem evidências de crescimento exagerado do enxerto (Figura 4).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Uma técnica operatória cuidadosa e a atenção meticulosa subsequente a fisioterapia à longo prazo são os fatores essenciais para se obterem bons resultados3,23. Muitos estudos mostram que a opção de se usar material de interposição é importante, prevenindo a recidiva24,25.

Entretanto, existem algumas desvantagens, como a morbidade no sítio doador e a reabsorção imprevisível do enxerto autógeno utilizado.Também poderá ocorrer o risco de uma reação de corpo estranho, quando algum material aloplástico é utilizado26,27.

Manganello-Souza e Mariani3 relataram bons resultados com a técnica da artroplastia e a reconstrução da ATM com enxerto autógeno costocondral, numa série de 9 pacientes operados da anquilose. Esses autores relataram que, ao longo de 53 meses de acompanhamento pós-operatório, observaram apenas 1 caso de recidiva.

Qudah et al.21, numa série de 14 pacientes operados da anquilose por meio da técnica da artroplastia e reconstrução da ATM com enxerto autógeno costocondral, relataram bons resultados em 93% dos casos.

Huang et al.27 trataram 11 pacientes por meio da técnica da reconstrução articular com enxerto autógeno costocondral. Esses autores relataram que 10 pacientes tiveram a abertura máxima da boca de 26,2 mm no período de acompanhamento pós-operatório de 2 anos, com apenas 1 caso de recidiva.

No caso relatado, utilizou-se enxerto autógeno costocondral para a reconstrução da ATM em criança do sexo feminino, com 6 anos de idade e que desenvolveu anquilose fibro-óssea unilateral após história mórbida de infecção otológica. No período pós-operatório de 8 meses, pôde-se observar bons resultados por meio da avaliação clínica e de imagem.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com a literatura revisada e o caso clínico apresentado, concluímos que a técnica cirúrgica de artroplastia com interposição de enxerto autógeno de origem costocondral para tratamento de anquilose de ATM mostrou ser eficaz, sem haver quaisquer complicações. Esse tipo de enxerto possui vantagens por ser biologicamente compátivel e adaptável funcionalmente. Devido ao seu potencial de crescimento, a literatura preconiza o enxerto autógeno costocondral para o tratamento de anquilose da ATM em crianças.

 

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