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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.11 no.3 Camaragibe Jul./Set. 2011

 

 

Reconstrução nasal parcial com retalho frontal oblíquo: relato de caso

 

Partial nasal reconstruction partial with an oblique frontal flap: a case report

 

 

Jose Rodrigues Laureano FilhoI; Carlos Augusto Pereira do LagoII; Priscilla Flores SilvaIII; Lucas Alexandre de Morais SantosIII; Fábio Luiz Neves GonçalvesIV

I Mestre e Doutor em Clínica Odontológica pela UNICAMP e Pós-Doutorado - Kaiser Permanent Medical Center/ EUA.
II Mestre e Doutor em CTBMF pela FOP/UPE.
III Residente em CTBMF pelo Hospital da Restauração.
IV Residente em CTBMF pelo Hospital Oswaldo Cruz/UPE.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Os ferimentos avulsivos na região nasal podem ser de origem traumática ou patológica. A reconstrução desses defeitos apresenta grande complexidade devido à região nasal ser importante do ponto de vista funcional e estético. A escolha do método reconstrutivo é baseada no tamanho, na localização e na profundidade do defeito a ser corrigido. O objetivo deste trabalho é relatar o caso de uma paciente que apresentou avulsão parcial de nariz cujo tratamento cirúrgico proposto foi a reconstrução nasal por meio de retalho frontal oblíquo.

Descritores: Ferimentos avulsivos; Retalho; Reconstrução nasal.


ABSTRACT

The avulsive wound of the nose may be of traumatic or pathological origin. The reconstruction of these wounds is difficult because the nasal region is functionally and aesthetically important. The method of treatment is based on size, localization and depth of the defect to be corrected. The aim of this study is to present a case report of a partial avulsive wound of the nose treated surgically by nasal reconstruction using an oblique frontal flap.

Keywords: Avulsive wound; Flap; Nasal reconstruction.


 

 

INTRODUÇÃO

As perdas de substância do nariz são frequentes devido a patologias ou traumas2. Os defeitos do ápice e dorso nasal representam complexos problemas em termos de reconstrução, visto que estes envolvem uma região importante do ponto de vista anatômico e funcional, sendo a pirâmide nasal um componente fundamental para a identidade facial e estética1.

O principal propósito da reconstrução nasal não é somente cobrir os defeitos com tecido mole e pele de cor e textura similar mas também causar mínima morbidade na área doadora3. Quando a reconstrução nasal é planejada, é necessário pensar no nariz como um composto de três camadas principais: pele, o suporte esquelético e a camada mucosa1.

A escolha do método reconstrutivo é baseada no tamanho, na localização e na profundidade do defeito a ser corrigido. As técnicas mais comumente utilizadas são os retalhos nasogeniano e nasolabial ou o retalho frontal mediano e suas variantes1. A região frontal como sítio doador para reconstrução nasal tem sido usada há milhares de anos8. O apogeu da reconstrução nasal ocorreu com Sushruta, em torno de 1000 a 2000 a.C na Índia, os primeiros relatos do seu manuscrito "Sushruta Samhita". A técnica foi desenvolvida com o intuito da reconstrução nasal após amputação do nariz como punição ao crime de adultério. Entretanto, foi Johann F. Dieffenbach, em 1972, que desenvolveu a maioria dos retalhos para rinoplastia reparadora6. Dentre as técnicas desenvolvidas por seus sucessores, estão o retalho frontal clássico, retalho frontal oblíquo, retalho supratroclear ou paramediano, retalho de Converse, retalho Washio, retalho Orticochea, retalho nasogeniano de pedículo subcutâneo, retalho de Rintalla. Auvert (1850) idealizou o retalho oblíquo, com inclinação de 45° até a região temporal7.

O retalho frontal oblíquo, que é hoje o mais utilizado na reconstrução nasal, é baseado em um vaso supratroclear único e desenhado por parte da fronte que é contralateral ao defeito, garantindo um pedículo de comprimento adequado e uma rotação sem tensão do retalho4. O presente artigo descreve um caso de avulsão nasal parcial após acidente automobilístico e reconstrução secundária com retalho frontal oblíquo.

 

CASO CLÍNICO

A paciente R.C. S. S; 27 anos foi atendida no Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital da Restauração, após sofrer acidente motociclístico. Ao exame físico, notavam-se escoriações em região frontal e ferimento em nariz com perda de substância em ápice nasal e asa nasal direita (Figura 1). Após os cuidados iniciais de limpeza e debridamento, a paciente foi submetida à reconstrução nasal por meio de rotação de retalho da região frontal.

 

 

 

A paciente foi submetida a dois tempos cirúrgicos sob anestesia geral. No primeiro momento, planejou-se um retalho frontal oblíquo desenhado na área contralateral ao defeito, planejando-se um pedículo supratroclear para fornecer suprimento adequado ao retalho (Figura 2). Após incisão, dissecção e rotação do retalho, seguiu-se a etapa de reconstrução da anatomia da columela e base alar direita. A fim de evitar o contato da mucosa do retalho com a pele do dorso nasal, foi removido enxerto cutâneo da região escapular. O enxerto foi suturado, recobrindo a mucosa do retalho superposta ao dorso nasal. Na região mais superior da fronte, a cicatrização foi realizada por segunda intenção, com trocas de curativos (Figura 3). O tampão ocular foi mantido a fim de manter a oclusão palpebral devido à tensão na região frontal esquerda. Após duas semanas, o segundo tempo cirúrgico foi conduzido, quando o pedículo foi rompido e finalizada a regularização da base do retalho e do ápice nasal. A paciente retornou com sessenta dias de pós-operatório e observou-se bom contorno nasal com discreta cicatriz na região. Notou-se, ainda, cicatriz evidente na região superior da fronte e levantamento da sobrancelha esquerda (Figura 4).

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

A reconstrução nasal por meio de retalho frontal oblíquo é amplamente descrita e rotineiramente utilizada na reconstrução de defeitos nasais, causados, principalmente, pela ressecção de carcinomas, sendo raros os traumas que provocam avulsão parcial ou total da pirâmide nasal. Nicolas et al. (2005) relataram dezesseis casos de reconstrução nasal em três tempos cirúrgicos com retalho frontal. Onze pacientes apresentavam carcinoma basocelular, três pacientes, carcinoma espinocelular, e dois pacientes, trauma na região. Doze desses pacientes foram tratados com retalho frontal oblíquo, e quatro, com retalho frontal mediano. Dos dezesseis pacientes tratados, dois evoluíram com infecção e um, com necrose parcial2. No caso apresentado, não houve sinais de necrose tecidual e/ou infecção, e a queixa da paciente era cefaleia frontal e prurido na cicatriz da região frontal.

Desde os primórdios do desenvolvimento da cirurgia reparadora, o suprimento sanguíneo é definido como um princípio básico e primordial. O conceito de fluxo arterial e drenagem venosa é de extrema importância para o desenho do retalho8. A fronte é nutrida por uma rica rede vascular fornecida pelas artérias supratroclear, supraorbital e temporal superficial3. Nesse sentido, Kleintjes (2007) realizou um estudo anatômico do suprimento arterial e venoso da fronte e observou que a artéria supratroclear mostrou-se constante em torno da linha cantal medial vertical8.

O retalho frontal oblíquo baseia-se no suprimento pela artéria supratroclear, o que minimiza os riscos de perda tecidual por necrose. Portanto, dentre os diversos tipos de retalhos frontais, este se mostrou conveniente no planejamento do caso pela anatomia favorável à adaptação do pedículo.

A técnica cirúrgica do retalho frontal oblíquo consiste num desenho na parte da fronte, que é contralateral ao defeito, garantindo um pedículo de comprimento adequado e uma rotação sem tensão do retalho, ideal em reconstruções do ápice nasal. O ponto de rotação do retalho é a raiz da sobrancelha. O pedículo supratroclear deve ser longo o bastante para permitir a criação de um retalho livre de tensão2. O retalho é curvado ao longo do couro cabeludo para alongar o pedículo, com uma curva voltada para a localização do defeito5. Na área doadora, podem-se aproximar as bordas até o limite onde isso não seja mais possível, o que normalmente acontece na região frontal mais superior. Nessa região, duas opções são possíveis: cicatrização por segunda intenção e acompanhamento diário do paciente com trocas de curativos e monitoração da possível formação de cicatriz hipertrófica; quando da separação do pedículo, a depender da viabilidade do retalho, pode-se programar a reinserção tecidual original. Entretanto, essa segunda opção torna-se, muitas vezes, descartada devido ao risco aumentado de infecção, a um maior número de cicatrizes e por não ser possível recompor a porção mais superior da fronte, visto que esse foi o tecido necessário na reconstrução nasal2. No caso apresentado, a principal modificação técnica consistiu na superposição de enxerto cutâneo da área escapular na mucosa do retalho sobreposta ao dorso nasal, o que acreditamos ter se tornado uma vantagem que corroborou o sucesso do tratamento, pois, dessa forma, minimizou o tecido de granulação, que seria formado na região, e o risco de infecção e necrose.

O retalho frontal oblíquo apresenta algumas vantagens, se comparado aos demais retalhos da região frontal para reconstrução nasal, dentre elas, destacam-se o suprimento sanguíneo garantido pela artéria supratroclear e o comprimento adequado sem tensão do retalho para reconstruções mais distantes. Dentre as desvantagens desse retalho, destacam-se: cicatriz frontal, deformidade na linha da sobrancelha e a necessidade de um segundo tempo cirúrgico6.

Entretanto, várias modificações técnicas são descritas para superar essas desvantagens. Essas variações podem afastar a necessidade de um segundo procedimento, mas não podem impedir as óbvias cicatrizes verticais na região frontal3. Um retalho frontal em ilha, no qual um túnel subcutâneo é criado entre a área doadora e a área receptora, foi proposto por Karsidag et al. (2008), em que dez pacientes foram tratados com essa técnica. Os autores observaram que esse retalho minimizava as principais desvantagens do retalho frontal oblíquo, pois permitia fechamento primário da cicatriz, bem escondida pela linha do cabelo e cosmeticamente aceitável. Esse procedimento foi realizado em um único estágio, sem haver deformidade na região glabelar e linha da sobrancelha . Porém, esse retalho torna-se, muitas vezes, limitado na reconstrução do ápice nasal devido a sua extensão reduzida9.

Chavéz et al. (2010) propuseram expansão tecidual na área doadora antes da realização do retalho frontal oblíquo . O processo de expansão tissular pode ser definido como a capacidade dos tecidos vivos de aumentar sua área de superfície como resposta à pressão exercida por uma massa crescente. Baseia-se no princípio de que o tecido mole responde às forças internas e externas para mudar a sua forma e o seu tamanho. Os autores referem como principal vantagem a possibilidade de fechamento primário na área doadora, mas relatam que o retalho expandido pode apresentar um comportamento imprevisível, com tendência à redução de rebote e deformação. Entretanto, nos seis casos tratados pelos autores, nenhuma complicação foi observada7. No caso apresentado, a expansão tissular não foi considerada devido à pequena dimensão do defeito a ser reconstruído.

O levantamento da sobrancelha está diretamente relacionado à tensão e largura do retalho. No caso relatado, a paciente apresentou cicatriz frontal, que pôde ser mascarada pelas escoriações na fronte, causadas pelo acidente. Notou-se ainda, levantamento da sobrancelha esquerda devido a tensão criada na região, embora não causasse incômodo estético à paciente.

A realização do tamponamento nasal anterior por uma semana e o uso de conformador nasal de silicona para manter a abertura das narinas são recomendados por alguns autores4. No tratamento proposto para a paciente, não consideramos necessário manter tamponamento devido à dimensão da reconstrução. Observamos diminuição do diâmetro na narina direita, o que poderia ter sido evitado com o uso do conformador de silicona, contudo não houve obstrução nasal.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O retalho frontal oblíquo é uma das primeiras opções na reconstrução de defeitos do ápice e dorso nasal devido às suas inúmeras vantagens. A principal vantagem consiste na manutenção da vascularização pela artéria supratroclear, por isso se deve ter em mente a anatomia vascular para garantir a viabilidade do retalho. O resultado estético no retalho frontal oblíquo é muito favorável devido à cor e textura similar. Deve-se tentar minimizar as desvantagens desse retalho por meio de modificações da técnica cirúrgica, como a tunelização, que minimiza a cicatriz na área doadora e a expansão tissular, que pode garantir fechamento primário nessa região.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Cervelli V, Bottini DJ, Gentile P. Reconstruction of the nasal tip. The journal of craniofacial surgery. 2007; 18: 1380-84;         [ Links ]

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3. Karsidag S, Sacak B, Bayraktaroglu S, Ozcan A, Ugurlu K, Bas L. A Novel Approach for the Reconstruction of Medial Canthal and Nasal Dorsal Defects: Frontal Hairline Island Flap. 2008; 19: 1653-57;

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6. Lima BS, Abdalla, SC, Accioli Vasconcellos, ZA, Accioli Vasconcellos JJ, Vieira VJ, Bins-Ely J, Éça Neves, R. Reconstrução nasal com retalho frontal: nossa experiência. Arquivos catarinenses de medicina. 2007; 36: 103-05;

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Endereço para correspondência:
Laureano Filho
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