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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.11 no.4 Camaragibe Out./Dez. 2011

 

 

Tratamento cirúrgico de sialólito em glândula submandibular - relato de caso

 

Surgical Treatment of calculi in submandibular gland – case report

 

 

Fábio Andrey da Costa AraújoI; Orley Nunes de Farias JúniorII; Fabrício Souza LandimII; André Vajgel FernandesIII; Antônio de Figueiredo CaubiIV

I Residente em CTBMF pelo Hospital Universitário Oswaldo Cruz - UPE. Mestrando em CTBMF pela FOP/UPE.
II Residente em CTBMF do Hospital Universitário Oswaldo Cruz - UPE.
III Especialista e Mestre em CTBMF pela FOP/UPE. Doutorando em CTBMF pela FOP/UPE.
IV Mestre e Doutor em CTMBF. Professor Adjunto de CTBMF da FOP/UPE.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A obstrução das glândulas salivares por cálculos está entre as mais frequentes afecções dessas estruturas anatômicas. Estudos mostram que cerca de 80 a 90% deles acomete a glândula submandibular. Inúmeras formas de tratamento são empregadas na remoção de cálculos do sistema ductal. O tratamento pode variar desde o acompanhamento clínico até técnicas cirúrgicas intra ou extraorais, com preservação ou excisão da glândula. Fatores, como o estado geral do paciente, experiência do cirurgião, tamanho, forma e localização do cálculo, influenciam diretamente na escolha do tipo de tratamento. Este trabalho tem como propósito relatar um caso clínico de excisão cirúrgica de cálculo salivar, com dimensões incomuns, em glândula submandibular pela técnica intraoral. Objetiva-se, ainda, realizar uma discussão acerca dos tipos de tratamento e seus riscos e benefícios.

Descritores: Glândula Submandibular; Doenças da Glândula Submandibular; Cálculo; Cirurgia Bucal.


ABSTRACT

The obstruction of the salivary glands for calculi is among the most frequent disease of these anatomical structures. Studies show that about 80 to 90% of them affects the submandibular gland. Numerous forms treatment are employed in the removal of calculis of the ductal system. Treatment can range from clinical follow-up to intra or extraoral surgical techniques with preservation or excision of the gland. Factors such as the state of the patient, surgeon experience, size, shape and location calculation directly influence the choice of treatment. This work aims to report a case of surgical excision of salivary calculis with unusual dimensions, in submandibular gland for intraoral technique. The objective is to also hold a discussion types of treatment and its risks and benefits.

Keywords: Submandibular Gland; Submandibular Gland Diseases; Calculi; Surgery Oral.


 

 

INTRODUÇÃO

A sialolitíase é a doença mais frequente das glândulas salivares, ocorrendo com expressiva predominância na glândula submandibular, seguida da parótida e, em menor frequência, da sublingual e das glândulas salivares menores. Atribui-se ao trajeto sinuoso e ascendente do ducto de Wharton a maior facilidade na deposição dos sais de cálcio e consequente formação de cálculos. Além disso, a maior quantidade de proteínas (mucinas) secretada pela glândula submandibular torna a secreção mais espessa, dificultando a drenagem, aumentando a concentração de cálcio na saliva e constituindo mais um fator predisponente à obliteração do ducto1,2,3,4. Dados demográficos mostram que 80-90% dos cálculos se encontram na glândula submandibular5.

Os sialólitos podem ser simples ou múltiplos. Clinicamente observa-se tumefação palpável, geralmente associado à dor, a partir do momento em que se tornam grandes o suficiente para impedir a função secretora da glândula, levando à inflamação e, ocasionalmente, à infecção. É comum o relato de sintomatologia dolorosa pré-prandial5. O diagnóstico geralmente conta com o auxílio de radiografias panorâmicas e oclusais, porém podem ser realizados ainda exames tomográficos, sialografias, ultrassonografias, cintilografias e sialoendoscopias1,6,7,8.

Os cálculos salivares apresentam-se como uma massa ovoide, áspera ou lisa, de coloração amarelada, medindo em média 10 mm, podendo se desenvolver no interior da própria glândula ou nos ductos responsáveis pela secreção. Acredita-se que sua origem está relacionada à deposição de sais de cálcio ao redor de bactérias, células epiteliais do ducto ou corpos estranhos. A porção central é predominantemente inorgânica, sendo constituída, em sua maioria, de diferentes formas de fosfato de cálcio com quantidades variadas de carbonatos na forma de hidroxiapatita, podendo conter também magnésio, potássio e amônia. Já a periferia contém componentes inorgânicos e orgânicos, sendo estes: glicoproteínas, mucopolissacaídeos, lipídios e detritos celulares1,9,10,11.

Cálculos menores, quando localizados no interior dos ductos, podem ser removidos pela manobra de ordenha. Aqueles que apresentam maiores dimensões podem ser removidos através de acesso intraoral, extraoral ou por via endoscópica, dependendo da experiência do cirurgião, da localização, da forma e do tamanho do cálculo6,8,4,12. Este trabalho tem como objetivo realizar o relato de caso de cálculo salivar em glândula submandibular de tamanho incomum, discutir as principais técnicas de tratamento desse tipo de lesão bem como seus riscos e benefícios.

 

RELATO DE CASO

Paciente do gênero masculino, 56 anos apresentou-se ao Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital da Face, em Recife, Pernambuco, com histórico de sintomatologia dolorosa em região submandibular direita, sabor desagradável e halitose. O paciente referiu ainda que havia expelido um tipo de "pedra" pela boca há dois dias. Ao exame clínico extraoral, observou-se discreto aumento de volume em região submandibular direita, doloroso à palpação, sem alteração de cor e/ou temperatura. Ao exame intraoral, como se pode ver na Figura 1a, observa-se edema em região de soalho de boca, coloração avermelhada e alargamento da desembocadura do ducto de Wharton direito, provavelmente devido à eliminação do cálculo na véspera da primeira consulta. Quando realizada a manobra de ordenha da glândula submandibular direita, Figura 1b, observou-se a preservação da patência do ducto e a drenagem de um líquido com características compatíveis com saliva, no entanto com focos purulentos fornecendo uma coloração amarelada à secreção.

Foi solicitado exame tomográfico da região, onde se pôde observar imagem radiopaca no aspecto lingual do corpo mandibular direito, com dimensões não informadas no laudo tomográfico. A imagem de reconstrução tridimensional, Figura 2, sugere que o sialólito encontra-se na porção proximal do ducto de Wharton da glândula submandibular direita. Exames hematológicos, como hemograma, coagulograma, uréia, creatinina e a glicemia em jejum, além do parecer cardiológico, foram solicitados como parte da avaliação pré-operatória. O paciente foi considerado apto à realização do procedimento sob anestesia geral e categorizado como ASA I, segundo os critérios da Associação Norte-americana de Anestesiologia.

 

 

 

 

 

O paciente foi internado e submetido à anestesia geral em ambiente hospitalar, onde foram realizados todas as manobras de antissepsia do campo operatório intra e extraoral como parte das providências à manutenção da cadeia asséptica. Inicialmente foi planejada a realização de sutura com fio de nylon 3-0 em profundidade, na região do cálculo na tentativa de mantê-lo estável durante a incisão e divulsão dos tecidos. No entanto, essa manobra foi desencorajada devido ao tamanho do cálculo que impossibilitou a passagem da agulha na região posterior ao sialólito.

Iniciou-se o procedimento com incisão superficial na mucosa do soalho bucal o mais próximo possível da área do cálculo, sem que houvesse danos a estruturas como a glândula sublingual e o nervo lingual. Após incisão, foi realizada uma compressão digital extraoral no sentido caudo-cranial, para que o cálculo fosse superficializado no meio intraoral. Foi feita divulsão romba com o auxílio de tesoura de metzenbaum e pinça delicada atraumática. O nervo lingual foi identificado no trajeto da divulsão e isolado. A divulsão se estendeu até o sialólito, Figura 3a. Após identificação do cálculo, este foi removido com a utilização de uma pinça hemostática. O sialólito possuía cerca de 2,5 cm, Figura 3b. Após limpeza do campo, irrigação com solução salina e hemostasia do leito operatório, foi realizada sutura com fio vicryl 4-0. Foram prescritos analgésico e antibiótico no pós-operatório imediato, e a alta hospitalar foi dada no dia seguinte ao procedimento cirúrgico.

 

 

 

O paciente foi visto no terceiro dia pós-operatório, e, ao exame, observou-se edema compatível com trauma operatório, ausência de infecção, hemorragia e/ou deiscência da ferida cirúrgica. Foram solicitados exames de imagem para controle pós-operatório. Na tomografia computadorizada, a ausência de qualquer imagem radiopaca compatível com cálculo salivar na região abordada cirurgicamente, Figura 4. Após três meses do pós-operatório, o paciente evoluiu com a completa cicatrização do leito cirúrgico, Figura 5a e 5b, sem queixas de parestesia e/ou paralisia lingual. Observou-se patência do ducto da glândula submandibular direita, com saliva dentro dos padrões de normalidade e resolução da halitose, bem como a remoção dos pontos.

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Alguns autores defendem a indicação cirúrgica para a remoção de sialólitos apenas quando esses se localizarem na porção distal dos ductos, sendo anterior ao primeiro molar inferior em relação ao ducto de Warton, visto que a tentativa de remoção cirúrgica além deste limite representa um elevado risco de lesão a estruturas nobres, como o nervo lingual e hipoglosso, sendo indicada para esta finalidade a remoção via endoscópica, o que reduziria substancialmente essa possibilidade8,13. Em 2004, Baurmash discorda dessa opinião, defendendo que a utilização de uma técnica cirúrgica adequada pelo acesso intraoral, aliada à experiência do cirurgião, permite a excisão sem implicar morbidade ao paciente13. Combes et al. (2009) trataram 186 pacientes, entre 1999 e 2006, por meio de acesso intraoral para a remoção de sialólitos da região proximal ou do hilium da glândula submandibular com mínima morbidade5. O acesso intraoral para remoção do cálculo se mostra bastante eficiente e menos danoso em relação à sialodenectomia, visto que a função glandular é mantida. Pode ser executado sob anestesia local e geral, porém quando o cálculo está no segmento proximal ou no hilium, existe uma preferência pela anestesia geral, tendo em vista o maior risco de lesão de estruturas e a maior dificuldade técnica, sendo necessária meticulosa divulsão e hemostasia. Um dos incovenientes da técnica intraoral é a possibilidade do surgimento de rânulas quando a glândula sublingual é lesada durante o acesso5. Hong et al. (2000) trataram 31 pacientes por meio da excisão da glândula submandibular devido a inflamações crônicas relacionadas ou não a sialólitos e a adenomas pleomórficos, por meio de acesso intraoral, com complicações temporárias como redução da sensibilidade do nervo lingual e diminuição da motricidade da língua, mas com rápida recuperação pós-operatória14. O mesmo autor publicou estudo semelhante, dessa vez, com um número amostral maior, com 77 pacientes apresentando resultados semelhantes15. Preuss et al. (2007) analisaram retrospectivamente 258 casos de pacientes tratados de 1998 a 2003 por meio da excisão da glândula submandibular por meio de um acesso extraoral, mostrando um baixo percentual de complicações, porém relacionando como possíveis complicações e desvantagens pontos relevantes como a cicatriz na face, a potencial paralisia com consequente perda da mímica e expressão facial causada pela lesão do ramo marginal da mandíbula do nervo facial16.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os sialólitos de maiores dimensões na porção proximal dos ductos das glândulas submandibulares são geralmente tratados cirurgicamente. Nesse caso, a abordagem cirúrgica intraoral do cálculo salivar foi realizada com êxito, sem complicações pós-operatórias, sem sequelas ao aparato ductal da glândula submandibular e sem provocar lesões nervosas aos feixes lingual e/ou hipoglosso.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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