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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.11 no.4 Camaragibe Out./Dez. 2011

 

 

Manifestações craniofaciais da Doença de Paget - relato de caso

 

Manifestações craniofaciais da Doença de Paget - relato de caso Craniofacial manifestations of Paget's disease - case report

 

 

Ozawa Brasil JúniorI; Olavo HostonII; Paulo Germano de Carvalho Bezerra FalcãoIII; Ricardo Wathson Feitosa de CarvalhoIV; Gustavo José de Luna CamposV

I Cirurgião-Dentista, graduado pela UFPB, João Pessoa-PB.
II Especialista em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial, Cirurgião Buco-Maxilo-Facial do Hospital Municipal Santa Isabel, João Pessoa- PB.
III Especialista em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial, FOP/UPE; Cirurgião Buco-Maxilo-Facial do Hospital de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena; João Pessoa, PB.
IV Especialista em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial, FOP/UPE; Professor do Curso de Aperfeiçoamento em Cirurgia Oral Menor da ABO-SE; Professor do Curso de Especialização de Implantodontia da ABO-SE; Aracaju, SE.
V Especialista em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial, FOP/UPE; Cirurgião Buco-Maxilo-Facial do Hospital de Emergência e Trauma de Dom Hélder Câmara; Campina Grande, PB.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As lesões fibroósseas benignas do complexo craniofacial são representadas por uma variedade de processos caracterizados por calcificações ununsuais de uma ou múltiplas regiões do organismo. Dentre essas lesões, a Doença de Paget do osso constitui-se como uma patologia, que ocorre em três fases do processo de formação óssea, levando normalmente à perda de características morfo-funcionais de ossos longos e do complexo crânio-facial. Neste trabalho, relata-se o caso de um paciente com 56 anos de idade, atendido no serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital Santa Isabel, João Pessoa-PB, portador da doença de Paget do Osso com repercussões em todo o esqueleto. Além disso, são discutidos os aspectos históricos, a etiopatogenia e as complicações craniofaciais que podem advir dessa patologia.

Descritores: Anormalidades Craniofaciais; Osteíte Deformante.


ABSTRACT

Fibro osseous lesions of the craniofacial complex are represented by a variety of processes characterized by ununsual calcifications of one or multiple regions of the body. Among these lesions, Paget's disease of bone, is a condition that occurs in three stages of bone formation, typically leading to loss of morphofunctional and long bones of the craniofacial complex. In this paper, we report the case of a 56-years-old malepatient, seen at theSanta IsabelHospital, Maxillo-Facial Surgery Center , JoãoPessoa-PB, presenting Paget's disease of bone with repercussions throughout the skeleton. In addition, we discuss the historical aspects, pathogenesis andcraniofacial complications that can appear in this pathology.

Keywords: Craniofacial Abnormalities; Osteitis Deformans.


 

 

INTRODUÇÃO

As lesões fibroósseas benignas do complexo craniofacial são representadas por uma variedade de processos que são caracterizados por calcificações patológicas ou em associação um elemento medular fibroblástico hipercelular. A classificação atual inclui neoplasmas, lesões displásicas de desenvolvimento ou processos inflamatórios reativos. O diagnóstico definitivo pode raramente ser alcançado baseado apenas em características histopatológicas. Em vez disso, a aquisição de um diagnóstico final é geralmente dependente da associação de avaliação microscópica, de características clínicas e de exames de imagem do paciente1.

Dentre essas lesões, a Doença de Paget do osso (osteitis deformans), que foi descrita primeiramente por Sir James Paget em 1876, constitui-se como uma patologia, que ocorre em três fases do processo de formação óssea. A fase inicial é caracterizada pela excessiva atividade osteoclástica e reabsorção óssea focal. Essa fase é seguida de uma fase osteolítica-osteoblástica, durante a qual os osteoblastos rapidamente depositam novo osso rapidamente e com aspecto desorganizado. Na fase final, as lesões começam a apresentar osso com aspecto histológico alterado, esclerótico e mais frágil que o normal2.

Todos os ossos do complexo craniofacial podem ser afetados em graus variados, podendo haver modificações no osso da face, calvária e base do crânio, surgindo modificações sensoriais e motoras em graus diversos1,3,4.

O presente trabalho visa à apresentação de um caso de doença de Paget bem como à discussão das repercussões clínicas craniofaciais dessa patologia.

 

RELATO DE CASO

Paciente J.C.S., sexo masculino, leucoderma, com 56 anos de idade compareceu ao serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital Santa Isabel, João Pessoa-PB, encaminhado com história de crescimento ósseo em maxila que impossibilitava confecção de prótese total. Apresentava incapacidade de deambulação devido à lesão em joelho esquerdo (fig. 1), estando em tratamento junto à equipe da ortopedia. Ao exame físico de face, observou-se excesso de projeção ântero-posterior do osso frontal, além de discrepância entre maxila e mandíbula, com um aspecto facial côncavo (fig. 2). Em análise intrabucal, foi notado aumento volumétrico em espessura de rebordo alveolar desdentado em região vestibular, além de perda da profundidade de palato, denotando também aumento ósseo em direção palatina (fig. 3). Foram solicitadas radiografias de face e crânio, em que se observou aumento generalizado da radiopacidade dos ossos do complexo crânio-facial, com dificuldade de distinção entre cortical e medular óssea (Figs. 4 e 5). Foram solicitados exames hematológicos para dosagem de fosfatase alcalina, cálcio e fósforo, em que foi obtido o valor de 123 U/l de fosfatase alcalina (valores de referência em adultos - 13 a 43 U/l), cálcio 9,2 mg/dl e fósforo 4,5 mg/dl (valores compatíveis com padrão de normalidade). Diante da associação entre características clínicas, radiográficas e hematológicas, obteve-se o diagnóstico de doença de Paget. Atualmente, o paciente encontra-se sob tratamento de reabilitação oral, envolvendo osteoplastia e instalação de implantes dentários.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Atualmente, a forma clássica da Doença de Paget dos Ossos é caracterizada como uma displasia óssea, com início na idade adulta, considerada comum, entretanto sua prevalência é difícil de determinar devido à grande proporção dos casos assintomáticos5. É caracterizado por uma hiperatividade osteoclástica, resultando numa expansão óssea com deformidades esqueléticas progressivas6. Ossos tubulares apresentam curvamento, conforme no caso relatado, com o colapso vertebral da coluna cervical em estágios avançados da doença. A elevada fosfatase alcalina sérica é uma característica constante, enquanto os níveis de cálcio e fosfato são normais, corroborando o paciente descrito. Todos os ossos do complexo craniofacial podem ser afetados em graus variados. Com a remodelação facial e base do crânio evolui, neuropatias de nervos cranianos podem desenvolver-se como consequência de estreitamento do forames com a surdez sendo o achado predominante na maioria dos casos1. Nos estágios iniciais da doença, lesões radiolúcidas em formato de moeda aparecem na forma de ossos chatos do crânio, uma condição denominada osteitis circumscripta3.

Acredita-se que essa patologia seja geralmente causada por uma mutação P392L no gene SQSTM1 (p62), que desordena as vias de sinalização dos osteoclastos na ativação celular. Essa mutação prevalente apenas não é nem necessária nem suficiente para causar a doença de Paget. Portanto, não se pode descartar a possibilidade de fatores ambientais participarem da etiopatogenia dessa lesão5.

Com isso, sequências de ácidos nucleicos e antígenos microbianos foram observados para paramixovírus (sarampo em particular), vírus da cinomose canina e vírus sincicial respiratório. Além disso, foi demonstrado que os osteoclastos normais transduzidos com vetores retrovirais que expressam proteína do vírus do sarampo nuclear desenvolvem um fenótipo osteoclástico pagético com aumento do número e aumento de núcleos por célula. Entretanto, testes de transcriptase reversa PCR e RT-PCR não suportam a presença de transcritos virais em osteoclastos pagéticos. Além disso, vírus ativo não foi recuperado a partir de ossos de Paget. Portanto a presença de inclusões nucleares virais, como em osteoclastos pagetoides, permanece enigmática, quando um fator causal está em questão1.

O envolvimento craniano na Doença de Paget nos ossos em radiografias convencionais foi descrito extensivamente. Pode ser osteolítico (osteolisis circrunscripta), osteoesclerótico ou osteolítico/osteoesclerótico. Foi postulado que o envolvimento do crânio pode ser explicado pelo estresse das inserções musculares da mastigação. Em um segundo estágio, o processo reparativo leva a modificações escleróticas, afetando primeiro a cortical interna do crânio e a díploe. A esclerose então envolve a superfície interna da cortical externa. Mudanças osteolíticas podem geralmente iniciar na área frontal ou occipital. Com o avanço dessa patologia, a tábua óssea interna começa a ficar mais espessa que a tábua externa, que geralmente se afina drasticamente com o espaço diploico, alargando-se. A tábua externa é destruída, e as suturas ósseas não constituem barreira para a progressão7.

A Doença de Paget nos ossos apresenta diagnóstico através de TC muito confuso devido à similaridade com outras lesões fibro-ósseas. Entretanto, Tehranzadeh et al7 apontam alguns aspectos tomográficos que podem orientar o diagnóstico da lesão pelo radiologista, sendo a Doença de Paget dos ossos caracterizada pela simetria do envolvimento, do não envolvimento da cavidade nasal e dos seios paranasais e pelo espessamento da cortical interna da calvária.

Como repercussões sistêmicas e sintomatologia relatada por pacientes com Doença de Paget dos ossos com envolvimento facial ou maxilomandibular, a maior prevalência de modificações ocorreu na audição, visão, olfato e problemas dentais, além de uma associação de pacientes com doença cardíaca com aqueles que têm envolvimento dos ossos faciais ou do complexo maxilomandibular4.

Entre as lesões nervosas, a surdez é certamente atribuível à doença de Paget, sendo causada pelo envolvimento da cápsula do labirinto do ouvido interno. Além dessa, espasmo hemifacial, quando combinado com a surdez, é outro sinal que provavelmente está relacionado e a neuralgia trigeminal, possivelmente, também. A invaginação basilar pode ser assintomática, mas o espasmo hemifacial, a surdez, e os efeitos piramidais apresentam-se como mais prevalentes3,8,9.

 

REFERÊNCIAS

1. Eversole R, Su L, ElMofty S.Benign fibro-osseous lesions of the craniofacial complex. A review. Head Neck Pathol. 2008 Sep;2(3):177-202.         [ Links ]

2. Ooi CG, Fraser WD. Paget's disease of bone. Postgrad Med J. 1997 Feb;73(856):69-74.

3. Fu KK, Ko A.The treatment with alendronate in hemifacial spasm associated with Paget's disease of bone.Clin Neurol Neurosurg. 2000 Mar;102(1):48-51.

4. Wheeler TT, Alberts MA, Dolan TA, McGorray SP. Dental, visual, auditory and olfactory complications in Paget's disease of bone.J Am Geriatr Soc. 1995 Dec;43(12):1384-91.

5. Robey PG, Bianco P. The role of osteogenic cells in the pathophysiology of Paget's disease.J Bone Miner Res. 1999 Oct;14 Suppl 2:9-16.

6. Cortese E, Scatà E, Basano L. Paget's disease with an exclusively maxillary location. A case report. Minerva Stomatol. 1994 Jun;43(6):293-9.

7 . Tehranzadeh J, Fung Y, Donohue M, Anavim A, Pribram HW. Computed tomography of Paget disease of the skull versus fibrous dysplasia. Skeletal Radiol. 1998 Dec;27(12):664-72.

8. Clarke CR, Harrison MJ. Neurological manifestations of Paget's disease. J Neurol Sci. 1978 Sep;38(2):171-8.

9. Phelps PD. Deafness due to Paget's disease of bone. Br Med J. 1977 Sep 24;2(6090):827.

 

 

Endereço para correspondência:
Dr. Paulo Germano de Carvalho Bezerra Falcão
Rua João Domingos ,117-Sala 03 -Miramar
João Pessoa-PB
CEP: 58043-010.

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