SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.11 número4 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.11 no.4 Camaragibe Out./Dez. 2011

 

 

Piercing lingual: complicações nos tecidos periodontais

 

Tongue piercing: complications in periodontal tissues

 

 

Estela Santos GusmãoI; Renata CimõesII; Renata de Souza Coelho SoaresIII; Bruna de Carvalho FariasIV

I Professora Adjunta da Disciplina de Periodontia – FOP/UPE.
II Professora Adjunta da Disciplina de Clínica Integrada – UFPE.
III Professora Adjunta das Disciplinas Pré-clínica Multidisciplinar III e Clínica Multidisciplinar I – UFCG/PB.
IV Mestra e Doutoranda em Clínica Integrada – UFPE.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo discorrer sobre o uso do piercing lingual e suas consequências na cavidade bucal, especificamente nos tecidos periodontais. É prevalente em ambos os sexos e com faixa etária diversificada, destacando, no entanto, maior entre adolescentes e adultos jovens. Essa realidade é exemplificada por meio de dois pacientes, atendidos no ambulatório da disciplina de Periodontia, da FOP/UPE. O exame clínico revelou várias alterações nos tecidos periodontais, tais como: inflamação gengival, cálculo dentário, recessão gengival e espaçamento entre os dentes. Como fator complicador, os pacientes em questão se negaram a retirar os piercings, e, desse modo, o tratamento planejado não pôde ser executado. Conclui-se destacando a importância do cirurgião-dentista na conscientização do paciente sobre os danos que esse tipo de adorno pode ocasionar nos tecidos da cavidade bucal.

Descritores: Piercing lingual; Gingival recession; Gingivitis; Gingival trauma.


ABSTRACT

This paper aims to discuss the use of tongue piercing and its consequences in the oral cavity, specifically the periodontal tissues. It is prevalent in both sexes and diverse age, emphasizing, however but higher among adolescents and young adults. This reality is exemplified by two patients treated at the outpatient clinic of discipline of periodontics, FOP/UPE. Clinical examination revealed several changes in tissues, such as gingival inflammation, dental calculus, gingival recession, and spacing between the teeth. As complicating factor in question patients refused to remove the piercing, and thus the planned treatment could not be executed. Given the relevance of the subject, concludes by highlighting the importance of the dentist in patient awareness of the damage that type of decoration can cause the tissues of the oral cavity.

Keywords: Tongue piercing; Gingival recession; Gingivitis; Gingival Trauma.


 

 

INTRODUÇÃO

Dados históricos revelam que o piercing colocado em qualquer região do corpo já era conhecido por sociedades mais antigas como uma manifestação religiosa e cultural. Na atualidade, tem-se verificado que a arte do corpo vem se popularizando entre os adolescentes e adultos jovens, mostrando que o uso de piercing é uma forma de expressar sua personalidade, mostrando-se diferente de seus pares. Dentre as várias localizações na cavidade bucal, destaca-se: nos freios lingual e labial, nos lábios, lábios e língua, e somente na língua, sendo esta última uma das mais prevalentes1,2,8 .

Os trabalhos indexados na literatura afirmam que o uso do piercing lingual ocasiona uma série de transtornos na cavidade bucal, tais como: trauma nos tecidos moles, dor, sensibilidade dentinária, edema, trincas, lascas e fissuras no esmalte dentário, fratura nos dentes, fratura de cúspide, abrasão, dificuldade de falar e deglutir, aumento salivar, infecção e sangramento em torno do piercing, alterações nos tecidos periodontais. Em decorrência desse uso, registraram-se complicações sistêmicas (infecções virais e fúngicas, dentre outras). Destacaram também que seu uso associado com o labial ocasiona danos mais expressivos1,3,4,5,7.

Algumas pesquisas foram conduzidas com o objetivo de avaliar em acadêmicos e profissionais da odontologia o conhecimento destes em relação às complicações que os piercings colocados na cavidade oral poderiam ocasionar. Os dados mostraram que a maioria tinha conhecimento, porém encontraram resistência em boa parte dos usuários em retirar o adorno, mesmo sendo conscientes dos danos que podem causar 8,9 .

É importante ressaltar nesse contexto a grande variedade de materiais com os quais esses adornos são fabricados como também o tempo em que eles foram instalados. Em ambas as situações, são fatores de risco extremamente importante para a severidade dos danos nos diversos tecidos da cavidade bucal10,11.

Considerando os tecidos periodontais, o piercing lingual é denominado fator de risco para alterações significativas, principalmente quando associado ao labial, destacando a inflamação gengival, perda óssea, mobilidade dentária, recessão gengival, abscessos, e, em alguns casos específicos, foi registrada a presença de periodontite localizada, provavelmente em função da retenção do biofilme dental. Estudos microbiológicos detectaram vários tipos de microrganismos do biofilme dental aderidos no material do piercing1,4,6,5,7,8,12,13.

Dada a relevância sobre as diversas complicações que o piercing lingual provoca em vários tecidos da cavidade oral, este trabalho objetivou mostrar e enfatizar os danos que ele causa aos tecidos periodontais por meio da ilustração de dois casos clínicos.

 

RELATO DE CASO

Caso 1

Paciente do sexo feminino, leucoderma, 21 anos de idade foi encaminhada pelo profissional do Serviço Público de Saúde - SUS à clínica de Periodontia, da Faculdade de Odontologia de Pernambuco - FOP/UPE. Apresentava inicialmente queixa de "sangramento gengival ao escovar os dentes e dor de dente quando ingeria substâncias geladas, quentes e ácidas. O exame clínico intrabucal revelou a presença de um piercing lingual de material semelhante a politetrafluoretileno ou acrílico, recessão gengival na vestibular do dente 31 e início de recessão na superfície lingual dos dentes 31 e 41, cálculo dentário, vestibularização do dente 31, afastamento entre os dentes e ausência dos dentes ântero-superiores, sem recomposição protética, conforme ilustram as Figuras 1 e 2. Ao ser questionada afirmou que essas alterações já tinham mais de dois anos, e fazia uso do piercing por mais de 5 anos. O plano de tratamento proposto foi o seguinte: sugestão à paciente para a retirada da peça, orientação e instrução de higiene bucal, raspagem e alisamento corono-radicular, posteriormente cirurgia de enxerto para cobertura radicular e recomposição protética. De imediato, a paciente foi imperativa e resistente para não remover o piercing. Diante da negativa e em obediência aos princípios éticos que regem a relação paciente / profissional, só houve intervenção terapêutica básica, porém foi orientada a procurar um profissional para acompanhá-la, e quando decidisse pela retirada do adorno, retornasse à FOP/UPE, para dar continuidade ao tratamento.

 

 

 

 

 

Caso 2

Paciente do sexo feminino, leucoderma, 19 anos de idade, orientada por um cirurgião-dentista particular procurou atendimento no ambulatório da disciplina de periodontia da Faculdade de Odontologia de Pernambuco – FOP/UPE. Na anamnese, relatou como queixa principal "dor e sangramento na gengiva". No exame intrabucal, constatou-se lesão traumática na papila gengival, na região lingual, entre os dentes 31 e 41. A imagem radiográfica é sugestiva de espessamento do ligamento periodontal nos dentes envolvidos e reabsorção da crista óssea alveolar no padrão horizontal na distal do elemento 31. Verifica-se que o tipo de material e modelo do piercing é semelhante ao apresentado no Caso 1. Informou, ainda, que o piercing foi colocado há 1 ano e os sintomas relatados tiveram início mais ou menos 90 dias após sua instalação. Acrescentou que, quando incomodava em demasia, ela retirava por certo tempo e depois o recolocava. Como no caso anterior, foi recomendada à paciente a remoção da peça, frente às explicações dos danos, no entanto ela não aceitou, sendo, então, orientada nos mesmos critérios do Caso 1, acima descrito. A terapêutica aplicada foi a básica com orientação e instrução de higiene, seguida de raspagem corono-radicular e suspensão do colutório à base de álcool que ela vinha fazendo uso há algum tempo.

 

 

 

DISCUSSÃO

A literatura indexada é consensual sobre o uso indiscriminado dos piercings, os quais são instalados em várias partes do corpo por meio de perfuração dos tecidos envolvidos, tendo como motivo variadas conceituações. Os casos ora apresentados são concordantes com a literatura quando abordam que a prevalência é alta na cavidade bucal, em indivíduos adolescentes e adultos jovens, de ambos os sexos de diferentes classes sociais. Esse adorno é fabricado com vários tipos de materiais, tais como: ouro, prata, aço inoxidável, titânio, aço cirúrgico, politetrafluoroetileno e acrílico1,2,9.

Reconhecidamente, quando se coloca esse tipo de adorno, especialmente na cavidade oral, as complicações se encontram presentes nas mais diferentes manifestações clínicas tanto nos tecidos moles como nos tecidos duros, conforme já descrito. Em algumas situações, os danos são tão intensos que o tratamento proposto não consegue a reversibilidade funcional do órgão envolvido. Além dos malefícios locais, a literatura deixa clara a possibilidade de problemas sistêmicos, raros, mas possíveis, como as infecções fúngicas e virais, bacteremia e septicemia, endocardite, Angina de Ludwing, hemorragia, alterações nos níveis leucocitários, dentre outras patologias. Esses possíveis transtornos sistêmicos podem decorrer do processo inflamatório/infeccioso, como também por negligência da biossegurança pelo profissional, quando da instalação do piercing1,3,4,5,7.

Corroborando os estudos de casos apresentados na literatura, é importante destacar que os tipos de material e, principalmente, o tempo de uso do piercing lingual irão contribuir de forma significativa, para a severidade das alterações no local da instalação e nos tecidos bucais adjacentes. É afirmativo relatar, ou seja, quanto maior o tempo, maior o dano, sendo o contrário, verdadeiro. Essa afirmação pode ser visualizada nos dois casos clínicos apresentados neste trabalho8,9,10,11.

Em relação às alterações que o piercing lingual provoca aos tecidos periodontais é um fato comprovado e discutido por meio dos trabalhos que analisaram essa característica. Verifica-se desde uma simples retenção do biofilme dental sobre o material até uma periodontite localizada, no entanto, dentre as patologias, destaca-se a recessão gengival como a mais encontrada, sendo esta com maior gravidade, quando o indivíduo utiliza concomitante o piercing labial. As imagens representativas dos casos clínicos ora apresentados são concordantes com o que é descrito na literatura indexada. Destaca-se que o plano de tratamento traçado não pode ser executado na sua integralidade em função da negativa dos pacientes em se negarem a remover o adorno1,4,5,6,7,8,12,13.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É indiscutível mediante ao que foi exposto e visualizado que o piercing lingual provoca malefícios aos tecidos periodontais assim como aos tecidos bucais adjacentes. Considera-se, ainda, a situação de indivíduos irredutíveis e resistentes quanto à remoção do piercing, mesmo através da visualização e sintomatologia das injúrias causadas. Para tanto, faz-se necessário que os profissionais aprofundem seus conhecimentos sobre as várias consequências causadas, seja o piercing oral ou perioral. E, ainda que, estejam preparados para orientar e tratar, de forma consciente, cada patologia encontrada, sobretudo a utilização de processos motivacionais persuasivos para mudar o comportamento do indivíduo na remoção do objeto.

 

REFERÊNCIAS

1. EBRAHIM R; NAIDOO S. Oral and perioral piercings in Tshwane. SADJ 2008;63(5):288-91.         [ Links ]

2. SAQUET PN; SALEH SB; MARCHIORI JC; POZZOBON R. Perfil dos usuários de piercing oral e complicações decorrentes de seu uso. RGO 2009;57(1):41-5.

3. ZIEBOLZ D; STUEHMER C; VAN NÜSS K; HORNECKER E; MAUSBERG RF. Complications of tongue piercing: a review of the literature and three cases reports. J Contemp Dent Pract 2009;10(6):65-71.

4. HICKEY BM; SCHOOCH EA; BIGEARD L; MUSSET AM. Complications following oral piercing. A study among 201 young adults in Strasbourg, France. Community Dent Health 2010;27(1):35-40.

5. ZIEBOLZ D; HILDEBRAND A; PROFF P; RINKE S; HORNECKER E; MAUSBERG RF. Long-term effects of tongue piercing – a case control study. Clin Oral Investig 2011;1 (Epub ahead of print).

6. PIRES IL; COTA LO; OLIVEIRA AC; COSTA JE; COSTA FO. Association between periodontal condition and use of tongue piercing: a case-control study. J Clin Periodontol 2010;37(8):712-18.

7. VIEIRA EP; RIBEIRO AL; PINHEIRO JD; ALVES JR MS. Oral piercings: immediate and late complications. J Oral Maxillofac Surg 2011;5(Epub ahead of print).

8. ANDRADE RA de; TEREZAN MLF; ANDRADE JUNIOR ACC. Piercing oral e perioral: pesquisa de opinião com acadêmicos e profissionais de odontologia. Periodontia 2005;15(2):40-5.

9. PÉCORA GA; REYES A; PEDRON IG; UTUMI ER; BORSATTI MA. Complicações decorrentes da utilização do piercing bucal - Avaliação e conduta clínica. Odonto 2010;18(36):51-7.

10. BERENGUER G; FORREST A; HORNING GM; TOWLE HJ; KARPINIA K. Localized periodontitis as a long-term effect of oral piercing: a case report. Compend Contin Educ Dent 2006;27(1):24-7.

11. ZADIK Y; SANDLER V. Periodontal attachment loss due to applying force by tongue piercing. J Calif Dent Assoc 2007;35(8):550-53.

12. KAPFERER I; BEIER US; PERSSON RG. Tongue piercing: the effect of material on microbiological findings. J Adolesc Health 2011;49(1):76-83.

13. HENNEQUIN-HOENDERDOS N; SLOT D; VAN DER WEIJDEN G. Complications of oral and peri-oral piercings: a summary of cases reports. Int J Dent Hyg 2011;9(2):101-09.

 

 

Endereço para correspondência:
Estela Santos Gusmão
Rua Olavo Bilac, 50/ 902 – Boa Viagem
Recife – Pernambuco
CEP: 51021-480

e-mail:
esg@nlink.com.br