SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.11 número4 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.11 no.4 Camaragibe Out./Dez. 2011

 

 

Retalho miomucoso de bucinador: Relato de caso e revisão de literatura

 

Buccinator myomucosal flap: Case report and literature review.

 

 

José Thiers Carneiro JúniorI; Flávia Sirotheau Corrêa PontesII; Felipe Paiva FonsecaIII; Adriano de Oliveira Holanda GomesIII; Hélder Antônio Rebelo PontesII

I Cirurgião Buco Maxilofacial do Hospital Ophir Loyola e do Hospital Universitário João de Barros Barreto – Universidade Federal do Pará. (jthiers53@uol.com.br)
II Professores da Faculdade de Odontologia – Universidade Federal do Pará.
III Acadêmicos da Faculdade de Odontologia – Universidade Federal do Pará.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A reconstrução de pequenos defeitos da região maxilofacial é realizada normalmente com retalhos locais, enquanto os grandes defeitos podem ser reconstruídos com retalhos regionais vascularizados ou com retalhos livres, entretanto defeitos de tamanho moderado, muitas vezes, representam um desafio aos cirurgiões. Uma alternativa é o uso de retalhos compostos por tecidos muscular e mucoso, como o retalho miomucoso do músculo bucinador. Esse retalho apresenta vantagens, como sua anatomia constante, o fornecimento de um volume muscular adequado, uma rápida cicatrização e uma menor morbidade pós-operatória, além de sua boa capacidade de rotação, que permite recobrir a maioria dos defeitos ipsilaterais do palato e da maxila, devendo possuir um local de destaque na escolha da técnica cirúrgica adequada para a correção de defeitos orais de tamanho moderado. O objetivo deste trabalho é relatar um caso no qual se utilizou o retalho miomucoso de bucinador para a reconstrução de um defeito na região de palato duro assim como discutir os aspectos mais importantes dessa técnica cirúrgica.

Descritores: Defeito congênito; Retalho cirúrgico; Cirurgia.


ABSTRACT

The reconstruction of small defects in the maxillofacial region is usually done with local flaps, whereas large defects are reconstructed with a variety of vascularized regional flaps or free flaps, however, defects of moderate size many times represent a challenge to the surgeon. An alternative is the use of flaps that contain both muscle and mucosal tissue, such as the buccinator myomucosal flap. This flap presents advantages like its constant anatomy, the possibility of providing sufficient muscle bulk, a good healing and a minimal post-operatory morbidity, besides its reliable arc of rotation, which can cover most ipsilateral defects of the palate and maxilla, leading to this technique a preferential place for the reconstruction of moderate size defects of the oral cavity. The aim of this paper is to report a case in what the buccinator myomucosal flap was used to reconstruct a moderate defect in the hard palate region, as well as to discuss the most important aspects of this surgical technique.

Keywords: Congenital defect; Surgical flap; Surgery.


 

 

INTRODUÇÃO

Extensos defeitos congênitos da cavidade bucal ou sequelas de grandes ressecções necessitam da confecção de grandes retalhos para a correção desses defeitos5. Dependendo do tipo de defeito, retalhos miocutâneos, retalhos de pele e retalhos de mucosa têm sido usados com sucesso2. Entretanto, a mucosa oral é um tecido altamente especializado, de pequena espessura, com alto índice de renovação celular e mínima formação de cicatrizes, fazendo com que a reconstrução ideal dos defeitos orais deva ser realizada, utilizando-se o mesmo tecido ou tecidos similares ao da mucosa oral17. Dessa forma, retalhos miomucosos do músculo bucinador envolvendo as artérias facial e maxilar interna, por possuírem características similares à da mucosa oral, parecem dispor dos requisitos necessários para reconstruções orais, adaptando-se bem aos tecidos da mucosa e recuperado suas funções2,7,8.

O retalho miomucoso de bucinador é uma boa alternativa para a reconstrução de defeitos de tamanho moderado na área maxilofacial8. Proporciona mucosa intacta, aporta suficiente massa muscular e tem um arco de rotação amplo, com o qual cobre a maioria dos defeitos ipsilaterais do palato e maxila, cruzando, inclusive, a linha média1. O objetivo deste trabalho é relatar um caso clínico no qual foi utilizado o retalho miomucoso do músculo bucinador para a reconstrução de um defeito de tamanho moderado na região palatina posterior, decorrente da remoção cirúrgica de um ameloblastoma assim como discutir os aspectos mais importantes dessa técnica cirúrgica.

 

RELATO DE CASO

Uma paciente do sexo feminino, 32 anos de idade foi encaminhada ao Serviço de Patologia e Cirurgia Buco-maxilofacial do Hospital Universitário João de Barros Barreto com histórico de dissecção total de ameloblastoma em região posterior de maxila que resultou no surgimento de um defeito de tamanho moderado na região acometida, levando a uma comunicação buco-antral (Figura 1). Com o objetivo de reconstruir a região afetada, a equipe cirúrgica optou por utilizar o retalho miomucoso de bucinador de pedículo posterior, devido a suas propriedades intrínsecas favoráveis e às características do defeito em questão.

Técnica cirúrgica

 

 

 

O músculo bucinador apresenta uma vascularização que permite que o pedículo do retalho possa estar com sua base posicionada superior, anterior ou posteriormente. No presente caso, a técnica utilizada apresentava a base do pedículo posicionada posteriormente, cuja vascularização se deu a expensas da artéria bucal e do ramo bucal posterior da artéria facial. Como a anatomia desses vasos é constante, não foi necessária a realização de eco-Doppler pré-operatório. Realizou-se uma incisão superior 5 a 8 mm inferior à abertura do ducto de Stensen ipsilateral ao defeito a ser reconstruído. O desenho do retalho foi realizado de forma fusiforme desde 1 cm anterior à rafe pterigomandibular, dirigindo-se anteriormente até a comissura bucal. Na margem inferior ,realizou-se uma incisão de 1 a 2,5 cm abaixo da primeira incisão. Anteriormente, o retalho estendeu-se até a comissura, enquanto que, posteriormente, a parte muscular do retalho foi finalizada na rafe pterigomandibular, e a parte mucosa 1cm adiante desta. Depois da incisão da mucosa e do músculo, este último foi elevado medialmente e separado da fáscia bucofaríngea. Os pequenos ramos da artéria facial foram ligados, e o corpo adiposo da bochecha, exposto. A dissecção continuou em profundidade até 1 cm anteriormente à rafe pterigomandibular, em que o pedículo vascular posterior tem sua entrada e separando-se o músculo bucinador da rafe, tendo o cuidado de não lesionar o pedículo vascular. O arco de rotação desse retalho permitiu alcançar todo o defeito maxilar, favorecendo uma adequada reconstrução da área. A reparação da zona doadora se deu por primeira intenção após sutura oclusiva.

Ao levarmos o retalho miomucoso de bucinador até a região defeituosa, a qual apresentava bordas cruentas, aproveitamos o corpo adiposo da bochecha para ajudar na oclusão do defeito, sem sinais de prejuízos pós-cirúrgicos. O retalho teve suas bordas suturadas às bordas do defeito, sendo essa sutura suficiente para manter o retalho em posição (Figura 2). Após doze meses de acompanhamento, foi possível observar total cicatrização do defeito reconstruído com o retalho miomucoso assim como da região doadora, e nenhum sinal de recorrência da lesão pôde ser observado até o momento (Figura 3).

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

A reconstrução de pequenos defeitos da região maxilofacial é realizada normalmente com retalhos locais, enquanto os grandes defeitos podem ser reconstruídos com retalhos regionais vascularizados ou com retalhos livres1,3,5. Defeitos de tamanho moderado, que não são indicados para reconstrução utilizando tecidos locais devido a limitações do pedículo e características do material doador, e que não justificam o uso de retalhos vascularizados livres ou retalhos pediculados a distância por apresentarem um volume excessivo, alta morbidade da zona doadora e aumento excessivo do tempo operatório, representam um desafio aos cirurgiões1,5.

Cada retalho possui indicações específicas para sua utilização, entretanto apresentam também desvantagens que limitam sua indicação para determinados casos. Retalhos de regiões distantes da cavidade bucal como retalhos de deltopeitoral e de músculo frontal são ideais para grandes defeitos, porém necessitam de maior tempo operatório e extensa dissecção6,8. Retalhos regionais, como o retalho pediculado miocutâneo do músculo temporal ou o retalho pediculado da fascia temporopariental, são limitados pela contratura pós-operatória que podem acarretar, limitando a abertura da boca e até mesmo resultando em trismo3.

Retalhos locais podem ser utilizados com sucesso, permitindo rápidas reconstruções de uma série de defeitos com um mínimo de morbidade3. O retalho lingual é uma opção para pequenos defeitos, porém necessita de dois tempos cirúrgicos, podendo a fala e a alimentação ficarem prejudicadas2,6. O enxerto de tecido adiposo bucal (Bucal Fat Pad) é um método facilmente realizado em casos de defeitos de palato mole e região alveolar posterior de maxila, oferece pouca morbidade e é capaz de sofrer re-epitelização dentro de poucas semanas. Seu uso, porém, limita-se apenas, a alguns defeitos posteriores, e os resultados estéticos podem ficar prejudicados devido à possibilidade da ocorrência de depressão na região doadora da bochecha2,3. O retalho nasolabial tem sido amplamente utilizado em decorrência da sua boa capacidade de rotacionar e preencher defeitos orais. Entretanto, o retalho nasolabial apresenta algumas desvantagens, dentre elas a grande diferença que apresenta em comparação com o tecido ressecado, além de a área doadora apresentar contração durante sua cicatrização, alterando a harmonia facial2. De um modo geral, os retalhos locais não devem ser utilizados para a reconstrução de defeitos que excedam 5-6 cm por não oferecerem uma adequada quantidade de tecido para a reconstrução dos defeitos, acarretando uma retração do tecido, levando a um resultado estético indesejado, além de uma possível limitação da abertura da boca3.

Uma alternativa recentemente popularizada é o uso de retalhos compostos por tecidos muscular e mucoso1. Em 1999, Zhao et a.9 descreveram dois retalhos miomucosos do músculo bucinador diferentes: no primeiro, a base localizava-se superiormente, sendo vascularizada por ramos bucais anteriores da artéria facial distal, enquanto, no segundo, a base do retalho localizava-se posteriormente, sendo vascularizada pela artéria bucal e pelo ramo bucal posterior da artéria facial. Zhao et al. (2003)10 descreveram, ainda, um terceiro tipo de retalho miomucoso de bucinador que foi classificado como retalho com base localizada inferiormente utilizada para a reconstrução parcial da língua.

Uma das vantagens do retalho miomucoso do músculo bucinador corresponde à anatomia desse músculo, que se apresenta relativamente constante1,5,6,8. O músculo bucinador origina-se posteriormente, na rafe pterigomandibular assim como nas porções adjacentes do processo alveolar dos maxilares superior e inferior, inserindo-se anteriormente no músculo orbicular da boca. Lateralmente, o bucinador recobre o músculo masseter, o ramo da mandíbula, a porção adiposa da bochecha e a fáscia bucofaríngea. Medialmente, localiza-se profundamente à mucosa bucal e submucosa. O músculo bucinador recebe seu suprimento sanguíneo de três principais fontes: da artéria bucal, da artéria facial e da artéria alveolar superior posterior, possuindo um sistema venoso simples e rico, com a drenagem posterior sendo feita pelo plexo pterigoide, que se localiza posterior, superior e superficialmente ao músculo, recebendo a veia bucal através da veia facial profunda, enquanto que, anteriormente, a veia facial profunda drena diretamente, na própria veia facial. A inervação motora do bucinador origina-se das divisões temporal e cervical do nervo facial, formando um plexo próximo ao tecido adiposo bucal e distribuindo-se dentro do músculo bucinador. O nervo bucal promove a inervação sensorial ao músculo bucinador. Além disso, uma entidade anatômica de grande importância é o ducto da glândula parótida, que atravessa o bucinador próximo à região dos segundo molares superiores, ligeiramente acima do centro do músculo. Por essa razão, o retalho deverá ser elevado 0,5 cm abaixo da papila parótida com o objetivo de se evitarem danos ao ducto e ao nervo facial.

De acordo com Anastassov et al (2002)1, para a reconstrução de defeitos periorais, o retalho miomucoso do músculo bucinador apresenta várias vantagens. Ele oferece uma mucosa intacta1,4,5,7, fornece um volume muscular adequado1,5,7 e tem um arco de rotação bastante confiável, o qual pode recobrir a maioria dos defeitos ipsilaterais do palato e da maxila, inclusive atravessando a linha média1,4,5. Massareli et al. (2008)7 afirmam ainda que esse retalho possui adequada flexibilidade, não sendo tão duro quanto o retalho de pele ou o retalho músculo-cutâneo, além de resultar em uma região doadora que se encontra relativamente encoberta, favorecendo os resultados estéticos. Ferrari et al. (2008)2,3 destacam ainda a rápida cicatrização do retalho, que é facilitada pela rica vascularização da mucosa oral. Esse procedimento pode reconstruir metade dos lábios superior e inferior e é bastante útil para defeitos na porção média da face e das regiões periorbitais1. A elevação do retalho de bucinador é fácil e resulta em uma menor morbidade da região doadora1,2,6,8. Entretanto, de acordo com Van Lierop e Fagan (2008)8, esse retalho não está indicado para a reconstrução de grandes defeitos orais, em que retalhos mais volumosos, como os retalhos axiais distantes e os retalhos livres, representam melhores alternativas.

Os defeitos resultantes na região doadora são normalmente recuperados com o avanço dos tecidos locais sem a necessidade do uso de enxerto de pele ou aloenxertos1,2,5,8, o que faz dessa região não apenas um sítio doador mas também um sítio reparador, sem que seja necessário estender a morbidade pós-operatória a outras áreas7.

Van Lierop e Fargan (2008)8 demonstraram a eficácia do retalho miomucoso de bucinador ao avaliar os resultados pós-operatórios de 14 pacientes, nos quais apenas um apresentou perda do retalho, provavelmente devido a danos vasculares prévios decorrentes de radioterapia. Além disso, apenas um paciente não exibiu cicatrização da área doadora por primeira intenção, o que não comprometeu sua cicatrização final. Os autores relataram ainda que houve boa recuperação da sensibilidade local, além de não terem registrado nenhum sinal de trismo. Gonzáles-Garcia et al.5 (2005) apresentaram quatro casos de reconstrução de defeitos da área maxilofacial, decorrentes de condições patológicas e fissura palatina, obtendo bons resultados relacionados ao recobrimento dos defeitos, à estética e à função, além de terem relatado uma morbidade mínima da área doadora. Licameli e Dalan (1998)6 confirmaram a eficácia dessa técnica ao utilizarem o retalho miomucoso de bucinador em oito pacientes com defeitos na cavidade bucal, relatando a presença de necrose parcial do retalho em apenas um paciente que havia recebido radioterapia prévia, mas que exibiu cicatrização adequada por segunda intenção. Além disso, nenhum paciente apresentou dificuldades de mastigação ou fonação.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com os relatos clínicos encontrados na literatura e com o resultado alcançado no presente caso, o retalho miomucoso do músculo bucinador pode ser considerado uma técnica útil, versátil e confiável para a reconstrução de diversos defeitos da cavidade oral, apresentando excelentes resultados e pequena morbidade pós-operatória ao paciente, o que, em grande parte, se deve a suas características intrínsecas, devendo possuir um local de destaque, quando da escolha de uma técnica a retalho para a correção de defeitos intraorais de tamanho moderado.

 

REFERÊNCIAS

1. Anastassov GE, Schwartz S, Rodríguez E. Buccinator myomucosal island flan for postablative maxillofacial reconstructions: a report of 4 cases. J Oral Maxillofac Surg 2002; 60: 816-21.         [ Links ]

2. Ferrari S, Balestreri A, Bianchi B, Multinu A, Ferri A, Sesenna E. Buccinator Myomucosal Island Flap for Reconstruction of the Floor of the Mouth J Oral Maxillofac Surg 2008; 66: 394-400.

3. Ferrari S, Ferri A, Bianchi B, Copelli C, Magri AS, Sesenna E. A novel technique for cheek mucosa defect, Oral Oncol (2008), doi:10.1016/ j.oraloncology.2008.03.018.

4. Gonzalez-García R, Naval-Gıas L, Rodrıguez-Campo FJ. Simple suture technique of securing buccinator myomucosal flaps for the reconstruction of large palatal defects. Plast Reconstr Surg 2006; 117(5):1652-1653

5. González García R, Naval Gías L, Rodríguez-Campo FJ, Hernández VE, Martos PL, Pérez JS, et al. Colgajo miomucoso de buccinador en la reconstrucción de defectos del área maxilofacial. Rev Esp Cirug Oral y Maxilofac 2005; 27(4): 197-205.

6. Licameli GR, Dolan R. Buccinator musculomucosal flap: applications in intraoral reconstruction. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 1998; 124: 69-72.

7. Massarelli O, Gobbi R, Raho MT, Tullio A. Three-dimensional primary reconstruction of anterior mouth floor and ventral tongue using the 'trilobed' buccinator myomucosal island flap. Int J Oral Maxillofac Surg 2008; 37: 917–922.

8. Van Lierop AC, Fagan JJ. Buccinator myomucosal flap: clinical results and review of anatomy, surgical technique and applications. J Laryngol Otol 2008; 122: 181–187.

9. Zhao Z, Li S, Yan Y, Li Y, Yang M, Mu L, Huang W, Liu Y, Zhai H, Jin J, Ma X. New buccinator myomucosal island flap: anatomic study and clinical application. Plast Reconstr Surg 1999: 104: 55– 64.

10. Zhao Z, Zhang Z, Li Y, Li S, Xiao S, Fan X, Li Y, Liu P, He M, Deng C. The buccinators musculomucosal island flap for partial tongue reconstruction. J Am Coll Surg 2003: 196: 753–760.

 

 

Endereço para correspondência:
Felipe Paiva Fonseca
Travessa José Pio, 725/504
Umarizal – Belém/ Pará
CEP: 66050240

e-mail:
felipepfonseca@hotmail.com