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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

On-line version ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.11 n.4 Camaragibe Oct./Dec. 2011

 

 

Tratamento cirúrgico das fraturas subcondilianas por via intrabucal: relato da técnica

 

Surgical treatment of subcondylar fracture through intra-oral approach: techinical note

 

 

André VajgelI; Thiago de Santana SantosII; Igor Batista CamargoI; Fábio Andrey da Costa AraújoI; Hécio Henrique Araújo de MoraisIII

I Cirurgião Buco-Maxilo-Facial do Real Hospital Português de Beneficência em Pernambuco
II Doutorando em Cirurgia Buco-Maxilo-Facial pela Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (FORP/USP).
III Professor Coordenador da Disciplina de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As fraturas subcondilianas ainda são um tópico bastante controverso na literatura devido à falta de evidência científica quanto ao melhor método de tratamento. Em relação aos acessos cirúrgicos, o retromandibular e o pré-auricular são os mais utilizados. Com o desenvolvimento de instrumentos, como afastadores específicos e perfuradores em 900 (contra-ângulo), a fixação de placas na região posterior de mandíbula tornou-se viável por via intrabucal através de visão direta. Essa abordagem apresenta vantagens, como a ausência de cicatrizes visíveis e da possibilidade de lesão do nervo facial, inerentes à abordagem extrabucal, além do acesso rápido à fratura e do menor risco de infecção. A limitação do campo cirúrgico e a dificuldade da redução de fraturas com deslocamento medial são as principais desvantagens do acesso intrabucal, sendo estas, geralmente, tratadas pelos acessos extrabucais, o qual propicia um campo cirúrgico mais direto. O objetivo deste trabalho é descrever o tratamento cirúrgico das fraturas subcondilianas por via intrabucal.

Descritores: Técnica de fixação da arcada óseo dentária; Fraturas Mandibulares; Fixação Interna de Fraturas.


ABSTRACT

Subcondylar fractures is still a very controversial topic in the literature for the lack of scientific evidence concerning the best method of treatment. Regarding the surgical approaches, the pre-auricular and retromandibular are the most used. With the development of instruments such as specific retractors and 900screwdriver, fixation of the plate at the posterior mandibular region became possible by means of intra-oral direct vision. This approach has advantages as the absence of visible scars and the possibility of facial nerve injury inherent in the extra-oral approach, as well as quick access to fracture and reduced risk of infection. The limitation of the surgical field and the difficulty of reducing fractures with medial displacement are the main disadvantages of intra-oral access, which are often treated by extra-oral access, which provides a more direct surgical field. The aim of this study is to report the treatment ok subcondylarfracturesthrough intra-oral approach.

Keywords: Jaw Fixation Techniques, Mandibular Fractures, Fracture Fixation, Internal


 

 

INTRODUÇÃO

Há controvérsias na literatura em relação ao tratamento das fraturas condilares, sendo a mais discutida o emprego da redução aberta ou fechada.1,2 As fraturas de côndilo correspondem a 25 a 35% das fraturas mandibulares. O objetivo principal do tratamento das fraturas de côndilo mandibular é a restauração funcional da articulação temporomandibular, da oclusão, além do contorno facial.3

Diversos fatores influenciam quanto à decisão do tratamento conservador ou cirúrgico, entre eles a idade do paciente, a localização da fratura, o grau de deslocamento do segmento fraturado, outras fraturas faciais associadas, presença de dentes, além da facilidade em estabelecer a oclusão.3

O tratamento fechado é realizado por meio do bloqueio maxilo-mandibular com terapia funcional para compensar o mau posicionamento condilar, restabelecendo, assim, a oclusão do paciente. A restauração inadequada da altura vertical, muitas vezes observada após o tratamento conservador, pode causar má oclusão ou sobrecarga do côndilo contralateral, com consequentes alterações oclusais e adaptativas.4 Por sua vez, o tratamento aberto com fixação interna permite um bom reposicionamento anatômico e movimentação funcional imediata.5

Com o desenvolvimento de instrumentos e afastadores específicos, o tratamento das fraturas subcondilianas tornou-se viável por via intrabucal. O objetivo deste trabalho é descrever por meio de casos clínicos o tratamento cirúrgico contemporâneo das fraturas subcondilianas via intrabucal, discutindo suas indicações, vantagens e desvantagens.

CLASSIFICAÇÃO DAS FRATURAS CONDILARES

Classificação AO Foundation:6

A região condiliana é definida por uma linha oblíqua, que vai da chanfradura sigmoidea até a tuberosidade massetérica superior. O processo condilar é dividido em três sub-regiões:

• Cabeça

• Pescoço

• Região subcondilar

Três linhas são utilizadas para definir essas sub-regiões:

• A primeira linha é paralela à borda posterior da mandíbula (1);

• A segunda linha é perpendicular à primeira linha na porção mais profunda da chanfradura sigmoidea (2);

• A terceira linha também é perpendicular à primeira passando pelo polo lateral da cabeça condilar (3).

A região do pescoço condilar pode ser dividida em alta e baixa pela divisão em partes iguais da distância entre a linha da chanfradura sigmoidea e a linha do polo lateral da cabeça condilar.

Outra classificação foi preconizada por Krenkel et al.4 que dividiu as fraturas condilares em:

• fraturas intracapsulares;

• fraturas altas do colo do côndio;

• fraturas médias do colo do côndilo;

• fraturas baixas do colo do côndilo.

As fraturas baixas do colo do côndilo são estabilizadas pela cinta pterigomassetérica, enquanto que o fragmento proximal nas fraturas médias e altas frequentemente demonstra consideráveis deslocamentos (Fig. 1).7

 

 

 

Indicações para tratamento de fraturas condilar por acesso intraoral

Segundo Undt et al., as indicações são:8

1. inclinação medial do fragmento condilar de mais de 15 graus;

2. encurtamento do ramo de mais de 5%;

3. contato insuficiente dos fragmentos;

4. fraturas condilares com deslocamento pequeno, sempre que outras fraturas tiveram de ser fixadas sob anestesia geral para evitar o BMM.

TÉCNICA CIRÚRGICA

Com o paciente sob anestesia geral, realiza-se a infiltração com anestésico local com vasoconstritor na borda anterior do ramo mandibular. Em seguida, parafusos IMF para bloqueio maxilo-mandibular (BMM) são inseridos. Todavia, o BMM propriamente dito ainda não é realizado, pois com o tracionamento do ramo em sentido inferior, a redução na fratura é facilitada. Essa manobra poderá ser realizada colocando-se um bloco de mordida na região de molares no lado da fratura e, em seguida, eleva-se o mento. O acesso é realizado semelhante ao para osteotomia sagital, com maior extensão póstero-superior. O músculo bucinador é incisado com o uso da diatermia monopolar, assim como o periósteo. O músculo temporal é desinserido da borda anterior do ramo da mandíbula, além do periósteo subjacente do músculo masseter que deve ser cuidadosamente dissecado da superfície lateral da mandíbula. Para a obtenção de um acesso adequado e colocação dos afastadores de forma passiva, não se deve economizar em relação ao no tamanho do acesso. Quando o processo coronoide e a incisura sigmoide são visualizados, o afastador de Bauer superior é colocado. Posteriormente, o afastador de Merrill-Lavasseur é posicionado abraçando a borda posterior do ramo mandibular, propiciando, dessa forma, um campo adequado para a redução da fratura subcondiliana. Caso seja necessário, o afastador de Bauer inferior poderá ser colocado.Após a redução da fratura, realiza-se o BMM com fio de aço, e os fragmentos são alinhados anatomicamente. Com o auxílio da chave angulada, a miniplaca é instalada, devendo-se fixar primeiro ao fragmento condilar, permitindo uma melhor manipulação e um melhor posicionamento do fragmento. Após completar a fixação, o BMM é removido; checa-se a oclusão, e a síntese dos tecidos moles é realizada.

 

CASO CLÍNICO

Paciente vítima de queda da própria altura com trauma em mento, apresentando ao exame físico má-oclusão com contato pré-maturo lado esquerdo com mordida aberta no lado contra-lateral, ao exame tomográfico, apresenta fratura subcondiliana esquerda, por contragolpe,com deslocamento lateral. (Figura 2) Após acesso intrabucal, realizado de acordo com a técnica descrita acima, os afastadores de Bauer e Merrill-Lavasseur são posicionados, e a fratura é exposta (Figura 3). Após a redução da fratura, o bloqueio maxilo-mandibular é realizado com parafusos IMF + fio de aço n 1. Em seguida, com o auxílio do perfurador 900, a placa é fixada. (Figura 4). Na figura 5, observa-se oclusão e tomografia pós-operatória, evidenciando redução anatômica da fratura.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Numerosos métodos de osteossíntese do côndilo já foram descritos na literatura. Os primeiros relatos na literatura de redução aberta de fraturas condilares a por meio do acesso intrabucal foram por Silverman9 em 1925 e Aison10 em 1926. Silverman9 reduzia o fragmento condilar com a ajuda de um dispositivo uretral metálico e imobilizava os pacientes com BMM, durante seis semanas. Em 1964, seguindo os princípios Obwegeser de evitar cicatrizes visíveis e usando uma abordagem ao ramo mandibular, Steinhäuser11 realizou a redução aberta transbucal e osteossíntese com fio de aço no pescoço condilar. Pape et al.12 e Horch et al.13 foram os primeiros a relatar a maior série de redução e osteossíntese intrabucal com miniplaca. Posteriormente, Jeter et al.14; Lachner et al.15; Fritzemeier e Bechtold16; Hochban et al.17; Nehse e Maerker18; Mokros e Erle19 apresentaram suas experiências com a técnica intrabucal. Uma técnica de acesso intrabucal com redução e osteossíntese com parafuso lag screw foi descrita em 1989 por Kitayama.20 Undt et al.7 em 1999 trataram 57 fraturas condilares com miniplacas por via intrabucal, no entanto essas placas foram fixadas com o auxílio do trocater. Kitagawa et al.21 utilizaram um perfurador 900 e sistema de miniplacas reabsorvível para o tratamento de fraturas condilares por acesso intrabucal. A redução da fartura, adaptação da placa e fixação do primeiro parafuso são as etapas mais difíceis do procedimento devido ao campo limitado, proveniente do acesso intrabucal. Landes et al.22 adaptaram um instrumental para facilitar o posicionamento da placa nas regiões posteriores da mandíbula.

Com o desenvolvimento de placas tridimensionais, instrumentos específicos, como afastadores de Bauer e Merrill-Lavasseure perfuradores em 900 (contra-ângulo), a fixação de placas na região posterior de mandíbula tornou-se viável por via intrabucal por meio de visão direta. Essa abordagem apresenta vantagens, como a ausência de cicatrizes visíveis e a possibilidade de lesão do nervo facial, inerentes à abordagem extrabucal, além do acesso rápido à fratura e da menor risco de infecção. A limitação do campo cirúrgico e a dificuldade da redução de fraturas com deslocamento medial são as principais desvantagens do acesso intrabucal, sendo estas, geralmente, tratadas pelos acessos extrabucais, o qual propicia um campo cirúrgico mais direto.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar da controvérsia existente sobre o tratamento aberto ou fechado das fraturas subcondilares em adultos, essas fraturas, quando apresentam pouco deslocamento ou deslocamento lateral, poderão ser fixadas por via transbucal. Essa via de acesso apresenta vantagens em relação à extra-bucal devido à ausência da possibilidade de injúria ao nervo facial.

 

REFERÊNCIAS

1. Walker RV. Condylar fractures: nonsurgical management. J Oral Maxillofac Surg 1994;52:1185-8.         [ Links ]

2. Hall MB. Condylar fractures: surgical management. J Oral Maxillofac Surg 1994;52:1189-92.

3. Moreira RWF, Mazzoneto R, Moraes M. Acesso retromandibular utilizado no tratamento das fraturas de côndilo. Rev. port. estomatol. Med Dent Cir Maxilofac 2000;41:125-33.

4. Hayward J, Scott RA. Fractures of mandibular condyle. J Oral Maxillofac Surg 1993;1:57-61.

5. Ellis E. Complications of mandibular condyle fractures. Int J Oral Maxillofac Surg 1998;27:255-7.

6. AO Foundation CMF - AO Surgery Reference 2011.

7. Krenkel C. Treatment of mandibular-condylar fractures. Atlas of the Oral and Maxillofacial Surgery Clinics of North America 1997;5:127-55.

8. Undt G, Kermer C, Rasse M, Sink K, Ewers R. Transoral miniplate osteosynthesis of condylar neck fractures. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod 1999;88:534-43.

9. Silverman SL. A new operation for displaced fractures at the neck of the mandibular condyle. Dental Cosmos 1925;67:876-7.

10. Aison EL. Correspondence. Dental Cosmos 1926;68:93-5.

11. Steinhäuser E. Eingriffe am Processus articularis auf dem oralen Weg. Deutsche Zahnärztliche Zeitschrift 1964;19:694-700.

12. Pape HD, Hauenstein HG, Gerlach KL. Chirurgische Versorgung der Gelenkfortsatzfrakturen mit Miniplatten. Indikation,Technik, erste Ergebnisse und Grenzen. Fortschr Kiefer Gesichtschir 1980;25:81-3.

13. Horch HH, Gerlach KL, Pape HD. Indikationen und Grenzen der intraoralen Miniplattenosteosynthese bei Frakturen des aufsteigenden Unterkieferastes. Deutsche Zahnärztliche Zeitschrift 1983;38:447-52.

14. Jeter TS, van Sickels JE, Nishioka GJ. Intraoral open reduction with rigid internal fixation of mandibular subcondylar fractures. J Oral Maxillofac Surg 1988;46:1113-6.

15. Lachner J, Clanton JT, Waite PD. Open reduction and internal rigid fixation of subcondylar fractures via an intraoral approach. Oral Surg Oral Med Oral Pathol 1991;71:257-61.

16. Fritzemeier CU, Bechtold H. Deutsche Zeitschrift für Mund-, Kiefer- und Gesichts-Chirurgie 1993;17:66-8.

17. Hochban W, Ellers M, Umstadt HE, Juchems KI. Zur operative Reposition und Fixation von Unterkiefergelenkfortsatzfrakturen von enoral. Fortschr Kiefer Gesichtschir 1996;41:80-5.

18. Nehse G, Maerker R. Indikationsstellung verschiedener Rekonstruktions- und Osteosyntheseverfahren bei der operative Versorgung von subkondylären Frakturen des Unterkiefers. Fortschr Kiefer Gesichtschir 1996;41:120-3.

19. Mokros S, Erle A. Die transorale Miniplattenosteosynthese von Gelenkfortsatzfrakturen- Optimierung der operativen Methode. Fortschr Kiefer Gesichtschir 1996;41:136-8.

20. Kitayama S. A new method of intra-oral open reduction using a screw applied through the mandibular crest of condylar fractures. J Craniomaxillofac Surg 1989;17:16-23.

21. Kitagawa Y, Sano K, Nakamura M, Miyauchi K. Transoral Osteosynthesis at the Mandibular Ramus and Subcondyle Using Angular Screwing Instrument and Biodegradable Miniplate System.J Oral Maxillofac Surg 2004: 62:1041-1043.

22. Landes CA, Stuckensen T, Jaquiéry C, Sader R. Bone and Plate Fixation Device for Transoral Osteofixation in the Mandibular Angle, Ramus, and Condyle RegionJ Oral Maxillofac Surg 2007; 65:2115-2118.

 

 

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André Vajgel
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