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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.12 no.1 Camaragibe Jan./Mar. 2012

 

RELATO DE CASO / CASE REPORT

 

Cisto Ósseo aneurismático: relato de caso

 

Aneurysmal Bone Cyst: a case report

 

 

Carlos Alberto Medeiros MartinsI; Fernando Vacilotto GomesII; Fabiana Ckless MorescoIII; Jorge Omar Lopes da SilveiraIV

ICirurgião-dentista. Especialista e Mestre em CTBMF pela FO-PUCRS, Porto Alegre, RS – Brasil
IICirurgião-dentista pela FO-PUCRS, Porto Alegre, RS – Brasil
IIICirurgiã-dentista. Doutora em Estomatologia pela FO-PUCRS, Porto Alegre, RS – Brasil
IVCirurgião-Dentista. Mestre em CTBMF e Doutor em Estomatologia pela FO-PUCRS, Porto Alegre, RS – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo tem por objetivo relatar um caso de Cisto Ósseo Aneurismático em um jovem de 18 anos de idade, com queixa de aumento de volume assintomático no lado esquerdo do corpo da mandíbula. O paciente foi tratado cirurgicamente, por meio de curetagem por acesso intrabucal, com remoção da lesão na sua totalidade.

Descritores: Cirurgia bucal; Cistos ósseos; Patologia bucal.


ABSTRACT

The aim of this article is to report a case of aneurysmal bone cyst in an 18-year-old male complaining of asymptomatic swelling on the left side of the mandible body. An intraoral surgical access was performed and the lesion was totally removed by curettage.

Descriptors: Oral surgery; Bone cysts; Oral pathology.


 

 

INTRODUÇÃO

O Cisto Ósseo Aneurismático (COA) é considerado um pseudocisto incomum nos ossos maxilares, ocorrendo mais frequentemente, na mandíbula do que na maxila. Trata-se de uma lesão localizada, geralmente única, que causa expansão das corticais ósseas envolvidas. Microscopicamente, apresentase como uma estrutura com espaços ou seios de tamanhos variados, associados a um estroma fibroblástico, contendo células gigantes multinucleadas, osteoide e tecido ósseo entrelaçado1,2.

Embora a patogênese do COA permaneça obscura, essa lesão foi inicialmente descrita na literatura como uma entidade patológica distinta há mais de 50 anos3. O trauma tem sido considerado como importante fator etiológico, apesar de alguns autores divergirem, sugerindo que é estranho o COA não ocorrer com muita frequência, considerando-se o amplo número de traumas no esqueleto4.

História de trauma e a presença clínica de formação de hematoma subperiosteal são fatores essenciais para o desenvolvimento do COA. Da mesma forma, ele pode ocorrer como fenômeno secundário em uma lesão preexistente, sendo o granuloma central de células gigantes a mais comum dessas lesões5,6.

Alguns autores afirmam existir uma lesão primária precedente do osso, a qual, segundo seadmite, dá início a uma malformação vascular provavelmente arteriovenosa, causando alteração significante das forças hemodinâmicas, dando origem a uma lesão secundária, o COA6,7. Outra teoria é a do distúrbio circulatório local, causado por alteração da hemodinâmica ou pela má formação vascular arteriovenosa, fator que poderia levar ao aumento da pressão venosa, com subsequente dilatação e ingurgitamento do leito vascular, sendo responsável pela formação dessa patologia. Segundo os autores, o aumento da pressão dentro do leito vascular causaria uma pressão arterial a ser transferida para o lado venoso, resultando na reabsorção e destruição do osso6-8.

A dor é descrita em aproximadamente metade dos casos, e a presença de tumefação firme e não pulsátil é um sinal clínico frequente, sendo que, na auscultação, não se ouve nenhum ruído anormal, podendo ser notada crepitação durante a palpação firme6. Percebe-se, em alguns casos, o deslocamento, mas não, a reabsorção dos dentes, e a parestesia não é característica usual9,10.

O aspecto radiográfico dessa lesão não é patognomônico, sendo variável e podendo ser considerado no diagnóstico diferencial de qualquer lesão radiolúcida uni ou multilocular dos maxilares, tanto quanto qualquer lesão mista, radiolúcida ou radiopaca. Recomenda-se, como exames de imagem pré-operatórios não só o raio x panorâmico mas a tomografia computadorizada e a ressonância magnética1,7,8.

Para o COA, o tratamento de eleição é a excisão total da lesão por curetagem cirúrgica7,8. A sua recorrência no pós-cirúrgico tem sido atribuída ao acesso inadequado e à incompleta remoção da lesão, sendo a proservação fator importante para o diagnóstico de recidiva de lesão6,11,12.

Este trabalho apresenta um relato de caso de COA em um jovem de 18 anos de idade, com queixa de aumento de volume assintomático no lado esquerdo do corpo mandibular, apresentando-se o tratamento realizado assim como o controle pós-operatório de oito meses.

 

RELATO DE CASO

Paciente do gênero masculino, leucoderma, 18 anos de idade, compareceu ao Setor de Cirurgia Bucomaxilofacial do Hospital da Brigada Militar de Porto Alegre/RS, tendo como queixa principal o aumento de volume assintomático, localizado na região corpo e ramo de mandíbula, no lado esquerdo. O paciente relatou que havia sofrido trauma (contusão) no mento e fratura dentoalveolar ântero-superior, há aproximadamente cinco anos antes, recuperando-se sem sequelas (Figura 1).

 

 

 

Ao exame físico intrabucal inicial, constatou-se que os dentes da área afetada não possuíam mobilidade, eram hígidos e responderam positivamente ao teste térmico de vitalidade pulpar. Não havia parestesia nas regiões de inervação do nervo mentoniano. O exame radiográfico panorâmico revelou uma grande lesão multilocular radiolúcida na área de corpo, estendendo-se para ramo mandibular do lado esquerdo. A tomografia computadorizada, com reconstrução multiplanar revelou lesão intraóssea, expansão assimétrica da cortical lateral e medial do lado esquerdo, com evidência de perfuração da cortical lingual. A biópsia por aspiração revelouAo exame físico intrabucal inicial, constatou-se que os dentes da área afetada não possuíam mobilidade, eram hígidos e responderam positivamente ao teste térmico de vitalidade pulpar. Não havia parestesia nas regiões de inervação do nervo mentoniano. O exame radiográfico panorâmico revelou uma grande lesão multilocular radiolúcida na área de corpo, estendendo-se para ramo mandibular do lado esquerdo. A tomografia computadorizada, com reconstrução multiplanar revelou lesão intraóssea, expansão assimétrica da cortical lateral e medial do lado esquerdo, com evidência de perfuração da cortical lingual. A biópsia por aspiração revelou.

 

 

 

Após formulado o diagnóstico presuntivo de COA, incluiu-se como hipóteses de diagnóstico o Tumor Odontogênico Ceratocístico (TOC) e o Ameloblastoma. O paciente foi submetido a procedimento cirúrgico sob anestesia geral, realizando-se uma incisão intrassulcular, que se estendia do ramo ascendente por distal do terceiro molar até a distal do primeiro molar ipsilateral, com divertículo nessa área. Após a incisão, procedeu-se à divulsão mucoperiostal expondo-se à área onde se localizava o COA. Por meio de uma broca cirúrgica esférica, delimitou-se a região a ser abordada por meio de pequenas perfurações, unindo-as posteriormente (Figura 3).

A lesão subjacente sangrava profusamente e consistia de tecido avermelhado, hemorrágico, friável e granular. O tecido foi curetado cautelosamente devido à proximidade do feixe vásculo-nervoso alveolar inferior, tendo sido os elementos dentários 37 e 38 removidos, e o tecido ósseo regularizado com lima para osso. A extração do elemento dentário 37 justificou-se, nesse caso, pois no transoperatório visualizou-se envolvimento da lesão ao terço apical daquele dente, com perda óssea significativa. Após a completa remoção da lesão e a hemostasia, a ferida operatória foi suturada com fio mononylon 4.0. O curso pós-operatório transcorreu sem complicações, sendo realizada a antibioticoterapia com Clindamicina 300mg, por via oral, administrado a cada oito horas, por 15 dias, a fim de se evitar possível infecção local e deiscência do retalho junto aos dentes extraídos.

 

 

 

O material obtido foi avaliado microscopicamente em laboratório de patologia bucal, tendo sido confirmado o diagnóstico histopatológico de COA. O exame histológico revelou um estroma de tecido conjuntivo fibroso com numerosos espaços ou sinusoides cheios de sangue compatível com COA (Figura 4).

A recuperação do paciente ocorreu normalmente, tendo a sensibilidade das áreas inervadas pelo nervo alveolar inferior retornado em 30 dias. Quatro meses após o ato operatório, o paciente encontrava-se clinicamente, sem alterações. A radiografia panorâmica de controle após oito meses mostra uma área de regeneração óssea satisfatória, sem sinal de recidiva da lesão (Figura 5). Os controles pós-operatórios foram realizados a cada quatro meses.

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

O COA representa 1,5% de todos os cistos não-odontogênicos dos maxilares e 1,9% de todos os COA do esqueleto, podendo acometer qualquer osso do organismo humano, sendo mais comum em ossos longos e vértebras, e raro nos maxilares6. Quando nessa localização, a mandíbula é afetada duas vezes mais do que a maxila. As regiões de molares, ângulo e ramo ascendente mandibulares são os locais de maior ocorrência, sendo que geralmente afeta pessoas abaixo dos 20 anos de idade, sem predileção por sexo2,7-10. Tais características são compatíveis com o caso apresentado.

Essa patologia é de difícil distinção de lesões, como o hemangioma e o Tumor Odontogênico Ceratocístico, quando observados, apenas, os aspectos clínicos e imaginológicos. Da mesma forma, quando ocorre na região posterior da mandíbula e com padrão radiográfico de uma lesão multilocular, deve-se incluir como diagnóstico diferencial lógico o ameloblastoma. Outras lesões passíveis de diferenciação são o cisto ósseo traumático, o mixoma odontogênico, a displasia fibrosa e o sarcoma osteogênico6,7,8,12,13. Semelhantemente, o granuloma central de células gigantes pode ser de difícil diferenciação radiográfica6. Por essa razão, Motamedi13 descreve o COA como uma alteração óssea, que não apresenta especificidade clínica ou radiológica; logo a importância de diferenciá-lo de outras patologias que ocorrem na região maxilomandibular.

Tendo-se em vista uma quantidade razoável de estrutura óssea mandibular ao redor da lesão, optou-se por realizar inicialmente a biópsia por aspiração na qual ocorreu o extravasamento de conteúdo sanguíneo do tipo venoso, razão pela qual se solicitou a arteriografia da carótida externa com o intuito de descartar lesão vascular. A arteriografia é um exame imprescindível, quando da presença de lesões intraósseas, cuja punção leva à aspiração de conteúdo exclusivamente sanguíneo (lesões vasculares), ao contrário, se houvesse presença de líquido citrino, ceratina ou ausência de qualquer secreção7,8,12,14.

O COA pode se apresentar em três estágios durante o seu desenvolvimento, o que determina seu aspecto radiográfico. No estágio inicial, observa-se a área da lesão bem definida sem reabsorção óssea; o estágio seguinte é caracterizado como de crescimento, mostrando o aumento da área de destruição óssea; finalmente, o estágio de maturação exibe expansão óssea, destruição da cortical e formação de septos por meio da lesão9. Recomenda-se que antes da biópsia, a tomografia computadorizada e a ressonância magnética sejam utilizadas em adição ao exame radiográfico, a fim de não só estabelecer o diagnóstico diferencial mas determinar o estágio de evolução da doença, revelando-se informações adicionais obtidas na interface entre a lesão e os tecidos circunjacentes11. No caso relatado, utilizouse, para presunção do diagnóstico pré-operatório, a radiografia panorâmica e a tomografia computadorizada com o objetivo de se avaliar o estágio de evolução da lesão e descartar a possibilidade de outras patologias.

A excisão ou curetagem é a terapia de escolha para o COA, sendo mais favorável naqueles casos em que a lesão estiver confinada dentro do tecido ósseo. Nos casos em que a lesão apresenta-se com múltiplos septos ósseos, multiloculada, expansiva e com corticais ósseas perfuradas, a cirurgia pode ser mais complexa7,8,13. Alguns autores sugerem a crioterapia como suplementação do procedimento cirúrgico15. No caso apresentado, devido às características clínicas e radiográficas de benignidade da lesão, descartando-se a possibilidade de alteração vascular ou de lesão tumoral, indicou-se a curetagem total da lesão em cirurgia sob anestesia geral. Tal procedimento, por via intrabucal, permite a total remoção da lesão, desde que o acesso, a incisão e a trepanação óssea sejam adequados para o porte da patologia a ser removida6,14. Realizou-sea exodontia dos elementos dentários 37 e 38 envolvidos na lesão, devido à reabsorção radicular presente, contrariamente o que cita a literatura, na qual a reabsorção dentária é incomum nesse tipo de patologia. A permanência desses dentes poderia aumentar as chances de recidivas futuras10.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O COA é uma lesão incomum nos ossos gnáticos, muito semelhante quanto aos aspectos clínico-radiográficos ao de outras lesões que se desenvolvem mais frequentemente no complexo maxilo-mandibular. Tal razão nos faz dar muita importância aos métodos de diagnósticos e ao estabelecimento de um tratamento adequado, proporcionando um prognóstico mais favorável e diminuindo as chances de recidiva.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Fernando Vacilotto Gomes
Av. Independência, 1087/303. Independência,
Porto Alegre/RS
CEP: 90035-077

e-mail:
fernandovg2005@yahoo.com.br

 

Recebido em 16/11/2011
Aprovado em 05/12/2011