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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial
versão On-line ISSN 1808-5210
Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.12 no.1 Camaragibe Jan./Mar. 2012
ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE
Estudo comparativo da inclinação do plano oclusal de modelos para cirurgia ortognática montados em dois tipos de articuladores semiajustáveis
Comparative study of occlusal plane angulation of dental casts for orthognathic surgery mounted in two types of semi-adjustable articulators
Leandro eduardo KlüppelI; Fernando AntoniniII; Eduardo Hochuli-VieiraIII; Marisa Aparecida Cabrini GabrielliIII; Mário Francisco Real GabrielliIV; Valfrido Antonio Pereira FilhoIV
IDoutor em CTBMF; professor Assistente da Disciplina de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Universidade estadual de ponta Grossa - PR
IICirurgião-dentista; Residente de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Universidade Federal do Paraná
IIIDoutor em CTBMF; professor Assistente Doutor da Disciplina de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Faculdade de Odontologia de Araraquara - Universidade estadual paulista Júlio de Mesquita Filho
IVDoutor em CTBMF; professor Titular da Disciplina de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Faculdade de Odontologia de Araraquara - Universidade estadual paulista Julio de Mesquita Filho
RESUMO
Objetivo: este estudo busca comparar a inclinação do plano oclusal obtida em dois tipos diferentes de articuladores semiajustáveis com aquela obtida na telerradiografia em norma lateral. Metodologia: 20 pacientes a serem submetidos à cirurgia ortognática tiveram seus modelos de gesso montados em 2 diferentes articuladores semiajustáveis por meio da transferência com arcos faciais da posição da maxila e registro oclusal para a mandíbula. Após montagem, à inclinação do plano oclusal nos articuladores foi mensurada e comparada com a inclinação mensurada nas telerradiografias cefalométricas laterais e entre os articuladores entre si. Os resultados obtidos foram submetidos a análise estatística pertinente. Resultados: os valores médios dos ângulos obtidos nos articuladores Bio Art (7,55º) e Kavo (-5,70º) diferem entre si em 13,25º, sendo essa diferença estatisticamente significante (p=0,00). Quando comparados individualmente à telerradiografia (5,075º), o articulador Bio Art apresentou valor mais próximo, com uma diferença de 2,475º, enquanto que o articulador Kavo apresentou uma diferença de 10,775º. Conclusão: os dois modelos de articuladores semiajustáveis testados não reproduzem, com fidelidade, a inclinação do plano oclusal maxilar de pacientes portadores de deformidades dentofaciais; a diferença encontrada entre o articulador Bio Art e a telerradiografia foi menor do que aquela encontrada entre o articulador Kavo e a telerradiografia.
Descritores: Cirurgia ortognática; Registro da relação maxilomandibular.
ABSTRACT
Purpose: The aim of this study was to compare occlusal plane angulation measured in two different types of semi-adjustable articulators with that obtained on the lateral cephalometric radiograph. Materials and Methods: 20 patients due to undergo orthognathic surgery had dental casts mounted in two different types of semi-adjustable articulators through face bow transfer from the position of the maxilla and occlusal recording to the mandible. After mounting, the inclination of the occlusal plane in the articulators was measured and compared with the inclination measured at on both articulators and compared with the inclination measured on the lateral cephalometric radiographs and between the articulators themselves. The results obtained werestatistically analyzed. Results: Mean angulation values for the Bio Art (7.55º) and Kavo (-5.70º) articulators differ by 13.25º, which is statistically significant (p=0.00). When individually compared to the lateral cephalometric radiograph (5.075º), the Bio Art articulator showed more similar angulation values, with a difference of 2.475º, while the Kavo articulator presented a difference of 10.775º. Conclusion: Neither of the models of semi-adjustable articulators accurately reproduced the inclination of the maxillary occlusal plane of patients with dentofacial deformities; the difference between the two articulators tested and the lateral cephalometric radiograph was lower for the Bio Art than for the Kavo articulator.
Descriptors: Orthognathic surgery; Jaw relation record.
INTRODUÇÃO
A correção das deformidades dentofaciais envolve procedimentos cirúrgicos e não-cirúrgicos, e tal tratamento vem evoluindo consideravelmente, nos últimos anos. O trabalho conjunto do cirurgião e do ortodontista no período de preparo ortodôntico, planejamento cirúrgico e acompanhamento pós-operatório são fundamentais na obtenção de resultados estético-funcionais satisfatórios e estáveis. Restaurar a função normal, obter a correta posição tridimensional dos maxilares na face e proporcionar a estabilidade dos movimentos cirúrgicos a longo prazo são condições importantes para o sucesso do tratamento. Os movimentos cirúrgicos dos maxilares devem ser reproduzidos tridimensionalmente e, portanto, as informações diagnósticas, obtidas no préoperatório com exame clínico, exame radiográfico e análise de modelos, devem ser cuidadosamente integradas para estabelecimento do plano de tratamento ideal. Mesmo com o advento dos softwares de planejamento virtual, uma etapa fundamental e ainda muito utilizada na fase de planejamento cirúrgico, devido a sua alta previsibilidade e confiabilidade, consiste na cirurgia de modelos, na qual, após obtenção de registro com arco facial e montagem dos modelos de gesso em articulador semiajustável, os movimentos cirúrgicos são simulados, e goteiras cirúrgicas são confeccionadas. A cirurgia de modelos será reproduzida no ato cirúrgico, sendo a montagem dos modelos em articulador semi-ajustável, principalmente nas cirurgias bimaxilares, muito importante, devendo reproduzir, da maneira mais acurada possível, a posição tridimensional da maxila e da mandíbula no articulador para a confecção de guias cirúrgicas precisas.
A utilização dos modelos em gesso montados em articulador semiajustável oferece a possibilidade de se avaliarem tridimensionalmente os movimentos planejados1. Para tanto, a montagem do modelo superior em um articulador semiajustável deve obedecer a dois pré-requisitos independentes: a obtenção correta da distância linear entre o centro de rotação condilar e a superfície oclusal dos dentes e a correta angulação do plano oclusal em relação ao crânio. Quanto ao primeiro pré-requisito, outros autores observaram que os diversos tipos de arco facial disponíveis no mercado posicionam corretamente os modelos de gesso nessa dimensão2. Contudo, existem evidências na literatura que sugerem não ser a inclinação do plano oclusal reproduzida com fidelidade pelos articuladores semiajustáveis1,3,4
As hipóteses levantadas para a ocorrência desse erro incluem: variações anatômicas específicas de cada paciente5; problemas relacionados diretamente ao arco facial ou articulador1,4 e erros na técnica de montagem do arco facial1,4.
Na tentativa de se corrigir esse problema, alguns autores propuseram alterações no arco facial, alterações na técnica de montagem do arco facial com o modelo de gesso no articulador e alterações no método de obtenção do registro com arco facial2,6-8.
Ellis et al. demonstraram diferença significante entre a inclinação do plano oclusal dos modelos no articulador e do plano oclusal do paciente em radiografias cefalométricas laterais, propondo alterações na montagem dos modelos em articuladores, alterando o articulador, enquanto outros autores propuseram a alteração do arco facial, que é utilizado na transferência do plano oclusal1.
Para verificar a montagem dos modelos em articulador semiajustável, normalmente se utiliza a comparação da inclinação do plano oclusal com o plano horizontal de Frankfurt na telerradiografia cefalométrica lateral com a inclinação do plano oclusal dos modelos com o braço superior do articulador. Com o intuito de se comparar a acurácia das montagens de modelos em articulares semiajustáveis, os autores objetivam comparar a angulação do plano oclusal de modelos montados em dois modelos diferentes de articulador semiajustável com a angulação em questão mensurada nas radiografias cefalométricas de 20 pacientes candidatos à cirurgia ortognática para correção de deformidades dento-faciais.
METODOLOGIA
Foram utilizados neste estudo 20 pacientes que necessitaram de montagem de modelos de gesso em articulador semiajustável para planejamento de cirurgia ortognática.
Para todos os pacientes, os modelos foram duplicados e montados em dois modelos diferentes: articuladores semiajustáveis, por meio da transferência com arcos faciais da posição da maxila, e registro oclusal para a mandíbula. Os articuladores utilizados bem como os arcos faciais de cada modelo foram:
• Articulador semiajustável Bio Art - figura 1 (Bio Art - São Carlos, SP – Brasil);
• Articulador Kavo Protar 2 - figura 2 (Kavo Brasil – Joinville, SC – Brasil);
Após montagem dos modelos, a inclinação doplano oclusal nos articuladores foi comparada com aquela encontrada nas telerradiografias cefalométricas laterais (figuras 3, 4 e 5), radiografias essas utilizadas rotineiramente no planejamento das osteotomias por meio de traçados predictivos. Verificouse a montagem, conforme a técnica descrita por Ellis et al.1, e a reprodutibilidade comparada entre os dois articuladores. Os resultados obtidos foram submetidos à análise estatística pertinente.
RESULTADO
Após a realização dos procedimentos propostos, os seguintes valores em graus foram obtidos para o ângulo que representa a inclinação do plano oclusal nos dois modelos de articuladores e na telerradiografia cefalométrica:
No gráfico 1, os dados estão colocados em ordem crescente, com base nos resultados da telerradiografia cefalométrica. Pode-se observar que os valores obtidos no articulador Kavo são mais discrepantes do que aqueles obtidos no articulador Bio Art. Contudo, para aqueles pacientes que apresentaram o plano oclusal com inclinação de até 4º obtida na telerradiografia de perfil, o articulador Kavo parece manter um padrão de reprodução da inclinação do plano oclusal com uma diferença média de 8,7º.
A análise estatística, realizada por meio do teste t de Student para amostras pareadas, foi aplicada comparando-se o articulador Bio Art com o articulador Kavo (tabela 1); o articulador Bio Art com a telerradiografia (tabela 2); e o articulador Kavo com a telerradiografia (tabela 3).
Os valores médios dos ângulos obtidos nos articuladores Bio Art e Kavo diferem, entre si, em 13,25º (tabela 1). A análise demonstra que essa diferença é estatisticamente significante (p=0,00).
Quando os valores médios dos ângulos obtidos nos articuladores Bio Art (7,55º) e Kavo (-5,70º) são comparados individualmente à telerradiografia (5,075º), observa-se que o articulador Bio Art foi o modelo que apresentou valor mais próximo àquele encontrado na telerradiografia, com uma diferença de 2,475º (tabela 2), enquanto que o articulador Kavo apresentou uma diferença de 10,775º (tabela 3). A análise estatística desses dados demonstrou que ambos os articuladores fornecem valores cuja diferença é significante, quando comparados à telerradiografia. Essa diferença, contudo, é mais significante para o articulador Kavo (p=0,00) do que para o articulador Bio Art (p=0,047).
DISCUSSÃO
O planejamento para uma cirurgia ortognática envolve a integração de dados obtidos de três fontes utilizadas para o diagnóstico: o exame clínico do paciente, as radiografias cefalométricas e os modelos em gesso. Para que essas informações possam ser unidas, um plano comum deve ser utilizado como referência, o qual, na maioria das vezes, é o plano horizontal de Frankfurt. Este é determinado, unindose os pontos correspondentes à porção mais superior do meato acústico externo (porium) e à porção mais inferior do rebordo infraorbital (orbitale)4.
Universalmente aceita-se que o braço superior do articulador representa esse plano1. Isso, de acordo com Gateno et al.4, é um erro, uma vez que os articuladores semiajustáveis foram desenvolvidos inicialmente, para a utilização em reabilitações protéticas. Nesses instrumentos, o arco facial foi projetado para reproduzir posição da maxila em relação ao eixo de rotação mandibular. Para tanto, a porção posterior do arco facial (próxima às olivas) foi alinhada ao centro de rotação mandibular (correspondente à porção central dos côndilos mandibulares), enquanto a porção anterior do arco facial foi alinhada ao ponto orbitale (porção mais inferior do rebordo infraorbital). Esses três pontos definem um plano que difere do plano de Frankfurt num valor de até 8º.
Partindo-se da premissa de que reabilitações com prótese não levam a alterações na dimensão vertical que necessitem de autorrotação mandibular, alterações na inclinação do plano oclusal não trarão repercussões ao resultado final de trabalhos protéticos. Contudo, Ellis et al.1 afirmam que, no caso de cirurgias ortognáticas em que são planejados movimentos verticais e de rotação envolvendo a maxila e a mandíbula, esse erro resultaria na obtenção de uma oclusão semelhante àquilo que foi planejado, porém, com o posicionamento da base óssea (ou das bases ósseas, dependendo do tipo de cirurgia) e, consequentemente, dos tecidos moles, de maneira diferente da planejada no período pré-operatório.
Gateno et al.4 também demonstraram os efeitos da alteração do plano oclusal no movimento das bases ósseas. No caso de uma cirurgia envolvendo a maxila e a mandíbula, uma alteração de 12º na inclinação do plano oclusal fará um avanço de 10mm (planejado no traçado predictivo) transformar-se em um avanço de 8,5mm, ou seja, será 15% menor.
Os resultados deste estudo demonstraram que ambos os articuladores reproduzem a inclinação do plano oclusal em relação ao plano de Frankfort de maneira insatisfatória. Isso contraria os achados da litreratura pertinente2,7, porém corrobora os resultados obtidos por outros autores1,3,4.
CONCLUSÕES
O Frente aos dados disponíveis na literatura e aos resultados obtidos neste trabalho, conclui-se que:
1) Os dois modelos de articuladores semiajustáveis em questão (articulador semiajustável Bio Art e articulador Kavo Protar 2) não reproduzem, com fidelidade, a inclinação do plano oclusal maxilar de pacientes portadores de deformidades dentofaciais;
2) A diferença encontrada entre o articulador Bio Art e a telerradiografia foi menor do que aquela encontrada entre o articulador Kavo e a telerradiografia;
3) É necessário que novos métodos ou equipamentos sejam desenvolvidos, para que a montagem dos modelos possa ser realizada de maneira fiel.
REFERÊNCIAS
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Endereço para correspondência:
Universidade Federal do Paraná – Faculdade de Odontologia
Disciplina de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial
Leandro Eduardo Klüppel
Av. Pref. Lothário Meissner, 632 – Curitiba/PR
e-mail: ekluppel@hotmail.com
Recebido em 26/07/2011
Aprovado em 20/10/2011