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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial
versão On-line ISSN 1808-5210
Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.12 no.1 Camaragibe Jan./Mar. 2012
ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE
Osteonecroses maxilo-mandibulares relacionadas à utilização de biofosfonados
Osteonecrosis of the jaw related to use of bisphosphonates
Cícero BezeruskaI; Rafaela Scariot de MoraesII; Paulo Roberto MüllerIII; Leandro eduardo klüppelIV; Nelson Luis Barbosa RebellatoV; Delson João da CostaVI
IAluno do Curso de especialização em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Faciais pela Universidade Federal do Paraná, Curitiba/PR, Brasil
IIDoutoranda em estomatologia pela Pontifícia universidade Católica do Paraná, Curitiba/PR, Brasil
IIIDoutor em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Faciais pela universidade estadual de Campinas/Unicamp/SP, Brasil
IVDoutor em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Faciais pela universidade estadual de Campinas/Unicamp/SP, Brasil
VDoutor em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Faciais pela universidade estadual de Campinas/Unicamp/SP, Brasil
VIDoutor em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Faciais pela universidade estadual de Campinas/Unicamp/SP, Brasil
RESUMO
Os bisfosfonados (BFs) são fármacos sintéticos, utilizados no tratamento do mieloma múltiplo, patologias ósseas associadas a neoplasias malignas, doença de Paget e à osteoporose. a droga reduz a reabsorção óssea e inibe o recrutamento de osteoclastos. essas drogas apresentam alguns efeitos colaterais. Recentemente foi identificada uma nova complicação denominada osteonecrose associada aos bisfosfonados (OaB). Objetivo: Realizar uma revisão de literatura sobre o assunto, considerando os fatores etiológicos, os mecanismos de ação desses medicamentos, seus efeitos adversos e tratamentos. Metodologia: Foram utilizados todos os prontuários dos pacientes que foram diagnosticados com osteonecroses maxilo-mandibulares dentro da uFPR e do Hospital XV, a partir do ano de 2006. Resultados: Demonstraram uma prevalência pelo gênero feminino (58%). a idade variou de 55 a 81 anos. a doença-base com maior incidência foi a osteoporose (35,7%). Pacientes que faziam uso de BFs administrados por via endovenosa também foram prevalentes. O ácido zoledrônico foi a medicação mais utilizada. a mandíbula foi o osso mais acometido, e como tratamento utilizaram-se mais antibióticos e bochechos com clorexidina 0,12%. Conclusão: O uso crônico de BFs pode levar à OaB. Tendo em vista a dificuldade do tratamento, o cirurgião-dentista
assume um papel fundamental na sua prevenção.
Descritores: Bisfosfonados; Osteonecrose; Osteoporose.
ABSTRACT
The bisphosphonates (BFs) are synthetic drugs used to treat multiple myeloma, bone pathologies associated with malignancy, Paget's disease and osteoporosis. The drug reduces bone resorption and inhibits the recruitment of osteoclasts. These drugs have a number of side effects, and a new complication known as biphosphonate-associated osteonecrosis (BaO) was recently identified. Objective: To review the literature on the subject, taking into account the etiological factors, mechanisms of action of these medications, their side effects and treatments. Methodology: We used all the records of patients diagnosed with osteonecrosis of the jaw at uFPR and Hospital XV from 2006. Results: The records showed a prevalence in females (58%). ages ranged from 55 to 81 years. The base disease with the greatest incidence was osteoporosis (35.7%). There was also a prevalence of patients using intravenously administered BFs. zoledronic acid was the most commonly used medication. The mandible was the most affected bone and the most widely used treatment was antibiotics and mouthwash with 0.12% chlorhexidine. Conclusion: The chronic use of BFs can lead to BAO. Given the difficulty of treatment, the dental surgeon plays a key role in prevention.
Descriptors: Bisphosphonates; Osteonecrosis; Osteoporosis.
INTRODUÇÃO
Os bisfosfonados (BFs) são uma classe de compostos, análogos sintéticos do pirofosfato inorgânico, utilizados para o tratamento de diferentes doenças. As indicações atuais incluem o tratamento do mieloma múltiplo, patologias ósseas associadas a neoplasias malignas, à doença de Paget e à osteoporose. A sua utilização tem aumentado significamente, ao longo dos últimos anos: zoledronato, risedronato, pamidronato, alendronato, ibandronato são alguns BFs disponíveis no mercado. Embora essas drogas sejam benéficas, uma significativa e potencial complicação chamada de osteonecrose dos maxilares ou osteonecrose associada aos bisfosfonados (OAB) tem sido relatada1,2,3,4,5,6.
As causas da OAB ainda são desconhecidas, mas parecem advir de uma complexa interação entre o metabolismo ósseo, trauma local, infecção, hipovascularização e o uso de BFs. Os pacientes que fazem uso de BFs administrados por via endovenosa parecem ser mais susceptíveis à OAB do que os tratados por via oral. Fatores sistêmicos ,como diabetes mellitus, imunossupressão, uso de outras medicações concomitantes, como agentes quimioterápicos e corticosteroides, também parecem ter relação com a manifestação da OAB2,4,9.
Os fatores de risco para o desenvolvimento da OAB podem ser modulados pela natureza da droga, fatores locais e sistêmicos. A potência do BF e a duração do tratamento são diretamente proporcionais ao aparecimento da OAB. Pacientes que fazem uso de BFs e são submetidos à cirurgia dento-alveolar apresentam risco sete vezes maior de adquirir OAB. A mandíbula costuma ser mais afetada do que a maxila. Infecções periodontais, periapicais e pericoronais predispõem à OAB. Pacientes fumantes, etilistas e com higiene bucal deficiente também têm risco aumentado de desenvolver OAB7.
Pacientes são considerados portadores de OAB quando apresentam três características fundamentais: terem sido submetidos a tratamento atual ou prévio com BFs; apresentarem osteonecrose na região maxilofacial por mais de oito semanas; não terem sido submetidos à radioterapia nos maxilares (AAOMS, 2007). Com o intuito de direcionar a abordagem dada aos indivíduos com OAB, AAOMS em 2007, propôs o uso da seguinte classificação7: 1. Pacientes de Risco: fazem uso de BFs, porém não apresentam osteonecrose com exposição óssea; 2. Pacientes com OAB:
Estágio 1: Osteonecrose com exposição, assintomático e sem sinais de infecção;
Estágio 2: Osteonecrose com exposição, em pacientes com sinais clínicos de infecção;
Estágio 3: Osteonecrose com infecção e presença de fratura patológica, fístula extraoral ou osteólise/sequestros ósseos.
Nas fases iniciais da OAB, não se detectam manifestações radiográficas e normalmente os pacientes não apresentam sintomas. Quando a exposição óssea se torna mais extensa, o sinal clínico mais comum é a presença de rugosidades em tecido mole que rodeiam a área do osso necrosado, podendo haver indícios de infecção secundária. Em estágios mais avançados, os indivíduos podem queixar-se de dor intensa, com áreas de parestesia4,5,10.
Diversos tipos de tratamento para a osteonecrose são descritos na literatura, principalmente aqueles envolvendo procedimentos invasivos, como sequestrectomia, ressecção óssea, curetagem, oxigênio hiperbárico, cirurgias orais menores e cirurgia microvascularizada1. É importante que sejam tomadas medidas preventivas e que o tratamento destes pacientes seja diferenciado de acordo com o estágio de evolução da doença.
O objetivo desse trabalho foi analisar uma série de pacientes que desenvolveram OAB e adequar um protocolo de tratamento para os vários estágios da doença.
MATERIAIS E MÉTODOS
Foram analisados 14 prontuários de pacientes com OAB dentro da UFPR e do Hospital XV, a partir do ano de 2006. Nesses prontuários, serão analisados: a idade, o sexo, a patologia base, o medicamento, a forma de utilização do medicamento, a localização da lesão, o grau da lesão e a ficha clínica do programa de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial da Universidade Federal do Paraná e do Hospital XV.
Os dados coletados foram colocados em envelopes e catalogados em números de ordem crescente, sem identificação do sujeito, sendo de uso específico para o desenvolvimento da pesquisa em questão.
Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná (CAAE 0075.0.091.000-10)
RESULTADOS
Durante o período do estudo, 14 pacientes com OAB foram diagnosticados. Dos 14 indivíduos, 08 (58%) pacientes eram do gênero feminino, e 06 (42%), do gênero masculino. A idade variou
de 55 a 81 anos, com uma média de 69,8. A doença de base com maior incidência foi a osteoporose (n=5/35,7%), seguida do câncer de próstata (n=4/28,5%), mieloma (n=3/21,4%), câncer de mama (n=1/7,1%) e artrite reumatoide (n=1/7,1%). A Tabela 1 demonstra gênero, idade e doença-base.
Os pacientes que faziam uso de BFs administrados por via endovenosa foram maioria (58%), assim como os que faziam uso do medicamento ácido zoledrônico (58%), seguidos do alendronato (42%).
A mandíbula foi o osso mais acometido pela OAB, representando 64,2% dos casos. A maxila isolada foi acometida em 14,2%, e a maxila associada à mandíbula, em 21,4%. Quanto ao estágio de evolução da osteonecrose, a maioria dos pacientes estavam no estágio 2 (n=7/50%), seguida do estágio 3 (n=4/28,4%) e estágio 1 (n=3/21,4%).
A maioria dos pacientes foram tratados com antibioticoterapia e bochechos com clorexidina 0,12% (n=12/85, 7%). Em um caso (7,1%), foi necessária a ressecção cirúrgica parcial da mandíbula, e, em outro caso (7,1%), fez-se o debridamento cirúrgico. Durante a pesquisa, 05 (35,7%) pacientes foram a óbito, pela condição sistêmica do paciente. A Tabela 2 demonstra o medicamento, via de administração, localização, grau e tratamento.
DISCUSSÃO
Os BFs são uma nova classe de medicamentos, que vêm sendo cada vez mais utilizados, devido a sua eficácia. São empregados para o tratamento de metástases ósseas, mieloma múltiplo, doença de Paget e osteoporose11.
A literatura mostra que a maioria dos pacientes que desenvolveram OAB são do gênero feminino, estando entre a quarta e a oitava década da vida, concordando com o presente estudo5,6,13.
No estudo, a maioria dos pacientes que apresentavam OAB eram portadores de osteoporose, discordando dos resultados apresentados na literatura, a qual apresenta mais casos com hipercalcemia maligna associada aos múltiplos mielomas e câncer de mama2,3,4,5,6. A prevalência de osteoporose parece aumentar com a idade. Estudos epidemiológicos indicam uma maior perda óssea após a quarta e quinta década de vida, em ambos os sexos, com maior risco para mulheres em período pós-menopausa. Num estudo da OMS no Brasil, em 2007, descobriu-se que a osteoporose afeta 13,3% das mulheres acima de 45 anos; isso significa mais de dois milhões de mulheres12.
Os pacientes que fazem uso de BFs administrados por via endovenosa parecem ser mais susceptíveis à OAB do que os tratados por via oral. Vários estudos mostram um percentual de 80% a 90% dos casos de OAB com BF por via endovenosa2,3,6,11. A maioria dos casos de OAB foi relatada em pacientes que fizeram uso do ácido zoledrônico (58%), um BF de via endovenosa e, em seguida, do alendronato (42%), um bisfosfonado de uso oral. Deve-se esse índice elevado do alendronato ao fato de a osteoporose estar presente em 42,8% dos casos e ele ser o medicamento de tratamento.
As áreas anatômicas mais acometidas são mandíbula, principalmente tórus lingual e a linha milo-hioídea, seguida da maxila. A literatura mostra que a incidência é duas vezes maior na mandíbula, o que pode estar relacionado com a maior variação da densidade óssea, o que poderia interferir na microcirculação4,5,6,11,13. No estudo, a mandíbula foi o osso mais acometido, concordando com a literatura.
Ainda não existem formas totalmente eficientes de controle da OAB, porém a AA OMS sugeriu estratégias de tratamento para essa doença de prognóstico ainda duvidoso. A literatura mostra uma predominância pelo tratamento com antibióticos e bochechos com clorexidina 0,12% 4,5,10,14. Para graus mais avançados da OAB, recomendam-se tratamentos mais invasivos, como ressecção cirúrgica, debridamento ou curetagem da região6,11. Alguns autores ainda relatam a utilização de oxigenioterapia hiperbárica15. A maioria dos casos estava em grau de desenvolvimento da OAB, sendo tratados com antibióticos e bochechos com clorexidina 0,12%. Apenas dois casos receberam tratamento cirúrgico, ressecção e debridamento, por estarem em um estágio mais avançado.
CONCLUSÃO
• O uso crônico de medicamentos da classe dos bisfosfonados pode levar à osteonecrose dos maxilares de causa ainda desconhecida.
• A OAB afeta mais pacientes do gênero feminino com idade média de 66 anos de vida.
• Pacientes que fazem uso dos BFs tanto endovenosos quanto por via oral estão sujeitos a adquirir a OAB, mas existe uma maior incidência por via endovenosa.
• A mandíbula é o osso da face mais acometido.
• As formas de tratamento variam para o grau de evolução da OAB, mas, na maioria dos casos, o tratamento com antibióticos e bochechos com clorexidina 0,12% é o de escolha, pelo fato de
ser mais conservador, e esses pacientes estarem com a saúde sistêmica comprometida.
• Pesquisas futuras devem ser realizadas para melhor explicar o mecanismo de ação dos BFs, a fim de propor o tratamento adequado.
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Endereço para correspondência:
Cícero Bezeruska
Rua Maria Verônica Stroparo, 61 - São Braz
Curitiba - Paraná/Brasil.
CEP: 82310-080
e-mail: cbstevie@hotmail.com
Recebido em 25/08/2011
Aprovado em 19/12/2011