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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.12 no.2 Camaragibe Abr./Jun. 2012

 

 

Cisto periapical de grande extensão: relato de caso

 

Extensive Radicular Cyst: a Case Report

 

 

Jeferson Silva pereiraI; Roselaine Moreira MilagresII; Bruno Augusto Benevenuto de AndradeIII; Dr. Michel Reis Messora IV; Dr. Leandro Toyoji KawataIV

I acadêmico do Curso de Odontologia do Centro Universitário de Lavras - UNILaVRaS.
II Doutoranda em Odontologia pela Faculdade de Odontologia de São José dos Campos - UNeSp, professora do Curso de Odontologia do Centro Universitário de Lavras - UNILaVRaS.
III Doutorando em estomatopatologia pela Faculdade de Odontologia de piracicaba - UNICaMp.
IV Doutores em Odontologia pela Faculdade de Odontologia de araçatuba- UNeSp, professores do Curso de Odontologia do Centro Universitário de Lavras - UNILaVRaS.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

entre os cistos odontogênicos, temos o cisto radicular, considerado uma lesão frequentemente encontrada nos maxilares, associado ao ápice de um dente com necrose pulpar. Frequentemente, são assintomáticos, apresentam crescimento lento e são descobertos em radiografias de rotina. No presente estudo, é relatado um caso de um paciente de 55 anos com dois cistos radiculares, sendo um com aproximadamente 4 X 2 cm associado a raiz residual na região molares inferiores do lado direito e outro com aproximadamente 1,7 x 1,3 cm associado à raiz residual na região de pré-molares inferiores do lado esquerdo. Foram feitas as exodontias e as remoções cirúrgicas dos cistos. O exame histopatológico confirmou o diagnóstico clínico.

Descritores: Cisto radicular; Diagnóstico bucal; Cirurgia bucal.


ABSTRACT

among the odontogenic lesions, radicular cysts are frequently found in the jaws and are associated with the apex of a tooth with necrotic pulp. They are often asymptomatic, of slow growth, and are diagnosed on routine radiographs. This case report presents two radicular cysts in a 55-year-old patient. One of the cysts measured approximately 4 x 2 cm and was associated with a residual root in the right mandibular molar area. The other cyst measured approximately 1.7 x 1.3 cm and was associated with a residual root in the left mandibular premolar area. The residual roots and cysts were surgically removed. Histopathological examination of the lesions confirmed the clinical diagnosis.

Keywords: Radicular cyst; Diagnosis, oral; Surgery, oral


 

 

INTRODUÇÃO

O cisto radicular é o cisto odontogênico mais comum e tem como sinonímia cisto periapical e cisto periodontal apical1,2,3. De acordo com a classificação histológica para os cistos, apresentada pela Organização Mundial da Saúde em 2005, o cisto radicular é um cisto odontogênico do tipo inflamatório4.

Sua prevalência corresponde a cerca de 60% dos cistos da maxila e da mandíbula5. Sua etiologia está relacionada com o epitélio do ápice de um dente com necrose pulpar que presumivelmente pode ser estimulado pela inflamação. A fonte epitelial é comumente os restos epiteliais de Malassez, presentes no ligamento periodontal3,6,7.

Essa lesão acomete, preferencialmente, adultos entre a terceira e a sexta décadas de vida8. Geralmente, são assintomáticos e têm crescimento lento, mas pode atingir grandes proporções, em que se observa a presença de tumefação e sensibilidade leve bem como mobilidade e deslocamento dos dentes adjacentes1,8. Normalmente, é descoberto através de uma radiografia de rotina ou, quando atingir maiores dimensões, por meio da tumefação do maxilar envolvido e/ou desadaptação e próteses dentárias9.

Lesões extensas em dentes restauráveis têm sido tratadas com sucesso, por meio do tratamento endodôntico conservador associado ao tratamento cirúrgico. A cirurgia periapical é indicada para lesões que excedem 2 cm e para aquelas associadas a dentes nos quais não é viável o tratamento endodôntico convencional. O exame histopatológico é indicado para afastar outras possíveis doenças1.

 

CASO CLÍNICO

Paciente do sexo masculino, 55 anos de idade, feoderma, pedreiro, foi encaminhado ao Centro Universitário de Lavras - UNILAVRAS por cirurgiãodentista do posto de saúde para avaliação de lesão em mandíbula. Na história da doença, o paciente relatou que procurou o posto de saúde para exodontia de raízes residuais, e a lesão foi descoberta em exame radiográfico de rotina. Na história médica, revelou ser hipertenso e que usava Hidroclorotiazida®. Quanto aos vícios, o paciente relatou que fumava 6 cigarros de palha por dia, há 40 anos.

Ao exame físico intrabucal, observou-se que o paciente era desdentado total superior e que, na mandíbula, apresentava apenas raízes residuais de pré-molar e molar direitos. Observou-se, também, discreta tumefação na região posterior direita de mandíbula (Figura 1).

 

 

 

O paciente trouxe uma radiografia panorâmica na qual se observou lesão com imagem radiolúcida de aproximadamente 4 X 2 cm, delimitada por halo radiopaco e associada à raiz residual. No lado esquerdo, também se verificou a presença de lesão com imagem radiolúcida de 1,7 X 1,3 cm, delimitada por halo radiopaco e associada à raiz residual em região de pré-molar inferior esquerdo, que não foi observada no exame físico (Figura 2).

 

 

 

Foi realizada, também, uma radiografia oclusal de mandíbula, na qual foi observado que ambas as lesões não apresentavam expansão de cortical vestibular e lingual. O diagnóstico clínico de ambas as lesões foi de cisto radicular. Foi solicitado hemograma completo, coagulograma e glicemia que se apresentavam dentro dos padrões de normalidade.

Foi realizada exodontia das raízes residuais do lado direito e a enucleção do cisto (Figura 3). Do outro lado, foi realizada a exodontia da raiz residual seguida de curetagem da lesão.

 

 

 

No exame histopatológico, observou-se a presença de epitélio estratificado pavimentoso paraqueratinizado, revestindo uma cavidade cística, e, logo abaixo desse epitélio, presença de tecido conjuntivo fibroso, com moderado infiltrado inflamatório mononuclear, vasos sanguíneos hiperemiados e cheios de hemácias em seu interior, confirmando o diagnóstico clínico (Figura 4). O paciente encontra-se em proservação de 15 meses, sendo que a radiografia panorâmica mostra reparo ósseo (Figura 5).

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Em um estudo realizado na Universidade de Ulm (Alemanha), foi verificado que, dentre 367 lesões císticas estudadas, os cistos radiculares compreenderam pouco mais da metade da amostra10. Estes dados confirmaram o estudo realizado na Universidade Federal de Minas Gerais, onde se observou que cerca de 60% dos cistos de origem odontogênica removidos eram do tipo radicular11.

O cisto radicular acomete, preferencialmente, adultos entre a terceira e a sexta décadas de vida8,12. Destaca-se uma baixa prevalência da lesão na primeira década de vida, constituindo-se um fator interessante, visto que a cárie dentária e dentes sem vitalidade pulpar são frequentes nesse grupo etário7,13. Alguns casos, em pacientes jovens, são citados, como no estudo de Politano et al.14, que relataram um caso de cisto radicular associado a um molar decíduo na mandíbula, em uma paciente de 9 anos de idade, na qual o tratamento foi a exodontia do dente decíduo seguido de curetagem da lesão. Filho et al.15 relataram um caso de cisto radicular associado a raízes residuais do elemento 26, em uma paciente de 18 anos de idade. A lesão foi removida por enucleação, com sutura imediata, além da realização da extração das raízes residuais.

De acordo com Nobuhara e del Rio16, um diagnóstico clínico preliminar de cisto periapical pode ser feito, se tiverem as seguintes condições: 1) A lesão periapical envolver um ou mais dentes com necrose pulpar; 2) A lesão for maior do que 20mm de diâmetro ou área transversal de 200mm2; 3) cor palha no líquido de aspiração ou drenagem; 4) O fluido conter cristais de colesterol. No nosso caso, a presença das raízes residuais foi importante para o diagnóstico clínico. O grande tamanho das lesões indica que provavelmente os cistos tinham longo período de evolução, pois, na maioria dos casos, essas lesões são diagnosticadas com tamanhos pequenos.

Radiograficamente, os cistos radiculares apresentam- se como uma área radiolúcida circular ou oval associada aos ápices dentários, circunscrita por uma linha radiopaca bem definida17. Nos cistos infectados, essa linha pode não estar presente18.

Atualmente, a tomografia computadorizada Cone Beam tem sido muito utilizada nas pesquisas. Rosenberg et al.19 concluíram que o exame não consegue diferenciar cistos radiculares de granulomas, permanecendo a biópsia e o exame histopatológico como o método padrão para diagnóstico.

Sahli 20 e Tronstad et al.21 relataram que o extravasamento de hidróxido de cálcio do canal para a lesão cística periapical crônica induz involução da lesão e reparo ósseo, dados ratificados por Soares et al.22, porém Ioannidis et al.23 relataram caso de insucesso com a técnica.

O tratamento cirúrgico dos cistos pode ser realizado através de enucleação, marsupialização, enucleação após marsupialização e enucleação com curetagem 24. Riachi & Tabarini25 relataram 2 casos de cistos tratados com enucleação e marsupialização e concluíram que as duas técnicas apresentaram bons resultados.

No caso apresentado, foi realizada a enucleação da lesão do lado direito, pois não havia dentes adjacentes, e a cápsula era espessa, o que facilitou o procedimento. Já quando foi realizada a cirurgia da lesão do lado esquerdo, observou-se que não havia uma cápsula íntegra; então, realizou-se a remoção cirúrgica por meio da curetagem.

Matsumato et al.26, Harrison e Jurosky.27 afirmaram que prognóstico de tratamento de lesões grandes não é tão favorável como de lesões pequenas, pois, se a lesão é grande, então é mais provável que a curetagem seja incompleta e, portanto, sem êxito, porém Sjogren28 não encontrou diferenças significativas na frequência de cura entre as lesões maiores ou menores que 5 mm. Na nossa experiência, o fator mais importante sobre o prognóstico desse tipo de lesão não é o tamanho desta, mas a característica da cápsula. Lesões com cápsulas espessas são mais facilmente tratadas, portanto têm melhor prognóstico; por outro lado, lesões com cápsulas delgadas ou fragmentadas apresentam maior grau de dificuldade no tratamento e maior tempo cirúrgico, portanto teriam pior prognóstico.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, apresentamos o caso de um paciente com dois cistos radiculares de grandes dimensões. O maior foi tratado facilmente por enucleação, e o menor, por meio da curetagem. A integridade e espessura da cápsula cística foi o fator determinante no tratamento cirúrgico a ser realizado. Cápsulas císticas espessas são rapidamente e facilmente enucleadas, e cápsulas císticas delgadas ou fragmentadas são removidas com tempo cirúrgico maior e têm prognóstico desfavorável.

 

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