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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.12 no.2 Camaragibe Abr./Jun. 2012

 

 

Presença de corpo estranho orgânico em região frontal: relato de caso

 

Presence of organic foreign body in frontal region: a case report

 

 

Everaldo Pinheiro de Andrade LimaI; Aldo Fernandes de Albuquerque Bezerra JúniorII; Jefferson Luiz Figueiredo LealIII; Alexsandre Bezerra CavalcanteIV; Gilberto Cunha de Sousa FilhoV

I Acadêmico do curso de Odontologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
II Mestre em Odontologia, Professor Assistente da Clínica de Atenção Básica da Faculdade de Odontologia de Pernambuco (FOP/UPE) e Cirurgião Buco-Maxilo-Facial do Hospital Getúlio Vargas de Pernambuco (HGV-PE).
III Mestrando em Perícias Forenses (FOP/UPE), Professor de Medicina Legal da Faculdade de Ciências de Timbaúba (FACET) e Cirurgião Buco- Maxilo-Facial do Hospital Getúlio Vargas (HGV-PE) e do Hospital de Santo Amaro (HSA).
IV Especialista em Estomatologia e Professor Substituto de Prótese Dentária do Departamento de Odontologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
V Mestre em Patologia, Doutorando em Odontologia (UFPE) e Professor Assistente III de Anatomia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Corpos estranhos orgânicos na face podem representar um desafio para o diagnóstico do cirurgião devido a fatores, como tamanho do objeto, dificuldade de acesso, além da proximidade anatômica do corpo estranho às estruturas vitais adjacentes. Esses corpos podem permanecer inativos por um longo tempo, antes de apresentarem uma variedade de complicações. A detecção desse tipo de corpo estranho é importante devido ao fato de sua estrutura porosa e sua consistência orgânica serem excelentes meios de cultura para agentes microbianos. Esses corpos estranhos são frequentemente difíceis de identificar e localizar, apesar da existência de métodos avançados de imagem. Radiografias convencionais não são indicadas nesses casos, indicando-se para melhor visualização a tomografia computadorizada, Ressonância Nuclear Magnética e ultrassonografia. O objetivo deste artigo é apresentar um caso clínico de corpo estranho orgânico, localizado na região frontal bem como avaliar os cuidados referentes à prevenção de complicações da presença do corpo estranho.

Descritores: Corpos Estranhos; Diagnóstico por Imagem; Fronte; Prognóstico; Relato de Caso.


ABSTRACT

Organic foreign bodies in the face can represent a diagnostic challenge for the surgeon, due to factors such as the size of the object, the difficulty of access and its anatomical proximity to adjacent vital structures. Such bodies can remain inactive for a long time before presenting a variety of complications. The detection of these foreign bodies is important, owing to the fact that the porous structure and its organic consistency are excellent culture media for microbial agents. They are often difficult to identify and locate, despite the existence of advanced imaging techniques. Conventional radiographs are not indicated in such cases, but computed tomography, nuclear magnetic resonance and ultrasound all afford a good visualization of such bodies. The aim of this paper is to present the case of an organic foreign body located in the frontal region, and also to evaluate the care measures required to prevent complications resulting from the presence of a foreign body.

Keywords: Foreign Bodies; Diagnostic Imaging; Front; Prognosis; Case Report.


 

 

INTRODUÇÃO

Corpos estranhos na região facial podem representar um desafio ao cirurgião tanto no diagnóstico quanto no procedimento cirúrgico. Fatores, como tamanho do objeto, dificuldade de acesso, além da proximidade anatômica do corpo estranho às estruturas vitais adjacentes, devem ser levados em consideração para a escolha da melhor técnica operatória1.

A apresentação clínica do corpo estranho é bastante variável na região Peri-orbitária2. Embora alguns corpos estranhos, como os de origem metálica, sejam prontamente diagnosticados por observação direta ou por exames de imagens convencionais, em outros casos, o diagnóstico pode ser prolongado até o surgimento de complicações clínicas, durante semanas ou meses3,4.

Em relação à composição do corpo estranho, os mais frequentes são os fragmentos metálicos, partículas de vidro e de madeira3. Partículas de madeira, devido a sua estrutura porosa ou natureza orgânica, podem causar inflamação ou infecção5. Uma vez que o corpo estranho é reconhecido, a sua remoção deve ser realizada, a fim de evitar danos6, podendo variar desde uma pequena lesão cutânea, abscessos até celulite fúngica2.

O exame clínico minucioso deve ser realizado para detectar injúrias decorrentes do trauma. Durante a anamnese, a possibilidade de corpo estranho deve ser considerada após histórias de trauma com presença de sinais inflamatórios persistentes e dificuldade de cicatrização6.

Exames por imagem são importantes na detecção de corpos estranhos, sendo empregadas Radiografias Planas, Tomografias Computadorizadas (TC), Ressonância Magnética (RNM), além da Ultrassonografia (US), que podem ser utilizadas a depender da sua localização e composição1.

O objetivo deste trabalho é discutir, por meio de um relato de caso, a importância dos conhecimentos teóricos e práticos referentes à presença de corpo estranho, localizado na face.

 

RELATO DE CASO

Paciente do gênero masculino, 32 anos de idade apresentou-se na Unidade de Emergência do Hospital Getúlio Vargas (HGV), em Recife/Pernambuco, com história clínica de trauma em acidente de trabalho por madeira na região frontal esquerda, há dois meses e relatava o uso de amoxicilina há sete dias. O paciente relata ter sido atendido no dia do trauma onde realizou a sutura do seu ferimento. Com pouco tempo depois, apresentou aumento de volume (Figura 1) e, desde então, vem peregrinando por vários serviços, sem resolução da sua queixa atual. Ao exame clínico, observaram-se os sinais flogísticos (edema, calor, rubor e dor). O paciente apresentou uma ultrassonografia da órbita esquerda, feita em serviço pregresso, em que observamos imagem radiolúcida sugestiva da presença de corpo estranho. Diante das características clínicas, o tratamento eleito foi a realização de abordagem cirúrgica sob anestesia local (lidocaína com vasoconstrictor). Inicialmente, foi realizada incisão na região traumatizada e realizamos exploração cirúrgica com drenagem da secreção purulenta e retirada do corpo estranho (Figura 2) que foi removido sem nenhuma resistência. Posteriormente, realizou-se toalete exaustivo do ferimento com solução salina e gaze com posterior sutura do ferimento com fio mononaylon 5-0, e colocação do dreno no ferimento (Figura 3). O paciente recebeu as recomendações juntamente com prescrição de amoxicilina 500 mg, de 8/8h por mais cinco dias e uso de dipirona, em caso de dor, obtendo alta em seguida, voltando três dias após para remoção do dreno, sendo acompanhado por 15 dias, verificando-se total cicatrização da lesão.

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

A remoção de corpos estranhos pode ser atrasada pelo diagnóstico equivocado, por estarem assintomáticos7 ou quando as lesões não são valorizadas pelo cirurgião no logo após o trauma2.

A possibilidade da presença do corpo estranho deve ser considerada, sempre que houver história de trauma com sinais inflamatórios persistentes e com dificuldade de cicatrização2. Uma enorme variedade de corpos estranhos tem sido relatada na literatura, incluindo vidro, pedra, metal, madeira, botão e palito6. A madeira contém uma grande quantidade de bactérias e fornece meios propícios para o crescimento bacteriano devido às suas características porosas e orgânicas6. Eles podem permanecer latentes por um variável período de tempo e manifestar-se tardiamente por meio de abscesso ou celulite8. Essas complicações variam de acordo com as características do corpo estranho, como o seu tamanho, forma, método de penetração e superfície de penetração6.

A radiografia simples é geralmente o primeiro exame complementar a ser solicitado, devido ao seu baixo custo e fácil acesso, podendo ser útil na identificação do corpo estranho9. Em muitos casos, não é possível detectar o corpo estranho por meio das radiografias simples e deve-se solicitar a TC, sendo importante no diagnóstico de corpos estranhos metálicos9. A madeira na TC pode apresentar densidade semelhante ao ar, dificultando sua identificação2. Sendo assim, alguns autores sugerem a realização da RNM, mas deve ser evitada quando se suspeita de corpo estranho de origem metálica, pois pode levar ao movimento deste devido ao campo magnético2. Por isso, é fundamental saber a cinética e o agente do trauma.

A identificação de corpos estranhos pelo método ultrassonográfico está intimamente relacionada à capacidade resolutiva dos transdutores, à profundidade da incrustação do corpo estranho e à sua relação com estruturas ósseas. Considerando-se a natureza do material que compõe o corpo estranho, a madeira é o material mais bem visualizado à USG, seguido do vidro e das estruturas plásticas e metálicas10.

Se um corpo estranho é visto ao exame clínico, deve ser retirado. Se localizado por uma TC, RNM ou USG, exploração e remoção devem ser tentadas. Se nenhum corpo estranho orgânico é visto ao exame clínico ou ao exame radiográfico, porém a suspeita clínica é alta, a decisão de exploração deve ser tomada pelo cirurgião e pelo quadro clínico do paciente. A infecção é comum, já que esses corpos estranhos, normalmente, não são estéreis; nesses casos, deve-se fazer antibioticoterapia2.

A remoção de corpos estranhos e a utilização adequada da técnica são fatores importantes na diminuição dos prejuízos causados pela lesão, bem como para minimizar modificações na anatomia da região6. Após a remoção do fragmento, deve-se fazer uma exploração da lesão para evitar que o corpo estranho residual fique no ferimento e tenha, como consequência, inflamação da região, mesmo após longo período de inativação6.

As ocorrências de infecção fúngica ou tétano são também possíveis complicações, intimamente relacionadas à natureza orgânica e porosa da superfície da madeira. Diante da possibilidade da ocorrência da primeira, medicação antifúngica deve ser realizada6. O tétano é uma doença infecciosa grave, causada por uma neurotoxina produzida pelo Clostridium tetani, e acomete os pacientes quando estes não possuem uma profilaxia adequada; nesse caso, deve-se observar se o paciente já foi vacinado nos últimos dez anos e, caso positivo, até 5 anos, não é necessário fazer o reforço da vacina; após 5 anos, deve-se fazer o reforço. Caso contrário, deve-se fazer a administração da vacina antitetânica e do soro antitetânico.11

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Corpos estranhos na região facial podem representar um desafio ao cirurgião tanto no diagnóstico quanto no procedimento cirúrgico, tendo apresentação clínica bastante variável. Em relação à composição do corpo estranho, os mais frequentes são os fragmentos metálicos, partículas de vidro e de madeira; este último contém um ambiente bastante propício para o desenvolvimento de bactérias e fungos devido a sua composição porosa e orgânica.

O exame clínico minucioso e os exames de imagem devem ser realizados para detectar injúrias decorrentes do trauma. A possibilidade da presença do corpo estranho deve ser considerada, sempre que houver história de trauma com sinais inflamatórios e de má cicatrização da lesão.

Por fim, considerando o vasto número de complicações relacionadas à presença de corpos estranhos na face, torna-se prudente por parte do cirurgião-dentista, a busca constante pelo aprimoramento profissional, objetivando o completo domínio teórico-prático das formas de prevenção assim como das condutas e dos tratamentos específicos à situação em questão.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Santos, T.H.et al.Metallic Foreign body in facesurgicalclini: case report.Revista da Academia Tiradentes de Odontologia. 2010 Março; 10(3): 175-181.         [ Links ]

2. Casanova, F.H.C.; Mello Filho, P.A.A.; Nakanami, D.M.; Manso, P.G. Corpo estranho orgânico intra-orbitário: avaliação tomográfica e conduta. Arq Bras Oftalmol. 2001; 64: 297-301.

3. Bullock, J.D. et al. Unusual orbital foreign bodies. Phthal Plast Reconstr Surg. 1999; 15: 44-51.

4. Brock, L.; Tanenbaum, H.L. Retention of wooden foreign bodies in the orbit. Can J Ophthal mol.1980; 15: 70-2.

5. Karcioglu, Z.; Nasr, A. Diagnosis and management of orbital inflammation and infections secondary to foreign bodies: a clinical review. Orbit Opthalmology. 1998; 17(4): 247-269.

6. Morais, H.H.A. et al. Organic foreign bodies in the face: Case report. Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac. 2011 jan./mar. 11(1): 9-12.

7. Robinson, P. D.; Rajayogeswaran, V.; ORR, R. Unlikely foreign bodies in unusual facial sites. Br. J. oral Maxillofac. Surg. 1997; 35: 36-9.

8. Goldberg, M.F.; Paton, D. Ocular emergencies. In: Peyman GA, Sanders DR, Goldberg MF, editors. Principleandpracticeofophthalmology, Philadelphia: WB Saunders; 1980. p. 2466.

9. Santos, T.H. et al. Impacted foreign bodies in orbital region: review of nine cases. Arq Bras Oftalmol. 2010; 73(5): 438-42.

10. Lima, C.M.A.O. et al. Diagnóstico por imagem de corpos estranhos da face e retirada cirúrgica guiada por ultra-sonografia. Rev Imagem 2006; 28(4): 249–252.

11. American College of Surgeons.ATLS Supotret avançado de vida no trauma para médicos. Manual do curso para alunos. 7 ed Barueri SP. 2005 Apêndice 4, 391-395

 

 

Endereço para correspondência:
Instituição da realização do trabalho: Hospital Getúlio Vargas – Recife (HGV-PE)
Rua Larga do Feitosa, 255, 302 Encruzilhada - Recife/PE.

e-mail:
everaldopinheiro@hotmail.com