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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.12 no.3 Camaragibe Jul./Set. 2012

 

 

Remoção de corpo estranho em cavidade orbitária: Relato de caso

 

Removal of foreign bodies from the orbital cavity: a case report

 

 

Rosângela VarellaI; Rodrigo ResendeII; Flávia SantoroIII

I Mestre em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial pela UFRJ e professora de Cirurgia Oral do curso de Odontologia da Universidade Gama Filho / RJ.
II Mestre em Odontologia pela UFF e professor de Cirurgia Oral do curso de Odontologia da Universidade Gama Filho / RJ.
III Especialista em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial pela Universidade Gama Filho / RJ.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A penetração de corpos estranhos na cavidade orbitária normalmente ocorre pelo trauma direto e penetrante. A depender da localização e da composição do corpo estranho, o diagnóstico pode ser feito por observação direta ou mediante exames de imagens. As radiografias convencionais, as ultrassonografias, as tomografias computadorizadas e a ressonância magnética são exames auxiliares no diagnóstico. Entretanto, a natureza de alguns corpos estranhos pode dificultar a sua identificação a despeito dos exames de imagem utilizados. A presença de corpos estranhos na cavidade orbitária pode resultar em celulites orbitárias, lesões oculares, lesões cutâneas adjacentes, amaurose, perda parcial da acuidade visual, entre outras complicações. O objetivo deste trabalho foi relatar um caso clínico de uma paciente, 17 anos de idade, feoderma, agredida com um pedaço de madeira, diretamente sobre a órbita esquerda. A paciente evoluiu com celulite orbitária refratária à antibioticoterapia e perda da acuidade visual do olho esquerdo. A radiografia de face não revelou a presença de corpos estranhos. Na tomografia computadorizada das cavidades orbitárias, observou-se, na órbita esquerda, imagens com densidade semelhante a ar. A paciente foi, então, submetida à cirurgia exploratória, sob anestesia geral, no Hospital Municipal Miguel Couto /RJ, e nela inúmeros fragmentos de madeira foram removidos, evoluindo com remissão do processo infeccioso.

Descritores: Corpo estranho; Cavidade orbitária; Trauma orbitário.


ABSTRACT

The intrusion of foreign bodies into the orbital cavity usually occurs through direct and penetrating trauma. Depending on the location and composition of the foreign body, the diagnosis can be made by direct observation or by the analysis of imaging studies. Conventional radiography, ultrasound, CAT scans and MRI are used as auxiliary investigations in the diagnosis. However, the nature of some foreign bodies can make their identification difficult, even with the use of imaging techniques. The presence of foreign bodies in the orbital cavity may result in orbital cellulitis, eye lesions, adjacent skin lesions, blindness, partial loss of visual acuity, among other complications. The aim of this study was to report the clinical case of a female dark-skinned patient, aged 17, injured by a piece of wood directly onto her left orbit. The patient developed orbital cellulitis, which was unresponsive to conventional antibiotic therapy, and loss of visual acuity. Radiography of the face did not reveal the retention of any foreign bodies. Computed tomography of the orbital cavity revealed images with a density similar to that of air were observed. The patient underwent exploratory surgery under general anesthesia at Hospital Miguel Couto – RJ, resulting in the removal of many wood fragments from the orbital cavity and the resulting remission of the infectious process.

Keywords: Foreign body; Orbital cavity; orbital trauma.


 

 

INTRODUÇÃO

Os atendimentos oftalmológicos correspondem de 2 a 7% do total de atendimentos de emergência nas unidades hospitalares.1,2 Dentre os procedimentos oftalmológicas realizados, a remoção de corpos estranhos na cavidade orbitária é a situação encontrada com mais frequência.1-9

De um modo geral, a presença de corpos estranhos na cavidade orbitária se dá em decorrência do trauma direto e penetrante, podendo resultar em celulites orbitárias, lesões oculares, abscessos intracranianos, amaurose, perda parcial da acuidade visual ou até mesmo a morte em função da contiguidade dessa cavidade com a cavidade craniana.4,7

Os traumas oculares afetam principalmente homens entre 16 e 45 anos de idade, seguidos das crianças em ambiente doméstico.9 A presença de fragmentos metálicos, vidro e madeira é bastante frequente, sendo a inspeção e a palpação do globo ocular e da cavidade orbitária de suma importância na avaliação primária dessas lesões.4,6,7 Considerando que o globo ocular ocupa apenas um quarto do volume da cavidade orbitária, esta tende a acomodar fragmentos relativamente grandes que podem ficar retidos nos tecidos circunjacentes.10 Esses corpos podem, na maioria dos casos, ser diagnosticados por observação direta, o que permite facilmente a sua remoção.8

A utilização de exames de imagens, como radiografias convencionais, ultrassonografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética, pode auxiliar no diagnóstico de objetos não detectados pelo exame clínico, entretanto, a depender da natureza desses corpos, o exame pode ser inconclusivo.3,8

O objetivo deste trabalho é relatar um caso clínico de uma paciente vitimada por um trauma direto na órbita esquerda, com penetração de fragmentos de madeira e consequente celulite orbitária.

 

RELATO DE CASO

Paciente A.C.S., gênero feminino, 17 anos de idade, feoderma, vítima de agressão física, na qual o agressor desferiu golpes diretamente sobre a órbita esquerda, utilizando-se de um pedaço de madeira. Vinte dias após receber o primeiro atendimento em uma unidade de saúde próxima ao local da agressão, foi encaminhada ao Hospital Municipal Miguel Couto/ RJ para a realização de uma avaliação pelo Serviço de Oftalmologia. Ao exame clínico, constatou-se a presença de uma celulite orbitária e lesão da córnea esquerda, além de uma ferida na região geniana ipsilateral (Figura 1). A paciente foi submetida à sutura da córnea, sob anestesia geral, pelo serviço de oftalmologia e seguiu em internação hospitalar para antibioticoterapia venosa e acompanhamento clínico. Após 7 dias de controle pós-operatório, a paciente não apresentou remissão do processo infeccioso e evoluiu com perda da acuidade visual. Foi, então, solicitado um parecer do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial, tendo sido inicialmente solicitada uma tomografia computadorizada com contraste do terço médio e superior da face, em cortes coronais e axiais que revelou uma área de intensa captação de contraste entre a parede lateral da órbita e o globo ocular do lado esquerdo (Figura 2). Em seguida, a paciente foi submetida à exploração cirúrgica da órbita esquerda sob anestesia geral. Mediante um acesso subtarsal esquerdo e dissecção por planos anatômicos, chegou-se até a parede lateral e ao assoalho da órbita (Figura 3), onde foram removidos 27 fragmentos de madeira (Figura 4). Ao final do procedimento, foi instalado um dreno de Pen Rose número um, e a ferida cirúrgica foi fechada por planos anatômicos. A paciente foi mantida sob antibioticoterapia pós-operatória, por mais quatro dias. No quarto dia pós-operatório, realizou-se uma nova tomografia computadorizada para controle, em que não foi evidenciada a presença de corpos estranhos no interior da órbita (Figura 5). A paciente evoluiu com regressão da infecção, recebendo alta hospitalar 07 dias após a segunda manipulação cirúrgica (Figura 6). Permaneceu em acompanhamento ambulatorial por setenta dias, sem infecção local, mas com perda da acuidade visual. Sendo assim, foi encaminhada para o ambulatório de Oftalmologia para reavaliação.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

O atendimento a pacientes vítimas de traumas oculares é frequente nos serviços de emergência. Dentre as lesões encontradas, a penetração de corpos estranhos no olho correspondem a 59% desses atendimentos, sendo os homens, com idade variando entre 16 e 45 anos de idade, os mais acometidos.1-9

Embora esses traumas possam ocorrer em diferentes ambientes, industriários e profissionais da construção civil parecem ser mais afetados que a população em geral devido à atividade que exercem.9 Entretanto, alguns autores ressaltam que, em função da violência nas grandes cidades, o número de lesões oculares, decorrentes de agressões físicas, vem aumentando indiscriminadamente, na sociedade.2,7 A maioria desses ferimentos são leves, com corpos estranhos localizados superficialmente, contudo a suspeição da penetração de corpos estranhos na cavidade orbitária deve existir toda vez que houver um trauma ocular direto, uma vez que os tecidos periorbitários tendem a mascarar o trajeto do objeto penetrante, dificultando, assim, a sua identificação. A inspeção clínica é mandatória, muito embora possa estar prejudicada pela presença de edema. Deve-se ainda considerar que, em função do volume da cavidade orbitária, objetos de grandes dimensões podem ali localizar-se.4,6,7,9 A permanência desses objetos pode determinar lacrimejamento, dor, sensação de arranhadura nos olhos e coceira, o que estimula a manipulação da região pelo paciente, podendo resultar no deslocamento do corpo estranho. A inflamação persistente, limitação da motilidade ocular e perda da acuidade visual podem ser um indicativo da persistência destes corpos. Considerando a contaminação desses objetos, a antibioticoterapia deve ser ponderada.

A gravidade das lesões fica determinada pelo tipo de objeto e pela sua localização na cavidade orbitária, e muitas vezes, o correto diagnóstico depende da avaliação e interação de diferentes especialidades, ressaltando a oftalmologia, cirurgia Buco-Maxilo-Facial e Neurocirurgia.

Dos objetos comumente encontrados na órbita, os fragmentos de metal e de madeira, são mais prevalentes. Entretanto alguns autores relatam casos atípicos, com a presença de fragmentos de dente, lápis e ponta de caneta.4,7

Diversos exames de imagem podem ser utilizados para a identificação de corpos estranhos na cavidade orbitária. Em função do baixo custo e da facilidade de execução, a radiografia convencional é o exame de primeira escolha, sendo útil na identificação e localização, principalmente de objetos metálicos com taxa de detecção variando de 69 a 90%, seguida de fragmentos de vidro com detecção entre 71 a 77%, entretanto os fragmentos de madeira, devido a sua natureza radiotransparente, não são bem evidenciados nesse exame.5 Uma boa opção para esse tipo de objeto é a ressonância magnética que, por diferenciação da densidade de prótons e do tempo de relaxamento, possibilita a distinção da madeira em relação aos outros tecidos.Todavia vale destacar o elevado custo desse exame e sua contraindicação perante a presença de corpos metálicos, uma vez que podem ser deslocados durante o exame, resultando em danos adicionais às estruturas adjacentes.7 A tomografia computadorizada por diferenciação de densidade entre as estruturas examinadas pode, a depender do tipo de madeira, não distingui-la dos demais tecidos, revelando áreas com densidade semelhante ao tecido mole ou ar. No caso aqui relatado, visualizaram-se áreas de densidade semelhante a ar junto à parede lateral da órbita esquerda. Em um estudo para identificação de fragmentos de madeira por meio da tomografia computadorizada, foi demonstrado que pode haver diferença de densidade, a depender do tempo de permanência desses corpos dentro dos tecidos.2 Imediatamente após o trauma, os corpos de madeira possuem densidade muito baixa, entretanto quando permanecem muitos meses dentro dos tecidos, a densidade passa a ser moderada, com intensidade superior à dos músculos orbitários. Esse exame pode ainda anteceder a realização de uma ressonância nuclear magnética com a finalidade de descartar a presença de corpos metálicos. A realização desses exames no pós-operatórios pode demonstrar a remoção total ou parcial destes objetos.

A exploração cirúrgica da cavidade orbitária pode ser praticada por acesso subtarsal, sub-ciliar, transconjuntival entres outros, a depender da escolha do cirurgião. Neste caso, o acesso subtarsal propiciou um adequado campo cirúrgico para a remoção dos fragmentos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presença de corpos estranhos deve sempre ser investigada, quando há trauma direto na cavidade orbitária. A inspeção minuciosa das feridas associadas e a utilização de recursos de imagem, especialmente a tomografia computadorizada com contraste, podem ajudar na identificação e localização desses corpos, que devem ser removidos o mais precocemente possível a fim de se evitarem complicações infecciosas e lesões das estruturas anatômicas do conteúdo orbitário.

 

REFERÊNCIAS

1. Araújo AAS, Almeida DV, Araújo VM, Góes MR. Urgência Oftalmológica: Corpo estranho ocular ainda como principal causa Arq. Bras. Oftalmol. 2002: 65: 223-227.         [ Links ]

2. Sheldrick JH, Vernon SA, Wilson A, Read SJ. Demand incidence and episode rates of ophthalmic disease in a defined urban population. BJM 1992: 305: 933-936.

3. Boncoeur-Martel MP, Adenis JP, Rulfi JY, Robert PY, Dupuy JP, Maubon A. CT appearances of chronically retained wooden intraorbital foreign bodies. Neuroradiology 2001: 43: 165-168.

4. Bray LC, Griffiths PG. The value of plain radiography in suspected intraocular foreign body. Eye 1991: 5: 751-754.

5. Dimitrakopoulos I, Lazaridis N, Karakasis D. Unusual retained foreign body in the orbit. J Oral Maxiollofac Surg 1991: 49: 420-421.

6. Bullock JD, Warwar RE, Bartley GB, Waller RR, Henderson JW. Unusual orbital foreign bodies. Ophthalmic Plast Reconstr Surg 1999: 15: 44-51.

7. Fulcher TP, McNab AA, Sullivan TJ. Clinical features and management of intraorbital foreign bodies. Ophthalmology 2002: 109: 494-500.

8. Green BF, Kraft SP, Carter KD, Buncic JR, Nerad JA, Armstrong D. Intraorbital wood detection by magnetic resonance imaging. Ophthalmology 1990: 97: 608-611.

9. L Liu D, Al Shail E. Retained orbital wooden foreign body: a surgical technique and rationale. Ophthalmology 2002: 109: 393-399.

10. L Layaun SEED, Schor P, Rodrigues MLV. Perfil da demanda de um serviço de oftalmologia em uma unidade de emergência. Rev Bras Oftalmol 1992: 51: 171-173.

 

 

Endereço para correspondência:
Rodrigo Resende
Faculdade de Odontologia, Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro - Brasil
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