SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.12 número3 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.12 no.3 Camaragibe Jul./Set. 2012

 

 

Largo Fibroma Cemento-Ossificante em Mandíbula: Relato de Caso

 

Large Cement-ossifying Fibroma of Mandible: a Case Report

 

 

Marcus Antonio Brêda JúniorI; Willian Morais de MeloI; Darklilson Pereira SantosI; Milkle Bruno Pessoa SantosII; Daniel Santiago ValeII; Irio CavalieriIII; Marcelo Marotta AraujoIV

I Especialista em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial e aluno de Mestrado do programa de Pós-graduação em Odontologia (Periodontia), área de concentração Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial, Ribeirão Preto/Brasil.
II Residente do serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital Policlin/ Clínica Prof. Dr. Antenor Araújo, São José dos Campos/Brasil.
III Preceptor do programa de Residência em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital Policlin/Clínica Prof. Dr. Antenor Araújo, São José dos Campos/Brasil.
IV Pós-doutorado em Cirurgia & Traumatologia BMF pela Universidade do Alabama - EUA.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O Fibroma Cemento-Ossificante (FCO), apesar de lembrar em menor proporção uma displasia cementoóssea, é considerado um neoplasma verdadeiro, com potencial de crescimento, apresentando recidivas raramente encontradas. A lesão é relativamente rara, haja vista que muitos casos no passado hoje são reconhecidos como displasia cemento-óssea focal. Há uma maior prevalência de ocorrência na 3ª e na 4ª década de vida, com considerável predileção pelo gênero feminino, maior acometimento na mandíbula e unilocular. O intuito deste trabalho é relatar um caso de FCO em um paciente, 19 anos de idade, no qual, após radiografia de controle, foi constatada uma lesão com graus variados de radiopacidade. Ao exame clínico, apresentava discreta assimetria em região de corpo mandibular esquerdo. A avaliação tomográfica foi avaliada, e, posteriormente a biópsia excisional foi realizada. Observou-se, após 2 anos de pós-operatório, adequado reparo ósseo e cicatrização do tecido gengival com ausência de recidivas.

Descritores: Fibroma Cemento-Ossificante; Biópsia Excisional; Lesão Fibro-óssea.


ABSTRACT

Cement-ossifying fibroma (COF), despite its similarity, on a smaller scale, to a cement-osseous dysplasia, is considered a true neoplasm with growth potential, relapses being of rare occurrence. The lesion is relatively rare, since many presumed cases in the past, are now recognized as focal cement-osseous dysplasia. Its highest prevalence is in the third and fourth decades of life, and it has a marked predilection for females, affecting, in particular, a single locus of the mandible. The purpose of this paper is to report a case of COF in a 19-year-old male patient, in whom the control radiograph revealed a lesion with varying degrees of radiopacity. The clinical examination showed a slight asymmetry in the region of the left mandibular body. Tomography was evaluated and an excisional biopsy subsequently performed. After two years of follow-up satisfactory bone repair and healing of the gum tissue were observed, with an absence of relapses.

Keywords: Cement-ossifying fibroma; Excisional biopsy; Fibro-osseous lesion.


 

 

INTRODUÇÃO

O grupo de lesões fibro-ósseas no esqueleto facial é muito heterogêneo, embora todas elas tenham em comum a substituição de osso normal por fibroblastos, com fibras de colágeno, e por diferentes tipos de tecido mineralizado, o qual pode se assemelhar a osso ou cemento1. As lesões fibro-ósseas podem ser subdivididas em fibroma cemento-ossificante convencional (FCO) por um lado, e a forma juvenil ativa ou agressiva por outro2. O fibroma cemento-ossificante ou ossificante tem sido descrito como neoplasia bem delimitada ou raramente encapsulada, constituída de tecido fibroso, contendo quantidades variáveis de material mineralizado semelhante a osso e / ou cemento1, que, geralmente, surge a partir de células no ligamento periodontal, principalmente limitada às áreas alveolares da maxila e mandíbula3.

Pode ocorrer em qualquer idade, comum no adulto jovem (2ª e 3ª décadas)1. Possui predisposição significativa pelo gênero feminino, embora alguns tenham afirmado que não exista predileção por gênero4. Embora a maioria dessas lesões sejam solitárias, ocasionalmente eles ocorrem de uma forma múltipla3. A região de pré-molar e a molar da mandíbula são as mais acometidas. Lesões maiores são assintomáticas que podem se tornar expansivas e causar assimetria facial5.

Radiograficamente, tem sido descrita como uma lesão bem circunscrita, geralmente de crescimento lento, benigna, expansiva, margens nitidamente definidas, muitas vezes com radiolucência periférica, dependendo da quantidade de material calcificado, é completamente radiopaco e circundado por um alo radiolúcido5. O grau de ossificação é variável, podendo ter um aspecto de “vidro polido”6. É geralmente unilocular, mas os tipos multiloculares não são incomuns. Divergência radicular geralmente observada pelo seu aspecto expansivo e reabsorção radicular são incomuns3. O diagnóstico diferencial clínico/radiográfico pode incluir o osteossarcoma, condrossarcoma, osteoblastoma, tumor epitelial odontogênico calcificante cisto odontogênico calcificante, e displasia fibrosa. No entanto, a displasia fibrosa se funde com o osso adjacente, e, portanto, as fronteiras radiográficas das lesões são geralmente difusas no aspecto radiográfico. A taxa de recorrência é baixa6.

Este trabalho tem por objetivo relatar um caso pouco comum de um extenso fibroma cemento-ossificante de um jovem, 19 anos, acometendo a região de parasínfese e corpo mandibular.

 

RELATO DE CASO

Paciente do gênero masculino, 19 anos, leucoderma se apresentou no serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Jacareí – São Paulo. A queixa principal era um aumento de volume em região de parasínfese e corpo mandibular direito, porém sem parestesia. No exame intraoral, foi constatado largo aumento de volume da região da cortical bucal de canino a segundo molar inferior direito. A mucosa sobre a região possuía coloração dentro da normalidade. Não apresentava expansão da cortical lingual. A realização da tomografia computadorizada de feixe cônico revelou lesão radiolúcida, bem circunscrita, bordos bem definidos e reabsorção da cortical bucal. Divergência e deslocamento radicular também foram observados, no entanto sem reabsorção das mesmas. O canal mandibular estava deslocado inferiormente. No sentido mésio-distal, a lesão apresentava-se com 34,10mm de comprimento e no sentido vestíbulo-lingual 21,26mm de largura, em sua maior extensão. Na imagem panorâmica da tomografia, a lesão era lobulada, unilocular e radiotransparente (Figura 1).

 

 

 

Realizou-se biópsia aspirativa negativa seguida de biópsia incisional no ambulatório sob anestesia local. Foi realizada antissepsia intraoral com clorexidina 0,2%, bochecho durante 1 minuto, em seguida antissepsia com clorexidina a 2% extraoral. Analgesia dos nervos alveolar inferior e lingual pela técnica de bloqueio e do nervo bucal com a técnica infiltrativa. Incisão em envelope, descolamento mucoperiosteal, removido um fragmento de 5 mm de diâmetro, em seguida, envio da peça ao exame anatomopatológico. O fragmento apresentava-se endurecido, de consistência firme, aspecto fibroso, pouco sangrante. Como resultado do laudo histopato-lógico, o diagnóstico foi de Fibroma-Ossificante ou Cemento-Ossificante (Figura 2)

 

 

 

Agendamento para exérese sob anestesia geral. Paciente em decúbito dorsal horizontal, feito a antissepsia intra e extraoral, aposição dos campos estéreis, analgesia local similar à realizada na biópsia incisional, incisão de Newman com relaxante na região de sínfise, descolamento do retalho em espessura total com exposição da lesão. Enucleação do FCO, curetagem da região entre as raízes expostas devido à expansão da lesão, osteoplastia da cavidade, irrigação abundante (Figura 2), e sutura com pontos simples com fio vicryl 4-0. No primeiro mês, foi realizado acompanhamento semanal e, subsequentemente, mensal. Após 3 anos de controle, o paciente encontra-se sem qualquer sinal de recidiva vista na radiografia panorâmica (Figura 3), cicatrização satisfatória da mucosa bucal, ausência de parestesia e com aspectos estéticos e funcionais satisfatórios.

 

 

 

DISCUSSÃO

O FCO ocorre com maior frequência no gênero feminino (mulher: homem = 5:1). Atinge uma ampla faixa etária, com maior número de casos na terceira e na quarta década de vida3,7. No entanto, em uma revisão sistemática da literatura, foi constatado que há uma maior prevalência na terceira década de vida, comparando diferentes etnias8. Entretanto, no caso apresentado, o paciente era do gênero masculino e tinha 19 anos, não estando na faixa etária e gênero de maior prevalência, de acordo com a literatura, podendo ser uma variante juvenil, porém a lesão não apresentava sinais de agressividade como também ausência de recidivas até o presente momento.

Origina-se, em sua maior parte, na mandíbula, especificamente na região de pré-molares5, de acordo com o caso relatado. Pode-se desenvolver também no osso nasal, etmoide, órbita e crânio. Esses casos são raramente citados na literatura9.

O FCO é uma lesão de crescimento lento, assintomático, um neoplasma, que pode alcançar grandes proporções. A remoção cirúrgica é sempre o tratamento de escolha. Lesões pequenas em maxila e mandíbula são tratadas de modo conservador como também lesões maiores em mandíbula, pois o FCO é uma lesão fibrosa, bem circunscrita, minimamente invasiva e pouco recidivante7, entretanto lesões maiores em maxila mostram um padrão agressivo, requerendo intervenção cirúrgica mais radical, como ressecção5. Não se sabe ao certo se esse comportamento deve-se ao fato de a maxila ser um osso mais esponjoso, permitindo, assim, menor resistência ao crescimento lesional ou, até mesmo, à presença de cavidades sinusais. Alguns autores relataram um caso de deslocamento superior de terceiro molar maxilar em decorrência da expansão de um fibroma ossificante10. No nosso caso, a lesão apresentava-se extensa, provocando a reabsorção da cortical vestibular, com preservação da cortical lingual, divergência radicular e a não reabsorção destas, no entanto, após remoção da lesão, a característica óssea remanescente apresentava-se corticalizada, não demostrando sinais de invasividade7.

A lesão com zona de transição menor que 1mm pode ser considerada como bem definida. Porém, em nosso caso, a lesão apresentava-se como unilocular, bordos regulares, material pouco denso na periferia da lesão e variação da radiopacidade, não apresentando seu principal aspecto de “vidro despolido”5.

Embora o neoplasma fibro-ósseo possa ser subdividido em FCO convencional de um lado e ativo juvenil ou agressivo do outro, o tratamento será divergente, sendo proposta uma simples enucleação e ressecção, respectivamente. O fibroma ossificante juvenil ocorre particularmente em crianças ou adolescentes por volta dos 15 anos, exibindo um crescimento rápido e tendência à recidiva2. Em sua maioria, os FCOs são tratados por enucleação e curetagem, com baixo índice de recidiva e para evitar ou minimizar a chance de recidiva, ressecção em bloco ou parcial do maxilar, é geralmente preferido. Ressecções são recomendadas quando há envolvimento da borda inferior mandibular, cavidade nasal, seio maxilar ou lesões com margens mal definidas, associando-se a pacientes jovens6. Em nosso relato, apesar de o paciente ser jovem, após minuciosa avaliação, foi decidido intervir de forma conservadora (Enucleação e curetagem), haja vista que a lesão não apresentava sinais de agressividade e crescimento rápido7. É prudente um acompanhamento em longo prazo, pois, em 4 pacientes com fibroma ossificante, houve recidiva após 18 anos8.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ressalta-se a importância do diagnóstico clínico e por imagem como também uma detalhada anamnese, pois o padrão da lesão irá remeter a tratamentos distintos. O paciente se encontra em acompanhamento de 3 anos pós-exérese do FCO, com melhora da assimetria, oclusão preservada, ausência de perdas dentárias e parestesias.

 

REFERÊNCIAS

1. Srinivasa, P.B., Koteswara, R., Devaki, S. Cemento-ossifying fibroma – a casa report. Annals and Essences of Dentistry. Vol. - II Issue 4 Oct – Dec. 2010.

2. Brannon, R.B., Fowler C.B. Benign fibro-osseous lesions: a review of current con-cepts. Adv. Anat. Pathol. 2001; 8: 126-143.

3. Bertolini, F., Caradonna, L., Bianchi, B., Sesenna, E. Multiple Ossifying Fibromas of the Jaws: A Case Report. J Oral Maxillofac Surg. 2002; 60:225-229.

4. Waldron, C.A., Giansanti, J.S. Benign fibrous-osseous lesions of the jaws: A clinical-radiologic-histologic review of sixty-five cases Part I. Fibrous dysplasia of the jaws. Oral Surg. 1973; 35:190.

5. Gurol, M., Uckan, S., Guler, N., Yatmaz, P.I. Surgical and Reconstructive Treatment of a Large Ossifying Fibroma of the Mandible in a Retrognathic Patient. J Oral Maxil-lofac Surg. 2001; 59:1097-1100.

6. Mintz, S. e Velez, I. Central ossifying fibroma: An analysis of 20 cases and review of the literature. Quintessence Int. 2007; 38:221–227.

7. Neville, B.W., Damm, D.D., Allen, C.M., Bouquot, J.E. Oral Maxillofacial Pathology (ed 2). Philadelphia, 2004, pp. 540-542.

8. MacDonald-Jankowski. Ossifying fibroma: a systematic review. Dentomaxillofacial Radiology. 2009; 38: 495–513.

9. Hasturk, A., Tun, K., Guvenc, Y., Kaptanoglu, E. Cranial Ossifying Fibroma Causing Visual Disorder. J Craniofac Surg. 2010; 21:768-770.

10. Arnim, Godt; Dirk, Gulicher; Matthias, Kalwitzki; Stefan, Martin Krober. Dislocation of an upper third molar by an ossifying fibroma - Case report. Journal of Cranio-Maxillofacial Surgery. 2008; 36:360-364.

 

 

Endereço para correspondência:
Marcus Antônio Brêda Júnior
Rua Industrial José Otávio Moreira, Ap. 73/104 Jatiúca - Maceió
Alagoas/Brasil
CEP - 57036-600

e-mail:
drmarcusbredajr@hotmail.com