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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.12 no.3 Camaragibe Jul./Set. 2012

 

 

Odontoma complexo associado a cisto dentígero: relato de dois casos clínicos

 

Complex odontoma associated with dentigerous cyst: a report of two cases

 

 

Jean Carlos Della GiustinaI; Thiago Serafim CesaII; Alessandra Ferreira da SilvaII; José Luís DissenhaIII; Laurindo Moacir SassiIV

I Cirurgião-Dentista, residente do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial do Hospital Erasto Gaertner (CBMF-HEG).
II Cirurgiã-Dentista, estagiária do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial do Hospital Erasto Gaertner (CBMF-HEG).
III Cirurgião-Dentista do Serviço de CBMF-HEG; especialista em CTBMF (Uningá).
IV Chefe do Serviço de CBMF-HEG; Especialista em CTBMF, Mestre em Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Hospital Heliópolis); Doutor em Ciências da Saúde (UNIFESP); Coordenador da Residência de CTBMF-HEG; Coordenador da Coremu (Coordena: 1-Programa Multiprofissional Atenção ao câncer; 2-Programa de Saúde (Odonto- Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial-HEG).

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RESUMO

O odontoma complexo é um tumor odontogênico misto, benigno, sendo composto por uma massa desordenada de tecidos dentários duros. O cisto dentígero de desenvolvimento é uma lesão revestida por uma cápsula de tecido epitelial odontogênico, caracterizada por seu envolvimento com dentes irrompidos e pelo acúmulo de líquido em seu interior. A associação entre lesões de origem odontogênica pode ser explicada pelo potencial de diferenciação do tecido epitelial durante a odontogênese. O diagnóstico é estabelecido por critérios clínicos e pela análise radiográfica, associado ao exame anatomopatológico. O presente artigo tem como objetivo apresentar dois relatos de caso de odontoma complexo associado a cisto dentígero, tratados com excisão cirúrgica simples do odontoma e enucleação do cisto dentígero. São discutidos pontos relacionados ao diagnóstico, ao tratamento e à origem de tais lesões.

Descritores: Odontoma; Cisto dentígero; Diagnóstico.


ABSTRACT

Complex odontoma is a mixed benign odontogenic tumor, consisting of a disorganized mass of hard dental tissue. The developmental dentigerous cyst is a lesion lined by a capsule of odontogenic epithelial tissue, characterized by its involvement with an unerupted tooth and the accumulation of fluid within it. The association between lesions of odontogenic origin can be explained by the differentiation potential of epithelial tissue during odontogenesis. The diagnosis is established by clinical and radiographic analysis in association with the anatomopathological examination. The aim of this paper is to present two case reports of complex odontoma associated with a dentigerous cyst treated with the surgical excision of the odontoma and enucleation of the dentigerous cyst. Topics related to the diagnosis, treatment and origin of such lesions are discussed.

Keywords: Odontoma; Dentigerous cyst; Diagnosis.


 

 

INTRODUÇÃO

Os odontomas e cistos dentígeros são lesões comuns, com padrão de crescimento conhecido1. O cisto dentígero é classificado como um cisto odontogênico de desenvolvimento, o qual representa uma lesão intraóssea revestida de epitélio, contendo acúmulo de fluido em seu interior, envolvendo a coroa de um dente não irrompido2. É frequente entre a segunda e a terceira década de vida, com uma maior prevalência em caucasianos do sexo masculino3. Comumente, esse cisto localiza-se na região de molares inferiores, havendo a existência de múltiplos cistos dentígeros ou associações simultâneas com outras lesões3. Os odontomas, entretanto, são considerados hamartomas, com um padrão clínico-patológico que permite dividi-lo em odontoma composto e complexo4. O odontoma complexo, o qual é trazido à tona neste trabalho, apresenta-se assintomático, com ocorrência maior na região posterior dos maxilares4,5. Ele é reconhecido por apresentar, como característica histológica, células epiteliais e mesenquimais, sendo constituído de tecidos dentários duros4. As neoplasias benignas de natureza odontogênica assim como as anomalias de desenvolvimento podem surgir em qualquer estágio da odontogênese6. Isso justificaria a ocorrência de alguns tumores odontogênicos estarem associados a lesões odontogênicas císticas6. O presente trabalho retrata dois casos clínicos de odontoma complexo associado a cisto dentígero.

 

RELATO DE CASO

Caso Clínico 1

Paciente A.R.C, masculino, feoderma, 34 anos procurou o Serviço de Cirurgia Bucomaxilofacial do Hospital Erasto Gaertner (HEG), relatando uma história de "Caroço no Queixo". Refere um aumento de volume no mento, sintomático, com um ano de evolução. Ao exame clínico, apresentava um aumento de volume, circunscrito, porém não delimitado, com aspecto de "casca de ovo" à palpação, em região vestibular anterior de mandíbula. Na face lingual, apresentava, também, um aumento de volume, bem circunscrito, bem delimitado e duro à palpação. O exame da radiografia panorâmica demonstrou uma imagem radiolúcida, circunscrita e bem delimitada por halo radiopaco, envolvendo o dente 43 incluso, sugestivo de lesão cística. Entre as raízes dos dentes 42 e 44, havia uma imagem radiopaca, bem delimitada e circunscrita, sugestiva de odontoma (Figura 1). Foi realizado PAAF (Punção Aspirativa por Agulha Fina) em ambiente ambulatorial no qual foi encontrado um líquido de coloração amarelo citrino. Este foi enviado para análise histopatológica, com quadro citológico compatível com conteúdo de cisto. O paciente foi submetido a procedimento cirúrgico, sob anestesia geral, optando-se por uma abordagem intraoral, por meio de uma incisão em região anterior de mandíbula. Após a divulsão e o descolamento do retalho mucoperiostal, visualizou-se uma tabua óssea delgada, sendo realizada uma osteotomia na qual, a qual pode se observar uma membrana cística espessa. Como tratamento, foi realizada a enucleação da lesão cística assim como a exérese do canino incluso que estava aderido à lesão (Figura 2). Em seguida, seguiu-se a remoção do odontoma, utilizando-se brocas 703 (Figura 3). O paciente está em acompanhamento de 6 meses, sem evidências de recidiva.

 

 

 

 

 

 

 

Caso Clínico 2

Paciente R.S.B, masculino, feoderma, 35 anos procurou o mesmo serviço, referindo sintomatologia dolorosa espontânea em região de mento, com quatro anos de evolução. Ao exame clínico extra-oral, apresentava discreto aumento de volume em mento. Ao exame intraoral, a mucosa estava normal em cor e consistência e volume e apresentava o dente 83, sem evidência clínica do dente 43. Ao exame da radiografia panorâmica, observou-se uma lesão radiolúcida, bem delimitada por halo radiolúcido, estendendo-se da mesial do dente 31 até a distal do 44, envolvendo a coroa do dente 43 incluso, sugestivo de cisto dentígero. Entre as raízes dos dentes 83 e 42, observou-se outra lesão, que se caracterizava por ser radiopaca, circunscrita e bem delimitada, sugestiva de odontoma (Figura 4). O paciente foi submetido à cirurgia em centro cirúrgico, sob anestesia geral, sendo realizada a enucleação cística e a remoção cirúrgica do odontoma assim como a exodontia do dente 43 associado. No controle pós-operatório de 6 meses, o paciente apresenta-se sem queixas e sem sinais de recidiva.

 

 

 

DISCUSSÃO

O odontoma complexo é um tumor benigno, comumente assintomático, que causa atraso na erupção de um dente, sendo, muitas vezes, diagnosticado como um achado incidental em exames radiológicos de rotina4. O diagnóstico é comumente realizado na segunda década de vida, sendo a média de idade de 16 anos. Há uma ligeira preferência por mulheres e por caucasianos7. Quanto à localização, Budnick (1976) declarou haver uma predileção pela região posterior de ambos os maxilares (59% dos casos), o que está de acordo com os achados de Lee e Park (2008), porém, com maior prevalência da arcada inferior4,5. Radiograficamente, apresentam-se como massas radiopacas, por vezes circundadas por margens radiolúcidas que podem representar uma cápsula, ou mesmo, formação cística5. Tal neoplasia é composta por uma combinação desordenada de tecidos dentários duros, juntamente com algumas células de tecido pulpar4.

O cisto dentígero odontogênico é o cisto de desenvolvimento mais comum dos maxilares, sendo encontrado com maior frequência, em região de molares inferiores, estando a lesão caracterizada pelo seu envolvimento com dentes irrompidos3. Há uma maior prevalência na segunda, na terceira e na quarta década de vida, sendo os homens atingidos com uma frequência ligeiramente superior às mulheres3,8. Assim como os odontomas, há uma maior ocorrência em caucasianos3. O exame extraoral revela assimetria facial como resultado da extensão da lesão cística, a qual comumente se apresenta assintomática9. Radiograficamente, o cisto dentígero ocorre como um defeito radiolúcido unilocular bem definido, associado com a coroa de um dente não irrompido, na sua junção cemento-esmalte3,8,9. Essa lesão cística surge do acúmulo de fluidos entre o epitélio reduzido do órgão do esmalte e a coroa de um dente não erupcionado2.

Estudos trazem a ocorrência de cistos odontogênicos em associação com tumores odontogênicos1,2,6,10,11,12,13. Kaugars et al. (1989), em estudo com 351 odontomas, mostraram que o número de odontomas vistos em conjunção com o cisto dentígero foi substancial (27,6%)7. Outras lesões associadas também são reportadas pela literatura, tal qual o cisto odontogênico calcificante. Este é uma lesão, que ocorre, ocasionalmente, em associação com outros tumores odontogênicos, tal como os odontomas14,15,16. Não raro, o tumor odontogênico adenomatoide pode vir associado a um cisto dentígero6,10,13.

Visto que a odontogênese é um processo complexo e neoplásico, é possível ocorrer, em qualquer uma de suas fases, o desenvolvimento de lesões tumorais ou císticas de natureza odontogênica6. Essas associações podem ser explicadas por diferentes motivos. Em um relato abordado por Basile et al. (2010), os autores sugerem que a presença de duas lesões simultaneamente pode ser justificada por uma mutação genética, ou mesmo, por uma coincidência14. Já Bernardes et al. (2008) aceitam a ideia da expressão do potencial de diferenciação histológico e morfológico do epitélio odontogênico, do qual essas lesões são derivadas15. Essa associação pode representar uma entidade clínica única, distinta, ou mesmo, ter sido revelada com o desenvolvimento secundário de uma lesão em relação à outra a partir do epitélio odontogênico do cisto ou do tumor16. Kaugars et al. (1989) sustentam o pensamento de que os dentes que não erupcionaram por causa de odontomas, muitas vezes, mostram alterações císticas no folículo dental, sendo diagnosticados histologicamente como cistos dentígeros7. No nosso estudo, sugere-se o aparecimento primário do odontoma em relação ao cisto dentígero, podendo ser a causa da impactação do dente permanente. Estando este retido, ocasionalmente isso resultou na transformação cística da cápsula do folículo, o qual envolvia a unidade dentária em formação, com consequente desenvolvimento do cisto dentígero.

Os relatos de caso revisados mostram que, quando associados, o odontoma e o cisto dentígero podem acometer tanto crianças (na faixa etária dos 10 anos de idade) quanto adultos (comumente na quarta década de vida), sendo, em sua maioria, homens e caucasianos. Frequentemente, dor, assimetria facial ou inchaço na região intrabucal são sinais e sintomas presentes no momento do diagnóstico1,2,12. Tais características podem ser correlacionadas com ambos os casos clínicos, haja vista a referência à dor assim como a preferência pelo sexo masculino e pela quarta década de vida. Diferente da literatura, na qual a maxila e os caucasianos são os mais atingidos1,2,12, nos pacientes do estudo, houve prevalência pela etnia negra e pela região anterior da mandíbula. Houve aumento de volume em apenas um dos casos.

O diagnóstico diferencial de tais lesões combinadas está relacionado a características de lesões fibro-ósseas, como o fibroma ossificante e a displasia fibrosa1.

O tratamento indicado do odontoma é a excisão cirúrgica, juntamente com a sua cápsula fibrosa, a qual delimita a lesão devido à possibilidade de degeneração cística7. Entretanto, o cisto dentígero é tratado por meio de enucleação simples17. Quando presente, o dente associado deve ser avaliado2, levando em consideração que 75% dos dentes impactados, relacionados com odontomas, podem irromper após a remoção do tumor18. Em crianças com dentição mista, a marsupialização e a remoção do dente decíduo relacionado com a lesão é uma opção para o tratamento, sendo preservado o dente permanente envolvido e ainda não erupcionado19. Entretanto, em casos de cistos dentígeros associados a outros tipos de lesão, a enucleação torna-se preterida19. Casos de recidiva não foram relatados pela literatura1,2,12 tal qual não foram observados em nossos dois casos clínicos apresentados. O tratamento estabelecido para ambos foi a excisão cirúrgica do odontoma, associada a enucleação do cisto dentígero, juntamente com a exodontia dos elementos retidos. No acompanhamento pós-operatório de 6 meses, não houve sinais de recorrência das lesões.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O odontoma complexo pode estar associado ao cisto dentígero, como consequência de uma degeneração cística na lâmina dentária de um dente impactado, devido à presença do tumor odontogênico. Esse tipo de associação entre lesões císticas e tumorais de origem odontogênica também pode ocorrer, decorrente de alterações no epitélio em qualquer fase da odontogênese. O tratamento de escolha é a excisão do odontoma associada à enucleação do cisto dentígero, sendo incomum a ocorrência de recidivas.

 

REFERÊNCIAS

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Laurindo Moacir Sassi
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